A união homoafetiva e as perspectivas do Direito

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Resumo: Esse artigo busca analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da união homoafetiva. Busca-se a partir dessa resolução refletir sobre as novas configurações sociais e sobre as novas demandas para o direito. A partir dessa decisão o conceito de família necessita de uma reformulação acompanhando dessa forma a maior complexidade da sociedade. O processo de análise e decisão do caso será abordado sob as perspectivas de Hans Kelsen e sua ideia de interpretação por subsunção e valorização da legalidade, Niklas Luhman e sua formulação de complexidade e contingência, Jürgen Habermas e sua proposta da ação comunicativa. Além de Ronald Dworkin e sua ideia de romance em cadeia e única resposta correta, Robert Alexy e sua proposta de ponderação de princípios e sob a ótica do Direito alternativo com sua nova proposta para o campo jurídico, não o limitando apenas ao panorama do excessivo formalismo e legalismo.[1]

Palavras-chave: união homoafetiva, interpretação, decisão, caso concreto.

Abstract: This paper analyzes the decision of the Supreme Court regarding marriage homoafetiva. Looking up from that resolution rflect on the new social settings and the new demands for the right. From this decision the concept of family needs redrafting watching thus the greater complexity of society. The process of Hans Kelsen and his idea of subsumption for interpretation ans appreciation of legality, Niklas Luhman and his formulation of complexity and contingency, Jurgen Habermas and his proposal of communicative action. Besides Ronald Dworkin and his idea of romance and chain single correct answer, Robert Alexy and it’s proposed weighting principles and from the perspective of the right alternative with it’s new proposal for the legal field, not limited only to the panorama of excessive formalism and legalism.

Key words: homoafectiv union, interpretation, decision, legal case.

Sumário: 1. Introdução 2. Análise do caso segundo Kelsen 3. Análise segundo Luhman 4. Análise segundo Habermas 5. Análise segundo Dworkin 6. Análise segundo Alexy 7. Análise segundo o direito alternativo 8. Conclusão 9. Notas 10. Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

A questão jurídica relacionada à união homoafetiva tornou-se de grande repercussão em meio à configuração da sociedade atual. Desse modo, questões que envolviam trâmites jurídicos, como por exemplo, a questão previdenciária, o direito à herança e até mesmo a classificação se essas uniões poderiam ou não ser classificadas como família, passaram a ser cada vez mais questionadas. Tais demandas passaram também a exigir respostas no direito. Dessa forma, partindo-se desse assunto tão repercutido atualmente deseja-se analisar um caso concreto sobre tal tema procurando assim estabelecer relações com as ideias de importantes autores do direito e suas respectivas propostas de interpretação do campo jurídico.

O caso em questão diz respeito à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 16/08/2011 sobre a união homoafetiva. Esse caso trata-se de um recurso de agravo, interposto, por Carmem Mello Aquina Neta, representada por Elizabeth Alves Cabral, contra a decisão que, ao conhecer e ao dar pavimento ao apelo extremo deduzido por Edson Vander Souza, que reconheceu a existência de união homoafetiva entre este e o pai da recorrente.

Nesse caso o STF decidiu em segunda turma, sob a presidência do ministro Ayres Britto, por unanimidade de votos, em negar o recurso de agravo e desse modo, abrir precedentes à união homoafetiva. A partir dessa resolução dada ao caso e dos critérios adotados para obtê-la analisar-se-á sob a perspectiva de diversos autores do direito e suas respectivas propostas.

Dessa forma, serão então abordadas algumas ideias de interpretação do direito. Tais como a proposta da elaboração de respostas por subsunção e pautadas sempre nas leis referentes a Hans Kelsen, a ideia de complexidade e contingência e do direito como conquista evolutiva atribuídas a Niklas Luhmann, será trabalhada também a ideia de Habermas e sua teoria da ação comunicativa. Além das perspectivas já elencadas será abordada ainda a proposta do direito como um romance em cadeia e da existência de uma única resposta correta para os casos concretos de Ronald Dworkin, a proposta de resoluções obtidas a partir da ponderação de valores de Robert Alexy e para encerrar sob a óptica do direito alternativo e suas propostas inovadoras para a criação e interpretação do direito fugindo do excessivo formalismo e legalismo.

