A estrutura do sistema prisional brasileiro frente aos objetivos da teoria da pena

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Resumo: O Sistema Prisional Brasileiro tal como hoje é estruturado não atende plenamente às finalidades da teoria da pena consagrada em nosso Direito Penal. Ao contrário, o que se observa nos presídios do país são afrontas aos direitos humanos e ausência de políticas públicas que façam valer a vontade do legislador e, por consequência, da própria sociedade. Em vista dessa realidade, esse estudo se propõe a analisar esse contrassenso entre o ideal teórico e a realidade manifesta do nosso sistema prisional, buscando propor soluções para a melhoria desse sistema. Para esse intento buscar-se-á subsídio na doutrina, jurisprudência e opinião pública, inclusive por meio de entrevista, para que se alcance maior percepção e confiabilidade da situação analisada.[1]

Palavras-chave: Sistema Prisional. Teoria da Pena. Direitos Humanos. Políticas Públicas.

Abstract: The Brazilian Prison System such as configured nowadays does not fulfill completely the objectives consagrated by the theory of punishment in our Criminal Sciente. What is observed today are outrages to human rights e the absence of public policies that make concrete the will of the law and, so, the society itself. Due to this reality, this article aims to study this difference between the ideological theory and the reality achieved by our prison system and to propose ways to make this system improve. For such we will gather assistance through doctrines, judge-made laws and also the public opinion, even using interviews, so that better perception and liability abou the situation can be achieved.

Keywords: Prison System. Theory of punishment. Human Rights. Public Policies.

Sumário: Introdução. 1. A Teoria da Pena. 2. O Sistema Prisional Brasileiro. 3. Diretrizes da Política Criminal na Constituição Federal de 1988. 4. O Papel do Estado em Relação ao Problema Carcerário no Brasil. A Busca de Melhores Condições para o Sistema Prisional. Considerações Finais. Referências.

Introdução

O Sistema Penal Brasileiro consagrou, através do artigo 59 do Código Penal, a teoria mista da finalidade da pena. Assim, a pena apresenta um duplo aspecto: a reprovação e a prevenção do crime. No entanto, a quase totalidade de presídios no Brasil apresenta uma realidade que põe em questionamento o alcance dessas duas finalidades da pena.

O que se observa, nas penitenciárias brasileiras, de forma quase absoluta, são violações aos direitos humanos, ao direito penal e à própria Constituição Federal, na medida em que direitos fundamentais positivados por estes ramos do direito são constantemente transgredidos. Entre estes direitos vale menção especial os direitos ao trabalho, à higiene, à saúde e à educação.  

A situação de flagelo na área de segurança pública nos expõe o fato de que o aparato idealizado e instaurado pelo Estado para prevenir e reprimir os delitos não se mostra eficaz. É imprescindível então que seja feita uma análise acerca desse aparato – sistema prisional –, buscando encontrar e sanar os pontos de deficiência do mesmo para que seus objetivos sejam plenamente atingidos.

Na atual conjuntura da Administração Pública em que se preza pela Eficiência, tanto no sentido de economia financeira, quanto no de obtenção de máximos resultados, manter um uma estrutura carcerária deficiente implica tanto desrespeito aos princípios que regem a Administração Pública, quanto, por via oblíqua, o desrespeito ao Interesse Público.

Além disso, um sistema prisional debilitado tende a elevar consideravelmente a violência, em virtude da ausência de possibilidade de recuperação do condenado. Isso leva à convergência do medo e insegurança da sociedade, que não poderá desfrutar do meio social da maneira como lhe aprouver por estar vulnerável à violência crescente, cada vez mais perto de seu cotidiano, seja nas escolas, no trabalho, nos locais de lazer ou nas próprias residências. Frise-se, ainda, que essa ascensão da criminalidade multiplica os gastos com segurança e saúde públicas, pelo fato de tornar-se necessário maior policiamento nas ruas e acolhimento, nos hospitais, daqueles atingidos pelo crime. Assim, o dinheiro público que poderia ser utilizado para promoção de outras áreas prioritárias, tais como moradia, saneamento básico, saúde preventiva, entre outras, é utilizado para remediar os efeitos da má administração prisional pelo Poder Público.

