Cidade Sustentável: uma análise legal sobre o tema e o estudo de caso na cidade de Belém, Pará

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Resumo: O modelo das cidades no mundo atual se mostra incoerente com o ideal de qualidade de vida insculpido nos delineamentos do modelo de cidade sustentável, gerando a necessidade de se obter um planejamento urbano, com uma gestão participativa da cidade pelos seus munícipes. Para tal, importante se seguir as leis e os programas destinados a alcançar uma efetiva função social da propriedade, com fito de se alcançar uma equilibrada justiça social a fim de que se promova uma real mudança local. Em alusão a esse anseio, o Projeto Portal da Amazônia vem para incorporar uma população de baixa renda, no caso, da orla da Estrada Nova, em Belém, aos serviços e aos equipamentos públicos que até então lhe eram carentes, propiciando, por conseguinte, a implementação das diretrizes da cidade sustentável a esse nicho[1].

Palavras-chave: cidade sustentável – função social da propriedade.

Abstract: The model of the cities in the current world if shows incoherent with the ideal of quality of life inserted in the delineations of the model of sustainable city, generating the necessity of if getting an urban planning, with a participated management of the city for its townspeople. For such, important to follow the destined laws and programs to reach an effective social function of the property, with I look of if reaching one balanced social justice so that if it promotes one real local change. In reference this yearning, the Project Vestibule of the Amazônia comes to incorporate a low income population, in the case, of the edge of the “New Road”, in Belém, to the services and the public equipment that until then it were devoid, propitiating, therefore, the implementation of the lines of direction of the sustainable city to this niche.

Keywords: sustainable city – social function of the property.

Sumário: Introdução. 1 a história das cidades. 1.1 Da cidade à urbanização. 1.2 A urbanização e o fenômeno urbano brasileiro. 1.3 O urbanismo. 2 principais legislações sobre o tema. 2.1 A Carta de Atenas. 2.2 A nova Carta de Atenas. 2.3 Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos humanos. 2.4 Agenda 21. 2.5 O Estatuto da Cidade. 2.6 O Plano Diretor. 2.7 Conferências nacionais das cidades. 3 A função social da propriedade. 3.1 O direito de propriedade no Código Civil Brasileiro. 3.2 O direito de propriedade à luz da Constituição Federal de 1988. 3.3 A função social da propriedade como indutora do direito à cidade. 4 Da cidade sustentável. 4.1 No Estatuto da Cidade. 4.2 No plano diretor. 5 Do estudo de caso. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A temática deste estudo gira em torno de se evidenciar quais os padrões criados com o Projeto Portal da Amazônia, na Orla da Estrada Nova, no Município de Belém, no delineamento da criação de uma cidade sustentável.

O problema está em enfocar se o Projeto Portal da Amazônia vem garantir uma cidade sustentável, com a implementação da função social da propriedade, na região da Orla do Guamá, na cidade de Belém.

Este estudo serve para demonstrar que se pode produzir uma sociedade sustentável, por meio de um projeto que abrange um bairro populoso de Belém, viabilizando a essa população uma melhoria na sua qualidade de vida na população residente, abrangendo os aspectos paisagísticos, viários, de lazer, de recreação e de turismo, de drenagem, de saúde, de regularização fundiária e de atividades econômicas.

O objetivo geral que este trabalho se propõe consiste na necessidade imperiosa de se analisar a aplicação dos instrumentos legislativos urbanísticos na cidade de Belém na promoção da cidade sustentável à população localizada na Orla do Guamá em Belém, engendrando no surgimento de uma sociedade sustentável.

Em que pese aos objetivos específicos, torna-se vital estudar o aspecto histórico das cidades até o fenômeno da urbanização, em como analisar as principais legislações sobre o tema, imiscuindo-se em um exame acerca da função social da propriedade, para se que observe se o projeto “Portal da Amazônia” é um viabilizador à cidade sustentável na Orla da Estrada Nova em Belém, diante do qual se extraiu os pontos de mudança na população diretamente envolvida dentro das bases apresentadas no decorrer do trabalho, que se apresenta em cinco capítulos.

O primeiro capítulo compreende ao laço histórico passado ao longo dos séculos na formação de um simples aglomerado até à rede urbanística até então presentes no contexto atual, tudo isto para delinear, ao fim, um arcabouço para a estrutura do urbanismo vigente.

O segundo capítulo compreende à análise das principais legislações sobre o tema do urbanismo, destacando-se a Carta de Atenas, a nova Carta de Atenas, a Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos humanos, a Agenda 21, o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e as Conferências Nacionais das Cidades.

O terceiro capítulo analisa a função social da propriedade como indutora do direito à cidade, partindo do direito de propriedade estabelecido no Código Civil Brasileiro e na Constituição Federal de 1988.

O quarto capítulo há uma exposição acerca da cidade sustentável, contemplando-a com o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor.

Já no quinto e derradeiro capítulo, elucida-se o estudo de caso propugnado, no bairro do Guamá, em Belém, destacando, ao final a finalidade que se pretende atender na implementação do Projeto Portal da Amazônia, quando da sua efetiva implementação.

A base metodológica deste estudo foi a pesquisa bibliográfica, sobre a qual se levantaram as literaturas acerca do tema em comento, por meio de livros, periódicos, artigos e consultas de sites na Internet, tendo-se como referência primária a população diretamente afetada, qual seja, a população residente no município de Belém/PA, no bairro do Guamá.

1 A HISTÓRIA DAS CIDADES

1.1 Da cidade à urbanização:

Sustenta-se que as primeiras cidades tiveram sua formação por volta do ano de 3.500 AC, na região conhecida entre os rios Tigre e Eufrates, porém a manifestação urbana teve sua expressiva manifestação somente em meados do século XIX, com o fenômeno da industrialização.

Contudo, por mais que a existência das cidades seja originada desde 5.500 anos atrás, o mesmo não se pode falar da urbanização, haja vista que para se chegar a tal, Sjoberg (apud SILVA, p. 16) propõe três estágios intermediários das cidades, desde a sua origem até a época de sua organização humana, cada qual caracterizado por seus padrões tecnológicos, econômicos, sociais e políticos.

Primeiramente, tem-se o estágio pré-urbano, com pequenos grupos homogêneos e auto-suficientes, com estrutura gentílica, que com a evolução e a expansão desses clãs, iniciou-se o excedente de produção, gerando, por conseguinte, o surgimento da propriedade privada, com uma classe dirigente, dando origem às cidades pouco complexas, ainda de base familiar, sem divisão de classes.

O segundo estágio traçado por Sjoberg, corresponde ao aparecimento das cidades, é a fase da sociedade pré-industrial, com excesso produtivo que deve ser distribuído, com edificações de importantes cidades, como Roma, Babilônia, Atenas, Tebas, mas sem grandes teias que as envolvessem, sendo consideradas como “uma ilha urbana no meio de um mar rural” (SILVA apud PALEN, 1996, p. 16).

O terceiro estágio proposto, corresponde à fase da cidade industrial dos tempos modernos, com complexa organização, fincada no modelo classista de massa.

Contudo, esta sistemática, segundo Mario Liverani ao ser citado por José Afonso da Silva (1996, p. 17), apresenta um quarto estágio evolutivo, apontando o fim da cidade, numa contraposição ao campo, defendendo uma cidade pós-industrial, em que “o fornecimento de serviços tem primazia sobre a produção e transformação de alimentos e utensílios”.

Diante disso, para que haja a configuração de cidade, alguns requisitos devem ser preenchidos:

“1)Densidade demográfica específica; 2) profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação; 3) economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural; 4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios”. (SILVA, 1996, p. 18).

