Aplicação do princípio da insignificância

Resumo: O Princípio da Insignificância objetiva estabelecer limites para a tipificação penal. A tipicidade de uma conduta não deve ser feito apenas sob o ponto de vista formal, ou seja, não deve observar apenas a subsunção da conduta à descrição legal de crime. A tipicidade penal deve ser entendida perante a análise não só da tipicidade formal, mas também da tipicidade material, ou seja, deverá levar em consideração a relevância do bem jurídico atingido no caso concreto. Desta forma, o Princípio da Insignificância reduz o âmbito de incidência do Direito Penal ao considerar materialmente atípicas condutas que causam insignificantes ofensas ao bem jurídico tutelado, apesar, de serem formalmente típicas. Assim, a tipicidade não mais se coaduna com a simples adequação do fato concreto ao tipo penal. Tendo-se em vista a relevância deste tema no âmbito doutrinário e jurisprudencial, este artigo tem o propósito de estudar o Princípio da Insignificância, sobretudo, no que concerne aos critérios necessários para sua aplicação.


Palavras-chave: Princípio da Insignificância. Evolução principiológica e jurisprudencial do Princípio da Insignificância. Tipicidade Penal. Crime Bagatelar.


1. INTRODUÇÃO


A orientação jurisprudencial e doutrinária é no sentido de considerar o Princípio da Insignificância como medida de política-criminal, na medida em que funciona como vetor interpretativo restritivo do tipo penal, objetivando a exclusão da incidência do Direito Penal perante as situações que resultem em ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.


  A finalidade primeira do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais sublimes e relevantes para a sociedade. Desta maneira, há determinados bens jurídicos que não demandam a tutela do Direito Penal, tendo em vista a irrelevância da conduta que os lesionou ou expôs a lesão. Neste caso, não havendo justificativa para incidência da tutela penal, o Direito Penal deve ausentar-se e possibilitar que os demais ramos do Direito assumam a proteção de tais bens[1].


Sendo assim, o tipo penal incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre os comportamentos humanos, apenas aqueles capazes de causar efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, vez que realmente lesivo à sociedade.


2- DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


2.1- Origem histórica e conceito


  No que concerne à origem do Princípio da Insignificância, entendimento amplamente majoritário afirma que este princípio originou-se do Direito Romano. A este respeito importante mencionar os dizeres de José Henrique Guaracy Rebêlo[2]: “A mencionada máxima jurídica anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”. De acordo, pois, com o brocardo romano, não é função do pretor cuidar dos delitos bagatelares, pois só deve ocupar-se das lesões significantes, as quais são capazes de comprometer a paz e a ordem da sociedade.


O Princípio da Insignificância foi reintroduzido na doutrina penal, no ano de 1964, por meio de Claus Roxin, na Alemanha. De acordo com o professor Odone Sanguiné[3], “o recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat praetor”.


 De acordo com o Princípio da Insignificância, sendo a lesão insignificante não há necessidade da intervenção do Direito Penal e, consequentemente, da incidência de suas graves reprimendas, pois tal princípio exclui a tipicidade material do delito[4]. Sendo assim, pode-se afirmar que o Princípio da Insignificância funciona como um mensurador da tipicidade material, na medida em que permite a atuação do Direito Penal apenas diante de condutas que afrontem materialmente o bem jurídico protegido.


Por sua vez, Maurício Ribeiro Lopes[5] apesar de não negar a existência da máxima latina mínima non curat praetor, não concorda com a origem romana do Princípio da Insignificância. Neste sentido, afirma o insigne doutrinador que “o Princípio da Insignificância teve origem, juntamente com o princípio da legalidade, durante o Iluminismo, como forma de restrição do poder absolutista do Estado”. Segundo o autor, “a Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Cidadão de 1789, em seu artigo 5°, implicitamente, consigna o Princípio da Insignificância, mostrando que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, o que evidencia o desprezo às ações insignificantes”.


 Em que pese o entendimento consignado por este doutrinador, é praticamente pacífico, no âmago da doutrina majoritária, que o Princípio da Insignificância brota do brocardo mínima non curat praetor.


Conforme observação feita por Maurício Ribeiro Lopes[6], as severas dificuldades econômicas ocorridas no continente europeu, provenientes da Segunda Guerra Mundial, o que resultou no aumento da criminalidade de bagatela, fez com que o Princípio da Insignificância nascesse vinculado, a priori, aos crimes de natureza patrimonial.


 Ressalta-se, contudo, que apesar do Princípio da Insignificância ter em sua origem um viés diretamente relacionado com a patrimonialidade lesada, com o passar do tempo teve o reconhecimento de seu campo de incidência ampliado consideravelmente, devendo ser analisado, sobretudo, diante das circunstâncias do caso concreto e não necessariamente associado aos crimes de natureza patrimonial[7]. A este respeito Cássio Lazzari Prestes[8] afirma o que se segue:


“Com efeito, o princípio da insignificância é um princípio geral e ordenador do Direito Penal incidindo sobre todas as normas de cunho penal, e não somente sobre aquelas com características patrimoniais. Cunhá-lo, com base na patrimonialidade, é amputar uma grande parcela de sua aplicabilidade esvaziando-o quase que por completo.”


Apesar da origem alemã, o Princípio da Insignificância rapidamente ganhou espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo atualmente aceito de forma majoritária tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. O doutrinador Francisco Assis Toledo[9] foi o primeiro doutrinador brasileiro a tratar do mencionado princípio, in verbis:


“Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do artigo 334, parágrafo 1°, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do artigo 312 não pode ser dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amênduas; a injúria, a difamação e a calúnia dos artigos 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem consequências palpáveis; e assim por diante.”


Outros autores brasileiros se dedicaram ao estudo do Princípio da Insignificância, tais como: Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Carlos Vico Mañas, Odone Sanguiné, Luiz Flávio Gomes, Diomar Ackel Filho, Ivan Luiz da Silva, dentre outros.


A doutrina internacional também se debruçou no estudo deste princípio, sendo que autores como, por exemplo, Claus Roxin, Eugênio Raul Zaffaroni, Sainz Cantero e Juan Bastos Ramirez deram grande contribuição na elucidação do Princípio da Insignificância.