2. ANÁLISE DO CASO SEGUNDO HANS KELSEN

O caso analisado trata-se de um recurso de agravo, contra uma decisão tomada em uma instância inferior. Decisão na qual foi dado pavimento ao apelo extremo feito pelo interessado e integrante de uma união homoafetiva, tal resolução havia reconhecido a existência de união estável homoafetiva entre este e o pai da recorrente.

A recorrente baseou-se na tese de que o “direito à felicidade” não pode se sobrepor à lei vigente. Esse argumento encontra fundamento na teoria de Hans Kelsen, a qual mostra que as leis prescrevem algo e já os princípios são apenas orientações, ou seja, que estes não obrigam o que se contrapõe à norma jurídica que tem caráter obrigatório. Para Kelsen a interpretação dos princípios deveria ocorrer por subsunção, ou seja, partindo do conjunto normativo que se pressupõe ser orientado por princípios aplica-se aos casos concretos as resoluções mais genéricas e abstratas.

“As normas jurídicas, por seu lado, não são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos, imperativos. Mas não são apenas comandos, pois também são permissões e atribuições de poder ou competência. Em todo o caso, não são- como, por vezes, identificando Direito com ciência jurídica, se afirma instruções (ensinamentos). O Direito prescreve, permite, confere poder ou competência- não ensina nada” (KELSEN, 1998, p.81)

Ainda segundo Kelsen as demais leis e normas pertencentes ao sistema jurídico deveriam obedecer a uma relação hierárquica preexistente, estando assim subordinadas à norma fundamental que é a Constituição para que tais normas possam ser consideradas válidas.

“O documento que corporifica a primeira constituição é uma constituição, uma norma de caráter obrigatório, apenas sob a condição de que a norma fundamental seja pressuposta como válida. É apenas sob tal pressuposições que as declarações daquelas a quem a constituição confere poder criador de leis são normas de caráter obrigatório” (KELSEN, 1998, p.169)

Desse modo, cabe então mostrar o que diz a Constituição brasileira a respeito do assunto referente à unidade familiar e sobre a união homoafetiva. Para tal recorre-se ao Artigo 226 da norma fundamental do Brasil que em seu texto apresenta a definição do se confere como unidade familiar deixando bem evidente a atribuição de homem e mulher e não de pessoas do mesmo sexo.

Art.226- A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§  1º- O casamento é civil e gratuita a celebração

§ – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º- Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem      e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º- Entende-se também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º- Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”

Dessa forma, observa-se que a norma fundamental deixa claro em suas letras que uma união entre pessoas do mesmo sexo não se configura como unidade familiar, não possuindo assim quaisquer garantias do Estado. Logo, analisando o caso sob a perspectiva de Kelsen se observaria que a recorrente possui fundamentos em seu pedido de agravo.

Contudo, essa interpretação excessivamente formalista e legalista vem em entrando em xeque devido a uma nova sociedade que vem se estruturando com uma formatação mais complexa e que possui novas demandas. Demandas essas que necessitam de uma hermenêutica que ultrapasse os planos formais e legais.

3. ANÁLISE DO CASO SEGUNDO LUHMANN

A resposta dada ao caso pelo Supremo Tribunal Federal foi favorável à união homoafetiva, abrindo assim precedentes para essa nova configuração social. Pode-se observar que as relações homoafetivas são uma ampliação da complexidade do sistema social que irá desse modo levar novas demandas ao Direito. A respeito dessa teoria dos sistemas e da complexidade e contingência se discutirá as ideias de Luhmann.

“A sociedade é aquele sistema social cuja estrutura regula as últimas reduções básicas, às quais os outros sistemas sociais podem referir-se. Ela transforma o indeterminado em determinado, ou pelo menos em uma complexidade determinável para os outros sistemas, assim dizer domesticado, de menor complexidade, um ambiente no qual já está excluída a aleatoriedade das possibilidades, fazendo assim com que ele apresente menos exigências à estrutura do sistema.” (LUHMANN, 1983, p.168).

A decisão jurídica relacionada ao caso da união de pessoas do mesmo sexo pode ser vista sobre a perspectiva de Luhmann como uma conquista evolutiva. Isso porque à medida que a sociedade vai ganhando novos contornos e particularidades, surgem também novos conflitos para serem resolvidos pelo direito. No caso em questão a nova forma de família moderna (incluindo também as uniões homoafetivas) passou a reclamar seus direitos e seu reconhecimento, o que ocorre com sucesso a partir da resolução apontada para o caso.

