Das provas obtidas por meios ilícitos em sede de processo civil

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Resumo: O objetivo deste artigo é traçar um panorama da produção das provas ilícitas no âmbito do processo civil, com ênfase no modo como vem sendo abordada a questão pela doutrina e jurisprudência. Para tanto, passaremos por uma breve análise da busca da verdade real, as diferenciações entre produção de provas no processo civil e penal (se é que existe alguma diferenciação), culminando com a garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. Adentraremos, ainda, nas questões pertinentes ao Princípio da Proporcionalidade na produção das provas em processo civil, bem como a questão atinente à prova ilícita por derivação (Teoria do Fruto da Árvore Envenenada), prova emprestada, e as consequências decorrentes da admissão da prova ilícita no processo civil.

Palavras-chave: provas ilícitas; processo civil; garantia constitucional; fruto árvore envenenada.

Abstract: Our goal is to draw a panorama from furnishing proof illicit exchanges in scope of civil procedure, giving emphasis to the way it has been addressed by doctrine and jurisprudence. To this end, we will pass by a brief review of the pursuit of real truth, the differentiations between the taking of evidence in civil and criminal process (if there is some differentiation), culminating in the constitutional guarantee of inadmissibility of illegal evidence. We’ll talk about matters pertaining to the principle of Prorporcionality in the production of evidence in civil procedure, as well as the question regards the unlawful evidence by deriving (theory of the fruit of the Poisoned Tree), loaned, and the consequences arising from the admission of evidence in civil procedure ilicit.

Keywords: illegal evidence; civil procedure; constitutional guarantee; poisoned tree fruit.

Sumário: 1.   Introdução. 2. Diferenciação da produção de provas no processo civil e processo penal. 3.  Inadmissibilidade da prova ilícita – garantia constitucional. 4. Teoria da proporcionalidade. 5.     Prova ilícita por derivação (fruto da árvore envenenada). 6. Prova ilícita e prova emprestada. 7.   Descontaminação do julgado. 8. Conclusão. Referências.

1 Introdução

O artigo 332 do Código de Processo Civil[1] assinala que são admitidos como meio de provas em processo civil todos os legais, bem como os moralmente legítimos.

Sendo a instrução probatória uma das fases mais importantes do processo, na qual parte dos conflitos será comprovada, muito importante e relevante se mostra o estudo da prova, especialmente, no caso específico das provas obtidas por meios ilícitos.

O tema ganhou maior relevância e destaque a partir da Constituição Federal de 1988, quando trouxe em seu artigo 5°, inciso LVI, a inadmissibilidade das provas ilícitas. Vejamos o texto constitucional, Art. 5º: “LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.[2]

Entre os aspectos que serão objetos do presente estudo, apontamos a aplicação de alguns princípios constitucionais que merecem destaque quando discorremos sobre provas ilícitas: o já citado princípio da proibição da prova ilícita e, ainda, o Princípio da Proporcionalidade, que busca um equilíbrio entre os interesses da sociedade e a defesa dos direitos fundamentais do indivíduo, analisando a prova produzida no processo, os valores que ela pretende proteger, por meio do processo, em um sopesamento com os direitos fundamentais.

Também merece destaque a prova ilícita por derivação, instrumento importado do Comom Law norte-americano (Teoria dos Frutos da Árvore envenenada), que ocorre no caso de uma prova lícita ser extraída de uma prova obtida ilicitamente. Desse modo, verificaremos se essa prova lícita, porém derivada de uma prova obtida por meios ilícitos, poderia ou não ser admitida no processo.

A questão acerca da prova emprestada será, igualmente, objeto de nosso estudo, trazendo à baila a discussão se a prova produzida ilicitamente no processo penal, nos casos permitidos em lei – investigação criminal ou instrução processual penal – poderia ser emprestada ao processo civil.

Finalizamos o assunto apontando as consequências da admissão das provas obtidas por meios ilícitos e a descontaminação do julgado.

Cabe salientarmos que este estudo será fundamentado em doutrina e jurisprudência, pois se trata de uma matéria extremamente prática, portanto, nada melhor do que analisar como nossos tribunais estão julgando os casos de provas ilícitas para obtermos uma compreensão adequada do tema.

