Aspectos jurídicos da união homoafetiva: avanços e conquistas

Resumo: O artigo descreve a atual conjuntura dos direitos de pessoas do mesmo sexo referentes a união civil, direito previdenciário, patrimonial e sucessório, reafirmando o hiato jurídico destas prerrogativas para estes cidadãos inseridos na sociedade, mas que são vítimas do preconceito e da indiferença em assegurar direitos constitucionais garantidos. Algumas manifestações de reconhecimento pela jurisprudência vem demonstrando uma nova perspectiva o modificando o paradigma do direito em relação a união homoafetivas.

Palavras-chave: direito. União homoafetiva. Garantias.

Abstract: The article describes the current situation of the rights of same-sex civil unions respect, pension, property and inheritance rights, reaffirming the legal hiatus these privileges for these citizens integrated into society, but who are the victims of prejudice and indifference in ensuring rights constitutional guaranteed. Some manifestations of recognition by the case law has demonstrated a new approach to changing the paradigm of law in relation to homo-affective union.

Key words: law. Homo-affective union. Warranties.

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; 4. Referências.

Introdução

A união homoafetiva, como a própria expressão designa, consiste na relação ou convivência entre pessoas do mesmo sexo. Diante da atual conjuntura é natural se questionar porque as portas continuam fechadas para este tipo de relação civil, que, em reverso ao instituto do casamento e da união estável ainda não encontrou arrimo na lei com fins de regular formal ou informalmente as relações entre pessoas declaradamente de sexos diferentes. Portanto não há previsão em nosso ordenamento jurídico que discipline a convivência de pessoas do mesmo sexo, configurando de forma pronunciada, hiatos inconcebíveis na atual representação familiar, que vem modulando sua estrutura, ancorando o Poder Judiciário em detrimento ao dinamismo social, situando historicamente á valores pregressos e se posicionando de costas para o presente e indiferente ao futuro. O apego a formalismos legais devem ser repelidos quando estiver envolvido o princípio da dignidade humana, portanto é necessário modificar o paradigma jurídico que vem, através de outras fontes como a jurisprudência, acautelando o gozo de direitos a estes sujeitos. Este artigo pretende apresentar aspectos jurídicos envolvendo a união homoafetiva, principalmente no reconhecimento estendido pela jurisprudência assim como na doutrina

Desenvolvimento

O contexto de rechaçar a possibilidade de conferir proteção jurídica no reconhecimento das uniões enfocadas e reforçadas pelo entendimento majoritário dos tribunais brasileiros, restringiu absolutamente qualquer possibilidade de emprestar juridicidade a este tipo de relação. Neste sentido a 3ª Câm. Cível do TJRJ(2000) na relatoria do Des. Antônio Eduardo Duarte declara que:

“Ainda que evidenciada, por longo tempo, a relação homossexual entre dois homens ou duas mulheres, a ela não se aplica as disposições da Lei n. 8971/94, sob a alegação de existência de união estável. Sobretudo porque a Carta Magna, em seu artigo 226, estabelece que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, consignando no §3º que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Esse preceito constitucional, pois, tem por escopo a união entre pessoas do sexo oposto e não elementos do mesmo sexo. Logo, neste contexto, o reconhecimento e a dissolução de sociedade de fato, cujo pleito objetiva a integralidade dos bens do espólio do companheiro, que faleceu sem deixar descendentes, ou ascendentes, exibem-se incabíveis quando se verifica que não restaram demonstrados a contribuição ou o esforço na formação do patrimônio que se afirma comum”

Em discordância com a concepção sobrevinda do entendimento majoritário dos tribunais, a jurista gaúcha Maria Berenice Dias defende a regulamentação desta modalidade familiar como uma união de fato. São relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, geram o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar um regramento geral (DIAS, apud TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p.137). Argumenta que outorgar juridicidade à relação entre um homem e uma mulher restringiu a possibilidade de prevalecer às relações afetivas. Para a consagrada civilista, o afeto é um sentimento que envolve, amor, simpatia, paixão, ou seja, sensações universais que movem as relações humanas e não tem nenhum pressuposto relativo a diversidade de gênero. Nesse sentido, bem asseverou a supra citada autora (2010, p. 194) que: "Diante das garantias constitucionais que configuram o Estado Democrático de Direito, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica, implicando, outrossim, assegurar proteção ao indivíduo em suas estruturas de convívio familiar, seja ela qual for”.

Em voto consagrado, o Ministro Carlos Ayres Brito declara: […] Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como "entidade familiar", entendida esta como sinônimo perfeito de "família". Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (BRITTO, apud STF, acesso em: 20 dez 2013).

