Dos sistemas penitenciários

Resumo: O autor faz uma análise verticalizada dos sistemas penitenciários existentes no mundo

No decorrer da evolução da pena, ao compasso da organização do indivíduo em sociedade e, conseqüentemente, na formação do Estado, surgiram teorias filosóficas e religiosas que buscavam explicar a sua aplicação, fundamentação e finalidade, seus reflexos na sociedade e no Estado.

Como conseqüência dessa evolução começou a surgir os primeiros sistemas penitenciários por volta do século XVIII.

São quatro os sistemas penitenciários voltados à execução das penas privativas de liberdade.

Sistema Pensilvânico ou Filadélfico

Também conhecido como sistema belga ou celular, o sistema filadélfico foi inaugurado em 1790 na prisão de Walnut Street e, em seguida, implantado nas prisões de Pittsburgh e Cherry Hill. Os principais precursores foram Benjamin Franklin e Willian Bradford.

 Neste sistema penitenciário foram utilizadas convicções religiosas e bases do Direito Canônico para estabelecer uma finalidade e forma de execução penal. O condenado deveria ficar completamente isolado em uma cela, sendo vedado todo e qualquer contato com o meio exterior. Objetivava-se a expiação da culpa e a emenda dos condenados. Autorizava-se, tão-somente, passeios inconstantes no pátio da prisão e a leitura da Bíblia, para que o condenado pudesse se arrepender do delito praticado e, conseqüentemente, alcançar o perdão de sua conduta reprovável perante a sociedade e o Estado.

Explicando acerca do surgimento do sistema celular, Cezar Roberto Bittencourt afirma que “o início definido do sistema filadélfico começa sob a influência das sociedades integradas por quacres e os mais respeitáveis cidadãos da Filadélfia e tinha como objetivo reformar as prisões”.[1]

Damásio de Jesus ensina que, “utiliza-se o isolamento celular absoluto, com passeio isolado do sentenciado em um pátio circular, sem trabalho ou visitas, incentivando-se a leitura da bíblia”.[2]

Cezar Roberto Bittencourt, com propriedade, afirma sobre o Sistema Filadélfico ou Pensilvânico que:

“Já não se trataria de um sistema penitenciário criado para melhorar as prisões e conseguir a recuperação do delinqüente, mas de um eficiente instrumento de dominação servindo, por sua vez, como modelo para outro tipo de relações sociais.”[3]

Tal sistema, baseado na solidão e no silêncio, foi violentamente criticado, alegando-se que a prática da separação absoluta e da proibição de comunicação entre os presos ocasionava insanidade e, além disso, o aludido sistema foi adotado, com algumas modificações, por diversos países da Europa, durante o século XIX: Inglaterra em 1835, Bélgica em 1838, Suécia em 1840, Dinamarca em 1846, Noruega e Holanda em 1851 e também a Rússia.

Sistema Auburniano

Segundo Damásio Evangelista de Jesus, “sua origem prende-se a construção da penitenciária na cidade de Auburn, do Estado de New York, em 1818, sendo seu diretor Elam Lynds”.[4]

Tratando sobre esta matéria, Cezar R. Bitencourt explica que este sistema deixou de lado o confinamento absoluto do preso por volta do ano de 1824, “a partir de então se estendeu a política de permitir o trabalho em comum dos reclusos, sob absoluto silêncio e confinamento solitário durante a noite”.[5]

 Não era permitido, sequer, a comunicação entre os presos, com o objetivo de primar pelo silêncio absoluto.

A diferença mais nítida entre o sistema pensilvânico e o sistema auburniano, diz respeito à segregação; naquele, a segregação era durante todo o dia; neste, era possível o trabalho coletivo por algumas horas. Ambos, porém, pregavam a necessidade de separação dos detentos, para impedir a comunicação e o isolamento noturno acontecia em celas individuais.

O sistema pensilvaniano era mais dispendioso do que o auburniano. O trabalho em celas individuais era inadequado à produção industrial, através de máquinas, que se tornava comum. Conseqüentemente, o retorno econômico proveniente do trabalho prisional, através do sistema pensilvaniano, era escasso. Quando o “separate or solitary system” foi desenvolvido, o objetivo da reclusão penitenciária era, preferencialmente, evitar a contaminação moral entre presos e promover a reflexão e o arrependimento, ficando em segundo plano obter rendimentos do trabalho prisional.