2   Diferenciação da produçÃo de provas no processo civil e processo penal

Muito se houve falar que o processo civil preocupa-se com a verdade formal, ao passo que no processo penal a preocupação é com a verdade material. Tal afirmação, atualmente, não tem mais lugar, quando falamos em busca da verdade real.

Humberto Theodoro Júnior, sobre o princípio da verdade real argumenta:

Não há mais provas de valor previamente hierarquizado no direito processual moderno, a não ser naqueles atos solenes em que a forma é de sua própria substância.

Por isso, o juiz ao sentenciar deve formar seu convencimento livremente, valorando os elementos de prova segundo critérios lógicos e dando a fundamentação de seu decisório.

Não quer dizer que o juiz possa ser arbitrário, pois a finalidade do processo é a justa composição do litígio e esta só pode ser alcançada quando se baseie na verdade real ou material, e não na presumida por prévios padrões de avaliação dos elementos probatórios.

A liberdade de convencimento, nos termos do art. 131, fica limitada ao juiz, para garantia das partes, em dois sentidos:

a)  sua conclusão deverá basear-se apenas nos “fatos e circunstâncias constantes dos autos”; e

b)  a sentença necessariamente deverá conter “os motivos que lhe formaram o convencimento”.

Deve-se lembrar que o Código de Processo Civil admite, em várias hipóteses, a presunção de veracidade de fatos que não chegam a ser objeto de prova (arts. 302, 319, 334, III, 750, 803, etc.), o que leva à conclusão de que, não raro, a sentença será dada à base de verdade apenas formal. Isto, todavia, não elimina o seu compromisso com a verdade real, pois antes de acolher qualquer presunção, a lei sempre oferece à parte oportunidade de alegar e provar a efetiva veracidade dos fatos relevantes à acolhida da ação ou defesa. Somente depois de a parte não usar os meios processuais a seu alcance é que o juiz empregará mecanismos relativos ao ônus da prova e à ficta confessio. É, destarte, a própria parte, e não o juiz, que conduz o processo a um julgamento afastado da verdade real.”[3]

Pelo fato de existir apenas e tão somente a verdade real a ser buscada no processo, não há que se falar em diferenciação na produção de provas em processo civil ou processo penal, ou trabalhista, ou qualquer outro ramo do direito que seja, haja vista que a verdade real é mesma em todos os ramos processuais.

Na verdade, o objeto de diferenciação é o bem da vida tutelado, o direito protegido, e não o tipo ou procedimento de prova que será promovido.

Trazemos ao lume o acórdão proferido pelo extinto Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, que nos mostra com maior clareza essa ausência de diferenciação:

Não colhe, data vênia, o argumento do Ministério Público no sentido de que a decisão agravada era possível, por buscar o processo acidentário a apuração da verdade real.

Não colhe, em primeiro lugar, porque a distinção que comumente se faz entre verdade formal e verdade material é falta de sentido.

Isso porque a verdade é sempre e necessariamente real, pois consiste conforme velha e precisa definição tomista, numa adequação entre o juízo e o objeto: veritas est adaequatio rei et intellectus.

Se o que se encontra no intelecto, se o juízo, não se ajusta ao objeto, à coisa, isto é, se o juízo não corresponde à res, não é real, o que existirá será uma inadaequatio intellectus et rei, será um erro.

No processo se busca a única verdade, a chamada verdade real”[4].

Assim, por ser a verdade real, geralmente, o que se busca no processo, sem fundamento se torna a questão acerca da diferenciação da produção de provas nos processos civil e penal, motivo pelo qual passaremos à discussão da questão da produção e aceitação da prova ilícita no processo civil propriamente dito.

3 Inadmissibilidade da prova ilícita – garantia constitucional

A grande questão a ser levantada no estudo das provas ilícitas é: No defrontamento com uma prova relevante e fundamental, que possa levar a verdade, é justo não admiti-la em juízo, pelo fato de ter sido obtida por meios ilícitos?

