Lei Complementar n.135 de 2010, origem e considerações iniciais

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Resumo: Este trabalho refere-se a um estudo sobre a origem da Lei Complementar 135 de 2010, conhecida popularmente como “Lei da Ficha Limpa”, serão feitas considerações sobre essa nova lei de iniciativa popular, que altera o processo eleitoral ao permitir o indeferimento da candidatura de pessoas envolvidas com práticas inadequadas com o mandato eletivo, bem como sobre a repercussão que a ele causou no cenário nacional.

Palavras Chave: Lei Complementar n.135, Inelegibilidade, Direitos Políticos, Eleições.

Abstract: This work refers to a study on the origin f Complementary Law 135 of 2010, popularly known as the “Law of Clean Record”, will have some considerations about this new law by popular initiative amending electoral process by allowing the rejection of the application people involved in improper practices with an elective office, as well as on the impact that it caused on the national scene.

Keywords: Complementary Law n. 135, Inelegibility, Political Rights, Elections.

Os direitos políticos consistem na disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular, ou seja, o direito democrático de participação do povo no governo, por meio de seus representantes. As determinações constitucionais que, de uma forma ou de outra, importem em excluir o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais são chamados de direitos políticos negativos. Dessa forma, Afonso da Silva (2009, p. 382) diz que:

“São negativos precisamente porque consistem no conjunto de regras que negam ao cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de exercer função pública. Os direitos políticos negativos compõem-se, portanto, das regras que privam o cidadão, pela perda definitiva ou temporária (suspensão), da totalidade dos direitos políticos de votar e ser votado, bem como daquelas regras que determinam restrições à elegibilidade do cidadão, em certas circunstâncias: as inelegibilidades.”

O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado, e a pertinência desses direitos ao indivíduo, é que os tornam cidadãos. Entretanto, quando se estiver diante de uma inelegibilidade, haverá impedimento à capacidade eleitoral passiva, ou seja, direito de ser votado e, consequentemente, da condição de ser candidato.

As inelegibilidades possuem como finalidade proteger a probidade administrativa, a normalidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a legitimidade das eleições contra influência do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, §9º da CF/88). As inelegibilidades possuem, assim, um fundamento ético notório.

A Constituição da República de 1988 estabelece vários casos de inelegibilidades no art. 14, §§ 4º a 7º, que são normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, e o §9º, deste artigo, autorizou a edição de Lei Complementar para dispor sobre outros casos de inelegibilidades relativas, ou seja, que não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se (inelegibilidade absoluta), mas constituem restrições à elegibilidade para cargos eletivos, por motivo de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão.

Em atendimento a referida previsão constitucional, no dia 4 de junho de 2010, foi sancionada pelo Presidente da República, a Lei Complementar nº 135, que altera a Lei Complementar nº 64/1990, prevendo novas hipóteses de inelegibilidade, em busca da proteção da moralidade e da probidade administrativa no exercício do mandato, com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos.

Pode-se assim dizer que a Lei Complementar nº 135 de 2010 é uma continuidade da exitosa experiência da Lei nº 9.840/99, também de iniciativa popular, que inseriu um novo marco na política brasileira e fundamentou importantes decisões da Justiça Eleitoral para afastar de seus cargos governadores, prefeitos e vereadores envolvidos em práticas de abusos políticos ou econômicos.

A Lei Complementar nº 135, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, é fruto de uma mobilização social que chamou a atenção do país. A sociedade brasileira, diante do quadro de corrupção na política nacional, principalmente dos escândalos que “estouraram” nos últimos anos na mídia, atendeu ao convite do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) transformando, assim, a história do Direito Eleitoral brasileiro.

Também se deve destacar nesta conquista a importância da OAB e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidades que deram credibilidade ao projeto e ajudaram a atrair o apoio dos brasileiros. A AMB além de integrar o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, em 2008 divulgou dados públicos sobre os candidatos a mandatos públicos, iniciativa esta que influenciou a reforma eleitoral no ano de 2009, que determinou a publicação de inteiro teor das certidões criminais apresentadas pelos candidatos.

O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral iniciou a campanha Ficha Limpa com o objetivo de impedir a candidatura de políticos condenados por crimes considerados graves e acelerar o julgamento desses na Justiça Eleitoral.