No âmago da jurisprudência pátria, grande tem sido a aplicação do Princípio da Insignificância pelos tribunais, por exemplo:


“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. 3. Incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual para que haja a incidência da norma incriminadora não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, como no caso, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem sequer justifica a obrigatória cobrança judicial. 4. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de u’a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida. 6. Jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Suprema Corte: RE 550.761, da relatoria do ministro Menezes Direito (Primeira Turma); RE 536.486, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); e HC 92.438, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa (Segunda Turma). 7. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória”. (STF HC 100177, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-03 PP-00575)


Por meio deste julgado fica claro que o Princípio da Insignificância é tido como um princípio de política-criminal, segundo o qual, condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal não devem ser disciplicadas por ele, uma vez que, conforme jurisprudência acima “só é de se lançar mão do Direito Penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida”. Neste mesmo sentido tem-se o seguinte julgado: 


“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO. CRIME IMPOSSÍVEL, FACE AO SISTEMA DE VIGILÂNCIA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. INOCORRÊNCIA. MERCADORIAS DE VALOR INEXPRESSIVO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. O pleito de absolvição fundado em que o sistema de vigilância do estabelecimento comercial tornou impossível a subtração da coisa não pode vingar. As pacientes poderiam, em tese, lograr êxito no intento delituoso. Daí que o meio para a consecução do crime não era absolutamente ineficaz. 2. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística, tendo-se em conta critérios objetivos. 3. A tentativa de subtração de mercadorias cujos valores são inexpressivos não justifica a persecução penal. O Direito Penal, considerada a intervenção mínima do Estado, não deve ser acionado para reprimir condutas que não causem lesões significativas aos bens juridicamente tutelados. 4. Aplicação do princípio da insignificância justificada no caso. Ordem deferida a fim de declarar a atipicidade da conduta imputada às pacientes, por aplicação do princípio da insignificância”.(STF HC 97129, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 11/05/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC 04-06-2010 EMENT VOL-02404-02 PP-00300)


No que diz respeito à natureza jurídica do Princípio da Insignificância, o entendimento consubstanciado pela doutrina e jurisprudência pátria, é no sentido de considerá-lo como princípio jurídico do Direito Penal.


O termo princípio deve ser entendido como a norma base de um sistema. De acordo com os ensinamentos de Robert Alexy[10], princípios são “mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes”.


Nesse sentido, in verbis, lição de Robert Alexy:


“(…) princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandamentos de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.”


Isto posto, pode-se afirmar que os princípios têm um peso relativo, ou seja, variam de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Os princípios, portanto, podem ter sua aplicação ponderada de acordo com a situação concreta.


 Renato Lopes de Becho[11] ao conceituar princípios afirma que “os princípios são mais importantes que as regras, pois auxiliam na interpretação do sistema, no julgamento das causas e na própria elaboração de novas leis”.


 Do exposto, pode-se concluir que a aplicação dos princípios ao caso concreto requer do aplicador atividade interpretativa. Existindo para o caso concreto mais de um princípio aplicável, eles não se repelem. A eles deve ser aplicado o critério da ponderação de valores ou interesses, sendo que a sobreposição de um em relação ao outro vai depender de cada caso concreto.


Nesse sentido, vale mencionar as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello [12] que dispõe da seguinte forma sobre princípios:


“Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dar sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes de um todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”


Das lições do insigne ministro Celso Antonio Bandeira de Mello, pode-se concluir que princípio deve ser entendido como a norma base do sistema jurídico, o mandamento nuclear, o alicerce do ordenamento. Desta maneira, o desrespeito a um princípio configura-se mais grave que a violação de uma regra, pois ao se desrespeitar um princípio não se viola apenas um específico mandamento, mas sim todo o ordenamento jurídico.


 O Princípio da Insignificância, apesar de amplamente difundido pela doutrina e pela jurisprudência brasileira, não encontra efetiva conceituação no ordenamento jurídico. Conforme entendimento consubstanciado por Maurício Lopes[13], “nenhum instrumento legislativo ordinário ou constitucional o define ou o acolhe formalmente, apenas podendo ser inferido na exata proporção em que permitem limites para a interpretação constitucional e das leis em geral”. Conclui o autor que “o Princípio da Insignificância origina-se da elaboração exclusivamente doutrinária e jurisprudencial, o que faz justificar estas como autênticas fontes do Direito”. 


Em que pese o entendimento exposto por Maurício Lopes, é importante consignar que o Princípio da Insignificância tem fundamento constitucional. Ademais, não se pode olvidar que apesar deste princípio não está expresso no Direito Penal comum, encontra-se consignado em vários dispositivos legais do Código Penal Militar brasileiro, como por exemplo, artigo 209, §6°(lesão corporal levíssima) e artigo 240, §1°(furto atenuado) do Código Penal Militar Brasileiro, in verbis[14]:


“Art. 209(…)


§6° No caso de lesões levíssimas, o Juiz pode considerar a infração como disciplinar.


Art. 240


§1° Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país.”


Celso Celidonio[15]analisando esta questão à luz do Direito Penal Comparado observa que algumas legislações estrangeiras adotaram expressamente o Princípio da Insignificância, como exemplos têm-se: Código Penal Alemão de 1968, o qual dispõe que “não subsiste o crime, se, não obstante a conformidade da conduta à descrição legal de um tipo, as conseqüências do fato sobre direitos e interesses dos cidadãos e da sociedade e a culpabilidade do réu são insignificantes”. Ressalta o autor que disposições semelhantes são encontradas no Código Penal Cubano (art. 8°), Código Penal português (art. 74) e no Código Penal da China (art.10).


De acordo com doutrina de Ivan da Silva[16], um dos principais entraves para o reconhecimento do Princípio da Insignificância e de seus efeitos “é a carência conceitual que ele apresenta; uma vez que, afirma-se, que a indeterminação dos termos pode resultar em insegurança jurídica”. Ressalta Ivan da Silva, que, os doutrinadores que argumentam que o Princípio da Insignificância compromete a segurança jurídica aduzem que “os critérios de fixação das condutas insignificantes para a incidência do princípio são fixados pelo senso pessoal de justiça do operador jurídico, ficando condicionados a um conceito particular e empírico do que seja crime de bagatela”.


Não obstante as diversas críticas referentes ao déficit conceitual do Princípio da Insignificância, o douto estudioso Carlos Vico Mañas[17] destaca que “doutrina e jurisprudência têm conseguido fixar critérios razoáveis para a conceituação e o reconhecimento das condutas típicas afetas ao Princípio da Insignificância, com base na natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal”.