 Porém existem concepções que tentam expor o conceito de cidade dentro de critérios como o demográfico e o quantitativo de cidade (como aglomerado urbano), o econômico (como fomentadora do comércio, dos negócios e do mercado) e a cidade como um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais.

 Hodiernamente, a cidade não compreende somente um aglomerado humano, mais que isso, há uma nova maneira de assentamento, com uma economia integrada ao comércio e aos mercados, evidenciando o fenômeno da conurbação ou megalópole, onde se expõem problemas jurídico-urbanísticos específicos e latentes de um país que depende de capitais externos e é vulnerável as flutuações financeiras com uma sociedade cada vez mais estratificada e desigual.

1.2 A urbanização e o fenômeno urbano brasileiro:

O termo urbanização é empregado quando se alcança uma população urbana superior a 50%, consistindo, em verdade, numa concentração urbana originada da industrialização que transformou “os centros urbanos em grandes aglomerados de fábricas e escritórios permeados de habitações espremidas e precárias”. (SILVA apud WILHEIM, 1997, p. 21).

Nacionalmente, a evolução urbana deu-se com a política de ocupação e povoamento da colônia, vindo a refletir os ciclos econômicos, que demarcaram os passos da imbricada sociedade brasileira da atualidade, desde a exploração do pau-brasil, com as primeiras feitorias, em que os núcleos urbanos eram mais objeto de uma ação urbanizadora das autoridades locais, que propriamente da formação espontânea das massas populacionais concentrada no litoral.

Por tudo isto, ao longo destes quatro séculos, o Brasil detinha o traço de arquipélago, em que as cidades se desenvolviam ao longo da costa marítima, influenciado pela economia voltada prioritariamente para o mercado externo (GRAZIA; QUEIROZ, 2001, p. 24), com bases primário-exportadoras, e somente começou a modificar este contexto nos anos de 1940/50, onde começou a integrar o nexo econômico no processo de urbanização. (GRAZIA; QUEIROZ apud ARAÚJO, 1999, p. 25).

Após este período, do pós-guerra, o capitalismo mundial iniciou uma reestruturação, integrando o Brasil por meio de investimentos em infra-estrutura, que criaram condições para as substituições das importações, dando azo ao surgimento de novas relações sociais, com conseqüente melhoria na qualidade de vida da população. Porém, isto tudo evidenciou um aumento no processo de urbanização, vez que se observou um forte crescimento demográfico.

Na Amazônia, Getúlio Vargas deu início à política de povoamento na região com o seu adensamento por meio dos imigrantes nacionais e estrangeiros, ficando a rede urbana na região, cujo seguimento foi dado por Juscelino Kubtischek com seu Plano de Metas de cinqüenta anos em cinco, (RODRIGUES, 2000, p. 103) principalmente quando se evidenciaram a construção de grandes projetos.

Em Belém, a urbanização foi mais intensa no período da borracha, com vertiginosa expansão demográfica, decorrente de um grande deslocamento em massa dos nordestinos para a região norte, fenômeno que se repete na fase da Segunda Guerra Mundial e durante o regime militar, gerando um novo surto demográfico na cidade. (RODRIGUES, 2000, p. 118).

Entretanto, essa evolução no campo demográfico não se viu com a mesma intensidade na distribuição de riqueza na esfera econômica, de maneira que a região não criou uma malha urbana condizente com as necessidades sociais, refletindo-se numa forte fixação das camadas esquecidas em regiões de “baixadas” da cidade.

“As áreas comumente conhecidas por baixada são, a rigor, várzeas das bacias hidrográficas. Segundo classificação do antigo DNOS são em número de cinco as bacias de Belém: Bacia do Uma, a de maior extensão com 2.531 ha, representando 50,45 % do universo; bacia do Armas e do Reduto, a de menor extensão com 274 ha, cerca de 6% do universo; bacia do Comércio, Tamandaré e São José, com 361 ha, 7,2% do total; bacia de drenagem da Estrada Nova com 797 ha de área, cerca de 16% do total e, Bacia do Tucunduba, com 1.055 ha, 21% do total”. (RODRIGUES apud SUDAM, 2000, p. 125).

Como visto, a urbanização provoca uma desorganização social, desestabilizando aspectos primordiais para uma sadia qualidade de vida, como o déficit habitacional, aumento do desemprego, carência de saneamento básico, modificação do solo e paisagem urbanos. (SILVA, 1997, p. 21).

Diante disso, há imperiosa necessidade de uma intervenção do poder público, no intuito de transformar o meio ambiente urbano e criar novas formas urbanas, surgindo, então, a urbanificação, com vistas a implementar uma renovação urbana com base numa racionalização sistemática do território, de onde se extrai o urbanismo como técnica e ciência.

1.3 O urbanismo

O urbanismo visa o estudo das relações da cidade com a sociedade que nela vive e da cidade inserida num contexto regional e global, sendo seu espaço resultado de transformações sociais, políticas e econômicas do mundo capitalista, repensando o papel do Estado e de outros agentes que atuam no espaço urbano (as empresas, as instituições e a população) na seara da sustentabilidade sócio-ambiental. (GRAZIA e QUEIROZ, 2001).

Numa visão mais ampla, o Urbanismo consiste num conjunto de ações voltadas ao planejamento, à gestão da cidade e ao ordenamento do uso e ocupação do solo urbano em várias escalas desde a escala local à regional, para que se possa alcançar a sustentabilidade sócio-ambiental urbana.

Os fins do urbanismo são realizados pela atividade urbanística, que, segundo Hely Lopes Meirelles (1996), consiste na ação destinada a realizar os fins do urbanismo, ou seja, ação destinada a aplicar os princípios do urbanismo, mas para ser efetivada, é necessária a aplicação: do planejamento urbanístico; da ordenação do solo; da ordenação urbanística de áreas de interesse especial; da ordenação urbanística da atividade edilícia; e dos instrumentos de intervenção urbanística.

2 PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES SOBRE O TEMA

2.1 A carta de Atenas

A Carta de Atenas de 1933 foi resultado do Congresso Internacional de Arquitetura e Urbanismo e estabeleceu os princípios do “Urbanismo Moderno”.

Esta Carta entende que as cidades compreendem como somente uma parte dentro de um conjunto econômico, social e político, onde o indivíduo deve ser analisado dentro de uma coletividade, pois sofre influência do meio em que vive, com mudanças contínuas em sua realidade.

Ademais, destaca que com a urbanização desenfreada e despreocupada, os indivíduos da urbes sofreram carência de áreas verdes, estabelecendo condições nefastas de habitação principalmente em áreas mais densas, determinando que é “preciso impedir, para sempre, por uma rigorosa regulamentação urbana, que famílias inteiras sejam privadas de luz, de ar e de espaço”. (CARTA DE ATENAS, item 15).

Além disso, mesmo havendo superfícies livres, há um mau uso deste espaço, que deve ser imbuído de áreas verdes, com oportunidades de lazer à população, ou até mesmo uma zona de articulação entre as áreas discriminadas com as estruturadas.

Outro ponto é a questão do trabalho, destacando que não existe um planejamento de fixação de áreas industriais, refletindo uma falta de organização, não obedecendo a regra alguma, dificultando que os trabalhadores circulem pelo espaço urbano, defendendo que essa circulação nas cidades deve ser operada com ruas largas, preocupando-se com os automóveis, pedestres, caminhões e outros veículos que se mobilizam pela cidade.

Defende, ainda, a salvaguarda do patrimônio histórico das cidades pois compreendem a “expressão de uma cultura anterior e se correspondem a um interesse geral”. (CARTA DE ATENAS, item 66).