1. A Teoria da Pena

O homem é um ser social, pois sempre conviveu em grupo. Em virtude disso, surgiram as normas de conduta para disciplinar comportamentos, fazendo com que os bens mais importantes de uma dada sociedade fossem preservado e que fosse mantida a ordem pública.  Nesse contexto, surge também a pena, responsável por punir aqueles que violassem as normas impostas, incluindo-se aqui aquelas de caráter penal. Entretanto, o sentido e alcance das penas não permaneceram o mesmo ao longo dos anos, tendo sofrido modificações em virtude das transformações históricas que refletiram no modo de pensar do homem.

Como relevante fator histórico que levou à mudança de pensamento do homem, têm-se os movimentos que deflagraram a afirmação dos direitos humanos, sendo o principal deles a Revolução Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Assim, assistiu-se à evolução da pena, que passou de seu caráter degradante, meramente punitivista, ao caráter mais humanitário, com vistas não só ao castigo, como também à recuperação do condenado. Destarte, essa evolução se deu não só quanto à forma de punir, mas também na forma de perceber a finalidade da pena.

Surgem então três principais teorias que buscam explicar a finalidade da pena: a) Teoria Absoluta ou Retribucionista; b) Teoria Preventiva ou Utilitarista; c) Teoria Mista ou Unificadora.

A Teoria Absoluta vê a pena como um fim em si mesma, ou seja, busca retribuir ao condenado o mal que praticara. Ao contrário, a Teoria Preventiva volta seu olhar para a prevenção de delitos, seja uma prevenção geral ou especial. A prevenção geral idealiza a pena como instrumento capaz de evitar o cometimento de delitos pelos cidadãos em geral, em virtude da intimidação causada pela pena e do fortalecimento na fé punitiva da lei. A prevenção especial, por sua vez, direciona-se ao delinquente, atuando preventivamente para que ele sofra as consequências da pena e não volte a delinquir.

A Teoria Unificadora, como subtende-se, nada mais é que a junção do que se tem de melhor nas teorias já citadas, acrescentado a elas um senso de justiça social. Conforme QUEIROZ (2001, apud MIR PUIG)

“a pena é conceitualmente uma retribuição jurídica […], que somente se justifica se e enquanto necessária à proteção da sociedade, vale dizer, é uma retribuição a serviço da prevenção geral e/ou especial de futuros delitos”.

Esta última teoria é a que foi consagrada pelo Sistema Penal Brasileiro, através do artigo 59, caput, do Código Penal nos seguintes termos

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (grifos nossos)”.

Não obstante a positivação da Teoria Mista em nossa legislação e na sua adoção pela doutrina e jurisprudência, o que se verifica, na prática, é a ausência do caráter de prevenção da pena em nossa sociedade. Segundo Assis (2007)

“Embora não haja números oficiais, calcula-se que, no Brasil, em média, 90% dos ex-detentos que retornam à sociedade voltam a delinqüir, e, conseqüentemente, acabam retornando à prisão. Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições a que o condenado foi submetido no ambiente prisional, durante o seu encarceramento, além do sentimento de rejeição e de indiferença sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir sua liberdade. O estigma de ex-detento e seu total desamparo pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário se torne marginalizado no meio social, o que acaba levando-o de volta ao mundo do crime, por falta de melhores opções”.

2. O Sistema Prisional Brasileiro

As penitenciárias brasileiras se transformaram em verdadeiros depósitos humanos. Superlotação, violência e doenças são alguns itens que marcam o Sistema Prisional no Brasil, descaracterizando assim o verdadeiro sentido para o qual foi criado.

As prisões, como instrumento das penas privativas de liberdade, deveriam servir para recuperação e punição do condenado, ressaltando-se, contudo, que neste último sentido, deve ser vista apenas como uma ausência parcial da liberdade do indivíduo.  No entanto, o que se observa, na prática, é que o caráter punitivo da pena ultrapassa a esfera de liberdade do criminoso, alcançando também sua dignidade, saúde, integridade, entre outros direitos assegurados na Constituição. Além disso, não se observa, de forma alguma, o caráter de recuperação do condenado nas penas privativas de liberdade, podendo inclusive atribuir a isso a punição exacerbada do indivíduo, que vai muito além da supressão de sua liberdade.