“A legalidade resulta muito mais dos problemas de complexidade e contingência que precisam ser resolvidos, se é que deva ter lugar alguma interação e até mesmo constituição de sentido. Sendo assim, o direito tem de ser visto como uma estrutura cujos limites e cujas formas de solução são definidas pelo sistema social. O Direito se modifica, portanto com a evolução da complexidade social.” (LUHMANN, 1983, p.170)

Desse modo, pode-se entender as relações homoafetivas com uma forma de complexidade da sociedade que, portanto determina uma modificação no direito. Modificação essa que inclui a ampliação do conceito de unidade familiar passando a incluir também as relações de pessoas do mesmo sexo e garantindo a estas os direitos ampliados. O reconhecimento de tais direitos por órgãos jurídicos expressam assim uma conquista evolutiva.

4. ANÁLISE DO CASO SEGUNDO JÜRGEN HABERMAS

Analisando o caso sob a óptica de Habermas e sua teoria do agir comunicativo e sobre a importância do discurso pode-se obsevar a presença do debate público na reconstrução do Direito. Isso porque a união homoafetiva aparece na sociedade e junto a ela surge o discurso que expressa sua manifestação, discurso esse que busca uma nova formulação para o direito. Uma nova forma que garanta às uniões homoafetivas seu caráter legal mediante o sistema jurídico.

A respeito das sociedades complexas e suas relações Habermas afirma que nelas há relações de reconhecimento mútuo, que se produzem em formas de vida concreta através do agir comunicativo, ou seja, através das práticas de argumentação e fundamentação de suas ideologias que serão compartilhadas com os outros indivíduos e suas ações comunicativas.

“Nas sociedades complexas, essas relações de conhecimento mútuo, que se produzem em formas de vida concreta através do agir comunicativo, só se deixam generalizar abstratamente através do Direito. Entretanto é possível ampliar as condições concretas de reconhecimento através do mecanismo de reflexão do agir comunicativo, ou seja, através da prática de argumentação, que exige de todo participante a assunção da perspectiva de todos os outros.” (HABERMAS, 2002, p.227).   

Logo, relacionando a proposta de Habermas ao caso estudado pode-se  observar que o surgimento da família homoafetiva trouxe consigo o surgimento de um discurso. Pois a nova realidade se manifesta através do discurso. Esse discurso então foi levado inicialmente à sociedade, que depois de argumentações contundentes teve esse discurso incorporado à sua realidade. O passo posterior foi levar esse discurso favorável ao reconhecimento da união homoafetiva ao judiciário. Inicialmente tal discurso foi sendo levado em menores proporções, em casos isolados pelo país, até que então ganhou mais articulações e foi levado à última instância da justiça brasileira. Essa instância com seu parecer favorável abriu então precedentes à união homoafetiva, visto que esse órgão tem sentido vinculante aos demais tribunais.

Habermas também afirma que o direito moderno se adéqua especialmente à integração social e que há um entendimento de sujeitos que agem comunicativamente através da aceitabilidade de pretensões de validade a fim de produzir a legalidade nessas relações.

“Tais determinações conceituais esclarecem por que o direito moderno se adequa especialmente à integração social de sociedades econômicas que, em domínios de ação neutralizados do ponto de vista ético, dependem das decisões descentralizadas de sujeitos singulares orientados pelo sucesso próprio. Porém o direito não pode satisfazer apenas às exigências funcionais de uma sociedade complexa, devendo levar em conta também as condições precárias de uma integração social que se realiza, em última instância, através das realizações de entendimento de sujeitos que agem comunicativamente, isto é através de pretensões de validade.” (HABERMAS, 2003, p.114).

Desse modo pode-se observar que a decisão do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar acaba conquistando sua legitimidade na sociedade através do discurso e do debate público. Esse debate por sua vez leva ao entendimento para a questão e partir de então se torna direito, ou seja, a partir de então ganha também legalidade no sistema jurídico.