A Carta também esclarece que embora as cidades estejam em estado de permanente transformação, seu desenvolvimento é conduzido sem controle, desconsiderando os princípios do urbanismo contemporâneo, cujas funções são: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres) e circular.

2.2 A Nova Carta de Atenas

Esta nova Carta propõe que as cidades promovam o equilíbrio social envolvendo as pessoas e as comunidades, para solucionar os problemas de acesso à educação, à saúde e a outros bens sociais, com novas estruturas sociais e econômicas que possibilitem reduzir a exclusão social advinda da pobreza, do desemprego e da criminalidade.

Ao contrário da anterior, a nova Carta de Atenas de 2003 estabelece não quatro, mas dez funções: cidade para todos, com inclusão das comunidades por meio de planejamento espacial e medidas sócio-econômicas; a cidade participativa, desde o quarteirão até o distrito, em que o cidadão deve ter espaços de participação pública para a gestão urbana, associados numa rede de ação local. (BERNARDI; GARCIAS, s/d)

Propõe que a cidade deve proporcionar o bem-estar, a solidariedade entre as gerações, defendendo ainda uma cidade saudável, em obediência as normas da Organização Mundial da Saúde, com melhoria habitacional, ambiental, com planejamento sustentável, além de conservar os recursos naturais.

Defende a cidade produtiva, competitiva, que gera postos de trabalho e pequenos negócios, para fortalecer a economia local e melhoria do nível educacional e profissional. E propõe a cidade inovadora, que utiliza os meios tecnológicos de informação e de comunicação, permitindo acesso a todos, cujas cidades multifacetárias, comprometam-se com os processos de governo e gestão (BERNARDI; GARCIAS, s/d)

Preconiza, outrossim, que as cidade comportem os movimentos racionais e de acessibilidade, devendo haver um planejamento estratégico de transporte de forma integrada, para que se melhore o transporte público.

Neste diapasão propõe a cidade ecológica, com a sustentabilidade constituindo-se num processo de planejamento integrado ao processo de participação social, com bases nos princípios do desenvolvimento sustentável.

Ilustra as cidades contemporâneas como absorvedoras de caráter cultural e de caráter contínuo. A cidade cultural alude o comprometimento com as questões sociais e culturais do meio urbano objetivando enriquecê-lo, para diversificar a malha urbana com o trabalho, a moradia, o transporte e o lazer, na busca de bem-estar e melhor qualidade de vida. E a cidade de caráter contínuo, hospeda a civilização, visando proteger os elementos tradicionais, a memória, a identidade do meio ambiente urbano e o patrimônio edificado.

Dentro desta nova visão, tem-se com a Nova Carta de Atenas de 2003, a incorporação de um novo paradigma no sentido de vivenciar e pensar a cidade.

2.3 Conferências das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos

No decorrer dos anos, devido a um forte crescimento demográfico, a questão urbana começou a ser objeto de uma discussão mais enfática, verificando-se a necessidade de repensar a política e os aspectos administrativos, vez que as cidades tornaram-se locais de luta por desenvolvimento e progresso e, concomitantemente, epicentros de geração de pobreza urbana aguda.

Com base nisso, no ano de 1996, realizou-se em Istambul, na Turquia, a segunda conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, mais conhecida como Habitat II, momento em que se estabeleceram diretrizes políticas e compromissos com os governos, no sentido de melhorar as condições de moradia nas áreas urbanas e rurais, além da completa realização do direito a uma habitação adequada e um desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos no mundo urbanizado. (AS GRANDES…, s/d).

Nessa ocasião, reconheceu-se que as autoridades locais seriam parceiras de enorme importância nas atividades a ser desenvolvidas, dada a sua responsabilidade no desenvolvimento das ações.

“Para melhorar a qualidade de vida dentro dos assentamentos humanos, é necessário que combatamos a deterioração das condições que, na maioria dos casos e sobretudo nos países em desenvolvimento, tomaram proporções de crise. Com esse objetivo, nós devemos abordar amplamente, inter alia, os padrões de produção e consumo insustentáveis, sobretudo nos países industrializados; mudanças populacionais insustentáveis, incluindo alterações na sua estrutura e distribuição, com consideração prioritária à tendência a uma concentração excessiva; população sem-teto; aumento da pobreza; desemprego; exclusão social; instabilidade familiar; recursos inadequados; falta de infra-estrutura, de serviços básicos e de planejamento adequado; insegurança e violência”. (DECLARAÇÃO DE ISTAMBUL…, s/d).

Tendo considerado a experiência desde a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, realizada em Vancouver (Canadá, 1976), a Habitat II reafirmou os resultados de recentes conferências mundiais relevantes e os inseriu em uma agenda para assentamentos humanos: a Agenda Habitat, que possui como princípios a eqüidade, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento sustentável, a qualidade de vida, o fortalecimento da família, a cidadania e a participação, a parceria, a solidariedade, a habilitação, e a promoção da saúde humana e ambiental.

Dessarte, diante da necessidade de cooperação insculpida na Declaração de Istambul, a fim de promover e implementar as diretrizes expostas, fora assinada pelo Brasil, nesta oportunidade, a Agenda Habitat,  comprometendo-se a implementar, monitorar e avaliar os resultados do seu Plano Global de Ação. (FERNADES, 2003, p. 11)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cúpula da Terra) realizada no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1992, produziu a Agenda 21, documento em que a comunidade internacional concordou com a adoção do conceito de desenvolvimento sustentável para os assentamentos humanos, sendo que cinco anos após a Habitat II, ocorreu a Istambul+5, onde foi aprovada a Declaração do Milênio para os Assentamentos Humanos. (FERNADES, 2003, p. 12)

Nesse passo, em 2002, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – UN-Habitat nasceu do Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. No mesmo período, da Comissão das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos originou-se o Conselho de Administração do UN-Habitat, passando a ser um órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU. (FERNADES, 2003, p. 22)

2.4 Agenda 21:

A Agenda 21 constitui um plano de ação composto por 40 capítulos, discutido e adotado por diversos países durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (ECO, 1992), aclarando que “a humanidade de hoje tem a habilidade de desenvolver-se de uma forma sustentável, entretanto é preciso garantir as necessidades do presente sem comprometer as habilidades das futuras gerações em encontrar suas próprias necessidades”.

Assim, dentro da realidade brasileira, os esforços para promoção do desenvolvimento sustentável deu-se com a Agenda 21 brasileira, compromisso garantido nacionalmente face a ECO 92, tendo como “principal objetivo redefinir o modelo de desenvolvimento sustentável no país, introduzindo o conceito de sustentabilidade e procurando identificar as potencialidades e as vulnerabilidades do Brasil” (BEZERRA, s/d), que envolve não só o setor público, mas também a participação da sociedade civil.

Nessa linha, foram promovidas iniciativas de desenvolvimento de Agendas 21 locais para municípios brasileiros, cuja escolha adveio de um “trabalho de consulta aos diferentes segmentos da sociedade, procurando, por meio de workshops e seminários abertos ao público, envolver todos os setores que se relacionam com o tema em questão”. (COSTA, 2003, p. 24).

Neste passo, destaca-se a importância atribuída aos governos locais na ascensão do desenvolvimento sustentável e na implementação das estratégias de sustentabilidade e ações prioritárias, uma vez que valores e conceitos importantes para os Municípios foram incorporados pela Agenda 21 Brasileira: descentralização, gestão democrática, participação e parcerias. (FERNADES, 2003, p. 127)

Essa Agenda Local “estabelece prioridades, ações e responsabilidades a serem compartilhadas, entre governo e sociedade, visando propiciar um ambiente saudável de vida para as presentes e as futuras gerações” (FERNANDES, 2003, p. 122), para a construção de uma "cidade saudável", de forma a mobilizar a sociedade na criação de uma nova identidade para a cidade.

