O princípio da boa-fé na administração pública e sua repercussão na invalidação administrativa

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Resumo: Este artigo versa sobre o estudo acerca da aplicação do principio da boa-fé na Administração Pública, no tocante a repercussão deste princípio no controle dos atos administrativos. O presente trabalho se inicia a partir da análise do principio da legalidade sob o enfoque do Estado Democrático de Direito. Em seguida, ingressou-se no exame do principio da boa-fé, com considerações sobre sua origem, distinção entre os aspectos objetivo e subjetivo, além de discorrer sobre sua vinculação com o principio da confiança. Após o exame do seu conteúdo, sustentou-se o seu emprego na função administrativa, precisamente nos vínculos firmados entre o Poder Público e o administrado, com referência as fontes normativas no âmbito do Direito Administrativo. Defendeu-se os limites impostos à Administração em anular atos administrativos ampliativos de direitos, quando violem deveres inerentes da boa-fé, tais como a confiança, cooperação, transparência e lealdade. Em sede de conclusão, afirma-se que a administração tem o dever de proceder de boa-fé em suas relações com os particulares, assegurando a segurança jurídica quanto aos propósitos das ações administrativas por ele encetadas.

Palavras-chave: Legalidade. Estado Democrático de Direito. Boa-fé. Invalidação administrativa. Confiança.

Abstract: This article is an study of the application of the principle of good faith in public administration, regarding the impact of this principle in control of administrative acts. This paper begins analyzing the principle of legality under the focus of a democratic state. Then entered on the examination of the principle of good faith, considering differences between objective and subjective aspects, and yours vinculation to the principle of trust. After that, held up his job in the administrative role, precisely the links made between the Government andadministered with reference to the normative sources as part of administrative law. This article defend the limits imposed on government to annul administrative acts ampliative of rights, while violating the duties of good faith, such as trust, cooperation, transparency and loyalty. On conclusion, it is stated that the administration has a duty to act in good faith in their dealings with individuals, ensuring certainty as to the purposes of administrative actions initiated by him.

Keywords: Legality. Democratic State of Law. Good faith. Administrative invalidation. Trust.

Sumário: Introdução; 1. O princípio da legalidade no Estado Democrático de Direito; 1.1 A gênese do princípio da legalidade; 1.2 O princípio da legalidade à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito; 1.3 A normatividade dos princípios; 2. A significação do princípio da boa-fé; 2.1 As fontes históricas do princípio da boa-fé; 2.2 A boa-fé subjetiva e objetiva; 2.3 A tutela da confiança nas concreções da boa-fé; 3. O princípio da boa-fé no âmbito da Administração Pública; 3.1 A aplicação do princípio da boa-fé no exercício da função administrativa; 3.2 As fontes normativas do princípio da boa-fé no Direito Administrativo; 3.3 A distinção da boa-fé na Administração Pública e a segurança jurídica; 4. Os limites da invalidação administrativa em face do princípio da boa-fé; 4.1 O princípio da autotutela da administração pública; 4.2 Os limites ao poder/dever de invalidar em decorrência do princípio da boa-fé; 4.3 A jurisprudência brasileira sobre os limites à invalidação administrativa em decorrência do princípio da boa-fé; Conclusão.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo desenvolver um estudo a respeito da invalidação dos atos administrativos, concernente aos limites impostos à Administração Pública no exercício da sua prerrogativa de anulá-los quando eivados de vícios de ilegalidade, ou seja, quando tais atos estejam em desacordo com as normas legais incidentes na matéria.

Pode-se afirmar que o princípio da legalidade, representação mais evidente do Estado de Direito, constitui a norma-matriz do regime jurídico-constitucional aplicado à Administração Pública, segundo o qual a função administrativa é realizada nos termos da lei, isto é, respeitando as normas do ordenamento jurídico, sob pena de nulidade. Nesse contexto, depreende-se a clara existência de hierarquia entre a lei e o ato administrativo, devendo este jungir-se dentro dos limites legais.

Portanto, na hipótese da autoridade administrativa se deparar com um ato administrativo praticado com inobservância aos preceitos legais, surge o dever de anulá-lo, em respeito aos princípios aos quais se submete, notadamente o da legalidade e da predominância do interesse público sobre o particular. Sendo o objetivo do administrador a consecução do interesse público, não há como impedi-lo de exercer a autotutela sobre seus próprios atos, o que se constitui em um dever imposto à Administração Pública.

Cumpre ressaltar, no entanto, que, no exercício do controle do ato administrativo, não se poderá ter como parâmetro apenas o princípio da legalidade, uma vez que há novos paradigmas de controle do ato administrativo, diretamente deduzidos do princípio do Estado Democrático de Direito, um modelo de Estado estabelecido pela Constituição Federal, ao qual é assegurado amplo espectro de garantias constitucionais e fixados princípios com densidade normativa superior às das regras, entre dentre eles o da dignidade da pessoa humana, fazendo com que a atuação da Administração Pública passe de uma concepção fechada do princípio da legalidade, estrita ao texto da lei, para uma atuação em conformidade com o Direito, vale dizer, à totalidade do complexo sistema de fontes que conforma o ordenamento jurídico.

Com efeito, o ato administrativo não deve ser apenas contrastado com o princípio da legalidade, mas também deverá ser valorado sob o enfoque dos demais princípios de Direito Público de igual hierarquia que, da mesma forma, regem a atividade administrativa, tais como os princípios da moralidade, impessoalidade, segurança jurídica, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e a boa-fé. Logo, é possível que o princípio da legalidade seja mitigado, fazendo preponderar outros princípios igualmente relevantes, de modo que possa melhor atender o interesse público.

Neste contexto, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé atua como importante elemento para aferição da legitimidade de um ato administrativo, sob o fundamento da necessidade de se proteger a confiança do administrado na estabilidade das relações jurídicas firmadas com a Administração Pública. Com efeito, dentre as funções do princípio da boa-fé, no âmbito da Administração Pública, está a de conservar os vínculos firmados entre a Administração e o administrado, baseando-se nos princípios da confiança, lealdade e verdade, os quais constituem elementos materiais da boa-fé, de modo que se possa flexibilizar ou temperar o princípio da estrita legalidade.

Assim, o presente estudo visa estudar o princípio da boa-fé como fator limitador da invalidação administrativa por parte da Administração Pública. Tal princípio, intensamente versado no direito privado, sobretudo nas relações negociais, e até mesmo no âmbito do direito internacional, carece de um maior desenvolvimento na esfera do direito público, sendo parcos, inclusive, os estudos sobre o tema aplicáveis ao direito administrativo, razão da nossa opção pelo seu desenvolvimento no artigo em tela, muito embora já se tenha constatado trabalhos de cunho doutrinário sobre o tema.

Muito embora o princípio da boa-fé tenha, no âmbito do direito privado, um maior desenvolvimento e aplicação, é indubitável sua importância nas relações de direito público, dadas as múltiplas relações do Estado com os cidadãos, com várias espécies de regulação, sendo comum a ocorrência de interpretações equivocadas da norma, ou mesmo transgressões explícitas, de modo que se avolumam casos de outorga de direitos ou benefícios advindos de atos administrativos que foram, após um longo tempo, considerados ilegais. Assim, o princípio da boa-fé seria um fator limitador da anulação de atos administrativos, resguardando-se os direitos subjetivos regularmente constituídos.

Feitas estas considerações, o presente trabalho abordará, inicialmente, os ensinamentos da doutrina tradicional a respeito do princípio da legalidade e a inserção de tal principio no Estado Democrático de Direito. A seguir se adentrará nas concepções do princípio da boa-fé e sua vinculação com a tutela da confiança para que, após, se possa discorrer especificamente sobre o princípio da boa-fé no direito administrativo e sua implicação na invalidação administrativa. Na parte final, se exporá sobre o posicionamento da jurisprudência nacional a respeito do tema.

1 – O princípio da legalidade no Estado Democrático de Direito

1.1 A gênese do principio da legalidade

Insta salientar que a noção de Administração Pública somente se configurou na forma como conhecemos hoje a partir da consagração do Estado de Direito, reação à fase anterior ao Estado Moderno, denominado de “Estado de Polícia”, modelo vigente nos Estados absolutistas, consubstanciado na vontade do rei como fonte de todo o Direito, onde o cidadão era qualificado como “súdito” e se curvava às imposições unilaterais do soberano.

O Estado de Direito veio a promover uma profunda mudança de paradigma[1], em face das ideias políticas então vigentes, ao afirmar a submissão do Estado à lei, ao Direito, a regular a ação dos detentores do Poder nas relações com os administrados, de modo a assegurar a proteção aos direitos fundamentais dos indivíduos, entre os quais as liberdades individuais, trazendo, como bem colocado por Celso Antonio Bandeira de Mello,[2] “uma antítese ao período histórico precedente – o do Estado de Polícia, ao disciplinar o exercício do Poder, sua contenção e a inauguração dos direitos dos, já agora administrados – não mais súditos”.

Este modelo de Estado é fruto de duas ideias que revolucionaram a concepção de Estado, e abriram espaço para grandes conquistas democráticas, a saber: a separação dos Poderes, retirando do Poder Executivo a competência de ditar leis gerais, já que estas constituem expressão da vontade geral representada pelo parlamento[3], e a soberania popular, encampada por Rousseau, traduzida no deslocamento da soberania para o povo, de modo que este passa a determinar seu próprio destino, por meio do instrumento chamado “lei”[4].

 Logo, houve a substituição da vontade do soberano, como fonte do Direito, para a concepção de lei enquanto expressão da vontade geral, com o objetivo de restringir os poderes da administração e regular a atividade administrativa. A partir daí, pode-se falar em proteção dos indivíduos contra o arbítrio do Estado, ou seja, só a lei poderá definir e limitar o exercício dos direitos individuais. O interesse individual só cede ante os interesses públicos, e estes são estabelecidos pela lei, não pela vontade isolada do príncipe.[5] Destarte, o poder só é exercido de forma legítima quando regulado pela lei.