À primeira vista, o tema do presente trabalho poderia se mostrar desinteressante e carecedor de maiores questionamentos e causador de debates jurídicos, haja vista que a proibição da utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos é uma garantia constitucional, um direito fundamental. Porém, muitas vezes, há outros direitos materiais e princípios constitucionais que ficariam prejudicados em razão da vedação da admissão da prova obtida por meios ilícitos.

A aceitação de provas ilícitas no processo fere a segurança jurídica, causa grande receio à sociedade de uma maneira geral, pois torna, aos olhos de muitos, vulnerável o sistema normativo vigente, mais precisamente a Constituição, bem como tornaria vulnerável os direitos da personalidade, como por exemplo, o direito à intimidade, à imagem, à honra, os quais também são garantidos pela Constituição Federal, posto que o principal objeto das provas ilícitas consiste na violação à privacidade (escutas telefônicas, quebra do sigilo das comunicações, entre outras).

Barbosa Moreira critica o radicalismo da inadmissibilidade das provas ilícitas,

“[…] dada a relevância dos valores eventualmente em conflito. Se de um lado há a preocupação em evitar que alguém tire proveito de uma situação anti jurídica, quando não até anti-ética, de outro lado há o interesse público de garantir um processo justo, não se permitindo o desprezo de elementos que contribuam para a descoberta da verdade”[5].

Na verdade, conforme abordaremos no próximo tópico, a regra é a inadmissibilidade da prova ilícita, porém, caso a caso, fazendo um sopesamento de valores, destacando-se a valoração dos direitos fundamentais envolvidos, pode-se aceitar alguma prova obtida de forma ilícita.

A esse respeito, Alcides de Mendonça Lima[6] salienta que aquele que havia se utilizado de uma prova obtida por meios “ilícitos ou delituosos” deveria, todavia, sofrer as sanções civis e criminais.

Hoje, entretanto, a prova ilícita não é admitida no processo civil em nenhum caso, e no processo penal, é admitida em caso de quebra de sigilo das comunicações telefônicas.

Para Alexandre de Moraes[7], a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova.

Coadunamos da opinião de ilustres doutrinadores, de que a prova obtida por meio ilícito poderia sim ser admitida no processo, porém aquele que a produziu deveria ser responsabilizado penal e civilmente pela sua atitude.

4 Teoria da Proporcionalidade

Como fica a questão da garantia constitucional da proibição do uso da prova ilícita, em vista do direito à prova, que também se reveste de garantia constitucional?

O julgador que se encontra diante dessa celeuma deve se valer da aplicação da técnica da ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, para que, no caso concreto, o julgador possa decidir qual dos princípios deve prevalecer.

O direito à prova encontra-se limitado pelos meios utilizados para obtê-la. Ocorre que, junto à tutela dos direitos violados pela produção da prova ilícita, também devem ser preservados aqueles direitos que não têm outra forma de serem provados, senão pela prova produzida ilicitamente.

Nesse caso, deverá o julgador valer-se do princípio da proporcionalidade, o qual fará um sopesamento entre os interesses em jogo.

Esse também o posicionamento de Barbosa Moreira[8]: “Só a atenta ponderação comparativa dos interesses em jogo no caso concreto afigura-se capaz de permitir que se chegue a solução conforme a Justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da proporcionalidade”.

É exatamente nesse ponto que se divide a doutrina e também os aplicadores do direito; quando se deparam com a seguinte situação: seguir o disposto pela Carta Magna, no que concerne à admissão de provas ilícitas no processo, ou garantir, e até mesmo preservar outros direitos substanciais, também fundamentais a quem o tem de fato. Trata-se de decisão a ser tomada que ultrapassa a simples divisão: seguir o formalismo e o rigor da lei ou afastar a ilicitude e a inaceitabilidade em razão de, efetivamente, fazer justiça.

Mesmo com a proibição das provas ilícitas elencada na Carta Máxima, o princípio da proporcionalidade é mais comumente aplicado no âmbito penal, assunto esse que deve ser tratado com cautela, posto que a vedação de provas obtidas por meios ilícitos, os direitos em jogo e a valoração da relevância do bem tutelado dificultam as construções doutrinárias e jurisprudenciais mais contundentes.