5. ANÁLISE SEGUNDO RONALD DWORKIN

Na decisão do caso da união homoafetiva há uma clara interpretação de princípios. Em relação a isso é válido citar a teoria de Dworkin, na qual há a comparação da interpretação do direito com um romance em cadeia. Para esse autor o Direito é constituído por vários autores, os quais a partir de enunciações precedentes feitas no passado continuam a constituir o direito como uma continuação mantendo-se sempre sua essência comum. Na resolução apresentada, pode-se pensar nessa dimensão de continuidade (romance em cadeia) ao observar decisões jurídicas isoladas e passadas que iniciavam uma perspectiva de reconhecimento da união homoafetiva. Como decisões que já haviam sido dadas no estado do Piauí permitindo a adoção de uma criança por um casal de pessoas do pessoas do mesmo sexo, dentre outras decisões ao redor do país.

“Os juízes, porém, igualmente autores e críticos. Um juiz que decide o caso McLoughlin ou Brown introduz acréscimos na tradição que interpreta; os futuros juízes deparam com uma nova tradição que inclui o que foi feito por aquele. É claro que a crítica literária contribui com as tradições artísticas em que trabalham os autores; a natureza e a importância dessa contribuição configuram, em si mesmas, problemas da teoria crítica. Mas a contribuição dos juízes é mais direta e a distinção entre autor e interprete é mais uma questão de diferentes aspectos do mesmo processo. Portanto, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de romance em cadeia” (DWORKIN, 2003, p.275)

A resolução do caso analisado também amplia sua percepção, pois além de dar uma resposta negativa ao recurso de agravo que se colocava contra o reconhecimento de uma determinada união homoafetiva, o Supremo Tribunal Federal da a sua resposta ao caso que a partir do conflito julgado, reconhece assistir a qualquer pessoa o direito fundamental à legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva, atribuindo-lhe em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania.

Ainda em relação à resposta dada ao caso pode-se falar sob a perspectiva de Dworkin no que diz respeito que em todos os casos concretos há apenas uma única resposta correta. Em relação à resposta dada pelo STF, partindo-se da observação dos argumentos, dos princípios e das configurações atuais da sociedade, essa resposta favorável à união homoafetiva mostra-se a única correta para o caso. Para Dworkin tal sistema da busca de uma única resposta correta garante a segurança jurídica, visto que para chegar a tal resposta a atividade dos juízes torna-se metódica e minuciosa fazendo ainda com que se tenha mais compromisso e responsabilidade nas decisões dadas à sociedade.

“Devo tentar expor essa complexa estrutura da interpretação jurídica, e para tanto utilizarei um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade. Vamos chamá-lo Hércules. Hércules deve encontrar, se puder, alguma teoria coerente, ele é um juiz criterioso. Começa por selecionar diversas hipóteses para corresponderem à melhor interpretação dos casos precedentes, mesmo antes de tê-lo lido” (DWORKIN, 2003, p.288)

No texto publicado pelo STF em sua decisão do caso há nele expresso claramente que a decisão foi pautada nos princípios essenciais tais como os da dignidade da pessoa humana, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade. A respeito disso a teoria de Dworkin afirma que os juízes devem fazer sua interpretação se baseando nos princípios. Afirma que tais juízes devem selecionar vários princípios os contrapondo e assim vendo quais são preponderantes. No caso em questão os princípios citados pelo Supremo Tribunal se sobrepõem ao principio do legalismo e da minuciosa letra da lei.

6. ANÁLISE SEGUNDO ROBET ALEXY

A decisão do Supremo Tribunal Federal apoiou-se em princípios essenciais como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da não discriminação, da busca da felicidade, dentre outros como se pode obsevar nas próprias palavras da resolução mostradas abaixo

“O Supremo Tribunal Federal apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando os princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) reconhece assistir a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares”.

Desse modo, pode-se pensar na interpretação dos princípios segundo Alexy, interpretação essa que esta baseada no critério da ponderação. Essa ponderação consiste em uma valoração de princípios, observando os resultados da não aplicação de determinados princípios em detrimento de outro principio que se mostre mais adequado para cada caso concreto.

“Sob pontos de vista metodológicos é, nisso, o conceito de ponderação o conceito principal. Em vez de opor uma construção larga e ampla e uma estreita e escala uma a outra, poderia-se, por conseguinte, contrapor a um modelo de ponderação um modelo de subsunção.” (ALEXY, 2005, p.335).