Esse modelo de desenvolvimento, para tal finalidade, deve ser pormenorizado às cidades, a qual deverá ser pensada a Agenda 21 Local[2], proporcionado a “crescente consciencialização, educação e formação da comunidade em geral e dos representantes eleitos e funcionários da administração local, com o objetivo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.” (Agenda 21…,sic, s/d).

2.5 O Estatuto da Cidade

Em 1977, com a Comissão Nacional de Desenvolvimento Urbano (LDU), houve a primeira tentativa de se aprovar uma Lei de Desenvolvimento Urbano, porém, restou infrutífera, haja vista que as administrações locais eram destituídas de instrumento urbanístico capaz de enfrentar a especulação imobiliária e a distribuição dos serviços públicos urbanos. (COTA; COSTA, s/d)

No ano de 1989, momento ainda das discussões em face da Constituição Federal de 1988, com fito de regular o capítulo urbano destacado na Carta Maior (arts. 182 e 183), com uma participação bastante intensa dos atores sociais, foi apresentado o projeto de Lei nº 2181/1989, denominado “Estatuto da Cidade”, que em 1990, transformou-se no projeto de Lei nº 5.788/90, tramitando por onze anos nas duas Casas, sendo aprovado somente em 18 de junho de 2001. (SAULE JUNIOR, s/d, p. 11)

Em 10.07.2001 foi sancionado pelo Presidente da República, transformando-se na Lei 10.257/01, denominada “Estatuto da Cidade”, que se constitui um importante instrumento regulatório da política urbana brasileira, estabelecendo um processo de gestão das cidades, um planejamento urbano e delimitando a competência jurídica e a ação política municipal.

Além disso, Liana Portilho Mattos (2002, p. 32) defende que o Estatuto da Cidade surge como uma proposta concreta de uma gestão democrática das cidades com bases na descentralização e na democratização urbana com vistas a um melhor acesso ao solo urbano e à moradia, proporcionando uma mudança na qualidade política do processo de construção da ordem jurídico-urbanística.

Esse expoente legislativo surgiu de um contexto brasileiro que visa uma reivindicação um “poder urbano coorporativo”, no mesmo passo que se observam “conseqüências sociopoliticas e socioterritoriais da globalização, e da reestruturação produtiva”, que alijam os atores da política local, cujo novo cenário cria um novo ambiente intelectual-político que “legitima um discurso público hostil a políticas redistributivas.” (RIBEIRO, 2003, p. 11).

O Estatuto da Cidade visa assegurar a Reforma Urbana, pois preconiza em seu bojo uma garantia do direito à cidade, com vistas a uma mudança na qualidade de vida da população por meio da prática de políticas públicas.

Esta reforma urbana, que vislumbra uma urbanização com urbanidade, privilegiando os interesses coletivos, está evidenciada em um tripé principiológico, destacado na Carta Mundial do Direito à cidade: direito à cidade e à cidadania; a gestão democrática das cidades; e a função social da cidade e da propriedade.

Isto tudo surge em face de um cenário de desvalorização do planejamento urbano e territorial, a privatização de empresas públicas e a ausência de resposta para enfrentar a situação social, motivo pelo qual há uma imperiosa necessidade do Estado retomar a sua função social, promovendo, com isto, uma assecuração de direitos urbanos para todos implementando mecanismos redistributivos, para que se efetive a justiça social. (DE GRAZIA, 2003, p. 55)

Diante disso, a gestão democrática das cidades pressupõe a participação popular, com o fortalecimento dos atores sociais e políticos, numa tentativa de se obter um controle social para a incorporação dos excluídos, estabelecendo, por conseguinte, uma nova ética urbana.

“Os ideais de justiça social no espaço urbano, referidos na discussão anterior, ao longo dos últimos vinte anos, possibilitaram a construção de processos sociais e institucionais que adquiriram visibilidade através da mobilização de atores políticos, em muitos municípios, realizando emendas populares para as Constituições Estaduais, Leis Orgânicas e Planos Diretores, organizando fóruns regionais articuladores da sociedade civil. O Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU -, dessa forma, se fortalece a partir desse contexto e passa a ser um articulador dos atores urbanos no Brasil e em nível internacional estimula atividades onde a concepção do Direito à Cidade se aprofunda e se socializa”. (GRAZIA, 2003, p. 56-57)

Nesse passo, o Estatuto da Cidade possui como escopo o planejamento urbano, que deve delinear políticas de enfrentamento das desigualdades sociais, com observância numa aplicação diferenciada dos recursos das cidades. Este planejamento, realizado adequadamente, garante uma aproximação da população com os governantes no intuito de realizar uma gestão que modifique a qualidade de vida urbana, ajudando no fortalecimento da cidadania, pois que democratiza a tomada de decisões. (GRAZIA, 2003, p. 65).

Contudo, para que tais aspectos sejam consagrados, mister ponderar que os municípios constituem-se de pólos de ação a fim de que se equilibre os interesses coletivos e individuais, estabelecendo um planejamento municipal em conjunto com a participação popular de modo a garantir políticas públicas reais que enfrentam o problema urbano no seu campo específico e abrangente.

Este planejamento, que edifica um projeto de cidade, deve ser viabilizado pelo Plano Diretor.

2.6 Plano Diretor

O Plano Diretor, que é a efetivação do planejamento urbano, consubstancia-se, com fulcro na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (Lei Federal Nº 10.257/01), num instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, tendo como objetivo maior garantir ao cidadão o direito de acesso à cidade.

Este plano de ação se acoberta como um novo paradigma estipulando que a cidade é produzida por uma multiplicidade de agentes os quais devem ter sua ação coordenada, não em função de um modelo produzido em escritórios, mas a partir de um pacto – a cidade que queremos – que corresponda ao interesse público da cidade. (ESTATUTO…, 2001, p. 40).

Nesse passo, o Plano Diretor se traduz como uma Lei Municipal criada para organizar o crescimento e o funcionamento da cidade, devendo normatizar os instrumentos definidos na Carta Fundamental de 1988 e regulamentados pelo Estatuto da Cidade, indicando como podem e devem ser aplicados; orientar as prioridades de investimentos da cidade; coordenar as ações dos setores público e privado, na direção de garantir a transparência da administração pública e a participação da sociedade na gestão da cidade; compatibilizar os interesses coletivos; e distribuir de forma justa os benefícios e os ônus da urbanização. (PMB, 2005).

Diante disso, o Plano Diretor possui princípios constitucionais fundamentais que o norteiam, quais sejam: a função social da propriedade; o desenvolvimento sustentável; as funções sociais da cidade; a igualdade e a justiça social; e a participação popular.

Para atender a estas demandas, Belém revisou em 2005 seu Plano Diretor (Lei nº 7.603/1993) atribuindo-lhe delineamentos da realidade local, em que se considerou a segregação sócio-espacial, o desequilíbrio entre o centro e a periferia, a “degradação” do centro, o crescimento do déficit urbano e os obstáculos físicos ao crescimento da cidade.

2.7 Conferências Nacionais das Cidades

As Conferências Nacionais das Cidades ocorridas no Brasil vieram para consolidar a preocupação da crescente urbanização excludente que perdura de tempos remotos, seja no âmbito nacional, seja no Mundo, cuja luta por uma Reforma Urbana por um direito à cidade constitui-se num norte imperioso na consolidação de um sistema de desenvolvimento urbano.