Portanto, o princípio da legalidade e o próprio Direito Administrativo surgem com o Estado de Direito, pois é o Direito que regula as atividades da Administração, bem como as relações entre aquele e os administrados, não com o fim de restringir os interesses ou direitos do cidadão ou submetê-lo aos interesses do Estado, mas exatamente para regular a atuação do Estado e mantê-la em consonância com as disposições legais, dentro desse espírito protetor do cidadão contra eventuais abusos dos detentores do exercício do Poder Estatal.[6]

O princípio da legalidade está consagrado, entre nós, na Constituição Federal de 1988, precisamente no artigo 5°, inciso II, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e no artigo 37, caput, ao dispor que a administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

1.2 O princípio da legalidade à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito

Todavia, a exata compreensão do principio da legalidade deverá ser analisada a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um “modelo de Estado com fortes vertentes axiológicas, não ideológico, plural, que admite todas as correntes políticas como válidas”[7]. A partir deste modelo, procurou-se fixar a participação popular nas decisões governamentais e o efetivo controle da Administração. O Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades individuais e do interesse público, passou a ser ainda Estado Democrático. Atualmente, portanto, fala-se em Estado Democrático de Direito, que compreende o aspecto da participação do cidadão (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito).[8]

Nesse contexto, um elemento crucial para configuração do Estado Democrático de Direito é a participação popular no processo político, nas decisões de governo e no controle da Administração Pública. Argemiro Cardoso Moreira Martins realça que, neste paradigma, os cidadãos participam da construção do direito por intermédio da sociedade civil na situação de uma esfera pública o mais desenvolvida possível, e esclarece:

“Essa participação não se dá apenas em termos de formação de opinião pública influenciadora dos órgãos decisórios. Vai além à medida que as pessoas fazem valer, por meios processuais administrativos e judiciais, suas reivindicações ou interesses. Essa simbiose entre autonomia pública e privada não pode efetivar-se sem o intermédio do direito, mas precisamente sem a garantia dos direitos fundamentais constitucionais”.[9]

Nesta linha de raciocínio, a participação da sociedade civil não se dá apenas por formas concebidas nos moldes da democracia formal exclusivamente representativa. Em relação a isso, convém salientar que a vontade popular, representada pelo parlamento, não tem uma validade absoluta e sem limites, mas é válida unicamente na medida em que não se choque com a lei maior, a Constituição Federal.

Logo, urge a necessidade de se estabelecer a participação dos cidadãos no processo discursivo de tomada de decisões coletivas (consubstanciada na lei), que deve ser pautada pela participação efetiva de todos os envolvidos, ainda que de forma desigual e diferenciada, como salienta Argemiro Cardoso Moreira Martins[10]. Para Hans Kelsen, “a democracia tem como postulado a ideia de liberdade, concebida como autodeterminação política do cidadão, como participação do próprio cidadão na formação da vontade diretiva do Estado”.[11]

Essa participação se realiza por meio do pleno exercício dos direitos fundamentais, traduzidos, entre outros, na capacidade de exercerem os direitos subjetivos normativamente estabelecidos, no pleno acesso ao Poder Judiciário e na participação dos cidadãos nos processos administrativos, seja através do exercício do direito de petição aos Poderes Públicos, reivindicando direitos ou denunciando abusos ou ilegalidades, seja através do exercício do contraditório e da ampla defesa, quando a matéria envolva litígio, controvérsia sobre o direito do administrado ou implique imposição de sanções.

Por sua vez, no Estado Democrático de Direito não se admite qualquer ilegalidade. Assim, o direito não se sustenta em ideias arbitrárias, mas se fundamenta em princípios constitucionais, explícitos ou implícitos. Há uma legalidade de valores ou, mais precisamente, uma legalidade constitucional, em que os princípios fundamentais constituem, ao mesmo tempo, os parâmetros dos valores positivos e materiais da legitimação e da medida da legalidade.[12]

Por conseguinte, um Estado Democrático de Direito funda-se em valores constitucionais, os quais não se assentam apenas no princípio da legalidade, mas no princípio da constitucionalidade. Um modelo de Estado que se submete ao Direito elencado na Constituição, não somente à lei e, dentro desta concepção, nada impede que a Jurisdição e a própria Administração tendam a colocar em primazia os princípios emanados da própria Constituição e dar ordem jurídica como um todo, considerando-se que as novas constituições enunciam princípios (constitucionais) do Direito.

Segundo Egon Bockmann Moreira[13], no Estado Democrático de Direito não vige o cumprimento cego a toda e qualquer lei. É indispensável o respeito à essência da Constituição e um mínimo de dimensão ética de justiça exigida para o Direito. Não há um pressuposto indeclinável de validade absoluta para todos os diplomas legislativos, mesmo porque tais preceitos devem observar um conceito substancial de democracia e ser passível de controle, o que implicou num alargamento da função jurisdicional, inclusive com alargamento do princípio da legalidade por meio de técnicas como a proporcionalidade e razoabilidade, de forma a se coibir um poder governamental onipresente do Estado Intervencionista, em decorrência do aumento desmesurado do Poder Executivo, dada a arquitetura formal do Estado de Direito.

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio do Estado Democrático de Direito[14], o que se traduz em um modelo de Estado vocacionado aos meios e fins que lhe são atribuídos pela ordem jurídica, consubstanciado em assegurar a soberania popular, o que implica a inclusão dos administrados no âmbito da esfera consultiva e decisória da Administração Pública, presidida pela lógica da função, tão bem definida por Celso Bandeira de Mello como a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente necessários, conferidos pela ordem jurídica.[15]

O Estado Democrático de Direito gera reflexos no próprio exercício da função administrativa, pois passa não só a considerar uma atuação em conformidade com a lei, mas em consonância com o Direito, vale dizer, à totalidade do complexo sistema de fontes que conforma o ordenamento jurídico e caracteriza, temporalmente, as relações entre o Direito e a Justiça.[16] Com efeito, a moderna concepção de Administração Pública comporta não apenas respeito aos ditames da lei ordinária, mas também à Constituição Federal e aos direitos fundamentais ali inseridos.

Logo, a Administração Pública, dado o caráter principiológico da Constituição Federal, não obstante sua vinculação ao princípio da legalidade, recebe os influxos de outros princípios relevantes para ao Estado Democrático de Direito, tais como os princípios expressos, insculpidos na Constituição Federal, como o da moralidade, da impessoalidade, publicidade, eficiência e da probidade administrativa, e também dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, os quais, muito embora não tenham uma menção expressa no corpo da Constituição, defluem dos dispositivos constitucionais.

Destarte, a função administrativa, além de se ater ao princípio da legalidade, o que implica a subordinação completa do administrador à lei, deve estar subordinada aos ditames dos demais princípios constitucionais, que devem ser valorados por ocasião da aferição da legitimidade do agir do administrador, exigindo-se que o foco do intérprete do ato administrativo esteja regulado não apenas sob o enfoque do princípio da legalidade, mas também sob o norte dos demais princípios de mesma hierarquia, a exemplo da boa-fé, a qual se pretende destacar neste trabalho.

1.3 A normatividade dos princípios

Não se pode olvidar que, na atualidade, os princípios são reconhecidos como normas em sentido amplo, considerados como todo o comando imposto pelo Estado, carregando consigo alto grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo. Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “sendo a observância dos princípios, qualquer ato que dele se destoe é inválido, consequência esta que representa a sanção para a inobservância de um padrão normativo cuja referência é obrigatória”.[17] Como bem colocado pelo professor Alexandre Bernardino Costa:

“….deve-se esclarecer que os princípios possuem caráter deontológico, não são máximas que se constituem como diretrizes da prática jurídica. Eles de se densificam na aplicação no caso concreto, ao mesmo tempo em que possibilitam o desenvolvimento da teoria democrática do direito. Ao contrário de diversas teorias que ainda têm o paradigma Kelseniano como base, os princípios não são normas programáticas que informa ou orientam a atividade de interpretação do direito, mas se constituem como normas jurídicas que devem ser aplicadas no seu conjunto.”[18]

Assim, é indubitável a força normativa dos princípios com a função de nortear o sentido do ordenamento, de acordo com os valores que veiculam, bem como pelo seu acatamento, constituindo-se em elementos de validade de decisões concretas, proferidas no âmbito do ordenamento jurídico. Na visão de Jorge Miranda:

“Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio direito positivo); também eles, numa visão ampla, superadora das concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições.”[19]

Deve-se fazer uma distinção entre princípios e regras, pois são modalidades de uma mesma categoria, as normas jurídicas, e que desempenham, cada um a seu modo, determinadas e distintas funções em face do sistema jurídico.

Para Dworkin, a principal distinção entre regras e princípios é de caráter lógico e se refere aos respectivos mecanismos de atuação. Conforme o autor, as regras são aplicadas sob a forma de tudo ou nada, já que presentes os fatos previstos pela regra ela será aplicada e, caso contrário, em nada contribuirá para a decisão. Os princípios, de forma diversa, não apresentam consequências jurídicas automáticas quando as condições dadas, pois não pretendem estabelecer condições que tornem sua aplicação necessária, mas sim anunciar uma razão que conduz o argumento em certa direção.[20]

José Joaquim Gomes Canotilho, por sua vez, abordou com muita lucidez as diferenças entre regras e princípios, o qual pode os diferenciar por quatro critérios: 1. Abstração (maior dos princípios); 2. determinalidade (os princípios precisam de mediações concretizadoras enquanto as regras podem ser aplicadas diretamente); 3. Fundamentalidade (os princípios são sempre mais importantes, seja pela sua posição hierárquica, seja pela sua relevância estruturante); 4. proximidade da ideia de Direito (os princípios são vinculados a exigências axiológicas, a regras, e a aspectos funcionais); 5. Normogenética (os princípios são fundamento e dão origem às regras).[21]

Segundo Alexy, os princípios são normas que determinam que algo seja feito na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são mandados de otimização que podem ser cumpridos em diferentes graus. As regras são normas que só podem ser satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra é válida, então tem de fazer-se exatamente o que ela determina, nem mais nem menos. As regras contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. A diferença entre princípios e regras seria qualitativa, e não de grau.[22]

Para o mesmo autor, outra diferenciação entre regras e princípios consiste na dimensão de peso ou importância dos princípios, que as regras não têm. Com efeito, o conflito entre regras redundaria na decretação de invalidade de uma das regras, ao passo que a colisão entre princípios a solução seria complementa diversa, com a preponderância de um princípio em relação ao outro, sem se cogitar de invalidade do princípio cedente. Neste sentido, assevera Robert Alexy:

“Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso.”[23]

Nesta linha de raciocínio, a solução para a colisão dos princípios seria o estabelecimento de uma precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. Tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária. Assim, o suposto conflito entre os princípios deverá ser resolvido por meio de um “sopesamento entre os interesses conflitantes, com o objetivo de definir qual dos interesses que, abstratamente estão no mesmo nível, tem maior peso no caso concreto.”[24]

Renato Lopes Becho pondera que os princípios são mais importantes que as regras, pois auxiliam na interpretação do sistema, no julgamento das causas e na própria elaboração das leis. Mas não é só nas funções do Estado que irradiam sua influência, senão também na condução da vida das pessoas, posto que trazem valores, sentidos sociais utilizados pelos cidadãos.[25]

Deste modo, princípios são normas dotadas de grande carga axiológica, cujo sentido ilumina uma região da ordem jurídica, presidindo sua interpretação e aplicação. As regras não têm esta “força expansiva” dos princípios, limitando-se a disciplinar uma situação específica.[26]

Ao nosso juízo, pela exposição do pensamento de alguns teóricos do direito, não há plena uniformidade na distinção entre regras e princípios, mas que constituem um sistema aberto de normas jurídicas, em que cada espécie normativa, em função de suas qualidades, desempenha seu papel. No entanto, pode-se realçar a importância do princípio frente à regra, dada a sua quantificação axiológica, pois configuram habitat privilegiado para a expressão de valores, como liberdade, igualdade, dignidade e, ainda, a boa-fé.