Para Diomar Ackel[18], o Princípio da Insignificância pode ser conceituado da seguinte forma:


“princípio da insignificância pode ser entendido como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovida de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta juízo de censura penal.”


Pelo conceito dado pelo autor acima, percebe-se que o Princípio da Insignificância está diretamente relacionado com a violação do resultado jurídico, exigindo-se, pois, significativa lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido.


Vico Mañas[19], por seu turno, entende que o Princípio da Insignificância pode ser definido da seguinte forma:


“princípio da insignificância é instrumento de interpretação restritiva, baseado na concepção material do tipo penal, através do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de comportamentos que, apesar de formalmente típicas, não ferem de forma socialmente relevante os bens juridicamente protegidos pelo Direito Penal.”


A esse respeito, Márcia Dometila Carvalho[20] discorre no seguinte sentido:


“O princípio da insignificância, ou falta de relevância social, é o campo onde se situam todos aqueles atos que afetam insignificantemente o bem jurídico. Todavia, ele não está explícito na nossa lei penal, sendo deduzido do seu caráter fragmentário em uma verdadeira criação jurisprudencial. Na doutrina penal, sua introdução deveu-se a Claus Roxin. Tal princípio, aliás, deve ser inferido do confronto com os princípios constitucionais vigentes e não, apenas, de estudo do bem jurídico isoladamente considerado ou atrelado, tão-somente, aos fins da pena.”


Conforme pode se extrair das doutrinas acima mencionadas, o Princípio da Insignificância funciona como mecanismo de política criminal, pois realiza uma interpretação restritiva do tipo. Desta forma só serão consideradas típicas as condutas capazes de causar lesão material significativa ao bem jurídico salvaguardado, do contrário não se justifica a intervenção penal[21].


Ademais, vale mencionar que assim como a doutrina brasileira, a jurisprudência pátria também tem dado significativa contribuição para a formulação de um conceito objetivo do Princípio da Insignificância. À guisa de ilustração, o teor do seguinte julgado:


“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.067,93 (TRÊS MIL, SESSENTA E SETE REAIS E NOVENTA E TRÊS CENTAVOS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/02 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. 3. Incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual para que haja a incidência da norma incriminadora não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, como no caso, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem sequer justifica a obrigatória cobrança judicial. 4. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de u’a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida. 6. Jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Suprema Corte: RE 550.761, da relatoria do ministro Menezes Direito (Primeira Turma); RE 536.486, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); e HC 92.438, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa (Segunda Turma). 7. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória.”
(STF HC 100177, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-03 PP-00575)


Conforme se extrai do julgado acima, para a incidência de uma norma penal a um caso concreto, não basta a mera subsunção formal do fato à norma em abstrato, necessário se faz a ocorrência de uma contraposição material da conduta do agente ao tipo penal, ou seja, condutas que não causem ofensa substancial ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal não devem ser consideradas típicas. Neste sentido observa-se o seguinte julgado:


“PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO. CONTRABANDO. ART. 334 DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. MERCADORIA APREENDIDA DE VALOR INEXPRESSIVO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NÃO PROVIDO. 1. Em face ao advento de regramento que manifesta o desinteresse do erário com arrecadação de determinados valores (art. 20 da MP 2.095-76, de 13/06/01, convertida na Lei 10.522, de 19/07/02), cabível é o princípio da insignificância na esfera penal, ainda que se trate do crime de contrabando. 2. O rigor do juízo de adequação ao qual se submetem os fatos abrindo espaço, em situações excepcionais, vem sendo mitigado pela jurisprudência para a alegação do princípio da insignificância que leva em conta a tipicidade material, trazendo para o conceito do tipo seu conteúdo axiológico. 3. Recurso em sentido estrito não provido”.
(RCCR 200334000286721, JUÍZA FEDERAL VÂNILA CARDOSO ANDRÉ DE MORAES (CONV.), TRF1 – TERCEIRA TURMA, 29/07/2005)


Importante consignar que a aplicação do Princípio da Insignificância não significa ausência de proteção jurídica. A aplicação do Princípio da Insignificância a um determinado caso concreto implica, apenas, na exclusão deste fato do âmbito de incidência do Direito Penal, podendo, pois, sobre ele incidir os demais ramos do Direito, menos invasivos aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo.


2.2 Concepção material da tipicidade penal


Em virtude do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, ele só deve atuar frente o fracasso e ineficácia dos demais ramos do Direito. Se há outros ramos do Direito suficientes e eficazes, o Direito Penal não deve incidir, vez que só deve atuar quando absolutamente necessário[22].


 É dever do Direito Penal tutelar bens jurídicos, no entanto, não é todo e qualquer bem jurídico que necessita da proteção do Direito Penal, mas apenas aqueles considerados mais relevantes para a sociedade. Desta forma, a lesão ao bem juridicamente protegido deve ser significante, pois é desproporcional incidir a repressão penal em um fato mínimo[23].


O Princípio da Insignificância tem sido considerado tanto pela doutrina majoritária quanto pela jurisprudência como causa supralegal de exclusão da tipicidade. A título de exemplo, atual jurisprudência do STJ, in verbis:


“HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A FURTO. RES FURTIVA: MEMORY CARD AVALIADO EM R$ 15,00, RESTITUÍDO À VÍTIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE MESMO ANTE O COMETIMENTO DO FATO POR MENORES. PRECEDENTES DO STJ.PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA, PARA, APLICANDO O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, TRANCAR A REPRESENTAÇÃO PENAL.


1.   A jurisprudência desta Corte tem pacificamente enunciado a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao fato cujo agente tenha praticado ato infracional equiparado a delito penal sem significativa repercussão social, lesão inexpressiva ao bem jurídico tutelado e diminuta periculosidade de seu autor. Precedentes. 2.   O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade.Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 3.No caso em apreço, além de o bem substraído ter sido recuperado, o montante que representava não afetaria de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância. 4.Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial, para, aplicando o princípio da insignificância, trancar a representação penal em curso em razão dos fatos ora especificados”.(STJ HC 163.349/RS, Rel. Ministro  NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 28/06/2010)


Tipicidade pode ser entendida como a subsunção, adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei. Contudo, esta definição, por si só, não mais satisfaz aos anseios do Direito Penal moderno. Esse aspecto formal do delito é necessário, porém não é suficiente para suprir as necessidades da atual sociedade. A este respeito, importante consignar lições do doutrinador Cássio Vinícius Prestes[24]:


“A doutrina moderna demonstra insatisfação com esta concepção de mero juízo formal da tipicidade. Busca-se, hoje, restringir a área de abrangência do Direito Penal como forma de controle dos conflitos sociais, consequência do seu caráter subsidiário e fragmentário. De fato, atualmente, também deve-se atribuir ao tipo penal um sentido material, deve-se dar  ao tipo conteúdo valorativo e não somente descritivo.”