A partir de então, ocorreu a Primeira Conferência Nacional que veio a delimitar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano objetivando uma integração das políticas setoriais, estabelecendo, ainda, os princípios para a construção do direito à cidade, com fulcro no cumprimento da função social da cidade e da propriedade, para que se efetive o combate à segregação sócio-espacial com uma gestão descentralizada e democrática da cidade. (3ª CONFERÊNCIA…, s/d).

Em 2005, realizou-se a Segunda Conferência Nacional das Cidades, que considerou que o modo de produção capitalista distribui de forma desigual as riquezas por ele geradas, favorecendo sobremaneira a exclusão social por conta de uma intensa concentração de capital por um parco setor social, desprezando, por oportuno, uma imensa camada da população. (RIBEIRO, 2003, p. 19-20).

Neste momento, a conferência averiguou que a cidade, constitui-se como um importante cenário na realização de uma nova ordem social por possuir um enorme potencial transformador e democrático, apoiando uma política de desenvolvimento urbano que modifique o quadro excludente originado pela própria urbanização. (item 3 do texto base do FRNU).

Defende um repensar no modelo de urbanização que deve está adstrito ao direito à cidade, com direito à terra urbana, à moradia de qualidade, ao saneamento ambiental, à mobilidade e ao transporte público urbano, aos serviços públicos, à cultura, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

Nesta esteira, a terceira Conferência Nacional das Cidades será realizada em novembro de 2007, com propostas de discussões acerca da criação de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano sob as premissas da função social da cidade e da propriedade.

3 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

3.1 O Direito de Propriedade no Código Civil Brasileiro

O Direito de propriedade é observado no ordenamento jurídico brasileiro à luz do Código Civil de 1916, em seu art. 524 (atual art. 1.228, CC/02), um resguardo ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua, considerando, no art. 489 (atual art. 1200, CC/02), que é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Ao analisar deste modo o Código Civil de 1916 defende por todos os meios a propriedade privada, a soberania do bem individual, do patrimônio, sobre o direito à vida, a uma moradia digna, à igualdade e à segurança da família e do lar, definindo qual posse seria justa ou não, sem se ater à complexidade das relações jurídicas e sociais, e à possibilidade da utilização desse artigo para justificar atividades jurídicas que não se atêm às reivindicações e necessidades do coletivo ou da pessoa humana. (FALCÃO, 1984, p.92).

O Código Civil de 1916 entende o direito de propriedade individual um direito irrestrito em contraposição aos ditames descritos pela própria Constituição Federal de 1988 que, em conjunto com o Estatuto da Cidade, vêm a estabelecer um novo paradigma: o de entender que a propriedade deve possuir uma função social.

Assim sendo, a propriedade, como direito absoluto, parecia ser a noção mais coerente diante do contexto capitalista, "talhada para garantir um modelo econômico e uma conseqüente necessidade prática: a de proteger o indivíduo contra o excessivo poder do Estado, permitindo-lhe o desempenho, totalmente autônomo, de sua atividade" (SUNDFELD apud DALLARI; FIGUEIREDO, 1987, p. 04).

Este entendimento sucumbiu em face da necessidade crescente de harmonização entre o direito de propriedade, enquanto exercício da autonomia da vontade, com o interesse social e com as prioridades de uma sociedade cada vez mais dividida entre aqueles poucos que detêm grande parte dos bens, e aqueles que, ao contrário, não possuem riqueza alguma.

Foi então que surgiu a teoria da função social da propriedade, idealizada, dentre outros, por Leon Duguit, o qual assim a justificava:

“Pero la propiedad no es um derecho; es uma función social. El propietario, es decir, el poseedor de una riqueza, tiene, por ele hecho de poseer esta riqueza, una función social que cumplir; mientras cumple esta misión sus actos de propietario están protegidos. Si no la cumple o la cumple mal, si por ejemplo no cultiva su tierra o deja arruinarse su casa, la intervención de los gobernantes es legítima para obligarle a cumplir su función social de propietario, que consiste en asegurar el empleo de las riquezas que posee conforme a su destino”. (1920, p. 37).

Assim, o direito de propriedade não pode ser entendido de forma fechada e hermética, pois para a própria caracterização deste direito, faz-se necessário entendê-lo de acordo com o princípio social da propriedade que delineia o uso, o gozo e a disposição de bens imobiliários, passando de um caráter individual para possuir um conteúdo econômico determinado pelo Poder Público.

3.2 O Direito de Propriedade à luz da Constituição Federal de 1988

Ao se evidenciar um cenário em que a questão urbana tornava-se cada vez mais carecedora de políticas de desenvolvimento, a criação de políticas públicas tornava-se uma questão sobressalente ao Poder Público, que iniciou um planejamento urbanístico e a criação de normas quanto ao uso e à ocupação do solo, direcionadas às áreas consideradas prioritárias e à solução dos problemas derivados da urbanização moderna.

Para tal, como parte da política implantada, são atribuídas aos proprietários de imóveis situados nessas áreas, certas obrigações, que passam a imprimir à propriedade urbana significação pública específica. Não mais se admite o não uso do imóvel com fins meramente especulativos ou sua utilização para satisfação de interesses exclusivamente privados.

Trata-se da submissão da propriedade urbana a uma função social, como bem sumariado por Antonio Carceller Fernández:

“Los propietarios de toda clase de terrenos y construcciones deberán destinarlos a usos que no resulten incompatibles con el planeamiento urbanístico y mantenerlos en condiciones de seguridad, salubridad y ornato público. Quedarán sujetos igualmente al cumplimiento de las normas sobre protección del medio ambiente y de los patrimonios arquitectónicos y arqueológicos y sobre rehabilitación urbana”. (1997, p. 38)

Deste modo, como pondera Celso Ribeiro Bastos, ao se ter a liberdade de uso e de fruição sobre a propriedade, tem-se muito mais um dever de uso como um desdobramento do direito de propriedade que à “luz das concepções atuais não há por que fazer prevalecer o capricho e o egoísmo quando é perfeitamente possível compatibilizar a função individual da propriedade com o atingimento de fins sociais”. (1991, p.209).

Desta forma, a função social da propriedade urbana está vinculada ao conteúdo das políticas de planejamento e ordenação urbana, que são delimitadas e especificadas no denominado Plano Diretor do Município.

Nestes termos, o princípio da função social da propriedade urbana e da cidade vem insculpido na Constituição Federal de 1988 como um princípio fundamental do Direito urbanístico, de forma que o “direito de propriedade imobiliária urbana é assegurado desde que cumprida sua função social, que por sua vez é aquela determinada pela legislação urbanística, sobretudo no contexto municipal”. (FERNANDES, 2002, p. 35)

Portanto, o Governo Municipal possui o dever de promover, por meio de leis e outros instrumentos urbanísticos, o controle jurídico do processo de desenvolvimento urbano com políticas de desenvolvimento em que o interesse individual dos proprietários coexista com outros interesses sociais, culturais e ambientais como um todo.

3.3 A função social da propriedade como indutora do Direito à cidade

O “Direito à Cidade” foi um conceito criado em 1968 pelo filósofo francês Henri Lefebvre significando o conjunto de exigências legítimas para a existência de condições de vida satisfatórias, dignas e seguras nas cidades, quer para os indivíduos, quer para os grupos sociais.

Trata-se, de fato, do inalienável direito a uma vida decente para todos, não importa o lugar em que se encontrem, na cidade ou no campo. Em verdade, este direito, visa obter da sociedade aqueles bens e serviços mínimos, sem os quais a existência não é digna. Esses bens e serviços constituem um encargo da sociedade, através das instâncias do governo, e são devidos a todos. (SANTOS,1998, p.129).