Coadunamos com Karl Larenz, ao salientar que os princípios assumem múltiplas funções no ordenamento, operando como alicerces do sistema jurídico, ao fornecerem a pauta de valores nos quais o intérprete deve se basear para solucionar questões mais controvertidas. Ao mesmo tempo, podem também exercer a função de normas de conduta, regulando imediatamente o comportamento de seus destinatários.[27]

Logo, a par destas considerações, os princípios jurídicos desempenham um papel fundamental no controle do ato administrativo, pois a aferição da legitimidade do ato administrativo não tem só como parâmetro um juízo de subsunção à regra legal pertinente, mas se o ato está em conformidade com o direito, compreendido pelo conjunto de regras e princípios que regulam o caso concreto, dada a sua força regulatória dos atos do Poder Público. Logo, o administrador ou controlador do ato terá que aferi-lo no quadro sistêmico dos princípios, inclusive sob a projeção do princípio da boa-fé.

Salientadas estas questões, convém nos dedicarmos sobre a noção do princípio da boa-fé.

2 – A significação do Princípio da Boa-Fé

2.1 As fontes históricas do Princípio da boa-fé

O instituto da boa-fé, como princípio regulador das relações sociais, é presente desde o Direito Romano, onde recebeu uma gama de compreensões, de acordo com as influências filosóficas, bem como conforme o campo do Direito onde o instituto se fixou. Expressava a valorização do comportamento ético, o dever de lealdade, de cumprimento da palavra empenhada, originando-se, daí, a noção ético-social do conceito jurídico da boa-fé.[28] Tratava-se da boa-fé em sentido objetivo, sem qualquer conotação moral. No período romano clássico, a boa-fé, então compreendida como o respeito à palavra dada, “tinha o condão de vincular as partes nas relações negociais, mesmo quando inexistente uma ordem jurídica que as regulasse”[29].

Tal concepção sofreu alterações com o passar do tempo, de modo que, no período do Império, sua noção técnica e objetiva se enfraqueceu. Como exemplo, cita-se o instituto da usucapio, a bona fides “designa o estado de ignorância do possuidor acerca do vício ocorrido no negócio transmissivo da posse, sendo apenas um “elemento fático extrajurídico”, com um sentido diverso daquele advindo do período clássico”[30].

Na cultura germânica, a boa-fé assumiu outra conotação, a de lealdade e de crença, no sentido da garantia a manutenção da palavra dada, referindo-se à noção de lealdade, de confiança geral, fazendo surgir a ideia de adstrição ao comportamento segundo a boa-fé, afastando-se de um enfoque subjetivista ligado ao exame do estado psicológico do sujeito.[31]

No Direito Comparado, “há referências de que o Código Civil francês, de 1804, já continha disposição referente ao princípio da boa-fé”[32], mas se sobressai o Código Civil Alemão (BGB), publicado em 1896, que continha diversos dispositivos a respeito do princípio da boa-fé, devendo ser destacado o § 242 do BGB, segundo o qual “o devedor é obrigado a cumprir a sua obrigação de boa-fé, atendendo às exigências dos usos do tráfico jurídico”[33], estabelecendo uma cláusula geral hábil a dar flexibilidade às relações obrigacionais.

O Código Civil Português, de 1966, sob a influência da cultura jurídica germânica, também fez incluir o princípio da boa-fé (objetiva) no Direito Obrigacional, podendo-se vislumbrá-la nos artigos 227, inciso I, 239, 437 e, especificamente, 762, alínea II, que estabelece que, “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício ao direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé”[34].

Não obstante todas as referências do direito comparado, até a chegada do atual Código Civil, o instituto da boa-fé recebeu pouca atenção da doutrina civilista nacional, na medida em que o revogado Código Civil Brasileiro de 1916 não estabelecia uma regra geral que consagrasse o princípio da boa-fé nas relações obrigacionais,[35]muito embora reconhecesse a incidência do instituto em alguns dos dispositivos daquela codificação,[36] sob o enfoque da boa-fé subjetiva, como adiante será examinado.

2.2 A boa-fé subjetiva e objetiva

No âmbito do Direito Privado, tradicionalmente, a aplicação da boa-fé referia-se ao aspecto subjetivo, no qual se fazia uma analise do aspecto interior ou psicológico do sujeito, concernente ao conhecimento ou desconhecimento e à intenção ou à falta de intenção de alguém. Logo, diz respeito a elementos psicológicos inerentes ao indivíduo. É a que está relacionada com a crença de estar agindo de forma correta. Sobre a boa-fé subjetiva manifesta-se Judith Martins-Costa:

“A boa-fé subjetiva traduz a ideia naturalista de boa-fé, aquela que, por antinomia, é conotada à má-fé. Diz-se subjetiva a boa-fé compreendida como estado psicológico, estado de consciência caracterizado pela ignorância de se estar a lesar direitos ou interesses alheios, tendo forte atuação nos direitos reais, notadamente no direito possessório, o que vai justificar, por exemplo, uma das formas de usucapião.”[37]

Por muito tempo, particularmente no Direito Pátrio, deu-se prevalência à boa-fé subjetiva, voltada, preponderantemente, à tutela da posse e do usucapião, o que denota a supremacia do individualismo e do valor da liberdade como vetores do ordenamento, os quais influenciaram os operadores do Direito até o início do século XX.[38] Esta concepção de boa-fé encontrou guarida no Código Civil de 1916, como se pode constatar nas disposições que versavam sobre o instituto do usucapião, que dispunham sobre a posse de boa-fé, ou a que tratava do casamento putativo. Entretanto, a boa-fé subjetiva não foi mais suficiente nos novos tempos, quando o homem assumiu seu papel na realização da função social, preconizada por diversas doutrinas modernas, entre as quais a brasileira.

Com efeito, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, a mudança da concepção da boa-fé se revelou a partir da Constituição Federal de 1988, que contém preceitos que revelam a preocupação com a justiça material, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da república e incluindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária entre seus objetivos fundamentais.[39]

Assim, sendo um dos objetivos fundamentais da República pátria a construção de uma sociedade justa e solidária, impõem-se, ao lado dos direitos individuais, também deveres, os quais expressam os ideais da justiça e solidariedade humana, valores que são impositivos não só para o Estado, como metas prioritárias de concretização, mas também para a sociedade sobre a qual vigora um princípio de responsabilidade geral, de todos em relação a tudo e a todos, porque se exige que cada um respeite o seu lugar e o dos demais.

Logo, a solidariedade, como preceito constitucional, impõe deveres de cooperação e colaboração, sendo um fator limitador da autonomia privada, ao impor a todos deveres positivos de colaboração, levando em conta as diferenças decorrentes da condição social de cada um. Por sua vez, não é possível construir a justiça com fundamento apenas nos direitos, em detrimento dos deveres, considerando-se que, nos termos da Constituição Federal, a justiça está intimamente ligada à solidariedade.

Esta nova ordem de valores fixada na Constituição promoveu uma releitura dos direitos subjetivos, pela afirmação de deveres de todos como limites da expansão individual de cada um[40], e também provocou influxos na construção da dogmática da boa-fé, pois os deveres acessórios dela decorrentes, dentre os quais os deveres de lealdade, o dever de informação e o dever de transparência, não são fundamentados na exclusiva vontade das partes, mas na ordem objetiva instituída pelo próprio ordenamento jurídico.[41]

Destarte, com a inserção na Constituição de cláusulas que consagram os valores da dignidade da pessoa humana, justiça e solidariedade, é forçoso reconhecer a insuficiência do aspecto subjetivo da boa-fé. Em defesa do corpo social, é superada a concepção do Direito sob o enfoque de mera satisfação do indivíduo, e uma ética coletiva passa a ser valorizada e estimulada, pautada na confiança, cooperação, transparência e lealdade, ainda que isso signifique uma limitação da vontade individual, por força da objetivação dos direitos.[42] Disso resultou, por exemplo, o reconhecimento da função social da propriedade e do contrato, muito embora tais institutos fossem, historicamente, manifestações do individualismo.

Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva, e no conceito de Fernando Noronha, significa que “toda pessoa, em suas relações sociais, deve agir de acordo com certos padrões mínimos de conduta, de lealdade, correção e lisura, determinados socialmente e aos quais correspondem expectativas legítimas de outras pessoas”.[43]

No Código Civil brasileiro, de 2002, a boa-fé objetiva se encontra positivada, em especial no artigo 422, o qual impõe aos contratantes a obrigação de observar os princípios de probidade e boa-fé, servindo este princípio como limite para o exercício dos próprios direitos no âmbito da relação contratual, e no artigo 113, ao dispor que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração, estabelecendo a boa-fé como função hermenêutica, “exigindo que a interpretação das cláusulas contratuais privilegie sempre o sentido mais conforme à lealdade e honestidade em relação aos propósitos comuns, na busca do sentido mais consentâneo com os objetivos perseguidos pelo negócio.”[44] Assim, a boa-fé objetiva é princípio norteador das relações contratuais.

2.3 A tutela da confiança nas concreções da boa-fé

Deve ser salientado que a boa-fé “tem sido utilizada como instrumento de reenvio a outros princípios e valores, dentre eles o princípio da confiança, de grande utilidade para a concretização daquele principio”.[45] Desta feita, do princípio nuclear da boa-fé se irradiam outros princípios, entre os quais o princípio da confiança. A relevância da confiança para compreensão do princípio da boa-fé decorre de ser ela apontada pela doutrina majoritária como explicação principal da origem dos deveres decorrentes da boa-fé, ainda que, por vezes, seja possível descrevê-los sem qualquer alusão à tutela da confiança.[46]

Para Karl Larenz[47], o ordenamento jurídico resguarda a confiança, sendo um principio ético, significando que cada um deve manter fidelidade à palavra dada e não frustrar a confiança do outro, ou dela abusar, já que aquela integra a base indispensável de todas as relações humanas, reconhecendo a importância da confiança para uma vida coletiva pacífica e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, para a paz jurídica. E mais, ressalta a importância do valor objetivo contido nas palavras fidelidade e confiança, na elaboração do juízo valorativo do qual resultará a aplicação da boa-fé. Sobre o necessário vínculo entre a boa-fé e o princípio da proteção da confiança manifesta-se Ingo Wolgang Sarlet:

“…convém não olvidar (muito embora seja comum a falta de lembrança) que o princípio da proteção da confiança guarda estreita relação com o princípio da boa-fé (no sentido de que a proteção da confiança constitui um dos elementos materiais da boa-fé), que, apesar de estar sendo intensamente versado na esfera do direito privado (pelo menos de algum tempo para cá), ainda se ressente – pelo menos no direito pátrio – de algum maior desenvolvimento do direito público (especialmente no campo do direito constitucional, administrativo e tributário), em que pese alguns importantes progressos já efetuados. Importante lembrar aqui o fato de que a proteção da confiança constitui um dos elementos materiais do princípio da boa-fé, tendo por corolário – notadamente no âmbito das relações negociais – o dever da parte de não fraudar as legítimas expectativas criadas pelos próprios atos, o que evidencia a conexão direta da boa-fé com a proteção da confiança no sentido de uma certa auto-vinculação dos atos e, portanto, de uma inequívoca relação com a noção de proibição de retrocesso”.[48]

Assim, a proteção da confiança constitui um dos elementos objetivos para a concretização da boa-fé. Vale dizer, a garantia da boa-fé e a manutenção da confiança formam a base do tráfico jurídico e, em particular, de toda vinculação jurídica individual, aplicando-se em todos os ramos do direito.[49] A confiança está inserida tanto na boa-fé objetiva quanto na boa-fé subjetiva, tratando-se de elemento passível de proteção pelo ordenamento jurídico, quando situada no âmbito interno do ser, quer revelada externamente ou através de sua conduta.