Neste mesmo sentido vale consignar ensinamentos de Francisco de Assis Toledo[25]:


“A tipicidade não se esgota na subsunção formal do fato ao tipo, a descrição típica deve ser lesiva a um bem jurídico. Assim, afirma-se que o comportamento humano para ser típico, não só deve ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito, mas também ser materialmente lesivo a bens jurídicos, ou ética, ou socialmente reprovável.”


Sendo assim, a tipicidade não se restringe a mera subsunção formal da conduta humana ao modelo abstrato previsto em lei. Então, para que uma conduta seja considerada delituosa, não é suficiente a ocorrência da mera adequação formal do fato à norma incriminadora, sendo necessária a ocorrência de uma relevante lesão ou perigo de lesão ao bem protegido pela lei[26]. A tipicidade material ocupa-se, pois, da análise da lesão ou perigo de lesão, ocasionados pelo comportamento do agente em face do bem jurídico salvaguardado pela norma penal.


Sendo assim, cabe ao operador da lei penal especificar a área de abrangência dos tipos penais abstratamente previstos no ordenamento jurídico, de maneira a excluir da tutela penal os fatos ocasionadores de insignificante lesão ao bem jurídico tutelado, nos quais se deve aplicar o Princípio da Insignificância.


A este respeito Damásio de Jesus[27] ensina que:


“O conceito material de crime traz à tona qual o motivo que o legislador tipifica como criminosa determinada conduta e lhe comina uma sanção. Sob o ponto de vista material, o conceito de crime visa aos bens protegidos pela lei penal. Desta forma, nada mais é que a violação de um bem jurídico penalmente protegido.”


Vico Mañas[28], discorrendo sobre este tema assim se posiciona:


“O princípio da insignificância, portanto, pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídico protegidos pelo direito penal.”


Nota-se que a dimensão material do tipo penal está intimamente relacionada ao conceito material de crime. Crime em sua concepção material é entendido como comportamento humano causador de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, sendo passível, pois, de sanção penal[29].


Pelo exposto, evidencia-se que a aplicação do Princípio da Insignificância traz como consequência o afastamento da tipicidade material, uma vez que as condutas que não forem lesivas aos bens juridicamente protegidos são tidas como atípicas.


A jurisprudência pátria, na mesma linha de raciocínio da doutrina, se posiciona da seguinte forma a respeito do Princípio da Insignificância e da tipicidade material:


“HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.


1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não se revela a tipicidade material quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.


2.  No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que tentou subtrair um botijão de gás, avaliado em R$100,00 (cem reais), justificando-se nesse caso, a aplicação do princípio da insignificância.3. Ordem concedida .(STJ HC 165.523/SP, Rel. Ministro  OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 30/06/2010, DJe 09/08/2010)


EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por conseqüência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, além de serem relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada -, devem ser analisados, em cada caso, de forma cautelar e rigorosa, a realidade sócio-econômica do País e o conjunto de valores éticos juridicamente aproveitados pelo sistema penal para determinar se a conduta pode ou não ser considerada típica para a configuração do delito. Precedentes. 4. No caso dos autos, em que o delito se fez por três agentes, “na Localidade de Lajeado Taquara, interior do Município de Alecrim/RS”, que “subtraíram, para si, do interior da propriedade da vítima (…), uma novilha da raça holandesa”, de pouco valor material, é certo, porém inestimável para um agricultor de uma região na qual predomina o minifúndio, não é de se desconhecer que não se há de levar a efeito exame que considere mais o valor material do bem subtraído que os valores que têm de orientar a conduta de pessoas modestas que vivem em povoações nas cercanias de cidades interioranas. Associados a estes valores de ético-jurídico, verificam-se, ainda, o alto grau de reprovabilidade do comportamento dos Pacientes e a expressividade da lesão jurídica causada à vítima na espécie em pauta, circunstâncias suficientes para afastar a incidência do princípio da insignificância. 5. As causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis com as de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal. Precedentes. 6. Ordem parcialmente concedida, para, reconhecendo a compatibilidade entre as causas especiais de diminuição (privilégio) e de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal, restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.


( STF HC 97051, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 13/10/2009, DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-04 PP-01214)


PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. EXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM DENEGADA.


1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. 3. A subtração de 6 peças de alumínio, avaliadas em R$ 300,00 e vendidas a terceiro, se subsume à definição jurídica do crime de furto, amoldado-se à tipicidade subjetiva e à tipicidade material, mostrando-se proporcional a imposição de pena privativa de liberdade, porque houve expressiva lesão ao bem jurídico tutelado.4. Ordem denegada.” (STJ HC 157.199/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010)


Segundo orientação jurisprudencial acima exposta, a tipicidade formal não teve ser entendida isoladamente, mas sim conjuntamente com a tipicidade material, na qual se vislumbra um conteúdo valorativo na análise da tipicidade do fato. Por fim, é importante observar que a tipicidade, sob a dimensão material, realiza a valoração não só da conduta, mas, sobretudo do resultado jurídico causado, a fim de evidenciar-se o mínino necessário para a materialização do tipo previsto abstratamente.


2.3 Critérios de reconhecimento da conduta penalmente insignificante


Durante vários tempos tanto a doutrina quanto a jurisprudência não tinham critérios pré-fixados no que diz respeito à aplicação do Princípio da Insignificância. Esta situação deve-se, sobretudo, ao fato do Princípio da Insignificância não encontrar-se positivado no Direito Penal comum. Além do mais, os atuais critérios consignados pela doutrina e jurisprudência não são vinculantes, sendo que a insignificância, em cada caso, depende das circunstâncias do caso concreto.