O princípio que veda a admissão de provas obtidas por meios ilícitos é uma limitação do direito constitucional à prova. Dessa forma, os problemas jurídicos decorrentes da colisão entre esses dois princípios devem ser resolvidos à luz da proporcionalidade. A Constituição não admite nem a aniquilação do direito à prova, nem a desconsideração da vedação às provas ilícitas.

Cabe ressaltar, contudo, que o uso da prova ilícita, ainda que feito o sopesamento e aplicado o princípio da ponderação, apenas pode ser aceito quando a prova foi obtida ou formada ilicitamente porque não existia outra forma para se demonstrar os fatos em juízo. A prova ilícita, portanto, só pode ser admitida quando é a única capaz de evidenciar fato absolutamente necessário para a tutela de um direito que, no caso concreto, merece ser realizado, ainda que diante do direito da personalidade atingido.

A jurisprudência ainda não é unânime sobre o assunto, porém, já encontramos muitas decisões fundamentadas no princípio da proporcionalidade. Trazemos uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, num mandado de segurança, que teve como relator o Ministro Cezar Peluso:

“Uma das hipóteses exemplares de interesse público ou social, capaz de justificar, quando menos por inconveniência perceptivelmente grave, limitação ou atenuação do caráter público dos atos do Poder Judiciário, está na exigência de resguardo de direitos e garantias individuais, tutelados pela mesma Constituição da República. Daí vem que, como expressões típicas de interesse público ou social transcendente, a inviolabilidade constitucional da intimidade, da vida privada e das comunicações do impetrante (art. 5º, X e XII, da Constituição da República) – a qual só cede a fato excepcional, em nome doutro interesse público, quando não haja meios alternativos de investigação, mas observadas sempre as regras legais e na estrita medida da necessidade concreta (proporcionalidade de expediente restritivo de direito fundamental) – se propõe como barreira intransponível aos poderes de investigação e à publicidade dos atos judiciais e, conseqüentemente, das Comissões Parlamentares de Inquérito, por força do disposto no artigo 58, § 3o, c.c. artigo 93, IX, da Constituição Federal.”[9]

Por derradeiro, em se tratando de proporcionalidade, entendemos que a prova ilícita, que é, em regra, proibida no juízo cível, poderá nele ser admitida, com base na aplicação do princípio da proporcionalidade, se o bem jurídico a ser protegido superar a privacidade, justificando o sacrifício desta.

5 Prova ilícita por derivação (fruto da árvore envenenada)

Por essa teoria, entende-se que a ineficácia da prova ilegalmente obtida afeta as provas que, embora sejam lícitas, se baseiam em dados obtidos de forma ilícita, não se admitindo, também, tais provas. Podemos citar como exemplo o seguinte fato: mediante interceptação telefônica, sem ordem judicial, portanto ilícita, toma-se conhecimento de que em determinado dia e lugar serão entregues pacotes de droga, apreendidos. Nesse caso, obteve-se uma prova lícita, os pacotes de droga, porém, obtidos de forma ilícita, interceptação telefônica não autorizada judicialmente.

Trata-se da conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree) criada pela Suprema Corte Americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

Com base nesta teoria o magistrado invalida a prova derivada, pois a mesma estaria viciada devido à ilicitude da conduta primária que se estende até onde seus efeitos possam perdurar ou atingir.

No Brasil, a posição dominante na doutrina e jurisprudência é pela adoção da Teoria dos frutos da árvore envenenada. A esse respeito, apresentamos dois precedentes do Supremo Tribunal Federal, um do Ministro Marco Aurélio (1994) e outro, mais recente, Ministra Ellen Gracie (2002):

“A doutrina da proscrição dos fruits of the poisonous tree é não apenas a orientação capaz de dar eficácia à proibição constitucional da admissão da prova ilícita, mas também a única que realiza o principio de que, no Estado de Direito, não é possível sobrepor o interesse na apuração da verdade real à salvaguarda dos direitos, garantias e liberdades fundamentais, que tem seu pressuposto na exigência da legitimidade jurídica da ação de toda autoridade publica.” (Habeas Corpus 74.299 – SP, em 22.03.1994, Rel. Min. Marco Aurélio).