A superlotação das prisões acarreta a falta de dignidade humana e de higiene, pois o reduzido espaço para viver leva os presos a dormirem no chão, e, algumas vezes, até próximo dos locais que costumam chamar de “banheiro”, nome este inadequado, já que tal local não passa de um buraco onde as fezes e urina são depositados. Para Camargo (2006)

"A superlotação devido ao numero elevado de presos, é talvez o mais grave problema envolvendo o sistema penal hoje. As prisões encontram-se abarrotadas, não fornecendo ao preso um mínimo de dignidade. Todos os esforços feitos para a diminuição do problema, não chegaram a nenhum resultado positivo, pois a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem apenas piorado. Devido à superlotação muitos dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo a buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe nem lugar no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em rede. (…) Os estabelecimentos penitenciário brasileiro, variam quanto ao tamanho, forma e desenho. O problema é que assim como nos estabelecimento penais ou em celas de cadeias o numero de detentos que ocupam seus lugares chega a ser de cinco vezes mais a capacidade”.

A violência constante nos presídios, além de também decorrer da superlotação, procedem da falta de uma organização prisional, já que não se vislumbra a separação dos presos por categorias de delitos ou tempo de pena já cumprido, resultando, outrossim, no contato de delinquentes primários com aqueles que já cumpriram grande parcela da pena, estando, portanto, mais contaminados dos vícios delinquentes do recinto prisional. Assim, segundo Assis (2007)

“Homicídios, abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro do ambiente da prisão, os quais, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela”.

Em relação à saúde do preso, dispõe a Lei Execuções Penais (lei nº 7.210/84), em seu artigo 14, que “a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico”. Não obstante ao previsto em Lei, a situação real da saúde nos presídios é precária. Devido à insalubridade do ambiente, à promiscuidade sexual, ao intenso uso de drogas e à falta de assistência médica e psicológica preventiva o que se vê são presos dotados de uma saúde débil, incapaz de lhes propiciar condições satisfatórias de vida. A maioria se encontra com de algum tipo de doença, sendo as principais aquelas que atingem o sistema respiratório, como a tuberculose, e as doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a AIDS.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Relatório Sobre a Situação de Direitos Humanos no Brasil (1997), dispôs no Capítulo IV (anexo I) que “muitos presos se queixaram de que doenças gástricas, urológicas, dermatites, pneumonias e ulcerações não eram atendidas adequadamente, afirmando que muitas vezes nem sequer havia remédios básicos para tratá-las”, além disso, dispôs também que

“Segundo declarações dos próprios presos, em caso de brigas entre eles ou doenças, eles próprios tem que tratar dos feridos ou enfermos. A Comissão, ao visitar a Penitenciária Feminina de São Paulo, recebeu queixas das reclusas quanto à falta de atendimento médico, sobretudo ginecológico e dental, e à inexistência de veículos para o transporte das internas ao médico ou hospital.(…) A Comissão recebeu igualmente queixas de que, quando os presos doentes precisam ser transladados a postos de saúde ou hospitais para receber um tratamento médico determinado ou de urgência, a Policia Militar (órgão encarregado de escoltar ou transportar os reclusos aos hospitais) às vezes se nega a fazê-lo ou adia sem qualquer justificação a escolta, o que muitas vezes resulta na piora do estado de saúde do doente”.

Quanto ao trabalho do condenado, previsto no artigo 28 da Lei de Execuções Penais como “dever social e condição de dignidade humana”, falta-lhe efetivação, uma vez que o que se observa nos presídios são indivíduos dominados pelo ócio ou entregues ao sono por longos períodos do dia. Esse quadro contribui para o reduzido grau de recuperação do preso, já que o trabalho produtivo é condição imperiosa para o alcance deste objetivo.

Além dos problemas até aqui expostos muitos outros atingem o Sistema Carcerário Brasileiro. Não se pretende, assim, esgotar estes defeitos estruturais que o atinge, mas tão somente confirmar que este Sistema apresenta-se falido, necessitando de urgentes reformas.