Dentre as exigências advindas do princípio da boa-fé inclui-se a de não criar ou acalentar expectativas indevidas, bem como a de obstar o surgimento, ou mesmo a manutenção, de condutas infundadas, falsas ou temerárias. Logo, o principio da boa-fé resguarda as legítimas expectativas geradas em uma relação jurídica, e o eventual rompimento desta expectativa se constitui em abuso de direito, por ultrapassar os limites impostos pela boa-fé.[50]

O vínculo entre o princípio da boa-fé e a confiança surge por meio de institutos que dão concreção e auxiliam na aplicação do aludido princípio, como o venire contra factum proprium, o qual corresponde à expressão da confiança. O venire contra factum proprium é uma regra de conduta advinda da confiança, que conduz à obrigação de comportar-se em conformidade com a boa-fé objetiva. Segundo Antonio Manoel da Rocha e Menezes Cordeiro, é uma categoria típica de exercício inadmissível de posições jurídicas, ao ensinar que:

“….a locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente(….) postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum propriume, porém, contrariado pelo segundo.”[51]

 Portanto, tal regra de conduta visa garantir a coerência do comportamento do sujeito da relação jurídica, assegurando-se a relação de confiança minimamente necessária para o desenvolvimento das relações negociais (contratos), ou mesmo na relação entre o Poder Público e o administrado, por meio da qual se sanciona a violação do dever objetivo de lealdade para com a outra parte, impedindo-se a indevida frustração de expectativas baseadas no outro pelo próprio comportamento anterior. O recurso à confiança na aplicação da boa-fé fornece um critério de decisão, definindo contrário à boa-fé um comportamento contraditório com a conduta anterior, quando ela tenha suscitado a confiança das pessoas.

3 – O Princípio da Boa-fé no âmbito da Administração Pública

3.1 A aplicação do Princípio da Boa-fé no exercício da função administrativa

Como já salientado linhas atrás, o princípio da boa-fé já se encontra positivado no nosso ordenamento jurídico. No que concerne ao seu aspecto objetivo, está expressamente previsto no Código Civil de 2003, nos artigos 113, 187 e 422. Há também previsão da boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor, de 1990, nos artigos 4°, III, e 51, IV. Não obstante a sua inegável importância no campo do Direito Civil, já existindo doutrina e jurisprudência sedimentada sobre sua aplicação no campo contratual, não se pode olvidar seu caráter expansivo fora dos campos do âmbito privado, dada a sua força normativa. No sentido da aplicação ampla do princípio da boa-fé, manifesta-se Claudio Godoy:

“De toda sorte, expandiu-se a boa-fé objetiva como uma exigência de eticização das relações jurídicas, a ponto, inclusive de espraiar seu campo de abrangência a outras áreas do direito privado, que não só a do contrato, e mesmo a outras áreas do direito, como por exemplo a do direito público.[52]

A incidência do princípio da boa-fé, para além do Direito Privado, pode ser verificada a partir de sua relevância no Direito Internacional Público, tendo sido reconhecida como princípio fundamental do Direito Internacional[53]. Do mesmo modo, no âmbito da Administração Pública, o princípio da boa-fé deverá ser aplicado sem qualquer restrição, até com mais razão, haja vista as múltiplas relações que o Estado mantém com os cidadãos.

Entre nós, são poucos os trabalhos doutrinários a respeito da boa-fé no Direito Público, em contraposição aos estudos no âmbito do direito privado. A aplicação do princípio da boa-fé, no âmbito do Direito Público, sofreu resistências, mormente por ser um instituto típico de direito privado, lá surgido e desenvolvido, sob o argumento da existência de uma separação rígida entre os direitos público e privado.[54]

 A resistência, em um caráter histórico, vem do Estado Liberal, onde havia uma concepção individual burguesa da sociedade civil, na qual propugnava a separação entre a sociedade e o Estado, garantia da liberdade dos cidadãos. Com efeito, havia um campo onde o Estado não devia intrometer-se, imune à atividade estatal, concernente às atividades econômicas. Na esfera privada, em linhas gerais, estava ligado às idéias de autonomia da vontade e de interesse privado em contraposição ao direito público, onde se vinculava às de interesse público, da relação jurídica de subordinação e justiça distributiva.

No entanto, quando o Estado assumiu o papel de agente fomentador do desenvolvimento social, houve amplas consequências sobre o Estado de Direito, na medida em que ocorreu um grande desenvolvimento do direito público, com repercussões no próprio direito privado, pois se alterou a própria concepção dos direitos individuais burgueses, que passaram a sofrer limitações em face dos princípios que contemplavam uma igualdade não só formal, mas também material: o direito de propriedade e a autonomia de vontade dos contratantes, por exemplo, cediam espaço aos princípios da função social da propriedade e da supremacia do interesse público.[55]

Dentro desse paradigma, o direito privado se viu conformado por preceitos de direito público e social, e, assim, o direito privado não estava mais restrito a autodeterminação individual, mas também objetivava a justiça social, alterando-se os limites do direito privado e do direito público. Logo, não mais se concebe o direito público e privado como dois círculos fechados, mas “como uma única elipse com dois focos como centros de irradiação, sendo um o direito privado; outro, o público – entre os quais se encontra um setor influenciado por ambos.”[56]

Portanto, a boa-fé perdeu suas referências exclusivamente jusprivatistas, considerando também o atual Estado Democrático de Direito que, além de assegurar a participação popular democrática e consensual na condução das decisões administrativas, impõe, de forma mais necessária que no direito privado, a tutela de um comportamento de boa-fé por parte da Administração, pois o Estado, face ao seu gigantismo, exercia um poder demasiadamente amplo em relação aos cidadãos componentes da sociedade, de forma que deve ser submetido a maiores regras.

Nos tribunais estrangeiros é predominante a aceitação da ideia de que também a Administração Pública, em sua atuação, deve pautar sua conduta segundo os ditames do princípio da boa-fé. Em decisão de 1991, conforme noticia Béatrice Jaluzot, a 3ª Câmara de Cassação, na França, expressamente reconheceu essa aplicação do princípio aos atos da Administração Pública.[57] Na doutrina estrangeira, oportuno mencionar Jesús Gonzales Pérez, autor de uma das obras mais importantes sobre o tema no Direito Administrativo, que informa a plena aplicação do princípio da boa-fé nas relações entre a Administração e administrado, assim expondo:

“El principio general de la buena fe no solo tiene aplicacion em el Derecho administrativo, sino que em este âmbito adquiere especial relevancia. Como dice Guasp, <<todos los campos del Derecho estatal son clima propicio como cualquier outro, AL desarrollo de esta verdadera patologia de lo jurídico. Y ES más, Ella se da em El seno de los dos principales elementos que conjuga La relacíon jurídica estatal: La Autoridad y El súbdito>>.”[58]

Com relação à doutrina nacional de Direito Administrativo, pode-se fazer menção a Celso Antonio Bandeira de Mello, ao discorrer que o princípio da boa-fé, da lealdade e o da confiança legítima, aduz que tais princípios têm aplicação em todos os ramos do Direito e são invocáveis perante as condutas estatais em quaisquer de suas esferas: legislativa, administrativa ou jurisdicional.[59]

3.2 As fontes normativas do Princípio da Boa-fé no Direito Administrativo

Não há, portanto, qualquer questionamento quanto à aplicação do princípio da boa-fé na Administração Pública, com utilização irrestrita nas relações jurídicas estabelecidas entre o Poder Público e os particulares, considerando-se ainda que, a maior fonte do Direito Público, a Constituição Federal, reconhece o valor da boa-fé, pautada na confiança, cooperação, transparência e lealdade, visto que a Carta Maior, como já exposto, contém dispositivos que revelam a preocupação com a justiça material, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da república e incluindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária entre seus objetivos fundamentais.

 Cumpre ressaltar que, parte da doutrina, com enfoque no Direito Administrativo, entende a boa-fé como subprincípio da moralidade administrativa. Nesta linha, expressa José Guilherme Giacomuzzi, na compreensão de que é veiculada pelo princípio da moralidade do art. 37 da Constituição Federal de 1988, posição que veio, a seu entender, ser ratificada pela Lei do Processo Administrativo.[60] Juarez Freitas, da mesma forma, sustenta que o princípio da confiança ou da boa-fé nas relações administrativas é manifesto resultado da junção dos princípios da moralidade e da segurança nas relações jurídicas.[61]

Independentemente do assento constitucional que é dado ao princípio da boa-fé, salienta-se que a Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, deu expressão, no plano infraconstitucional e no tocante ao direito administrativo, ao princípio da boa-fé. Fê-lo em duas oportunidades: arts. 2°, parágrafo único, IV, ao determinar a observância, nos processos administrativos, do critério de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, e o art. 4°, inciso II, ao dispor que são deveres do administrado, perante a Administração, proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé. O primeiro refere-se à boa-fé da Administração Pública; o segundo, do administrado.

Logo, a Lei nº 9.784/99 positivou a boa-fé, a nível infraconstitucional, como dever para a Administração e para as pessoas privadas que com ela interagem. Como acentua Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu Dallari, a consideração da boa ou má-fé, tanto do particular que se relaciona com a Administração Pública quanto do agente público que se relaciona com o administrado, é também essencial à Administração Pública, configurando um princípio também de direito administrativo.[62]

Egon Bockmman Moreira, além de vincular o aludido princípio à moralidade administrativa, pois o compreende como dever do comportamento leal e honesto, não bastando o mero cumpridor impensado e automático da letra da lei, enuncia quinze conseqüências do princípio da boa-fé.[63] Dentre elas, algumas, a nosso juízo, mais relevantes, a saber: proibição ao venire contra factum proprium (conduta contraditória, dissonante do anteriormente assumido, à qual se havia adaptado a outra parte e que tinha gerado legítimas expectativas); dever do favor acti (dever de conservação dos atos administrativos, explorando-se ao máximo a convalidação); lealdade no fator tempo (proibição ao exercício prematuro de direito ou dever, ao retardamento desleal do ato e à fixação de prazos inadequados); dever de sinceridade objetiva (não só dizer o que é verdade, mas não omitir qualquer fato ou conduta relevante ao caso concreto, tampouco se valer de argumentos genéricos e confusos).