Conforme ensinamentos extraídos da obra de Ivan da Silva[30], para se reconhecer a conduta típica penalmente insignificante deve ser observado o modelo clássico de determinação, pelo qual se realiza “uma avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta praticada, como fito de se determinar o grau quantitativo-qualitativo da lesividade em relação ao bem jurídico atacado”. Desta forma, para o referido autor “é a avaliação da concretização dos elementos da conduta praticada que indicará o que é significante ou insignificante, fazendo incidir ou não o Direito Penal”.


Neste mesmo sentido, importante mencionar doutrina de Juarez Tavares[31]o qual afirma que “ao determinar as características do comportamento proibido, o legislador procede a uma avaliação negativa sobre a conduta e o resultado por ela produzido. Esta dupla avaliação é denominada de desvalor do ato e do resultado”.


Conforme doutrina de Odone Sanguiné[32], o índice desvalor da ação “refere-se ao grau de probabilidade da conduta para realizar o evento na concreta modalidade lesiva assumida pelo agente”. Já o índice desvalor do resultado é obtido “da importância do bem jurídico atacado e da gravidade do dano provocado”. Para Odone Sanguiné, portanto, “a insignificância concorrente desses índices do desvalor da ação e do desvalor do resultado qualifica o fato como irrelevante para o Direito Penal”.


Nota-se que, segundo doutrina desenvolvida por Odone Sanguiné, para que um fato seja considerado insignificante necessário se faz a concorrência da insignificância da conduta e do resultado.


Em que pese o entendimento do autor supracitado, o insigne doutrinador Luiz Flávio Gomes[33] preleciona, de forma acertada, que a insignificância pode ocorrer tão somente na conduta ou resultado, bem como nos dois. Afirma o autor que há situações em que falta desvalor da conduta; em outras, por sua vez, falta desvalor do resultado, e ainda há um terceiro grupo em que ocorre ambos os desvalores. Por fim, conclui Luiz Flávio Gomes que nos três casos não se pode afastar, de plano, a incidência do Princípio da Insignificância.


Para demonstrar sua tese, Luiz Flávio Gomes exemplifica as hipóteses acima tratadas, conforme se segue. Assim, para o mencionado autor, há situações como, por exemplo, o furto de uma caixa de fósforo, que apesar do desvalor da conduta (subtração de coisa alheia móvel), por se ter um resultado jurídico absolutamente insignificante, ínfimo (ausência de desvalor de resultado), não há como se deixar de reconhecer a aplicação do princípio em apreço.


De outra sorte, de acordo com Luiz Flávio Gomes, no caso de uma inundação por abertura de uma represa, quem ajuda o autor do fato com o derramamento de um copo d` água não pode ser tido como co-autor, pois inegável o desvalor da ação. Conclui, pois, que “o Princípio da Insignificância deve ser aplicado de forma criteriosa e de acordo com o caso em apreço, sendo os critérios do desvalor da conduta, do resultado ou de ambos analisados de acordo com cada caso concreto” [34].


Sendo assim, a ameaça de lesão ou a lesão provocada ao bem jurídico tutelado não deve ser analisada apenas abstratamente em um tipo penal, porquanto a aplicação ou não do Princípio da Insignificância deve ser feita de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, de acordo com suas peculiaridades do caso, e não no plano abstrato.


Ademais, importante consignar que em razão do Princípio da Insignificância está diretamente relacionado com a relevância penal do bem jurídico protegido, há determinados crimes que, por si só, excluem a incidência deste princípio, tais como: roubo, homicídio e estupro. Neste sentido, observa-se os seguintes julgados dos tribunais:


“HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. LESÃO AO PATRIMÔNIO E À INTEGRIDADE FÍSICA DA VÍTIMA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A questão tratada no presente writ diz respeito à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de roubo. 2. Como é cediço, o crime de roubo visa proteger não só o patrimônio, mas, também, a integridade física e a liberdade do indivíduo. 3. Deste modo, ainda que a quantia subtraída tenha sido de pequena monta, não há como se aplicar o princípio da insignificância diante da evidente e significativa lesão à integridade física da vítima do roubo. 4. Ante o exposto, denego a ordem de habeascorpus. (STF HC 96671, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-04 PP-00665)


PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Em crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a vítima, como ocorre no roubo, não há falar em aplicação do princípio da insignificância, não obstante o ínfimo valor da coisa subtraída.Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.(STJ REsp 1159735/MG, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 02/08/2010)


HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DELITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE BENS JURÍDICOS OFENDIDOS. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE CONSTRANGIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme orientação desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, é inaplicável, ao crime de roubo, o princípio da insignificância – causa excludente da tipicidade penal –, pois, tratando-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. 2. Se a conduta do Paciente descrita na denúncia preenche todos os elementos do tipo previsto no art. 157 do Código Penal, não há como se acolher a pretendida desclassificação para o delito de constrangimento ilegal. 3. Ordem denegada.” (STJ HC 142.661/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010).


Evidencia-se, pois, que em crimes desse quilate não há que se admitir a aplicação do Princípio da Insignificância, pois nesses casos não há que se falar em desvalor quer da conduta, quer do resultado ou de ambos. Desta forma, conforme orientação jurisprudencial é inviável a afirmação do desinteresse estatal à repressão desses crimes.


Em termos jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal, depois de inúmeros julgados, quando do julgamento do caso paradigmático HC 84412-SP, estabeleceu critérios para aplicação do Princípio da Insignificância. Critérios estes amplamente aceitos pelos tribunais e pela doutrina. In verbis, teor do HC 84412-SP do Supremo Tribunal Federal, no qual pela 1° vez fixou tais critérios:


“E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – “RES FURTIVA” NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (STF HC 84412, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229 RT v. 94, n. 834, 2005, p. 477-481 RTJ VOL-00192-03 PP-00963)


Desta forma, a jurisprudência tem aplicado os seguintes critérios para verificação da aplicação do Princípio da Insignificância: a) ausência de periculosidade social da ação; b) mínima idoneidade ofensiva da conduta; c) falta de reprovabilidade da conduta, e d) inexpressividade da lesão jurídica causada. Sendo assim, o Princípio da Insignificância não deve ser aplicado a todo e qualquer delito contra bem jurídico de baixo valor, pois critérios devem ser observados em cada caso concreto. À guiça de ilustração têm-se os seguintes julgados:


“PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.