3. Diretrizes da Política Criminal na Constituição Federal de 1988

Baseando-se na atual realidade social e humana, nas transformações pelas quais a sociedade já enfrentou, nas pesquisas realizadas por instituições integrantes do sistema penal e no desenvolvimento e progresso da criminologia numerosos estudos e debates procuram propor um modelo ideal de política-criminal, ou seja, de diretrizes orientadoras do sistema penal. Raad (2006) sustenta que

“É justamente essa política criminal, fundada em valores provenientes do Estado Democrático de Direito, que dá validade às normas penais (…) Cabe a ela o papel de orientar o sistema penal no exercício de suas atribuições e legitimar sua atuação no caso concreto”.

Impende aqui advertir que a política criminal adotada, sendo parte essencial de nosso Direito Penal, deve obediência, como qualquer outro ramo jurídico, às normas e princípios constitucionais.

A Constituição Federal como ápice do ordenamento jurídico subordina todos os campos do direito à estrita observância de suas normas. Assim, o Direito Penal não é diferente. Este, mesmo com sua autonomia, suas regras e princípios próprios não pode, de forma alguma, contrariar os preceitos constitucionais. Pelo contrário, toda atuação no âmbito penal, incluindo-se aqui os preceitos de política criminal, deve pautar-se pelos comandos emanados da nossa Carta de 1988. Nesse sentido Zaffaroni et al (2003) assevera que

“A Constituição é uma lei mais rígida, preservada das decisões das maiorias

conjunturais da legislatura ordinária geradora das leis penais comuns, razão porque estas devem estar sempre submetidas àquela e, por conseguinte, o intérprete das leis penais deve entendê-las no âmbito constitucional, ou seja, o saber do direito penal deve estar sempre sujeito ao que o saber do direito constitucional informar”.

A Constituição Federal de 1988 representa um marco para a democracia do país, pois além de instituir um verdadeiro regime político democrático no Brasil, introduziu um avanço na institucionalização dos direitos e garantias fundamentais, tendo os direitos humanos, neste diapasão, ganhado amplo reconhecimento. Piovesan (2006) assegura que a ampliação promovida em nossa Magna Carta no campo dos direitos fundamentais terminou por colocá-la entre as constituições mais avançadas do mundo em relação à matéria, observando ainda que, em nossa Constituição, dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito, grande destaque deve ser feito quanto à dignidade da pessoa humana, sendo este fundamento o núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico.  

Neste sentido, no âmbito penal, como não podia deixar de ser, a Constituição trouxe inúmeras disposições garantistas da dignidade da pessoa humana. Dentre estas destacam-se a vedação a penas cruéis, ao tratamento desumano ou degradante e a qualquer tipo de tortura, além do obrigatoriedade de respeito à integridade física e moral dos presos e de cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

O que se observa, no entanto, é que vem crescendo a distância entre a política criminal adotada na prática e as diretrizes constitucionais traçadas para a esfera penal. Conquanto o Brasil tenha ratificado inúmeros pactos de direitos humanos internacionais e a Constituição Federal de 1988 tenha ampliado sobremaneira o rol de direitos e garantias fundamentais, não se verifica na atualidade ampla efetivação de tais direitos e garantias, de modo que há um sistema penal que desrespeita o princípio da dignidade da pessoa humana, através de um tratamento desumano, degradante e violador da integridade física e moral do encarcerado.

4. O Papel do Estado em Relação ao Problema Carcerário no Brasil

Ao efetivar uma análise mais aprofundada da origem da criminalidade em nosso país, percebe-se que esta é decorrência da desigualdade socioeconômica experimentada ao longo de nossa história. Assim, a adoção de um novo Código Penal, o qual vem sendo elaborado, bem como a reforma da legislação extravagante no âmbito penal não são suficientes para solucionar a problemática do aumento da criminalidade.

Mais imprescindível e inadiável que tais medidas, faz-se necessário a adoção de politicas públicas que visem solucionar problemas estruturais em sua origem, quais sejam, valorização da educação, incentivo a pratica de esportes, acesso à cultura e programas de formação e aperfeiçoamento profissional de jovens e adultos, sobretudo das populações de baixa renda, já que segundo Karam (2005) os censos realizados periodicamente pelo Ministério da Justiça apontam que entre 90 e 95% dos internos do sistema penitenciário brasileiro são classificados como absolutamente pobres. Assim, a melhoria de suas condições acaba por reduzir a possibilidade de ingresso na criminalidade.