 A imposição de tais deveres objetivos de conduta administrativa a serem seguidos e proibições, ilustram a relevância da boa-fé objetiva, consubstanciado em um princípio jurídico de caráter cogente para a Administração Pública, não aplicável somente aos processos administrativos, mas também aos atos decisórios, pois esses, na maioria das vezes, são resultado do exercício do devido processo administrativo, asseguradas as garantias constitucionais. Por óbvio, se no decorrer do processo administrativo houver violação aos deveres da boa-fé, reflexos haverá nos atos decisórios correspondentes. Da mesma forma, também se deve impor aos particulares que atuem, em atenção à boa-fé, nas relações com a Administração. Neste sentido, Egon Bockmann Moreira:

“A boa-fé, portanto, impõe a supressão de surpresas, ardis ou armadilhas. A conduta administrativa deve guiar-se pela estabilidade, transparência e previsibilidade. Não se permite qualquer possibilidade de engodo – seja ele direto ou indireto, visando à satisfação de interesse secundário da Administração. Nem tampouco poderá ser prestigiada juridicamente a conduta processual de má-fé dos particulares. Ambas as partes (ou interessados) no processo devem orientar seu comportamento, endo e extraprocessual, em atenção à boa-fé. Caso comprovada a má-fé, o ato (ou o pedido) será nulo, por violação à moralidade administrativa”.[64]

3.3 A distinção da Boa-fé na Administração Pública e o Princípio da Segurança Jurídica

Por outro lado, deve-se enfatizar que há dificuldades em precisar a exata dimensão do conceito da boa-fé na Administração Pública em relação ao Princípio da Segurança Jurídica, sendo ambos valores decorrentes do Estado Democrático de Direito. Tal dificuldade se deve em razão dos efeitos da aplicação de ambos os princípios, que podem ser idênticos, consubstanciado na imposição de limitações ao Estado quanto ao poder de modificar atos que tenham produzido vantagens para os destinatários, ainda que eivados de irregularidades, e em virtude da inserção, por alguns autores, da tutela da confiança como subprincípio da segurança jurídica.

De fato, na doutrina nacional, não é uma unanimidade a inclusão da tutela da confiança como princípio decorrente da boa-fé ou seu elemento. Por exemplo, Almiro de Couto e Silva diverge neste sentido, colocando-a como subprincípio do princípio da segurança jurídica, em seu aspecto subjetivo.[65] Outros estudiosos defendem que o princípio da confiança também deriva do princípio da segurança jurídica, sem desvincular-se do princípio da boa-fé, como assevera Giacomuzzi:

“A proteção da confiança – ou confiança legítima (Vertrauensschutz) – liga-se também a segurança jurídica, princípio só aparentemente conflitante com a justiça e revelador, num patamar de análise mais abstrato, de uma das aspirações mais insatisfeitas do gênero humano, havendo quem também a indique como postulado básico do Estado de Direito. De toda sorte, a proteção da confiança constitui-se, hoje, um lugar comum de reflexão da jurisprudência de todos os Tribunais de controle público europeus”.[66]

Outros estudiosos, por sua vez, os separaram em princípios autônomos e distintos, como fez Celso Antonio Bandeira de Mello em sua obra “Temas de Direito Administrativo”, ao afirmar que “o princípio da segurança jurídica, tanto como o da lealdade e boa-fé, ou o da proteção à confiança legítima, são da própria essência do Direito, sobretudo no Estado Democrático de Direito sua vigência é irrefragável”.[67]

É provável que a gênese dessa divergência de concepção sobre o princípio do qual decorre a tutela da confiança se deve à origem no direito privado do princípio da boa-fé, havendo certa relutância em colocá-lo em um papel mais relevante no Direito Administrativo, aliado ao fato de que tal matéria, como bem colocado pelo professor Ingo, carece de um maior desenvolvimento no direito pátrio, não havendo estudos aprofundados sobre a repercussão do princípio da boa-fé na função administrativa.

Todavia, não se deve olvidar que é tênue a diferenciação entre o princípio da boa-fé e segurança jurídica, considerando-se que ambos visam obstar a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo que tenha ocorrido alguma desconformidade com o texto legal durante sua constituição. No entanto, entendo que a segurança jurídica esteja mais ligada à imposição de limites à retroatividade dos atos do Estado, aliado ao fator tempo, pois o decurso do tempo apresenta especial relevância no âmbito do direito administrativo, como causa de convalidação de situações fáticas e a sua transformação em situações jurídicas. São exemplos emblemáticos a proteção à coisa julgada, ao direito adquirido, e à decadência administrativa.

É coerente, no entanto, afirmarmos que ambos possuem, em alguns aspectos, o mesmo conteúdo, pois a tutela à confiança assegura tanto a proteção da boa-fé dos administrados como a estabilização das relações jurídicas, fontes, portanto, de normalidade na relação entre o Estado e o administrado. É possível afirmar que a presença da boa-fé é fator preponderante para a consolidação das situações jurídicas, e, por consequência, condição essencial para a incidência do princípio da segurança jurídica, pois a presença da boa-fé é fator indispensável à ocorrência da decadência administrativa, instituto previsto na Lei de Processo Administrativo. Nestes termos, Almiro de Couto e Silva:

“A regra do art. 54 da Lei n° 9.784/99, por traduzir, no plano da legislação ordinária, o princípio constitucional da segurança jurídica, entendida como proteção à confiança, tem como pressuposto a boa fé dos destinatários. A decadência do direito da Administração à anulação não se consuma se houver má fé dos destinatários. Não está em questão a má fé da Administração Pública ou da autoridade administrativa. Assim, mesmo existente esta, se os destinatários do ato administrativo estavam de boa fé e houve o transcurso do prazo quinquenal sem que o Poder Público houvesse providenciado na anulação do ato administrativo ilegal, configuram-se todos os requisitos para a incidência e aplicação do at. 54, perecendo, pela decadência, o direito à anulação.”[68]

Portanto, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé e o da segurança jurídica não são excludentes, pois, na realidade, se conectam intimamente, e ambos têm relevância na consolidação das situações jurídicas. Não podendo esgotar o assunto, considerando-se os limites deste trabalho, cumpre informar que, de qualquer modo, a proteção da confiança constitui-se, hoje, um lugar comum de reflexão da jurisprudência nacional, como será demonstrado no capítulo seguinte.

Com efeito, a boa fé incorpora o valor ético da confiança. Confiança na forma de atuação que cabe esperar das pessoas com que nos relacionamos. É no âmbito das relações jurídico-administrativas que esse modo de atuar é esperado pela Administração Pública, em respeito ao administrado, e do administrado em relação à Administração Pública.[69] De fato, a confiança visa evitar que as pessoas sejam surpreendidas por modificações no direito positivo ou na conduta do Poder Público, que possam ferir direitos devidamente constituídos oriundos até mesmo de atos administrativos manifestamente ilegais, ou frustrar-lhes expectativas alimentadas pelo próprio Poder Público.

Feitas estas considerações, a partir de agora discorreremos sobre os reflexos do princípio da boa-fé no poder de autotutela da Administração.

4 – Os limites da invalidação administrativa em face do Princípio da Boa-Fé

4.1 O Princípio da Autotutela da Administração Pública

Como já exposto no início deste trabalho, no sistema jurídico-brasileiro o princípio da legalidade, além de assentar-se na concepção do próprio Estado de Direito, e inserir-se no próprio sistema constitucional[70], exige a fiel subsunção da ação administrativa à lei, “sendo defeso à Administração Pública agir praeter legem ou contra legem, podendo atuar apenas secundum legem”.[71]A lei, cujo termo abrange a própria Constituição Federal e as demais espécies legislativas indicadas no artigo 59 da Constituição Federal, prevalecem sobre o ato administrativo, de modo que a Administração, no desempenho de suas atividades, tem o dever de assegurar que a função administrativa seja realizada nos termos da lei, isto é, de respeitar as normas do ordenamento jurídico, sob pena de nulidade.

Cumpre enfatizar que se deve tomar a devida cautela para que não haja um desvirtuamento do princípio da legalidade, e não se privilegie o plano da literalidade, ou seja, uma leitura literal e expressa da norma, sem qualquer interpretação com base nos demais valores protegidos pelo ordenamento jurídico, fazendo com que a aparente desconformidade do agir administrativo com o texto legal, tivesse como resultado a anulação do ato e de todos os seus efeitos, um resquício do positivismo jurídico, uma vez que “a legalidade, no moderno Estado Democrático de Direito, assume uma dimensão muito mais rica”.[72]

Nesta linha de raciocínio, a exata compreensão da legalidade se faz à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito, orientação esta visualizada por Lúcia Vale Figueiredo, ao afirmar que “o princípio da legalidade é bem mais amplo que mera sujeição do administrador à lei, pois o administrador, necessariamente, deve estar submetido também ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais”.[73] Essa ideia é dotada de tanta riqueza que enseja mesmo o uso da expressão juridicidade, como se encontra no trabalho de Carmen Lúcia Antunes Rocha.[74]

Logo, ao reconhecer que a Administração só pode fazer o que a lei expressamente permite, faz presumir legítimos os atos que a Administração Pública pratica, assim como se presumem verdadeiros os fatos que ela alega, os quais estariam em harmonia com o exigido pela ordem jurídica. A presunção de legitimidade, diga-se de passagem, é relativa (juris tantum), pois admite prova em contrário, mas serve de supedâneo àquilo que os franceses chamam de privilège du préalable, e resulta da possibilidade de os atos administrativos serem executados pela própria Administração Pública, sem a necessidade da concorrência do Poder Judiciário para tanto. É o predicado que, no ordenamento jurídico, se denomina auto-executoriedade.[75]

Estando a Administração Pública autorizada a executar seus atos e decisões de ofício, ocorre, via de conseqüência, que poderá ela rever aqueles mesmos atos e decisões que colocou no mundo jurídico de forma unilateral e independente, de modo a melhor atender ao princípio da legalidade e ao interesse público. É o que se convencionou chamar de autotutela, princípio segundo o qual é permitido ao Poder Público que exerça, ele próprio, o controle de seus atos.

De acordo com Lucia Valle Figueiredo, o dever de invalidar é ínsito às competências revisora ou controladora da Administração Pública.[76] Tal princípio foi muito bem sintetizado na Súmula nº 473 do STF, nos seguintes termos:

“Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal – A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de nulidade que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada em tais casos, a apreciação judicial.”