A coleta de assinaturas teve início em maio de 2008, cerca de 1,6 milhões de pessoas subscreveram o projeto de lei de iniciativa popular, mais de 1% de assinaturas do eleitorado nacional, sem contar as adesões pelo correio eletrônico, elevaram a participação popular ao significativo número de 4 milhões de cidadãos diretamente empenhados com o projeto que se converteu na Lei Complementar nº 135/2010, sancionada pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.

Dispõe o art. 61, §2º da CF:

“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”

Outrossim, seria necessário apenas a 1,3 milhões de assinaturas, mas o projeto de iniciativa popular além de superar as expectativas, trouxe consigo também as seguintes inovações: o período que impede a candidatura, aumentou de 3 anos para 8 anos. O julgamento também fica mais célere para os políticos que abusam do poder estatal, além de serem tomadas decisões imediatamente mesmo cabendo recurso no processo.

Mesmo após a entrega do projeto ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, em 29 de setembro, as assinaturas continuaram a chegar, somando ao final mais de 1,6 milhões. Não é difícil entender o porquê da célere adesão de centenas de organizações sociais compostas por milhares de voluntários, isso mostra um quadro de insatisfação nacional frente à corrupção e os malefícios que dela se originam.

Contudo, consoante Cavalcante Junior e Furtado Coêlho (2010, p. 10) o assunto não estava plenamente pacificado, e como houve pedidos de vistas, temeu-se pelo prolongamento das discussões, apesar da mobilização das entidades empenhadas com o projeto e de seus insistentes apelos para que a matéria fosse logo enviada ao plenário da Casa.

Neste ponto, foi determinante o requerimento assinado pelo líder do PT, Fernando Ferro (PE), acompanhado pelo líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). Mesmo diante de algumas tentativas infrutíferas de obstruções, em apenas duas sessões o projeto foi aprovado.

No Senado, sob a relatoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), o projeto recebeu uma tramitação mais célere, e, uma vez aprovado, foi sancionado pelo presidente da República em 4 de junho de 2010.

Após sua publicação no Diário Oficial da União, em 7 de junho de 2010, o Ficha Limpa passou a integrar nosso ordenamento jurídico como Lei Complementar nº 135.

 Entretanto, apesar dos pioneiros da Lei sustentarem que seu maior objetivo é a moralização do cenário político no país, com a sua promulgação, logo viriam os primeiros questionamentos sobre os aspectos relevantes da nova legislação, dentre eles, a sua constitucionalidade no que se refere ao afronto do princípio constitucional da Presunção de Inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República de 1988, devido à exigência da “Ficha Limpa” como causa de elegibilidade.

Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), o relator José Eduardo Cardozo (PT-SP) conduziu o tema no momento em que os debates, então acirrados, confrontavam teses jurídicas complexas. Restou claro a inexistência de qualquer pretensão no sentido de mitigar o princípio da Presunção da Inocência de quem quer que seja.

Para alguns pensadores do Direito, como Pereira (2010), a Lei seria inconstitucional por ferir diretamente o Princípio da Presunção de inocência, considerado basilar do Estado Democrático de Direito. Isso porque, como o referido princípio estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e em alguns casos a nova lei teria aplicabilidade aos candidatos condenados pelos crimes expressos em seu teor, independentemente do trânsito em julgado, ou seja, o cabimento do recurso, considerar-se-ia vergastado referido princípio. 

Por outro lado, há juristas como Cavalcanti Júnior (2010), atual presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que defende ser a lei constitucional, não afetando o princípio mencionado, por não prever punições, mas sim, causas de inelegibilidade para candidatos políticos, e que o Princípio da Presunção de Inocência seria aplicável apenas no âmbito penal. Conforme ele:

“A norma se fez realidade por intermédio da atenta participação da sociedade brasileira, que não mais admite que os destinos da nação possam ser geridos por representantes que não possuem conduta adequada à dignidade das relevantes funções públicas.”

Apesar desse impasse, incontroverso é que essa Lei resulta de um esforço conjunto da sociedade civil brasileira, todos aqueles imbuídos no desejo de mudar paradigmas. Fazendo uso de um instrumento legítimo, a sociedade apontou o caminho para uma reforma política abrangente, que não podia mais ser adiada. Restou apenas a indagação se a “Lei da Ficha Limpa” respeita ou não o princípio constitucional da Presunção de Inocência, elencado no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988.

 

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Informações Sobre o Autor

Camila Yasmin Leite Penha da Fonseca Belico

Advogada – Graduação em Direito no Centro Universitário Newton Paiva de Belo Horizonte


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