Complementando esta ideia de prevenção criminal, imperiosa se mostra a adoção de medidas públicas que restabeleçam, ou melhor, implantem um novo modelo de gestão e estruturas carcerárias, já que o modelo atual encontra-se completamente falido, fora dos padrões pregados pelo verdadeiro Estado Democrático de Direito e dos princípios de direitos humanos.

O que é evidente, entretanto, é que essa postura inerte por parte dos governantes no que tange à reestruturação do sistema carcerário relaciona-se ao fato de que tal política pública não se mostra conveniente aos interesses dos mesmos, pois não proporciona o retorno político esperado. Para a maioria mostra-se mais conveniente, por exemplo, a publicidade e promoção, em suas campanhas políticas, de investimentos em programas sociais, que apenas remedeiam a situação socioeconômica do eleitorado, do que a publicidade e promoção no que diz respeito à recuperação do sistema prisional. Este paradigma se dá não somente porque os governantes assim pensam, mas também porque a população anseia, no geral, um sistema cada vez mais punitivista. Tal condição acaba gerando um círculo vicioso, pois esse pensamento punitivista que decorre do sentimento de ineficácia no combate à criminalidade leva à não conveniência de mudança por parte do poder público.  

5. A Busca de Melhores Condições para o Sistema Prisional

Sendo o Estado o titular exclusivo do poder punitivo, cabe a ele zelar pela integridade do complexo prisional. Pode-se dizer, entretanto, que o Brasil, na verdade, não possui um único sistema prisional, mas vários, já que as prisões, cadeias e centros de detenção no Brasil são administrados por cada governo estadual, bem como pelo governo distrital. Cada ente estatal regional gere, com independência, um conjunto separado de estabelecimentos penais com uma estrutura organizacional distinta, o que por via de consequência, conduz a uma diversidade, entre todos esses sistemas penais, dos mais variados assuntos, tais como nível de reincidência criminal, superlotação, morte e violência dentro dos presídios, evasão etc.

Assim, apesar de ser visualizado, na maioria dos complexos prisionais, uma situação geral de abandono, ainda é possível assistir medidas individuais e pontuais no que concerne à preocupação na melhoria destes sistemas, especialmente em relação à recuperação do condenado.

Como exemplo de iniciativa que vem obtendo grande êxito na recuperação de condenados tem-se, no estado de Minas Gerais, as APACs – Associações de Proteção e Assistência aos Condenados. A APAC, instalada inicialmente na Comarca de Itaúna há quase vinte anos, em virtude de seu sucesso, encontra-se hoje difundida por outras comarcas e municípios, como Arcos, Grão Mogol, Nova Lima, Passos, Patrocínio, Sete Lagoas, Três Corações e Perdões, além de diversas comarcas em processo de instalação de novas APACs.

A APAC é entidade civil dotada de personalidade jurídica própria, apta a desenvolver método de valorização humana para oferecer ao condenado melhores condições de se recuperar, visando a proteger a sociedade e promover a Justiça.

Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais estima-se que a reincidência entre os egressos das unidades APAC gira em torno de 15% (quinze por cento) enquanto que os oriundos do sistema comum alcançam o percentual de 70% (setenta por cento).

Outro exemplo estimulante e digno de reverência é o projeto de iniciativa da juíza do Rio de Janeiro Thelma Araújo Esteves Fraga denominado Projeto Grão.

O projeto surgiu do desejo da juíza, que atuou na área criminal em nove de seus 17 anos de magistratura. Pode-se dizer que “sonho” é a palavra-chave do Projeto Grão.

Em entrevista realizada por Flávia Ribeiro com a magistrada ao site Infosurhoy em 16 de maio de 2012 a juíza Thelma Fraga ilustrou que julgava os processos, mas a criminalidade continuava crescente e, por isso, a sensação de frustração era enorme. Concluiu então que precisava buscar alternativas e não se limitar aos julgamentos.