Muito embora a aludida súmula possa incutir a ideia de uma faculdade da Administração em anular o ato administrativo com vício de ilegalidade, é predominante na doutrina nacional que a Administração Pública tem o poder/dever[77] de anular os atos ilegais, pois suas atividades são norteadas pelo princípio da legalidade, vale dizer, se o ato é ilegal, cumpre proceder à sua anulação para o fim de restaurar a legalidade malferida. O binômio poder/dever é bem traduzido por Mario Cuervo Silva e Vaz Cerquinho, ao asseverar que:

“Assim, com a outorga de competência administrativa, surge para o agente não só o poder, mas o dever de atuar em conformidade, ou seja, com respaldo nos pressupostos fáticos nela enunciados e com vistas à consecução do fim nela abstratamente estratificado, explícita ou implicitamente.”[78]

Destarte, oportuno trazer o ensinamento de Weida Zancaner[79] que, ao fazer críticas à corrente de pensadores que vêem o instituto da anulação como faculdade da Administração, posiciona-se, a nosso juízo, corretamente, no sentido de enfatizar que tal situação só seria aceitável no caso de existir opção discricionária, com norma jurídica que autorizasse a Administração Pública a agir com discrição. Ressalta também que o exercício da discricionariedade pelo Poder Público provém da lei, asseverando, de modo insofismável, que só uma errônea compreensão da discricionariedade pode induzir a crer que esta possa existir como inerente à atividade administrativa em si, ou subsistir onde a lei for silente.

De fato, da análise do ordenamento jurídico, não pairam mais dúvidas quanto à obrigatoriedade da anulação do ato administrativo ilegal, pois a Lei do Processo Administrativo Federal dispôs que a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vícios de legalidade,[80] pois a função administrativa está vocacionada a satisfazer o interesse público, ou seja, interesses de outrem, e, por ser titularizado pelo interesse público, que não se confunde com o interesse da pessoa jurídica de direito público (interesse secundário da Administração), o Estado é mero gestor, razão pela qual não pode dispor de algo (prerrogativas) que não lhe pertence.

Cumpre, no entanto, abrir um parêntese sobre o dever da Administração em anular os atos administrativos ilegais. Não se pode admitir que a Administração invalide atos os quais, vale lembrar, gozam de presunção de legitimidade, sem conceder àqueles que serão atingidos pela decisão administrativa a oportunidade de sustentar, no curso do devido processo legal, que se trata de atos legítimos. Trata-se, portanto, do primeiro limite ao exercício da autotutela da Administração, no sentido de se observar o contraditório e a ampla defesa, precedentemente à anulação de atos administrativos viciados, que tenham gerado efeitos benéficos a terceiros. Tal entendimento já está sedimentado na jurisprudência pátria, em julgados de diversos Tribunais que compõem a estrutura constitucional do Poder Judiciário brasileiro.[81]

Outra observação a ser feita é que a invalidação visa recompor a ordem jurídica, violada em razão dos atos inválidos. No entanto, também a convalidação restaura a ilegalidade, pois “é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos”. Também não há discricionariedade na convalidação, como defendem Weida Zancaner[82] e Maria Sylvia Zanella Di Pietro[83], pois, se preencherem os requisitos legais para os atos serem convalidados, quando não acarretem lesão ao interesse público, nem prejuízo a terceiros[84], deverão ser convalidados, salvo apenas no caso de ato discricionário praticado por autoridade incompetente.

4.2 Os limites ao poder/dever de invalidar em decorrência do Princípio da boa-fé

Todavia, a par dessas premissas, o dever de proceder à anulação dos atos administrativos ilegais produzidos pela dinâmica administrativa não deve ser encarado com rigor extremo, ou seja, não é um dever absoluto, no sentido segundo o qual a Administração terá que anular todos os atos que considerar ilegais, e pronto. Se levássemos ao extremo esta linha de raciocínio, instalar-se-ia o arbítrio, e com ele, a desordem, pois a segurança e a pacificação que devem advir de um ordenamento jurídico sistematizado, simplesmente, não existiriam.

Desse modo, em que pese o princípio da legalidade fundamentar a obrigatoriedade de invalidar os atos administrativos eivados de vícios e não passíveis de convalidação, a retirada desses do mundo jurídico não poderá ser feita de forma unilateral. Existem barreiras ao dever de invalidação, advindas do próprio sistema jurídico, que, ao lado do princípio da legalidade, possuem a mesma hierarquia ou o mesmo status jurídico. Assim, destacam-se os princípios da segurança nas relações jurídicas e também a boa-fé, aptos a preservar determinadas situações jurídicas, consolidadas no atendimento do interesse público, sobretudo em decorrência da presunção da legitimidade de que gozam os atos administrativos. Como bem informa Frederico Valdez Pereira:

“…deve-se pautar a atividade do controle do ato administrativo em um ordenamento jurídico sistêmico, inserindo o papel essencial do controle dos atos da administração em prisma mais amplo que não apenas o da legalidade, sob a consideração de que não pode ser o único parâmetro para se aferir a higidez do ato administrativo, sendo que se deve circundar o controle dos atos administrativos pelos Princípios Gerais do Direito e pelos Princípios Constitucionais que orientam o Direito Público.”[85]

Hely Lopes Meirelles já apregoava que, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringia somente à violação frontal da lei, mas também por relegação dos princípios gerais do direito, especialmente os princípios do regime jurídico administrativo:

“Em qualquer dessas hipóteses, que ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inobservância velada dos princípios do Direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna possível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio da anulação.”[86]

Em consideração a estes conceitos, pode-se afirmar que, em observância aos demais princípios que regem o ordenamento jurídico, serão encontrados limites à atividade invalidatória dos atos administrativos viciados, pois como já expusemos, os princípios jurídicos, em razão de sua natureza de norma, desempenham um papel fundamental no controle do ato administrativo, pois a aferição da legitimidade do ato administrativo não tem só como parâmetro um juízo de subsunção à regra legal pertinente, mas se o ato está em conformidade com o Direito, compreendido pelo conjunto de regras e princípios que regulam o caso concreto, dada a sua força regulatória em relação aos atos do Poder Público. Logo, o administrador ou controlador do ato terá que aferi-lo no quadro sistêmico dos princípios.

Assim, não obstante a regra geral ser a de que a Administração deve seguir sua atividade, nos limites fixados pelo ordenamento jurídico, sob pena de serem declarados nulos os atos que violem a norma regente do caso concreto, não se pode desconsiderar que, em sede de exceções encontradas dentro do próprio sistema, esta pode não ser a solução própria a encerrar controvérsias surgidas quanto ao tema de invalidação administrativa. Logo, outros princípios que expressam valores existentes dentro do mesmo ordenamento jurídico merecem o mesmo respeito e proteção.[87] Dentre estes princípios, se destaca a boa-fé que a ordem instituída deve emprestar às relações jurídicas formalizadas entre a Administração e os administrados.

Desta feita, a prerrogativa da Administração em anular um ato administrativo eivado de vicio de ilegalidade, poderá também ser limitada em virtude da incidência de outros princípios, dentre os quais se destaca o princípio da boa-fé. De fato, o ordenamento jurídico e o próprio intérprete, a depender das circunstâncias do caso concreto visando melhor atender o interesse publico, pode concluir pela preponderância daquele princípio em relação ao princípio da legalidade. Neste sentido, Juarez Freitas ao afirmar que “O ato administrativo não estará vinculado apenas à legalidade, senão que a totalidade dos princípios regentes das relações jurídico-administrativas, mormente os de vulto constitucional.”[88]

Nesta esteira, o princípio da boa-fé, como princípio informador da Administração Pública, notadamente em seu aspecto objetivo, produziu reflexos na própria legislação, a orientar o próprio legislador ao lhe dar maior peso em determinadas circunstâncias. Este sentido se revela na vedação à aplicação retroativa de nova interpretação, previsto na Lei do Processo Administrativo Federal[89], orientação normativa destinada a assegurar a lealdade da Administração, já que, se este adotou determinada interpretação como correta e aplicou aos casos concretos, não poderá vir a anular os atos anteriores, sob o pretexto de que foram praticados com base em errônea interpretação adotada em caráter uniforme para toda a Administração, sendo evidente que a boa-fé dos destinatários do ato deve ser respeitada.

Por sua vez, a própria lei impôs expressamente limites ao dever de invalidar ao instituto da decadência administrativa[90], segundo o qual o direito da Administração Pública de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Do mesmo modo, o legislador fez preponderar o princípio da segurança jurídica e da boa-fé, em detrimento da própria ilegalidade do ato, motivo pelo qual, ultrapassado o prazo fixado em lei, a manutenção dos atos inválidos se impõe.

Destarte, a boa fé a que aludiu o preceito quis significar que o destinatário não contribuiu, com sua conduta, para a prática do ato administrativo ilegal. Seria, no dizer de Almiro Couto e Silva, incoerente proteger a confiança de alguém que, intencionalmente, mediante dolo, coação ou suborno, ou mesmo por haver fornecido dados importantes falsos, inexatos ou incompletos, determinou ou influiu na edição de ato administrativo em seu próprio benefício.[91]

Em ambas as situações aventadas, previstas na legislação, o próprio legislador fez prevalecer o princípio da boa-fé, em confronto com o princípio da legalidade, colocando como interesse maior a manutenção da situação jurídica já consolidada a invalidar o ato eivado de possível ilegalidade. No entanto, a proteção da boa-fé não se reduz aos dispositivos previstos na Lei do Processo Administrativo Federal, pois tal princípio também surge como comando vinculativo de toda a atividade administrativa, revelando-se vetor das relações estabelecidas entre a Administração Pública e particulares e mecanismo de preservação das relações jurídicas, em atendimento ao interesse público. Legalidade e boa fé são princípios constitucionais do mesmo nível hierárquico, que, em face do caso concreto, hão de ser devidamente sopesados, a fim de se estabelecer qual deles trará a realização da justiça material.

Neste contexto, considerando as diversas áreas de intervenção do Estado moderno na vida dos cidadãos e a tecnicidade da linguagem jurídica tornaram complexos o caráter regulador do Direito e a própria verificação da conformidade dos atos concretos e abstratos expedidos pela Administração Pública em face do Direito posto[92], razão pela qual o exercício da função administrativa pode ser levado a equívocos, concedendo vantagens ou outorgando benefícios ou direitos em favor de outrem, os chamados atos ampliativos de direitos[93], com violação ou interpretação desarrazoada da norma aplicável ao caso concreto.

Com efeito, a proteção da boa-fé dos administrados passou a ter vital importância imperativa num Estado Intervencionista como o nosso, constituindo, juntamente com a segurança jurídica, instrumento indispensável à distribuição da justiça material. É preciso considerá-lo diante das situações geradas por atos inválidos ampliativos de direitos. Assim, o princípio da boa-fé e seu subprincípio da confiança, aliado à segurança jurídica, são princípios vocacionados a impedir que os administrados sejam surpreendidos por conduta do Estado apta a ferir os interesses dos administrados ou frustrar-lhes expectativas, mesmo que tais interesses e expectativas advenham de atos em desacordo com as prescrições legais.