A decisão do caso da união homoafetiva estabeleceu que princípios como o da dignidade da pessoa humana, como o da igualdade e como o da busca da felicidade, deveriam prevalecer sobre os demais valores em questão, como o da obediência à letra da lei, o que levou ao Supremo Tribunal Federal decidir em favor da união de pessoas do mesmo sexo.

“O Tribunal Constitucional Federal é da opinião que não é suficiente fazer duas subsunções isoladas. Ele exige, ao contrário, que sempre então, quando a aplicação de normas de direito civil conduz a limitação de um direito fundamental, deve ter lugar uma ponderação dos princípios.” (ALEXY, 2005, p.336).

A citação de Alexy esclarece bem a ideia de ponderação que visa a escolher o principio mais adequado para o caso pensando nas suas consequências para a sociedade. No caso analisado o reconhecimento da união homoafetiva e reconhecimento de seus direitos, sem dúvidas reflete melhores consequências na sociedade, estabelecendo uma maior igualdade entre os indivíduos independentemente de sua orientação sexual.

7. ANALISE DO CASO SEGUNDO O DIREITO ALTERNATIVO

 Antes de analisar o caso sob a ótica do direito Alternativo cumpre esclarecer previamente o que seria essa nova corrente do direito e quais são suas ideias a respeito do campo jurídico. O direito Alternativo não possui uma ideologia única, essa corrente foi formada recentemente por membros que procuram unidos por objetivos comuns passiveis de serem buscados em uma mesma pratica jurídica.

Dentre os pontos questionados pelo direito Alternativo esta a crítica unanime ao positivismo jurídico (paradigma liberal-legal) entendido como uma postura jurídica tecno-formal-legalista de apego irrestrito a uma cultura legalista e de aplicação de uma interpretação lógico dedutiva, somadas a um discurso apregoado. Há desse modo a crítica ao formalismo jurídico que seria a definição anti-ideologica do direito.

“Formalismo jurídico ou poderia dizer, da definição anti-ideologica do direito. Este é conceituado tendo como base exclusiva sua estrurura formal, o sistema em si, não levando em consideração seu conteúdo e, muito menos, suas consequências sociais. O direito é tido como um conjunto de normas formalmente válidas.” (ANDRADE, 2012, p.1)).

Levando em consideração essa concepção de crítica ao excessivo formalismo e legalismo do Direito, pode-se relacionar ao caso da união homoafetiva, visto que o reconhecimento dessa instituição como família enfrentava o excessivo formalismo e entraves da subordinação à tradição e ao apego excessivo à letra da lei que não reconhecia a união de pessoas do mesmo sexo como detentores de caráter familiar.

O direito alternativo também faz críticas à interpretação mecanicista das normas, mostrando que este tipo de interpretação acaba limitando e engessando o direito.

“Da fonte preeminente do direito e da interpretação das normas jurídicas. A legislação escrita é colocada como fonte única do direito, ficando a doutrina, a jurisprudência e os costumes como fontes secundárias, subalternas à primeira. A lei, neutra, clara, coerente, avalorativa e anti-ideológica é a fonte do direito.” (ANDRADE, 2012, p.1).

O direito alternativo defende uma atuação jurídica comprometida com a mudança social, com as transformações estruturais no seio da sociedade. Tal atuação jurídica é vista no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, uma decisão que visa acompanhar as novas formas de complexidade surgidas na sociedade.

Essa nova corrente de direito defende uma atuação jurídica comprometida com a busca da vida digna para todos que vise a emancipação popular com abertura de espaços democráticos. Tal ideal pode ser observado junto à decisão do STF que em sua resolução utilizou o principio da dignidade da pessoa humana como um de seus principais fundamentos.

Desse modo, pode-se observar que as primeiras decisões em defesa do reconhecimento da união homoafetiva, decisões essas tomadas em instâncias inferiores e de certa forma isoladas, ocorrendo em lugares e momentos diferentes, que estas se mostram consoantes ao direito Alternativo. Isso porque elas foram decisões que buscaram ampliar a visão e a interpretação do direito,resoluções que buscaram fugir do excessivo formalismo e legalismo do sistema jurídico tradicional. Decisões essas que trazem uma nova perspectiva para o direito, que se preocupam com uma maior democratização, com a defesa da dignidade para todos, sem privilégios de classes, defendendo também as minorias oprimidas. Em suma, uma dimensão do direito preocupada com a sociedade em seu todo, que transcende os mecanismos formalistas, os interpretes mecanicistas. Uma visão que busca novas alternativas para os conflitos.