Como refere a UNESCO, o “Direito à cidade” complementa, aplica e generaliza, quer o exercício individual dos “Direitos Humanos” (para as pessoas que vivem em cidades), quer o exercício de uma classe de direitos específica, como o direito à habitação.

Esses direitos devem possibilitar o exercício pleno do potencial humano, segurança social e bem-estar, em todas as dimensões da vida nas cidades, nos campos social, econômico, político, cultural, físico e ambiental, haja vista que as cidades se mostram como territórios com enormes diversidades nestas áreas.

Com o V Fórum Social Mundial, aprovou-se uma “Carta Mundial do Direito à Cidade”, que se propõe a ser uma constituição urbana transnacional, definindo o direito à cidade como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social; que confere legitimidade à ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado.

“O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, eqüidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos. Este supõe a inclusão do direito ao trabalho em condições eqüitativas e satisfatórias; de fundar e afiliar-se a sindicatos; de acesso à seguridade social e à saúde pública; de alimentação, vestuário e moradia adequados; de acesso à água potável, à energia elétrica, o transporte e outros serviços sociais; a uma educação pública de qualidade; o direito à cultura e à informação; à participação política e ao acesso à justiça; o reconhecimento do direito de organização, reunião e manifestação; à segurança pública e à convivência pacífica. Inclui também o respeito às minorias e à pluralidade étnica, racial, sexual e cultural, e o respeito aos migrantes”. (item 2, CARTA MUNDIAL DO DIREITO À CIDADE).

Diante desta percepção, intensificaram-se as rediscussões de novas práticas de planejamento urbano e sobre a importância do plano urbano para as cidades brasileiras que, com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade (2001), novas possibilidades e também novos entendimentos técnicos e políticos tomaram corpo na construção do ideal do direito à cidade, com a aplicação de um planejamento e de uma gestão urbanos.

Ao se delinear este quadro legislativo, deu-se uma maior autonomia jurídica a fim de que se criem condições uma maior justiça social no âmbito do urbano. Neste caso, tomamos como exemplo, os limites e as possibilidades contidas no Estatuto da Cidade, como sendo um possível instrumento de justiça social, em face de reconhecida ineficiência dos métodos e dos modelos tradicionais de planejamento que ainda predominam em nossas cidades. (SOUZA, 2005, p. 162).

Diante disso, terá que se evidenciar o direito urbanístico não apenas como mediador dos conflitos urbanos, mas como instrumento de justiça social e ao mesmo tempo, assumir o planejamento urbano como instrumento político capaz de contribuir na busca de uma justiça social e territorial nas cidades.

4 A CIDADE SUSTENTÁVEL

O art. 225 da Constituição pondera que o meio ambiente deve ser preservado, “para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988), com vistas a atingir o escopo de se alcançar o equilíbrio entre o crescimento sócio-econômico e a preservação desse meio ambiente com qualidade à população. Diante disto, emerge-se o princípio do desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável está no rol dos direitos do ser humano, devendo haver uma reciprocidade entre direito e dever, aspectos mutuamente condicionantes, vez que desfrutar de condições favoráveis no presente também deve importar as mesmas condições aos futuros cidadãos do Planeta. Essa noção de desenvolvimento não só possui a preocupação com geração de riquezas, mas também, com a melhoria da qualidade de vida de toda a população.

Neste enfoque, Figueiredo ao citar Sachs (1998, p. 83) aborda que o conceito de desenvolvimento deve engendrar uma gama maior de aspectos, de dimensões, propondo as sustentabilidades social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Portanto:

“1) sustentabilidade social: representa uma distribuição de renda e de bens e reduz abismos entre padrões de vida; 2) sustentabilidade econômica: privilegia a alocação e o gerenciamento mais eficiente de recursos; 3) sustentabilidade ecológica: pressupõe um relacionamento entre o consumo humano e a natureza, diminuindo a poluição e uso de energia, a produção de lixo (ou reciclando), etc; 4) sustentabilidade espacial: expressa principalmente nas relações entre o mundo rural e urbano, combatendo a concentração excessiva nas áreas metropolitanas; e, por fim; 5) a sustentabilidade cultural, que valoriza, através da etnociência, outras formas de relação homem/natureza e diversidades culturais.”

     Assim, o desenvolvimento sustentável é uma forma de desenvolvimento que pressupõe uma atitude de viver e de agir, cujo intento da produção e do consumo é proporcionar o bem-estar da maioria da população, provocar um impacto menor no meio ambiente, por meio de novas formas de conhecimento no enfoque da relação homem/natureza.

Desta forma, extraem-se seis metas para que se observe efetivamente o desenvolvimento sustentável:

“1. A satisfação das necessidades básicas da população (educação, alimentação, saúde, lazer, etc);

2. A solidariedade para com as gerações futuras (preservar o meio ambiente para que elas tenham chance de viver);

3. A participação da população envolvida (todos devem se conscientizar da necessidade de conservar o ambiente e fazer cada um parte que lhe cabe para tal);

4. A preservação dos recursos naturais (água, oxigênio, etc);

5. A elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas (erradicação da miséria, do preconceito e do massacre de populações oprimidas, como por exemplo, os índios);

6. A efetivação dos programas educativos”. (RIBEIRO, 2003, p. 49).

É evidente que para a problemática que envolve a promoção do desenvolvimento sustentável exija-se que sejam empreendidas ações em todos os níveis e esferas do desenvolvimento humano, o que inclui intervenções no ambiente físico, estratégias político-administrativas e mudanças nos processos sociais. Assim, a Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (CMAD, 1987), reunida por ocasião do relatório The Bruntland Report (Nosso Futuro Comum), coligou um grupo de condições imprescindíveis para a implementação do desenvolvimento sustentável: “população e desenvolvimento; garantia de alimento; preservação de espécies e ecossistemas; energia; indústria; e o desafio urbano” (COSTA, 2003, p. 18).

A Agenda 21, além de enfocar os aspectos da preservação e da conservação da natureza, considera também, dentre outras, as:

“questões estratégicas ligadas à geração de emprego e renda, diminuição das disparidades regionais e interpessoais de renda, mudança nos padrões de produção e consumo, construção de ambientes sustentáveis e adoção de novos modelos e instrumentos de gestão”. (COSTA, 2003, p.16)

Analisando esse ambiente sustentável, remete-se ao planejamento das cidades sustentáveis, ponderando-se: o equilíbrio entre o ambiente construído e o ambiente não-construído, entre o homem e a natureza; a consciência ecológica e a importância dos sistemas naturais; visão holística, em que todos os sistemas devem ser vistos de forma integrada; a simbiose que sugere a complementação e manutenção das formas e sistemas existentes, mais do que substituição ou destruição dos mesmos.

Nessa perspectiva da abordagem urbano/ambiental, ressalta-se que

“a requalificação, o controle e a manutenção dos espaços públicos são objeto da gestão ambiental do território urbano, de modo que os patrimônios urbanos, sejam encarados como um patrimônio da sociedade e, portanto, preservados para serem desfrutados pelas gerações atuais e futuras”. (BEZERRA, 2007, não paginado).

No entanto, a noção de sustentabilidade urbana deve seguir critérios próprios de cada localidade, vez que um determinado sítio urbano possui características próprias nos campos econômico, social, ambiental e no julgamento de sua população. Porém, certas linhas devem ser adotadas no sentido de incorporar às cidades o ideal de sustentabilidade ante sua comunidade.