Nesta linha de raciocínio, no escólio de Hely Lopes Meirelles[94], a Administração, ao invalidar um ato administrativo, faz com que as relações entre as partes fiquem desfeitas com a anulação, obrigando-as à reposição das coisas aos status quo ante, como consequência natural e lógica da decisão anulatória, ou seja, o pronunciamento de invalidade opera ex tunc, com a finalidade de recompor a legalidade. Tal consequência, aliás, se impõe nos atos restritivos de direito, os quais impõem obrigações, deveres ou ônus ao administrado, pois, se após a edição do ato restritivo de direito a Administração verificar que o ato é inválido (no sentido de inconvalidável), o dever de invalidá-lo irá se impor ex officio, pouco importando o tempo decorrido.[95]

Porém, há limites à invalidação dos atos administrativos ampliativos de direitos, pois estes podem produzir os efeitos a que estavam preordenados, eis que situações terão sido geradas e, na dinâmica da realidade, podem converter-se em situações merecedoras de proteção. Ora, as pessoas não podem ser surpreendidas pela conduta do Estado, quando adota novas providências, em contradição com outras, por ele próprio impostas, surpreendendo os que acreditaram no Poder Público, e os danos sofridos pelo administrado em virtude da invalidação de um ato administrativo não podem ser creditados na sua própria conta.

 Logo, é possível os administrados serem expostos a danos, se o ato administrativo que lhes serviu de suporte – e nos quais poderiam estar tranquilamente amparados, ante a presunção de legitimidade dos atos administrativos, vier a ser anulado. É possível que o Poder Público responda por tais danos, com base no artigo 37, § 6° da Constituição Federal, pois as pessoas jurídicas de direito público têm de responder pelos danos que causem a sujeito de boa-fé em decorrência de anulação de atos sobre os quais se assentavam situações ou relações jurídicas produzidas na conformidade com o ato anulado.[96]

Por essas razões, é evidente que, diante do caso concreto, e possível sopesar os princípios regentes do Direito Administrativo e limitar a eficácia de um deles para que outros possam coexistir no mesmo caso concreto. Explico: é possível que, diante das circunstâncias do caso, o intérprete possa ser levado a concluir que o ato é inválido, por ter seus efeitos cassados a partir de então, com efeitos ex nunc. Em outras palavras, em face do princípio da boa-fé, muito embora se declare a invalidade do ato administrativo, o conteúdo do ato administrativo invalidador será ex nunc, em função da natureza ampliativa de direitos do ato inválido, protegendo-se os que se relacionaram com a Administração e auferiram direitos do ato.

A eficácia ex nunc atribuída às invalidações dos atos ampliativos é traduzida com inteira propriedade pelo professor Celso Antonio Bandeira de Mello, cujas palavras pedimos vênia para citar:

“Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente nos autos unilaterais restritivos de direitos da esfera jurídica dos administrados serem inválidos, todas as razões concorrem para que sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem foram indevidamente agravado pelo Poder Público das consequências onerosas. Pelo contrário, nos atos unilaterais ampliativos da esfera jurídica do administrado, se este não concorreu para o vício do ato, estando de boa-fé, sua fulminação só deve produzir efeitos ex nunc, ou seja, depois de pronunciada.”[97]

Convém alertar que não há discricionariedade na invalidação do ato, pois é produto de competência vinculada, ou seja, o agente público, ao se deparar com um ato inválido, não goza de uma margem de apreciação subjetiva para decidir se pronuncia a invalidação ou a convalidação do ato administrativo inválido. Entretanto, não significa que não se possa modular os efeitos do ato, a partir de determinado lapso temporal, visando sempre dar máxima efetivação aos princípios da legalidade, consubstanciada no dever de invalidar o ato ilegal, e os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.

Não há uma solução pronta, pois se deverá analisar as circunstâncias do caso concreto e verificar se a manutenção dos efeitos do ato inválido é menos prejudicial aos interesses protegidos pela ordem jurídica, em comparação a uma eventual invalidação com efeitos ex tunc. Oportuno salientar que a tarefa de ponderação dos princípios é método por meio do qual se autoriza a qualificação do razoável por uma explicação motivada, para que não se confunda com um ato discricionário. É necessário que o procedimento seja discursivo e persuasivo, a fim de alcançar o ponto máximo de realização dos princípios em jogo.

Como bem salienta Almiro de Couto e Silva, nem podem a segurança jurídica e a proteção à confiança se transformar em valores absolutos, capazes de petrificar a ordem jurídica, imobilizando o Estado e impedindo-o de realizar as mudanças que o interesse público estaria a reclamar. Mas, de outra parte, não é igualmente admissível que o Estado seja autorizado, em todas as circunstâncias, a adotar novas providências, em contradição com as que foram por ele próprio impostas, surpreendendo os que acreditaram nos atos do Poder Público.[98]

De fragmento da obra de Lúcia Valle Figueiredo pode se extrair a verdadeira ilação que a matéria suscita. Refere-se a zelosa autora, ao discorrer sobre o dever de invalidação, a “atos desconformes da lei e princípios”, nitidamente remetendo a solução da controvérsia ao conceito de justiça, ínsito da moderna estruturação social democrática, consagrada pelo modelo estatal atualmente adotado pela maioria dos povos civilizados do globo, e pelo Brasil sob o paradigma do Estado Democrático de Direito.[99]

4.3 – A jurisprudência brasileira sobre os limites à invalidação administrativa em decorrência do Princípio da Boa-fé

A jurisprudência brasileira sinaliza avanços no tocante ao princípio da boa-fé e tem propagado decisões balizadas neste princípio. Atualmente, é possível constatar que a jurisprudência tem caminhado no sentido da doutrina, posicionando-se favoravelmente à proteção dos administrados de boa-fé, que mantiveram vínculos com a Administração.

Um recente julgado proferido em Apelação Cível[100] no Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que seria incabível a repetição de valores percebidos de boa-fé pelo segurado. No caso em questão, o INSS, em virtude de erro administrativo, pagou benefício de pensão por morte após ter a autora completado 21 anos. O Tribunal entendeu que, a partir da aplicação do princípio da proteção da confiança também nas relações entre a Administração e administrado, não é devida a devolução dos valores recebidos de boa-fé, sendo eles não sujeitos a repetição.

O Superior Tribunal de Justiça, dando guarida expressa aos princípios da boa-fé e da confiança no direito público, julgou, em 24.11.1998[101], interessante caso. O Município de Limeira, SP, celebrara com particulares contrato de promessa de compra e venda de um lote situado em inexistente loteamento, o qual não foi registrado, nem chegando a ser urbanizada a gleba. Na gestão posterior ao negócio jurídico, o Município promoveu a anulação daqueles contratos, porque o parcelamento não estaria regularizado, faltando-lhe o registro. O STJ negou-lhe o pedido, sob o seguinte argumento, segundo o voto relator:

“Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela Administração Pública, e até com mais razão por ela, e o seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os próprios passos, depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiaram.”

 Em julgado proferido no RE 370862/SC, através de questão de ordem suscitada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, o STF decidiu modular temporalmente a decisão, dando-lhe efeitos prospectivos. Impõe citar as razões para tanto, já que fulcradas no princípio da boa-fé, em sua vertente confiança:

“…considerando que não houve modificação no contexto fático e nem mudança legislativa, mas sobreveio uma alteração substancial no entendimento do STF sobre a matéria, possivelmente em face de sua nova composição, entendo ser conveniente evitar que um câmbio abrupto de rumos acarrete prejuízos aos jurisdicionados que pautaram suas ações pelo entendimento pretoriano até agora dominante.

Isso, sobretudo, em respeito ao princípio da segurança jurídica que, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello, tem por escopo ‘evitar alterações surpreendentes que instabilizem a situação dos administrados’, bem como ‘minorar os efeitos traumáticos que resultam de novas disposições jurídicas que alcançaram situações em curso’.

Não se propugna com isso, é evidente, a cristalização da jurisprudência ou a paralisia da atividade legislativa, pois as decisões judiciais e as leis não podem ficar alheias à evolução social e ao devir histórico. Não se pode olvidar, contudo, que cumpre, como sabiamente apontou a Ministra Cármen Lúcia… conferir ‘segurança’ ao processo de transformação.

Por estas razões entendo que convém emprestar-se efeitos prospectivos às decisões em tela, sob pena de impor-se pesados ônus aos contribuintes que se fiaram na tendência jurisprudencial indicada nas decisões anteriores desta Corte sobre o tema, com todas as conseqüências negativas que isso acarretará nos planos econômico e social. (Voto s/ questão de ordem. Ministro Ricardo Lewandowski)”

CONCLUSÃO

É indiscutível que as relações entre o Estado e os administrados devem ser pautadas pela observância ao princípio da legalidade. No entanto, no Estado Democrático de Direito não se admite qualquer ilegalidade. Assim, o direito não é apoiado em ideias arbitrárias, mas funda-se em princípios constitucionais, explícitos ou implícitos. Há uma legalidade de valores ou, mais precisamente, uma legalidade constitucional em que os princípios fundamentais constituem, ao mesmo tempo, os parâmetros dos valores positivos e materiais da legitimação e da medida da legalidade.

Logo, a Administração Pública, dado o caráter principiológico da Constituição Federal, não obstante sua vinculação ao princípio da legalidade, recebe os influxos de outros princípios relevantes para ao Estado Democrático de Direito, entre os quais o princípio da boa-fé, pois muito embora não tenham uma menção expressa no corpo da Constituição, deflue dos dispositivos constitucionais.

Os princípios jurídicos, por sua vez, dado o seu caráter de norma jurídica, desempenham um papel fundamental no controle do ato administrativo, pois a aferição da legitimidade do ato administrativo não se tem só como parâmetro um juízo de subsunção com a regra legal pertinente, mas se o ato está em conformidade com o direito, compreendido pelo conjunto de regras e princípios que regulam o caso concreto, dada a sua força regulativa dos atos do Poder Público. Logo, o administrador ou controlador do ato terá que aferi-lo no quadro sistêmico dos princípios, inclusive sob a projeção do princípio da boa-fé.

A boa-fé teve sua origem no direito privado e lá é inquestionável seu papel como princípio norteador das relações jurídicas entre os particulares. Sendo um dos pilares da teoria contratual moderna, tal princípio, nas relações privadas, possibilita a regulação de interesses e conflitos de uma forma flexível e dinâmica, promovendo condições para o compartilhamento do espaço comum e para o convívio social entre os homens.

Considerando sua natureza ética, o princípio da boa-fé sintetiza normas de comportamento focalizadas à concretização dos valores da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, estimulando normas de conduta em consonância com a lealdade, retidão e respeito à palavra empenhada, superando meros interesses egoísticos e impregnando confiança nas relações jurídicas.