1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.  3. A subtração de 2 litros de vodka SMIRNOFF e 1 litro de CAMPARI, posteriormente restituídos à vítima, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva. 4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente, invalidando-se, por consequência, eventual condenação contra ele imposta.(STJ HC 161.800/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/05/2010, DJe 21/06/2010)


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. CRITÉRIOS DE ORDEM OBJETIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). 2. No presente caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. Assim, somente é possível cogitar de tipicidade penal quando forem reunidas a tipicidade formal (a adequação perfeita da conduta do agente com a descrição na norma penal), a tipicidade material (a presença de um critério material de seleção do bem a ser protegido) e a antinormatividade (a noção de contrariedade da conduta à norma penal, e não estimulada por ela). 3. A lesão se revelou tão insignificante que sequer houve instauração de algum procedimento fiscal. Realmente, foi mínima a ofensividade da conduta do agente, não houve periculosidade social da ação do paciente, além de ser reduzido o grau de reprovabilidade de seu comportamento e inexpressiva a lesão jurídica provocada. Trata-se de conduta atípica e, como tal, irrelevante na seara penal, razão pela qual a hipótese comporta a concessão, de ofício, da ordem para o fim de restabelecer a decisão que rejeitou a denúncia. 4. A configuração da conduta como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva, não podendo ser considerados aspectos subjetivos relacionados, pois, à pessoa do recorrente. 5. Recurso extraordinário improvido. Ordem de habeas corpus, de ofício, concedida.(STF RE 536486, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 26/08/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-05 PP-01083 RMDPPP v. 5, n. 26, 2008, p. 100-105)


Os critérios fixados pelo Supremo Tribunal Federal são critérios que possuem conteúdo normativo evidente, ou seja, necessitam da valoração do magistrado. Segundo entendimento extraído da obra do professor Luiz Flávio Gomes[35], “o Princípio da Insignificância tem tudo a ver com a moderna posição do juiz, o qual não mais está bitolado pelos parâmetros abstratos da lei, mas sim pelos interesses em jogo em cada situação concreta”. Conclui o eminente jurista afirmando que no Direito do caso concreto, a superioridade do juiz na análise do caso concreto é indiscutível. Ademais afirma o autor que “a possibilidade de se fazer justiça perante cada caso concreto é bem mais amplo que antes, quando o juiz estava vinculado ao silogismo formal da premissa maior, premissa menor e conclusão” [36].


Tendo em vista os critérios determinados pelo STF para aplicação do Princípio da Insignificância, conjuntamente com as circunstâncias do caso concreto, o STF e STJ, em vários julgados, decidiram pela não aplicação do Princípio da Insignificância, tendo por base a interpretação dos critérios estabelecidos pelo Supremo. Abaixo, o teor de alguns julgados:


“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO E TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. NOTÍCIA DA PRÁTICA DE VÁRIOS OUTROS DELITOS PELO PACIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 3. O grande número de anotações criminais na folha de antecedentes do Paciente e a notícia de que ele teria praticado novos furtos, após ter-lhe sido concedida liberdade provisória nos autos da imputação ora analisados, evidenciam comportamento reprovável. 4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem denegada.
(STF HC 102088, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-05 PP-01058)


DIREITO PENAL. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETROS E CRITÉRIOS. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA PROVOCADA. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A questão de direito tratada neste writ, consoante a tese exposta pelo recorrente na petição inicial, é a suposta atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base na teoria da insignificância, por falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico tutelado na norma penal. 2. Registro que não considero apenas e tão somente o valor subtraído (ou pretendido à subtração) como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. Do contrário, por óbvio, deixaria de haver a modalidade tentada de vários crimes, como no próprio exemplo do furto simples, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2°). Como já analisou o Min. Celso de Mello, no precedente acima apontado, o princípio da insignificância tem como vetores “a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.” (HC 84.412/SP). 3. No presente caso, considero que tais vetores não se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. 4. No caso em tela, a lesão se revelou significante não obstante o bem subtraído ser inferior ao valor do salário mínimo. Vale ressaltar, que há informação nos autos de que o valor “subtraído representava todo o valor encontrado no caixa (fl. 11), sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a meia-noite, ainda mantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivência honesta.” Portanto, de acordo com a conclusão objetiva do caso concreto, entendo que não houve inexpressividade da lesão jurídica provocada. 5. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
(RHC 96813, ELLEN GRACIE, STF)


HABEAS CORPUS. PENAL. FURTOS QUALIFICADOS. BENS SUBTRAÍDOS AVALIADOS EM R$ 254,00. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.1. A conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. Com efeito, a subtração de bens avaliados no total de R$ 254,00 (duzentos e cinquenta e quatro reais) – não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela. 2. “A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado” (STF, HC n.º 97.772/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 19/11/2009.) 3. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. Apenas o segundo, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância. 4. Ademais, conforme ressaltou a Corte de origem, o Paciente “[…] praticou dois delitos qualificados pelo concurso de agentes, num curto espaço de tempo, numa mesma região de atuação. O fato foi praticado com audácia e resultou dano além da frustração pela subtração.” 5. Ordem denegada.(STJ HC 149.144/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010)


Do exposto, vislumbra-se que a análise das particularidades de cada caso concreto se mostra de fundamental importância para a aplicação do Princípio da Insignificância. Deve-se ter em mente que a aplicação do princípio em apreço se dá em cada caso concreto[37].


Vale consignar que, os critérios elencados pela jurisprudência, por si só, não são suficientes, devendo o juiz analisar, sobretudo, as circunstâncias do caso concreto, tais como: análise do bem jurídico ameaçado ou lesado, dimensão da lesão, extensão do perigo, vítima, local, momento, dentre outros.


Ademais, vale ressaltar que dos critérios fixados pelo Supremo, a ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta e falta da reprovabilidade da conduta referem-se à conduta (desvalor da conduta). Já o critério da inexpressividade da lesão causado diz respeito ao resultado jurídico (desvalor do resultado). Em torno deste aspecto, divergência surge quanto à necessidade ou não da cumulatividade destes quatro requisitos.


Discorrendo sobre este tema o professor Luiz Flávio Gomes, conforme já exposto acima, afirma que como a insignificância pode ser da conduta ou do resultado ou de ambos, não sendo necessária a existência dos quatro requisitos para a aplicação do Princípio da Insignificância[38].