8. CONCLUSÃO

A partir do caso estudado, da hermenêutica utilizada e da resolução apontada pelo Supremo Tribunal Federal pode-se observar que as ideias de Kelsen e sua teoria pura do direito com sua percepção puramente legalista do direito vêm perdendo espaço nas sociedades mais complexas. Percebe-se que como afirma Luhmann as sociedades vão ganhando em complexidade e desse modo o direito ganha novas demandas, como se pode observar no caso relacionado à união homoafetiva. Cabe então ao sistema do direito acompanhar as evoluções sociais permitindo e aceitando direitos surgidos pela atualização e evolução da sociedade, ou seja, por conquistas evolutivas. O que se exemplifica a partir da ampliação do conceito de família.

É de fundamental importância ressaltar também que como afirma Habermas as ações na sociedade se manifestam pelo discurso, através da ação comunicativa. Esses discursos geram o debate público e estes debates levam ao entendimento convencendo assim a sociedade de sua legitimidade, posteriormente se lançará no campo jurídico buscando a legalidade. Como é o caso da união homoafetiva que a partir do seu discurso e de seu debate público acabou por conquistar seu reconhecimento legal.

Além disso, vale salientar a perspectiva de única resposta correta para cada caso concreto, levando assim a atividade de decisão judicial a ser uma atividade de maior responsabilidade compromisso com a sociedade como demonstra Ronald Dworkin. Pode-se observar também a importância dos valores e de uma ponderação dos mesmos como afirma Robert Alexy. Tal método permite a priorização dos princípios essenciais tais como a dignidade da pessoa humana, liberdade, dentre outros que se refletem mais adequados para a sociedade. Tal perspectiva de busca por uma resposta correta que priorizasse a sociedade como um todo e a utilização de princípios na decisão também podem ser encontrados na decisão do STF relacionada à união de pessoas do mesmo sexo.

E ainda sob uma nova perspectiva que busca novas soluções para os caos jurídicos, soluções que transcendam os métodos meramente legalistas, respostas que procurem uma maior democratização do direito o tornando mais comprometido com a mudança social e com a sociedade como um todo, como o que propõe o direito Alternativo. Seria pretensioso declarar que uma decisão do STF adotou uma linha alternativa de direito, mas pode-se obsevar que essa nova visão de direito fornece as bases para uma interpretação mais contextualizada dos casos como pode ser observado com decisões isoladas tomas por juízes com tendências alternativas ao redor do país em favor da união homoafetiva.

Em suma, a partir da decisão da mais alta instância judicial brasileira ampliando assim o sentido da lei e reformulando o sentido de família incluindo a união homoafetiva como entidade familiar; Pode-se concluir que o direito já não mais se limita em utilizar formas arcaicas e engessadas, não se limita em utilizar formas puramente formalistas que se fechavam à letra da lei. Pode-se concluir também que o direito, ainda que de forma tímida, vem se transformando, transcendendo as antigas barreiras, quebrando preconceitos. Ele vem pautando-se cada vez mais nas demandas sociais, buscando desse modo priorizar os direitos fundamentais dos cidadãos de forma individual e ao mesmo pretendendo garantir uma sociedade mais justa e harmoniosa.

 

Referências bibliográficas
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. – 6ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,    1998
LUHMANN, Nilklas. Sociologia do Direito I; (tradução de Gustavo Bayer). Rio de Janeiro; Edições Tempo Brasileiro, 1983.
LUHMANN, Nilklas. Sociologia do Direito II; (tradução de Gustavo Bayer). Rio de Janeiro; Edições Tempo Brasileiro, 1985.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I 2ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito; São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e racionalidade. In: Revista de Direito Privado nº24 out/dez RT: São Paulo, 2005.
ANDRADE, Lédio Rosa. O que é Direito Alternativo?  In: https//:sociologial.dominiotemporario.com/…/o_q_e_direito_alternativo.doc. Acesso em 22 de out 2012.
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Drª Maria Sueli Rodrigues de Sousa


Informações Sobre os Autores

Mariana Maria da Costa Soares

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Piauí

Filipi Alencar Soares de Souza

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Piauí


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