Já o sistema auburniano, embora mantivesse a preocupação com a emenda dos condenados e procurasse evitar a contaminação moral através da imposição da disciplina do silêncio, aparentemente colocava em primeiro lugar a necessidade de auferir ganhos com o trabalho dos presos. De fato, pode-se afirmar que a preocupação em fazer a prisão fornecer recursos para a sua própria manutenção parece ter sido o principal objetivo das penitenciárias que seguiram o modelo de Auburn.

O mesmo Bittencourt ainda esclarece os motivos que levaram ao fracasso do sistema auburniano:

“Uma das causas desse fracasso foi a pressão das associações sindicais que se opuseram ao desenvolvimento de um trabalho penitenciário. A produção nas prisões representava menores custos ou podia significar uma competição ao trabalho livre. Outro aspecto negativo do sistema auburniano – uma de suas características – foi o rigoroso regime disciplinar aplicado. A importância dada à disciplina deve-se, em parte ao fato de que o silent system acolhe, em seus pontos, estilo de vida militar. [..] se criticou, no sistema auburniano, a aplicação de castigos cruéis e excessivos. […] No entanto, considerava-se justificável esse castigo porque se acreditava que propiciaria a recuperação do delinqüente.”[6]

Sistema Progressivo

Na lição de Damásio de Jesus “o sistema Progressivo (inglês ou irlandês) surgiu na Inglaterra, no século XIX, atribuindo-se sua origem a um capitão da Marinha Real, Alexander Maconochie”.[7]

Cezar Roberto Bittencourt adverte que:

“A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. A meta do sistema tem dupla vertente: de um lado pretende constituir um estímulo à boa conduta e à adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, pretende que este regime, em razão da boa disposição anímica do interno, consiga paulatinamente sua reforma moral e a preparação para a futura vida em sociedade.”[8]

Tal sistema era constituído por três fases. A primeira consistia em um período de isolamento celular diurno e noturno, no qual o condenado podia estar submetido a trabalho obrigatório. Seguia-se uma segunda fase, sob o regime de trabalho em comum durante o dia e isolamento celular noturno. Nesse período começava o uso das marcas ou vales, que deram nome ao sistema, e para esse fim os reclusos eram divididos em quatro classes: a de prova, a terceira, a segunda e a primeira. A progressão de uma categoria para a outra se fazia mediante a contagem das marcas ou vales obtidos pelos reclusos, que eram atribuídos, a cada dia, observando-se, basicamente, o empenho no trabalho e o comportamento prisional.

O sistema progressivo introduzia uma relativa indeterminação no tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, na medida em que permitia que a duração prevista na sentença fosse reduzida, dependendo do bom desempenho do preso no trabalho e da sua conduta carcerária. O seu maior mérito, contudo, talvez tenha sido o fato de buscar incentivar o senso de responsabilidade dos condenados, colocando em suas mãos o maior ou menor cumprimento das suas penas.

O sistema progressivo difundiu-se universalmente, sendo adotado, com peculiaridades, em um grande número de países, a partir do último quartel do século XIX.

Embora a idéia tradicional de emenda, que se manifestava indubitavelmente no período inicial de isolamento celular diurno e noturno, ainda se fizesse presente, já se vislumbrava a modificação desse conceito, que começava a adquirir os contornos do que viria a ser a concepção de reintegração social, ressocialização ou recuperação social dos condenados.

 A preocupação fundamental do sistema progressivo, de propiciar uma gradual adaptação do recluso à vida livre, a educação para o trabalho como uma tentativa de induzir hábitos que permitissem aos condenados levar no futuro uma vida honesta e o incentivo, através de mecanismos institucionais, ao senso de responsabilidade social dos condenados, significavam agregar à idéia de emenda uma série de componentes novos.

Vigorou, portanto, nesse período, correspondente à fase inicial de implantação do sistema progressivo em diversos países, um conceito intermediário de ressocialização que se colocava entre a idéia de emenda, de inspiração religiosa e feição retributiva, e a idéia de reintegração social de inspiração positivista.

Este sistema progressivo foi dividido em Sistema Progressivo Inglês e Sistema Progressivo Irlandês em razão de suas formas diversas de aplicação.

O Sistema Progressivo Inglês era divido em três fases: 1) Isolamento celular diurno e noturno, 2) Trabalho em comum sob regra de silêncio e, 3) Liberdade condicional.

O Sistema Progressivo Irlandês era dividido em quatro fases: 1) Reclusão celular diurna e noturna, 2) Reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum, 3) Período intermediário e, 4) Liberdade condicional.[9]

Insta ressaltar, que o sistema Progressivo, embora modificado com o passar dos tempos, é aplicado em vários países, inclusive no Brasil.