Atestamos, nessas linhas, um precedente julgado pelo STF com sustentáculo nesta doutrina: HC 81993/MT, Rel(a) Ellen Gracie):

HC 81993 / MT – MATO GROSSO. HABEAS CORPUS. Relator(a) Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/06/2002  Órgão Julgador Primeira Turma. Publicação DJ 02-08-2002 PP-00084 EMENT VOL-02076-05 PP-00898. Parte(s). PACTE.: ALBERTO COURY JÚNIOR. IMPTE.: LUIZ BRASIL CORRÊA. COATOR  : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

EMENTA: Habeas corpus. Inquérito policial baseado em elementos objeto de busca e apreensão, considerada ilegal em sede de mandado de segurança. Decisão que determinou a restituição dos documentos apreendidos. Pretensão de subordinar os elementos colhidos posteriormente à busca e apreensão a este ato, considerando-os ilícitos com base na teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). Pretensão afastada, diante da não demonstração inequívoca de que todos os elementos que lastreiam o inquérito policial são derivados da busca e apreensão. Necessidade de exame acurado de prova, inviável no âmbito restrito e expedito do writ. Habeas corpus indeferido.

Indexação

– DESCABIMENTO, “HABEAS CORPUS”, NECESSIDADE, EXAME, PROVAS // IMPOSSIBILIDADE, ANULAÇÃO, INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, RAZÃO, ILICITUDE, BUSCA E APREENSÃO, EXISTÊNCIA, DIVERSIDADE, ELEMENTOS PROBATÓRIOS, INQUÉRITO POLICIAL // NECESSIDADE, DEMONSTRAÇÃO, ILICITUDE, DERIVAÇÃO, APLICAÇÃO, TEORIA, FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.

Observação. Votação: unânime. Resultado: indeferido. Número de páginas: (6). Análise:(MML). Revisão: (CTM/AAF). Inclusão: 06/11/02, (SVF).”

A teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, tem, contudo, encontrado limitações. Essas exceções se apresentam quando a prova obtida ilicitamente não for a única do processo, havendo outros meios probantes, e aquela prova não comprometer a validade das outras provas que não são dela derivadas, nesse caso não se aplica a teoria dos frutos da árvore podre e sim a Teoria da Fonte independente da prova derivada.

Colacionamos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação da Teoria da Fonte independente derivada, que na pessoa do Min. Ilmar Galvão decidiu pela não-aplicação da Teoria dos frutos da árvore envenenada no caso ilustrado. In verbis:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica – prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam – não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido.” (HC 74599, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 03/12/1996, DJ 07-02-1997 PP-01340 EMENT VOL-01856-02 PP-00380).

Novamente, o que podemos perceber é que deve ser feito um sopesamento dos valores, direitos fundamentais envolvidos na demanda e, em seguida, analisar o princípio da proporcionalidade, a fim de admitir-se ou não a prova derivada de prova ilícita.

6 Prova ilícita e prova emprestada

Denomina-se prova emprestada aquela que, tendo sido feita em outra causa, em outro processo, é dele extraída para ser utilizada em outra lide. Assim, pode ser admitida, produzida ou valorada num processo e transportada documentalmente para outro com o objetivo de fundamentar a verdade buscada neste segundo processo, sempre diante do princípio do contraditório.

Moacyr Amaral Santos explica que as provas emprestadas São depoimentos de testemunhas, de litigantes, são exames, trasladados, por certidão, de uns autos para outros, para o fim de fazer prova.[10]

Definido o que vem a ser o instituto, apontamos os seguintes questionamentos: É possível valer-se da prova emprestada no processo civil? Poderia a prova ilicitamente obtida para investigação criminal ou instrução processual, ser emprestada ao processo civil? (p. ex.: interceptação telefônica).

Para Nelson Nery Jr.[11], a prova emprestada poderia sim ser admitida, como regra, em razão da unidade da jurisdição e teoria geral da prova. Também entende dessa forma Moacyr Amaral Santos, autor para o qual a teoria da prova é a mesma no civil e no criminal, e desde que existam publicidade na produção da prova, contraditório, garantia de veracidade, não há como não se reconhecer a prova produzida no processo criminal e transportada para o processo civil.