Assim, conforme doutrina do professor Luiz Flávio Gomes, se a conduta for insignificante são exigidos os três critérios concernentes à conduta, quais sejam: ausência de periculosidade social da ação, mínima idoneidade ofensiva da conduta e falta de reprovabilidade da conduta. Caso a insignificância ocorra quanto ao resultado aplica-se somente o requisito concernente ao resultado, qual seja: inexpressividade da lesão jurídica causada. Agora, se a insignificância ocorrer tanto na conduta quanto no resultado, os quatros requisitos se fazem necessários cumulativamente.


Em que pese o entendimento do insigne jurista, ressalta-se que nos julgados do STF e STJ prevalece a exigência da cumulação de todos os critérios acima elencados para a aplicação do Princípio da Insignificância. A título de exemplificação, os seguintes julgados do STF e STJ:


“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO CONSUMADO E TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. 2. A conduta reiterada do paciente não pode ser considerada como expressiva de mínima ofensividade. Seu comportamento também não pode ser tido como de reduzida reprovabilidade. Recurso não provido.
(RHC 103552, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 01/06/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-03 PP-00717)


HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. UTILIZAÇÃO DE CHEQUE FALSIFICADO.PREJUÍZO QUE BEIRA UM SALÁRIO MÍNIMO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.INAPLICABILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO.EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. MULTIPLICIDADE DE CONDENAÇÕES. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E SEGUNDA ETAPAS DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA.


1. Para a aplicação do referido postulado, devem ser obedecidos quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.2. Na hipótese, o prejuízo causado com a ação do paciente foi avaliado em R$ 220,00 (duzentos e vinte reais). Tal valor não pode ser taxado de insignificante, principalmente se considerado que à época dos fatos (5.5.02), ele se aproximava a 1 (um) salário mínimo.3. De mais a mais, a utilização de cheque falsificado evidencia a presença de periculosidade social da ação, afastando a incidência do referido princípio.4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis autoriza a fixação da pena-base acima do patamar mínimo e o estabelecimento de regime prisional mais gravoso.5. No caso, a Juíza do processo fixou a pena-base em 5 (cinco) meses acima do piso legal, apontando como desfavoráveis a personalidade do agente e as consequências dos crime. Assim, não há falar em constrangimento ilegal. 6. Além disso, havendo multiplicidade de condenações, nada obsta a exasperação da sanção na primeira e na segunda etapas do critério trifásico de aplicação da reprimenda, sem que isso configure bis in idem.7. Ordem denegada.”( STJ HC 83.144/DF, Rel. Ministro  OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 21/06/2010)


Outro aspecto que por muito tempo gerou insegurança quanto à aplicação do Princípio da Insignificância, diz respeito à possibilidade ou não da aplicação deste princípio aos portadores de circunstâncias judiciais desfavoráveis.


No entanto, vários julgados tanto do Supremo quanto do Superior Tribunal de Justiça têm admitido a aplicação do Princípio da Insignificância nestes casos, apesar da existência de julgados neste último tribunal impedindo a aplicação do Princípio da Insignificância para reincidentes. À guiça de ilustração, alguns julgados:


“HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.


1. Embora atualmente, em razão do alto índice de criminalidade e da consequente intranquilidade social, o Direito Penal brasileiro venha apresentando características mais intervencionistas, persiste o seu caráter fragmentário e subsidiário, dependendo a sua atuação da existência de ofensa a bem jurídico relevante, não defendido de forma eficaz por outros ramos do direito, de maneira que se mostre necessária a imposição de sanção penal. 2. Em determinadas hipóteses, aplicável o princípio da insignificância, que, como assentado pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 84.412-0/SP, deve ter em conta a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Tratando-se de furto de peças de carnes bovinas e de um pacote de camarão de um supermercado, avaliados em R$ 60,00 (sessenta reais), não revela o comportamento da agente lesividade suficiente para justificar a intervenção do Direito Penal, sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta. 4. Ademais, segundo os precedentes desta Corte, a existência de maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância, ficando, caracterizado, portanto, o evidente constrangimento ilegal a que está submetida a paciente.5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente na ação penal de que se cuida. (STJ HC 160.095/MG, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 02/08/2010)


HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT DO CPB). SUBTRAÇÃO DE UMA BOLSA USADA AVALIADA EM R$ 8,00. PACIENTE CONDENADO A 1 ANO E 2 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA DO PACIENTE QUE NÃO DESCARACTERIZA O DELITO DE BAGATELA. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, COM A RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR, PARA, APLICANDO O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, ABSOLVER O ORA PACIENTE, COM FULCRO NO ART. 386, III DO CPP. 1. Considerando-se que a tutela penal deve se aplicar somente quando ofendidos bens mais relevantes e necessários à sociedade, posto que é a última dentre todas as medidas protetoras a ser aplicada, cabe ao intérprete da lei penal delimitar o âmbito de abrangência dos tipos penais abstratamente positivados no ordenamento jurídico, de modo a excluir de sua proteção aqueles fatos provocadores de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado, nos quais têm aplicação o princípio da insignificância. 2.  Desta feita, verificada a necessidade e utilidade da medida de política criminal, é imprescindível que sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min.CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004). 3. No caso em apreço, mostra-se de todo aplicável o postulado permissivo, visto que evidenciado o pequeno valor do bem subtraído – uma bolsa usada, avaliada em R$ 8,00. 4. O fato de ser a paciente reincidente, não impede o reconhecimento do delito como sendo de bagatela, importando na atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. Ressalva do entendimento do Relator.5.   Parecer do MPF pela concessão da ordem. 6.Ordem concedida, com a ressalva do entendimento do Relator, para, aplicando o princípio da insignificância, absolver o ora paciente, com fulcro no art. 386, III do CPP.


(STJ HC 146.813/MG, Rel. Ministro  NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA,STJ, julgado em 22/06/2010, DJe 09/08/2010)


HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO.


1. Reconhece-se a aplicação do princípio da insignificância quando verificadas “(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada” (HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/2004). 2. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento da paciente, que adquiriu, sabendo ser produto de crime, 5 (cinco) cadeiras, globalmente avaliadas em R$ 75,00 (setenta e cinco reais), sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta. 3. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância. 4. Ordem concedida a fim de, aplicando o princípio da insignificância, absolver a paciente do crime de que cuida a Ação Penal nº 576.01.2006.044782-5 (1ª Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto/SP). (STJ HC 142.586/SP, Rel. Ministro  OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 10/06/2010, DJe 01/07/2010).