No relatório “Cidades Européias Inovadoras e Sustentáveis”, que pretende ser uma avaliação global integrada na análise do Programa Inovações para o Ambiente Urbano, há o delineamento da aplicação do conceito de sustentabilidade às zonas urbanas, ressaltando os aspectos ambiental, econômico, social e cultural, diante do qual se extraem a identidade, as especificidades locais e orgulho cívico, a coesão social, o entendimento entre culturas e entre gerações o melhoramento das competências, e regeneração urbana e cultural.

No caso do Projeto Portal da Amazônia, há a tentativa de se implementar uma cidade com todos os aspectos sustentáveis descritos, com vistas a edificar na área da Orla do Guamá uma melhoria na qualidade de vida dos munícipes.

4.1 No Estatuto da Cidade

No aspecto constitucional, os arts. 182 e 183 traçam as diretrizes gerais da política urbana estabelecendo o uso da propriedade urbana em prol do bem-estar coletivo e ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O art. 21 da Carta Magna, em seu inciso XX atribui à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos, portanto cabe à União fixar as diretrizes para alavancar o desenvolvimento urbano, nele incluídas as questões atinentes à moradia, ao saneamento básico e aos transportes urbanos. Essas diretrizes são dadas em nível nacional, sendo, porém, mais intenso no âmbito municipal.

Em matéria urbanística, o art. 24, I da Constituição Federal diz caber à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre o Direito Urbanístico, quanto ao município a Carta Federal de 1988 indica a competência suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I). Contudo, quer as diretrizes gerais do Capítulo I, quer os demais preceitos, todos se impõem à legislação municipal, inclusive o Plano Diretor e os projetos e planos decorrentes do Plano Diretor, como é o caso do projeto “portal da Amazônia”.

No caso das diretrizes fixadas no Estatuto da Cidade, o Município, na sua legislação deverá absorvê-las e suplementá-las, no que for compatível na sua realidade e com seus objetivos.

Em se tratando do Estatuto da Cidade, seu art. 2º faz menção a função social da cidade, expressando no inciso I a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

Este direito é reconhecido internacionalmente como princípio em diversos documentos internacionais, tais como Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), Agenda 21 (1992), Agenda Habitat (1996), fundamentando, assim, o princípio internacional contemporâneo do desenvolvimento sustentável como princípio norteador do desenvolvimento urbano.

O respeito ao princípio do desenvolvimento sustentável pressupõe o vínculo do desenvolvimento urbano com os Direitos Humanos (direito a condições dignas de vida) e o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, como meio de atender às necessidades das presentes e das futuras gerações.

Isto posto, a norma que estabelece o direito às cidades sustentáveis tem seu fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, preconizados pela Constituição federal (art. 1º, III e 3º, I) pelo que faz mister lembrar que o respeito à dignidade da pessoa humana é que “legitima a ordem estatal e comunitária, constituindo, a um só tempo, pressuposto e objetivo da democracia” (SARMENTO. 2002, p. 60).

A concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana dá-se com a concretização dos direitos fundamentais – como o direito à cidade sustentável – irradiando seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e impondo limite à atividade estatal e às relações privadas travadas no âmbito da sociedade civil e do mercado.

Neste sentido, o princípio da função social da propriedade é derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, ditando o modo de como deve ser utilizada a propriedade, no espaço urbano.

Outra importante dimensão decorrente da garantia de sustentabilidade estabelecida no Estatuto da Cidade é da afirmação do direito de se poder exigir do Poder Público a sua prestação, pois a política de desenvolvimento urbano que não priorizar o atendimento das necessidades básicas da população pobre estará em, pleno conflito com as normas constitucionais e com o sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos (OSORIO, 2002, p. 46-47).

O Estatuto da Cidade inova ao colocar à disposição do cidadão instrumentos jurídicos para buscar a garantia desses direitos positivados, como a ação civil pública para promoção da tutela da ordem jurídica.

4.2 No Plano Diretor de Belém

A função urbanística, para ser mais concreta e eficaz, é exercida em nível municipal, momento em que nascem os planos de desenvolvimento urbano, denominados de planos diretores, sendo um instrumento básico para a política urbana municipal, dentro dos escopos descritos no art. 182 da Constituição Federal, quais sejam, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar da comunidade local.

Nesse passo, ao se dispor a elaborar um plano diretor, o Município deverá perceber a realidade local, para verificar como se atingem determinados fins almejados por uma comunidade, além de poder ter um controle de sua aplicação e a avaliação dos resultados obtidos.

Este planejamento possui como um dos pontos basilares a aproximação entre a população e seus governantes “no intuito de realizar uma gestão que modifique o nível e qualidade de vida urbana para o conjunto da população” (GRAZIA, 2001, p. 65) servindo estes fatos como um democratizador da tomada de decisões, que exprime os ensejos da população acerca de melhoria da qualidade de vida, traçada por uma política democrática, para que se construa um controle social sobre a gestão pública.

O constituinte originário estipula que a competência para promover o adequado crescimento da cidade pertence ao Município, pois cada localidade apresenta suas peculiaridades e as soluções se perfazem de acordo com os recursos disponíveis no caso concreto. (PINASSI, 1995, p. 229).

A gestão democrática reproduz, por assim dizer, o intuito de se produzir a cidade sustentável, de forma que “os nichos de qualidade de vida não se sustentam se não houver um compromisso de todos no sentido de transformar as cidades em espaços dignos para a vida”. (COSTA J. apud ANDRUCHAK, 2007, não paginado)

O Plano Diretor trata na verdade de um plano urbanístico geral que os Municípios com mais de vinte mil habitantes devem possuir, que no entender de José Afonso da Silva (1997, p. 123-124) esclarece que:

“É plano, porque estabelece os objetivos a serem atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados (ainda que, sendo plano geral, não precise fixar prazo, no que tange às diretrizes básicas), as atividades a serem executadas e quem deve executá-las. É diretor, porque fixa as diretrizes, do desenvolvimento urbano no Município.”

A função do Plano Diretor é urbanística no que toca aos Municípios, sendo um plano geral e global para sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e social da cidade, com fito de ordenar os espaços habitáveis considerando as realidades urbanas locais para transformar a qualidade de vida da população local.

A natureza jurídica do Plano Diretor é decorrência do princípio da legalidade, que não admite que se criem obrigações e imponham constrangimentos senão em virtude de lei. Portanto, o projeto de lei do Plano Diretor deve ser submetido à aprovação da Câmara Municipal, com iniciativa do Prefeito, com obediência a Lei Orgânica Municipal.

“A principal virtude de qualquer plano está na sua exeqüibilidade e viabilidade. Um plano que não seja exeqüível é pior do que a falta de plano, porque gera custos sem resultados”. (SILVA, 1997, p. 131)

Assim, não se pode negar que o acesso à terra das populações carentes tem sido um fator preponderante para a perpetuação das desigualdades sociais, que, devido aos altos custos fundiários, esta população vê-se cada vez mais empurrada para uma vida de precariedade, com altos custos de vida frente aos serviços urbanos, dificultando, por sua vez, a busca por uma justiça social.

A política de desenvolvimento urbano, portanto, deve atender as necessidades essenciais da população carente, respeitar e fazer valer os direitos humanos e objetivar o desenvolvimento sustentável, com fito de romper o entendimento de que o desenvolvimento urbano serve-se da pessoa somente como meros fatores de produção.