Após quase três anos de estudos, em 2007, Thelma e sua equipe concluíram que uma das causas desse desequilíbrio era a ausência de ações para reinserir os ex-detentos na sociedade. Em suas pesquisas apontaram ainda que de nada adiantava empregar o ex-presidiário em um trabalho com que ele não se identificasse. Assim, nos dizeres da juíza “o programa tem como principal metodologia o exercício da subjetividade, no qual é escolhido um sonho para que seja transformado em realidade”. Explica Thelma que “para cada objetivo de vida, traçamos metas e saímos em busca de parceiros que possam nos auxiliar”.

Do sonho à realidade, o saldo do Projeto Grão é que, dos 115 ex-detentos reinseridos na sociedade pela iniciativa, nenhum voltou a cometer crimes. A magistrada finaliza proferindo: “eles dizem que os ajudei, mas foram eles que me salvaram do óbvio, da pequenez e do preconceito. São meus pequenos gigantes”.

Considerações finais

Da forma como hoje se apresenta, o sistema carcerário não atende ao duplo objetivo da teoria da pena. O objetivo preventivo, na generalidade dos sistemas carcerários, não se concretiza, e o objetivo repressivo se concretiza com inúmeras falhas, precipuamente com violações aos direitos humanos assegurados em Tratados Internacionais e aos direitos fundamentais resguardados na Constituição de 1988.

A estrutura carcerária vigente funciona como uma “escola da criminalidade”, onde detentos de diferentes potenciais criminosos são obrigados a conviver em conjunto, em situações de expressiva afronta a dignidade humana, o que leva à ausência de perspectivas de uma vida melhor e, por conseguinte, à continuidade da vida criminosa, inclusive a graus mais elevados pela influência de detentos mais habituados ao ambiente do crime.

Apesar de nossa Carta Magna traçar inúmeros preceitos garantidores da dignidade humana do âmbito penal, não se verifica, na prática, rigorosa aplicação dos mesmos no tratamento do detento.

Esta situação de colapso do sistema carcerário e desrespeito aos direitos fundamentais se dá, sobretudo pela descrença da população em um sistema que recupere o preso, o que leva ao desejo de um sistema de punição mais intenso. Direcionados por esse ponto de vista da população e pela falta de conveniência para a promoção pessoal e política muito governantes se abstêm de se engajarem na recuperação do sistema prisional.

Não obstante, porém, serem características genéricas do sistema prisional brasileiro a falta de respeito ao ser humano, a ausência de possibilidade recuperatória do detento e o descaso do poder público com a transformação deste sistema, algumas iniciativas ainda podem ser observadas na esperança de regeneração do complexo prisional. Estas iniciativas tratam, nomeadamente, da valorização da dignidade da pessoa humana como norteadora de toda atuação no âmbito do direito, especialmente na esfera penal, onde esse princípio reclama especial atenção, em virtude da privação necessária de um direito fundamental, a liberdade individual.

 

Referências
ASSIS, Rafael Damasceno de. A Realidade Atual do Sistema Penitenciário Brasileiro. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/numero39/artigo09.pdf>. Acesso em 20/02/2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 05/05/2012.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em 30/04/2012.
CAMARGO, Virginia. Realidade do Sistema Prisional no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 33, set 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1299>. Acesso em 05/05/2012.
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KARAM, Maria Lúcia. Sistema penal e publicidade enganosa. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 52, p. 171.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
RAAD, Marco Russowsky. Uma Análise da Política Criminal sob o Enfoque do Direito Penal do Terror. Disponível em: <http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2006_1/marco.pdf>. Acesso em: 30/04/2012.
TJMG. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/presidencia/projetonovosrumos/ >. Acesso em: 19/05/2012.
TJMG. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. <http://www.tjmg.jus.br/responsabilidade_social/atos_normativos.pdf>. Acesso em: 19/05/2012.
ZAFFARONI, Raul Eugênio; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.
Direito Penal Brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, pág. 319.
 
Notas:
 
[1] Trabalho Orientado pelo Prof. Gabriel Freitas de Oliveira, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Jacy de Assis da Universidade Federal de Uberlândia. Pós-Graduado em Direito da Administração Pública pela Faculdade de Direito Jacy de Assis da Universidade Federal de Uberlândia. Professor de Direito na Faculdade Politécnica de Uberlândia. 


Informações Sobre o Autor

Paula Guimarães Ferreira

Acadêmica de Direito na Faculdade Politécnica de Uberlândia/MG


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