Observa-se que, segundo orientação predominante dos tribunais, a existência de circunstâncias pessoais desfavoráveis do agente, bem como o fato de ser reincidente, por si só, não impedem a incidência do Princípio da Insignificância, o qual pauta-se em critérios objetivos. Neste sentido, também a doutrina, como, por exemplo, Luiz Luisi[39], in verbis:


“É inquestionável que se não existe a tipicidade, as circunstâncias presentes no contexto do fato e a vida passada do autor não têm a virtude de transformar em ilícito o fato. Uma lesão insignificante a um bem jurídico, ainda que seja de autoria de um reincidente na prática de delitos graves, não faz que ao mesmo se possa atribuir um delito. Seus antecedentes, por mais graves que sejam não podem levar à tipificação criminal de uma conduta que, por haver causado insignificante dano a um bem jurídico, não causou uma lesão relevante.”


Pela análise da doutrina e da jurisprudência dos tribunais, percebe-se que para a aplicação do Princípio da Insignificância só se trabalha com critérios objetivos, não havendo que se falar em reincidência, personalidade, culpabilidade etc[40]. Por fim, notório é o esforço da jurisprudência na busca de critérios objetivos para a aplicação do Princípio da Insignificância, buscando, pois, sua correta aplicação como medida de justiça político-criminal, bem como com o intuito de evitar a tão indesejada insegurança jurídica.


3.CONCLUSÃO


Diante da atual realidade da justiça criminal, caracterizada pela sobrecarga do judiciário e pelo descrédito da função repressiva e preventiva da sanção penal, os Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato têm fundamental importância no processo de revalorização do Direito Penal.


A tendência do Direito Penal moderno é o abandono do sistema penal meramente legalista. A atual realidade social pugna pela aplicação de um Direito Penal Constitucional, caracterizado pelos aspectos da intervenção mínima e da fragmentariedade, voltado, sobretudo, para salvaguardar as garantias fundamentais dos cidadãos.


O Direito Penal tem por finalidade precípua tutelar bens jurídicos. Porém, como visto, não é todo bem jurídico que merece a proteção do Direito Penal, mas apenas aqueles bens jurídicos mais importantes para a proteção e manutenção da sociedade.


 Os crimes de bagatela, que não se confundem com infrações de menor potencial ofensivo, são delitos que provocam ínfima lesão ao bem jurídico protegido, não merecendo, pois, ser objeto da tutela jurídico-penal. Desta forma, a infração bagatelar gera ou a atipicidade do fato ou a inexigibilidade da aplicação da pena, sendo que em qualquer hipótese exclui a incidência do Direito Penal, devendo, pois, a infração bagatelar ser disciplinada por outros ramos do Direito. Analisados tais aspectos, notório é a relevância da aplicação criteriosa e casuística do Princípio da Insignificância diante da prática de infrações bagatelares.


 


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Notas:
[1] PRESTES, Cássio Vinícius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p.19.

[2] REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey 2000, p. 31.

[3] SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, ano 1990, v.3, n.1, p.39.

[4] PRESTES, Cássio Vinícius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p.62.

[5] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no Direito Penal.2° edição, São Paulo: RT,2000, p.46.

[6] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2° edição, São Paulo: RT, 2000, p.42.

[7] ROTH, João Ronaldo. O Princípio da Insignificância e o Direito Penal Militar. Artigo extraído do site:www.jusmilitaris.com.br. Acesso em: 03/09/2010.

[8] PRESTES, Cássio Vinicius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p.36.

[9] TOLEDO, Francisco Assis. Princípio Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1982, p.133.

[10] ALEXY, Robert. Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática dos direitos fundamentais. Palestra proferida na Fundação Casa de Ruy Barbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.1998.

[11] BRECHO, Renato Lopes. Princípio da Eficiência da Administração Pública, in Boletim de Direito Administrativo, jul/1999, p.438.

[12] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Constitucional.19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.95.

[13] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2° edição, São Paulo: RT, 2000 , p.45.

[14] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no direito penal.1°  Ed. (ano2004), 3° reimp. Curitiba: Juruá, 2009. P.136.

[15] CELIDONIO, Celso. O princípio da Insignificância. Revista Direito Militar. Brasília, v. 3, n. 16. p.7-10, mar./abr./1999. p. 8.

[16] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no direito penal.1° edição9ano 2004), 3° reimp. Curitiba: Juruá, 2009. p.93.

[17] MAÑAS, Carlos Vico.O princípio da insignificância como excludente da tipicidade  no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61.

[18] ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no Direito Penal. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, 1988. p.73.

[19] MAÑAS, Carlo Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade  no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 81.

[20] CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Editor, 1992, p. 35-36.

[21] PRESTES, Cássio Vinícius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p.62.

[22] PRESTES, Cássio Vinicius D.C.V. Lazarri. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p.21.

[23] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 53-54.

[24] PRESTES, Cássio Vinicius D.C.VLazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade material.São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 33.

[25] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 119.

[26] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no direito penal.1°  Ed. (ano2004), 3° reimp. Curitiba: Juruá, 2009. P.81.

[27] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal parte geral, 28° edição, 2005, p. 201.

[28] MAÑAS, Carlo Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade  no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 81.

[29] PRESTES, Cássio Vinicius D.C.VLazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade material.São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 33.

[30] SILVA, Ivan Luiz da Silva. Princípio da Insignificância no direito penal.1°  Ed. (ano2004), 3° reimp. Curitiba: Juruá, 2009, p.150.

[31] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 238.

[32] SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância.Fascículos de Ciências Penais.  Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, v. 32, 1990, p. 45.

[33] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009, p. 16 e 17. 

[34] GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela e princípio da irrelevância penal do fato. Sitio da rede de ensino LFG,2005. Disponível em: http: //www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20041008145549539. Acesso em: 11 de out 2010.

[35] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009, p.19. 

[36] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009.p. 19 e 20. 

[37] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009.p. 19. 

[38] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009.p. 16. 

[39]LUISI (1998 apud GOMES,2009, p. 63)

[40] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade. São Paulo: RT, 2009. p.17 e 18.


Informações Sobre o Autor

Karla Daniele Moraes Ribeiro

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.


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