Nesse sentido, Barbosa Moreira[12] argumenta que “uma vez rompido o sigilo, e por conseguinte sacrificado o direito da parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de arrombar-se um cofre já aberto”.

Ainda segundo Moacyr Amaral Santos[13], a prova emprestada está sujeita a avaliação, podendo, por si só, convencer, somente cooperar no convencimento, como poderá ser considerada ineficiente, tudo em razão das circunstâncias que influem na avaliação e estimação das provas.

Cabe observarmos, ainda, que o valor probatório da prova emprestada condiciona-se ao princípio do contraditório, pois sem este ela torna-se ilícita por violação de princípio constitucional.

Ada Pellegrinni Grinover defende a admissibilidade da prova emprestada quando as partes sejam as mesmas do processo penal:

“O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável.”[14]

Contrário à teoria da admissão das provas emprestadas encontra-se Luiz Flavio Gomes, para quem “a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser emprestada (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito”[15].

Para o doutrinador, quando o legislador constitucional apenas autorizou a quebra do sigilo das comunicações para fins criminais, “já fazia uso da ponderação e da proporcionalidade, que agora não pode ser ampliada na prática”[16] alega, ainda, que justifica-se o sacrifício ao direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, mas não civil.

Apesar do parecer e de argumentos de peso do ilustre doutrinador, nossa opinião é no sentido da possibilidade do uso da prova emprestada, haja vista o argumento mais relevante na produção probatória que é a busca da verdade real.

Também o Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido da admissão da prova emprestada, conforme verificamos nesse recente julgado (2011), do Ministro Gilmar Mendes. In verbis:

“Inq 2774 / MG – MINAS GERAIS. INQUÉRITO. CORRUPÇÃO PASSIVA (Código Penal art. 317, § 1º). DENÚNCIA APTA. JUSTA CAUSA DEMONSTRADA. FATOS TÍPICOS EM TESE DESCRITOS. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. A utilização de prova emprestada legalmente produzida em outro processo de natureza criminal não ofende os princípios constitucionais do processo. 2. O amplo acesso à totalidade dos áudios captados realiza o princípio da ampla defesa. De posse da totalidade das escutas, o investigado não possui direito subjetivo à transcrição, pela Justiça, de todas as conversas interceptadas. Não há ofensa ao princípio da ampla defesa. Precedentes desta Corte. 3. A descrição da conduta do denunciado, que torna apta a denúncia, é aquela que corresponde a fato típico previsto em lei penal. A inicial contém a exposição do fato criminoso e descreve as condutas dos três denunciados, cumprindo os requisitos do art. 41 do CPP. 4. A justa causa para a ação penal corresponde à existência de prova suficiente para a afirmação da plausibilidade da acusação. O conjunto de provas existentes no inquérito corrobora a tese da inicial, para efeitos de recebimento. 5. Denúncia que deve ser recebida para instauração de processo criminal. Decisão.O Tribunal recebeu a denúncia, contra o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio que, preliminarmente, não conhecia da denúncia em relação a R. T. B. M. e J. C. de C., e, em relação a J. L. M. B., entendia que o inquérito não estava ainda concluído, mas, no mérito, recebia a denúncia. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República e, pelos investigados, o Dr. Marcelo Luiz Ávila de Bessa. Plenário, 28.04.2011.”

Do dilema pela admissibilidade ou não de utilização da prova emprestada, mais uma vez nos socorremos da necessidade de ponderação do julgador ao analisar os conflitos em colisão e decidir pelo de maior essencialidade, utilizando a razoabilidade e a proporcionalidade em cada caso analisado.

7 Descontaminação do julgado

De acordo com a teoria da descontaminação do julgado, o juiz que tiver tomado conhecimento da prova ilícita deve ser afastado do processo para que o julgado não seja contaminado por esse conhecimento, tal como ocorre nos casos de dissolução do conselho de sentença no tribunal do júri. A alegação é de que o juiz poderia supervalorizar as outras provas ou indícios com base na convicção advinda da prova ilícita.