Os sistemas progressivos contribuíram, e muito, para a individualização da execução penal.

No Brasil, sob a égide da redação original do Código Penal de 1940, os condenados à pena de reclusão sujeitavam-se à quatro fases de progressividade. Num primeiro momento, sempre inferior a três meses, o condenado era isolado durante o dia. Em seguida, era possível o desenvolvimento de atividades laborais em contato com os demais reclusos, sujeitando-se, todavia, a isolamento noturno. Após o cumprimento de metade da pena, quando esta fosse igual ou inferior a três anos, ou um terço dela, se superior a três anos, o condenado que apresentasse bom comportamento poderia ser transferido para uma colônia penal ou para um estabelecimento similar. O livramento condicional poderia ser concedido àquele cuja pena fosse superior a três anos, desde que cumpridos os requisitos trazidos no artigo 60.

Luis Regis Prado, discorrendo sobre a evolução dos sistemas progressivos no Brasil, afirma que

“A Lei 6.416/1977 introduziu substanciais alterações no sistema progressivo, a saber: a) foi facultado o isolamento celular inicial para os reclusos; b) foram criados os regimes de cumprimento de pena (fechado, semi-aberto e aberto); c) o início do cumprimento da pena poderia dar-se em regime menos rigoroso, observados o tempo de duração daquela e a periculosidade do réu; d) o livramento condicional poderia ser concedido ao condenado à pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) igual ou superior a dois anos.”[10]

Nos dias atuais, a progressão deve observar o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, bem como se exige a aferição, pelo diretor do estabelecimento prisional, de bom comportamento carcerário por parte do condenado e, ainda, o preenchimento de requisitos relevantes e detectados no caso concreto.

Reformatórios

Baseado no sistema progressivo, os reformatórios são instituições destinadas, quase que totalmente, aos infratores adolescentes ou aos jovens adultos e que teve grande destaque nos EUA. Está assentado na idéia de indeterminação da sentença e na vigilância após o cumprimento da pena, visando a educação e  a reinserção social do condenado.

 

Referências
ALBERGARIA, Jason. Criminologia (Teórica e Prática). Rio de Janeiro: AIDE Ed., 1998.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Vicente Sabino Júnior. São Paulo: CD, 2002, pg 137.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.
COUTINHO, Aldacy Rachid. Trabalho e Pena. Publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 32 – 1999.
Dell'Orto, Claudio. Assim Caminha o Direito Penal.  Publicada na Revista da Faculdade de Direito da UCP Vol. 1 – 1999.
D’URSO, Luiz Flávio Borges. Proposta de uma nova Política Criminal e Penitenciária para o Brasil. – Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 05 – Dez-Jan/2001.
D’URSO, Luiz Flávio Borges. A Privatização dos Presídios. Publicada no Jornal Síntese nº 17 – Julho/1998.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Por uma Função Social para a Pena. Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 08 – Jun-Jul/2001.
FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
GOMES, Luiz Flávio. Fernandinho Beira-Mar e os Presídios. Publicada no Juris Síntese nº 42 – Jul-Ago/2003.
GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão: doutrina e jurisprudência. 2. Ed. Vol.1. Ver., Atual e Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
HAMILTON, Sergio Demoro. O Custo Social de uma Legislação Penal Excessivamente Liberal – Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 10 – Out-Nov/2001.
JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.
KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias. Niterói, Rio de Janeiro: Luam, 1993.
MESTIERI, João. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. Parte Geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. Parte Geral. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
ROLIM, Marcos, Desafios da Reforma da Execução Penal. Publicada no Jornal Síntese nº 62 – Abril/2002.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A perda da legitimidade do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan. 5 ed. 2001.
_____, Código Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 2003, 35 ed.
_____, Execução Penal: Comentários à Lei nº 7.210, de 11-07-1984, São Paulo: Atlas, 2000, 9 ed.
 
Notas:
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 92.

[2] JESUS, Damásio de. Manual de Direito Penal Volume I. São Paulo : Atlas, 2004, p.249.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 94.

[4] JESUS, Damásio de. Manual de Direito Penal Volume I. São Paulo : Atlas, 2004, p.250.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 95.

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 96.

[7] JESUS, Damásio de. Manual de Direito Penal Volume I. São Paulo : Atlas, 2004, p.250.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 98.

[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 99-102.

[10] PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileito, volume 1: parte geral, arts. 1.° a 120. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pg. 545.


Informações Sobre o Autor

Henrique Viana Bandeira Moraes

Servidor público federal especialista em Ciências Criminais


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