Nesse passo, o Plano Diretor se traduz como uma Lei Municipal criada para organizar o crescimento e o funcionamento da cidade, devendo normatizar os instrumentos definidos na Carta Fundamental de 1988 e regulamentados pelo Estatuto da Cidade, indicando como podem e devem ser aplicados; orientar as prioridades de investimentos da cidade; coordenar as ações dos setores público e privado, na direção de garantir a transparência da administração pública e a participação da sociedade na gestão da cidade; compatibilizar os interesses coletivos; e distribuir de forma justa os benefícios e os ônus da urbanização (PMB, 2005).

Diante disso, o Plano Diretor possui princípios constitucionais fundamentais que o norteiam, quais sejam: a função social da propriedade; o desenvolvimento sustentável; as funções sociais da cidade; a igualdade e a justiça social; e a participação popular.

Para atender a estas demandas, Belém revisou em 2005 seu Plano Diretor (Lei nº 7.603/1993) atribuindo-lhe delineamentos da realidade local, em que se considerou a segregação sócio-espacial, o desequilíbrio entre o centro e a periferia, a “degradação” do centro, o crescimento do déficit urbano e os obstáculos físicos ao crescimento da cidade, com fito de se averiguar e incorporar as demandas da população em âmbito legislativo, com evidente busca por uma Belém sustentável.

5 O estudo de caso

No quadro do direito à cidade sustentável, destaca-se que se pode alcançar uma dignidade na gestão das cidades, ao se buscar seu desenvolvimento sustentável, quando as cidades regulam e controlam este desenvolvimento, por meio de políticas territoriais, com fito de tratar todos os cidadãos da mesma forma, nos termos da solidariedade e da distribuição de recursos, engendrando uma mudança na realidade local, com a efetivação de uma habitação de interesse social, a participação popular e política, a justiça, a segurança pública e a convivência pacífica solidária e multicultural.

Ao se analisar o campo prático, em Belém está em voga o projeto Portal da Amazônia que possui medida de largo alcance social, em virtude de inúmeras situações irregulares observadas no espaço urbano local, com base legislativa no art. 32, § 2º, inciso I do Estatuto da Cidade, prescrevendo a modificação dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo, que no âmbito municipal é regulado pela Lei Complementar nº 02, de 19 de julho de 1999, com intuito de atender os esforços de reestruturação da cidade, num atendimento ao Plano Diretor, definindo em seu § 2º do Art. 41 a orla do Rio Guamá como de interesse público para fins de recuperação paisagística.

Numa análise detida do presente objeto de estudo, segue a importância de um projeto de urbanização da área compreendida como orla da Estrada Nova (parte de um projeto maior denominado de Portal da Amazônia), compreendendo diretrizes e projetos relativos aos transportes urbanos, à habitação popular, ao meio ambiente, ao saneamento básico e à saúde pública específicos para o Distrito do Guamá.

Insta observar que este Projeto possui a participação popular desde a fase inicial, em que a população diretamente afetada com o projeto foi entrevistada, acompanhando pessoalmente os trabalhos, cujo estudo enfoca a realidade local, com caracterização sócio-econômica, do imóvel e acesso a serviços e equipamentos públicos.

A realidade apresentada expõe uma população de baixa renda, provenientes na mesma proporção, do interior do Pará e da Grande Belém, com nível de escolaridade resultante de escola pública, sem tratamento de esgotos domésticos, que são despejados, em sua maior parte, nas redes domiciliares, onde o canal ao longo da Av. Bernardo Sayão apresenta problemas sérios de escoamento, assoreamento e poluição.

Dentro deste contexto, e considerando as realidades urbanísticas, sociais e ambientais existentes em sua área de inserção, a implantação da orla da Estrada Nova justifica-se pelos seguintes fatores, destacados no Estudo de Impacto Ambiental do Projeto, cedido pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano de Belém – SEURB:

– Abertura da Orla do Rio Guamá para a comunidade, o usufruto de sua paisagem, constituída pelo canal do rio, composta pelas Ilhas das redondezas, com a circulação dos diferentes barcos de carga e passageiros;

– Melhoria da rede viária do Distrito do Guamá, criando alternativa à utilização da Av. Bernardo Saião, com circulação de veículos de passeios e transporte de carga;

– Ampliação da oferta de áreas públicas destinadas ao lazer, recreação e turismo às populações moradoras ou vinculadas economicamente ao Setor do Guamá;

– Melhoria na drenagem da bacia da Estrada Nova, com o início da implantação do projeto de macrodrenagem do setor urbano;

– Melhoria da saúde da população moradora da orla, visto que a ocupação irregular da orla do Rio Guamá é destituída de saneamento básico;

Regularização fundiária da orla do rio, possibilitando a ocupação regular de vazios urbanos junto às áreas industriais;

Regularização das atividades econômicas existentes na orla;

Melhoria da qualidade habitacional da população residente, sendo resultado do reassentamento de aproximadamente 300 edificações, instaladas irregularmente, para áreas integrantes dos programas de habitação popular da prefeitura, atendendo às diretrizes do Plano Diretor que prevê a urbanização de área ou reassentamento habitacional, visando à melhoria da qualidade de vida da população alvo.

CONCLUSÃO

O modelo citadino vigente no mundo contemporâneo reveste-se de um véu organizacional desfigurante da realidade de uma sociedade que necessita viver nos moldes de uma vida digna, com perspectivas de se alcançar uma qualidade vivencial que se adeque a um modelo sustentável.

Por seu turno, analisar o fenômeno da urbanização ao longo dos séculos fez-se contemplar um novo plano para uma sociedade que aumenta gradativamente sua participação demográfica nas cidades, fazendo com que se repensasse uma nova configuração da realidade social até o contexto atual, imiscuindo-se num urbanismo que visa, basicamente, um maior planejamento, uma gestão da cidade e um ordenamento do uso e ocupação do solo urbano seja partindo de uma escala global para uma local.

De certo que um grande passo já foi dado, principalmente no que concerne à promulgação de leis e de programas, nacionais e municipais, sobre dar à propriedade uma função social que pudesse sublevar a composição efetiva de uma cidade sustentável, estabelecendo conceitos e diretrizes para esta prática, constituindo uma abordagem imprescindível para se edificar uma sociedade sustentável.

Nesse aspecto, com a estrutura traçada, viabiliza-se a composição dos conflitos urbanos, para se alcançar uma efetiva justiça social concomitantemente com a implementação de um planejamento urbano viabilizar dessa justiça almejada, principalmente com a elaboração do Estatuto da Cidade, no plano nacional, e do Plano Diretor, no plano local.

Diante desse quadro, obter o ideal de uma cidade sustentável compreende gerir as cidades dentro de um equilíbrio entre o homem e o seu espaço, solidarizando-se a distribuição de recursos, para que se possa promover uma mudança local.

Sobre esse enfoque, o presente trabalho explana que o Projeto Portal da Amazônia faz levantar a questão de que se pode encontrar uma incorporação efetivamente social, a um espaço com população preponderantemente de baixa renda, no caso, a orla da Estrada Nova, em Belém, dando à realidade local, acesso a serviços e equipamentos públicos que eram carentes até poucos anos, como a mudança paisagística, a presença de uma rede viária satisfatória, uma área de lazer aos munícipes, a rede de drenagem, a saúde, a regularização fundiária e de atividades econômicas, tudo para garantir a qualidade habitacional da população residente.

 

Referências
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Notas:
[1] Monografia apresentada ao Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Público, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Direito: Direito Público

[2] A Agenda 21 Local de Belém é disposta pela Lei nº 7875 de 16 de março de 1998.


Informações Sobre o Autor

Juliana Lira da Silva e Cunha

Advogada Trabalhista no escritório BAstos Dias. Especialista em Direito Público pela Universidade Sul de Santa Catarina UNISUL Especialista em Direito do Trabakho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário do Pará CESUPA


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