Porém, além das dificuldades práticas, deve-se considerar que o fato de o juiz não ter tido contato com os elementos de prova ilícita no processo não implica que não tenha tido conhecimento do seu conteúdo fora dos autos por qualquer meio, até mesmo por conversa com outro juiz. Aqui a situação é semelhante à do problema dos conhecimentos privados do juiz. Não há como impedir o magistrado de ter conhecimento privado dos fatos sub judice, em especial quando são de repercussão social.

Dessa forma, o impedimento do juiz não é meio idôneo a bloquear a influência das provas ilícitas no julgamento, pois, buscando evitar uma influência informal da prova ilícita na convicção do julgador, adota-se uma solução exclusivamente formal de promover o impedimento de quem tenha tido contato com a prova ilícita. Então, como essa providência não é meio apto para alcançar o fim a que se propõe, não deve ser adotada.

O controle é exercível somente por meio da fundamentação da decisão judicial. Essa é uma das vantagens do modelo da persuasão racional, em oposição ao do livre convencimento. No caso do tribunal do júri em que se adota este último modelo, a solução não pode ser outra que não a dissolução do conselho de sentença. Quando se trata do modelo da persuasão racional, basta a análise detida da fundamentação da decisão para verificar se esta se baseou, sólida e exclusivamente, em elementos de prova lícitos.

Assim, podemos considerar que a verdadeira consequência para a ilicitude probatória é a irrelevância, a ser procedida na fundamentação da decisão judicial.

8 conclusão

À vista do exposto, resta evidente que são dois os meios restritivos do direito à prova, a saber: a exigibilidade de meios moralmente legítimos e a vedação às provas obtidas por meios ilícitos, determinada pela norma constitucional. Porém, conclusão lógica é no sentido do uso do sopesamento de princípios no caso da aplicação das provas obtidas por meios ilícitos no Processo Civil.

Foram estes os meios encontrados pelo legislador nacional para estabelecer limites à produção de provas, contudo, cabe-nos esclarecer que a finalidade de tais limitações não é e nem pode ser a de impedir a produção de provas no processo, sem a qual seria ineficaz a prestação jurisdicional por parte do Estado. Trata-se, apenas, de deixar claro àquele que vai buscar auxílio do Estado para solucionar o litígio ocasionador da demandada, que o mesmo terá sim a oportunidade e a garantia da produção de provas, todavia, não será toda prova que será admitida como válida no processo.

 

Referências
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GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo16.htm>. Acesso em: 02 dez. 2011.
LIMA, Alcides de Mendonça. A Eficácia do meio de Prova Ilícito no Código de Processo Civil Brasileiro. Ajuris, Porto Alegre, v. 38, Nov. 1986.
Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 3. (Temas Jurídicos).
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente adquiridas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 205, jul./set. 1996.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., ampl. e atual. com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1952.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
 
Notas:
[1] Art. 332 – Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
[2] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 12 mar. 2012.
[3]   THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 421.
[4] Acórdão AI nº: 120.858, 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, relator, Juiz Salles Penteado
[5]   MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente adquiridas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 205, jul./set. 1996. p. 143.
[6]   LIMA, Alcides de Mendonça. A Eficácia do meio de Prova Ilícito no Código de Processo Civil Brasileiro. Ajuris, Porto Alegre, v. 38, Nov. 1986.
[7]   Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 3. (Temas Jurídicos).
[8]   MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente adquiridas. p. 114.
[9]    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25716MC/DF, DJ 16/12/2005. Relator Min. Cezar Peluso.
[10] SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 293.
[11] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., ampl. e atual. com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
[12] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente adquiridas. p. 20.
[13] SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial.
[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo16.htm>. Acesso em: 02 dez. 2011.
[15] gomes, Luiz Flavio. Finalidade da interceptação telefônica e a questão da prova emprestada. Repertório iob de Jurisprudência, São Paulo, caderno 3, n. 4/9, p. 75, 2ª quinzena fev. 1997. p. 7.
[16] gomes, Luiz Flavio. Finalidade da interceptação telefônica e a questão da prova emprestada. p. 7.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cristiane Paglione Alves

 

Advogada, Mestranda pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM – Estado de São Paulo – Bolsista CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre a “Constitucionalização do Direito Processual” e “A intervenção do Poder Público na vida do indivíduo”, ambos da instituição mencionada

 


 

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