Como mandamento de respeito à confiança, à lealdade, e à correção no agir, o princípio da boa-fé se expande para os demais ramos do direito, como o direito internacional público e, notadamente, o direito administrativo. Sendo assim, é um instrumento de inserção de conteúdos éticos no ordenamento jurídico como um todo. No ordenamento jurídico nacional, o princípio da boa-fé advém da própria Constituição Federal, dos preceitos que asseguram a dignidade da pessoa humana, solidariedade e também a moralidade administrativa.

Muito embora não seja tradição no direito público nacional estudos versando sobre a boa-fé nas relações da Administração, é correto afirmar que a boa-fé, como a legalidade, é um vetor que deve reger as relações constituídas entre a Administração e o administrado, vez que valores como a confiança, lealdade e retidão devem estar presentes em todas as relações. Aliás, a boa fé incorpora o valor ético da confiança. Confiança na forma de atuação que cabe esperar das pessoas com que nos relacionamos. É no âmbito das relações jurídico-administrativas que esse modo de atuar é esperado pela Administração Pública, em respeito ao administrado, e o administrado em relação à Administração Pública.

Logo, a Administração tem o dever de proceder de boa-fé em suas relações com os particulares destinatários da atuação administrativa, garantindo-lhes a segurança jurídica quanto aos propósitos das ações administrativas por ele encetadas. É indispensável, portanto, a observância do aludido princípio para que haja confiança dos administrados em relação às medidas adotadas pela Administração Pública.

Tendo em vista que a boa-fé regula toda a atividade administrativa, como princípio informador da Administração Pública, é indubitável que a autotutela da Administração sofre influxos da boa-fé, pois impõe várias condicionantes para a invalidação dos atos administrativos. Este sentido se revela na vedação à aplicação retroativa de nova interpretação, de forma que não possam vir a anular os atos anteriores, sob o pretexto de que foram praticados com base em errônea interpretação; a fixação de prazos para anulação dos atos administrativos; a modulação dos efeitos dos atos administrativos inválidos, por meio do qual o ato é anulado, porém, sem aplicação dos efeitos retroativos à data em que foram praticados.

Com efeito, no campo das nulidades, o princípio da boa-fé visa impedir que os administrados sejam surpreendidos por modificações do direito positivo ou pela conduta do Estado, que possam ferir os interesses dos administrados ou frustrar-lhes expectativas, mesmo que tais interesses e expectativas advenham de atos em dissonância com a ordem jurídica.

Enfim, o princípio da boa-fé impõe o dever do gestor público zelar pela estabilidade decorrente de uma relação de confiança mútua, a ser regido pelas relações jurídico-administrativas, porque os postulados do Estado Democrático de Direito, dentre os quais a dignidade da pessoa humana, não se realiza sem que seja garantido ao administrado o direito a uma Administração Pública confiável e leal.

 

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Notas:
[1] A noção de paradigma foi introduzida na moderna epistemologia  por Thomas S. Kuhn para descrever a seleção, por uma comunidade científica, das questões relevantes para uma determinada ciência. Nesse sentido, paradigmas são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Os paradigmas contém ideologias ou visões de mundo que fornecem uma série de pressupostos necessários à interpretação concreta de direitos. Fonte: MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira. Texto-base 1: A noção de administração pública e os critérios de sua atuação. Brasília – DF: CEAD/UnB, 2009. 34 p. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/file.php/9/Biblioteca/Textos-base/1_-_Texto-base_1.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2010.
[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 47.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2007, p. 21.
[4] MELLO, op. cit., p. 47.
[5] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores, 1992,  p. 45.
[6] MELLO, op. cit., p. 47.
[7] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de atos de Governo pela Jurisdicão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004,  p. 73.
[8] Ibidem,  p. 73.
[9]Op. cit., p. 14.
[10] Ibidem
[11] KELSEN, Hans. A Democracia. Trad. De Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla e Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 28.
[12] PALU, op. cit., p. 79.
[13] MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, p. 75.
[14] CF/88, art. 1º.
[15] MELLO, op. cit.,  p. 29.
[16] PALU. op. cit., p. 199.
[17] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa – 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 40.
[18] COSTA, Alexandre Bernardino. Texto-base 2: Metodologia de Pesquisa e Ensino em Direito.  Brasília – DF: CEAD/UnB, 2009. 12 p. p. 7/8 (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <_ ttp://moodle.cead.unb.br/agu/mod/resource/view.php?id=398&subdir=/Topico_II-_Texto-base_2.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2010.
[19] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Editora Coimbra, 2000, p. 229.
[20] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, p. 39 a 46.
[21] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 165.
[22] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 90/91.
[23] Ibidem,  p. 93/94.
[24] ALEXY, op. cit., p. 95.
[25] BECHO, apud GABARDO, Emerson. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. São Paulo: Dialética, 2002, p. 80.
[26] VALIM, Rafael. O Princípio da Segurança Jurídica no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010,  p. 37.
[27] LARENZ, apud  GONÇAVES, Camila de Jesus Mello. Princípio da Boa-fé. Perspectivas e Aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008,  p. 68/69.
[28] MARTINS-COSTA, Judith, apud FINGER, Ana Cláudia. O Princípio da Boa-fé no Direito Administrativo. 2005. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito. Ano de defesa: 2005, p.25 Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/handle/1884/2618>
[29]FINGER, op. cit.   p .25.
[30] Ibidem,  p. 25.
[31] Ibidem , p. 26.
[32] SCHIER, Flora Margarida Clock. A BOA-FÉ Como Presuposto Fundamental do Dever de Informar. Curitiba: Juruá, 2009, p. 30.
[33] Ibidem,  p. 32.
[34] FINGER, op. cit., p. 26.
[35] SCHIER, op. cit., p. 32.
[36] CC/1916,  arts.  109 (fraude contra credores) e 221 (efeitos do casamento putativo).
[37] MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e Solidariedade Social Entre Cosmos e Taxis: A Boa-fé nas Relações de Consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 612.
[38]GONÇALVES, op. cit., p. 72.
[39]CF/88,  Arts. 1°, III,  3°.
[40] GONÇALVES, op. cit.,  p. 88.
[41] DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. Teoria dos atos próprios no princípio da boa-fé. Curitiba: Juruá, 2007, p. 129.
[42] GONÇALVES, op, cit.,  p. 91.
[43] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 126.
[44]TEPEDINO. Gustavo.; BARBOSA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 226/227
[45] FERREIRA, Keila Pacheco. Abuso do Direito nas Relações Obrigacionais. Belo Horizonte:  Del Rey, 2006, p. 260.
[46] GONÇALVES, op. cit., p. 38.
[47] LARENZ, Karl. Derecho Justo Fundamento de Etica Juridica. Madrid: Civitas, 2001, p.  91/92.
[48] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro. In:  ANTUNES, Cármen Lúcia (Org.).  Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004,  p.  97/98.
[49] GONÇALVES, op. cit., p. 41.
[50] NORONHA, op. cit., p. 174.
[51] MENEZES CORDEIRO, apud FERREIRA, op. cit., p. 223.
[52] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 100.
[53] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Publico, 3 ed. rev., atual.  ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 113.
[54] MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. Da Boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 383.
[55] LAGASSE, apud GIACOMUZZI, José Guilherme. A Moralidade Administrativa e a Boa-fe da Administracao Publica: o conteúdo dogmático da moralidade administrativa.. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 256.
[56] RAISER, apud GIACOMUZZI. op. cit.  p. 262.
[57] JALUZOT,apud  DANTAS JÚNIOR, op. cit., p. 151..
[58] PEREZ, Jesús Gonzales. El Princípio General de La Buena Fe em El Drecho Administrativo. Madrid: Civitas Ediciones, S.L., 1999, p. 44.
[59] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Grandes Temas do Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 177.
60] GIACOMUZZI, op. cit., p. 249/250.
[61] FREITAS, Juarez. O controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 73.
[62] FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, 1ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 81.
[63]Op. cit,  p. 117/118.
[64]Op. cit, p. 116.
[65] COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do Processo Administrativo da União (Lei n° 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Número 2 – abril/maio/junho de 2005, 48 p. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2-ABRIL-2005->. Acesso em: 05 jul. 2010.
[66] GIACOMUZZI. op. cit, p. 267,
[67]  Op. cit., p. 179.
[68] COUTO E SILVA, op. cit., p. 37.
[69] PÉREZ, op. cit., p. 53.
[70] CF/88, arts. 5°, II, 37, caput, e 84, IV.
[71] ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 25.
[72] MOREIRA, Gerfran Carneiro. Os Princípios Constitucionais da Administração e sua Interpretação: Reflexões sobre a função administrativa no Estado Democrático de Direito.  In: FIGUEIREDO, Lucia Valle (Org.). Devido Processo Legal na Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 108
[73] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pp. 39-40
[74] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Apud MOREIRA. op. cit. p. 108.
[75] SANTOS NETO, Joao Antunes do. Da Anulação ex officio do ato administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2004, p. 138.
[76] Op. cit., p.  146.
[77] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno- 9.ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 182.
[78] VAZ CERQUINHO, Maria Cuervo Silva. O Desvio de Poder no Ato Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979,  p.15/16 apud SANTOS NETO, op. cit., p.51.
[79] ZANCANER., op. cit., p. 64.
[80] Lei nº 9.784/99, art. 53.
[81] STF – RE nº 158.543-9 RS.
[82]ZANCANER, op. cit., p. 65/66.
[83] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 23ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2010,  p. 246/247.
[84] Lei n° 9.784/1999, art. 55.
[85] PEREIRA, Frederico Valdez. Limite à Invalidação dos atos administrativos: princípio da segurança jurídica. In: BRUM, Paulo Afonso: PEREIRA, Ricardo Teixeira do Valle (Org.). Curso Modular de Direito Administrativo.  Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 269.
[86] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição. Malheiros Editores: São Paulo, 2003, p. 198.
[87] SANTOS NETO, op. cit., p. 164.
[88] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2ª edição., revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 213.
[89]Lei nº 9.784/99, Art. 2º, parágrafo único, inciso XIII.
[90] Lei nº 9.784/99, art. 54.
[91] COUTO E SILVA, op. cit., p. 38.
[92] ZANCANER. op. cit., p. 74.
[93] Ibidem, p. 71.
[94] MEIRELLES, op. cit., p. 200.
[95] ZANCANER, op. cit., p. 71.
[96] MELLO,  op. cit., p.  94.
[97] Idem,  op. cit., p. 472/473.
[98] COUTO E SILVA, op. cit., p. 6.
[99] FIGUEIREDO, apud  SANTOS NETO. op. cit., p. 152.
[100] Apelação Cível n° 2008.72.02.003.394-6/SC – TRF da 4ª Região
[101] REsp 184.487-SP. O exemplo é de José Guilherme Giacomuzzi. Op. cit, p. 277.


Informações Sobre o Autor

Márcio Luís Dutra de Souza

Advogado da União em exercício na Procuradoria Seccional da União em Londrina Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília


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