 A própria ciência já evidenciou que a homossexualidade não é mais considerada doença pela décima revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde. É portanto
concebida como um distúrbio de identidade representado por um determinismo psicológico inconsciente e não é reputada mais como uma patologia e nem uma opção livre. Os defensores da ideia de conferir um revestimento jurídico na relação homoafetiva patrocinam a necessidade de encarar uma realidade concreta e palpável sem nenhum vestígio de preconceito ou atitude emocional condicionada, baseada em crenças, opiniões ou generalizações, determinando aversão a definidos grupos. Estigmatizar quem exerce orientação sexual diferente e negar a realidade que se revela materializada é um verdadeiro descompromisso com a própria sociedade. É necessário compreender a noção de que o Direito deva estar sempre se refazendo, em face da dinâmica de valores da sociedade. As necessidade de igualdade e justiça são pilastras que sustentam o Direito, portanto não pode envelhecer. Deve-se adaptar a realidade, ser atuante e atualizado. Os processos de adaptação devem-se renovar, pois, somente assim, o Direito será um instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e da harmonia social. Neste contexto, as controvérsias e pendências que afloram com o rompimento da relação homoafetiva não coadunam com os valores espirituais do Direito, já que representam a expressão da vontade social e assimila os valores positivos que a sociedade estima e vive. O conceito material de família se pauta no afeto conjugado à publicidade, durabilidade e continuidade da união amorosa e que isso independe de o casal ser de sexos diversos ou de sexos idênticos. Não há justiça quando se nega ao companheiro o direito de usufruir o patrimônio para beneficiar os familiares(que estigmatizou-o a tal opção sexual) concorrendo para ocorrência evidente de enriquecimento injustificado. Maria Berenice Dias (2010, p. 197) entende ser preconceituoso a doutrina e a jurisprudência conferir apenas efeitos de ordem patrimonial, intitulando-a como sociedade de fato. Na verdade, essa solução traz notória injustiça principalmente quando o fim do relacionamento decorre da morte de um dos parceiros, pois configura o enriquecimento ilícito, uma vez que dá "ensanchas à família – na maioria das vezes distante por preconceito – para que possa herdar a integralidade do patrimônio deixado, em prejuízo daquele que, direta ou indiretamente, contribuiu à sua formação" (SUANNES apud DIAS, 2010, p. 197).

 É oportuno reconsiderar o Direito como um meio para tornar possível o progresso social e concebê-lo como um engenho à mercê da sociedade em direção a estabilidade das relações humanas e de acordo com o rumos sociais que envolvam não apenas generalizações convencionais mas contemplem grupos cujo substrato axiológico é alcançado pelo Direito, já que se manifesta como um corolário inafastável da sociedade.

O novo código Civil concedeu direitos ao desabrigado quando preceitua no art 981 do instituto das obrigações, que configurada a sociedade de fato e comprovada a efetiva colaboração de ambos os companheiros(as) a aquisição dos bens relativos à partilha serão conferidos.

Como os ideais e a semente do justo se acham presente na consciência do homem à justiça, propriamente dita, só se torna viva no Direito, quando deixa de ser apenas uma ideia e se incorpora às leis, dando-lhes sentido e passando a ser efetivamente exercitada na vida social e praticada nos tribunais. Nesta perspectiva os tribunais vem reconhecendo alguns direitos relativos a união homoafetiva.

Em relação à pensão previdenciária por morte do companheiro os desembargadores vem garantindo o direito de receber pensão pela morte do companheiro(a), baseado não no direito familiar e sim no direito previdenciário. O tribunal gaúcho(com repercussão nacional) exigiu que o INSS considere o companheiro(a) homossexual como dependente preferencial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social; que possibilite a inscrição de companheiro(a) post mortem do segurado diretamente pelo dependente; que passe a processar e deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros(as) do mesmo sexo; que possibilite a comprovação da união entre companheiros(as) homossexuais por documentos elencados na lei, por meio de justificação administrativa sem exigência de nenhuma prova de dependência econômica. Alguns tribunais já reconhecem o direito do companheiro(a) sobrevivente de receber os benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido(a) havia aderido ao contrato, desde que comprovada a existência de união afetiva.

É importante destacar que a homossexualidade é um fato social que portanto acompanha a história da humanidade e  não pode ser ignorada pelo direito por romper com as bases filosóficas do Direito por meio da teoria da tridimensionalidade de Miguel Reale atestando que por trás do fenômeno jurídico há sempre um fato subjacente cujo valor confere determinada significação. Por conseguinte sob os princípios da dignidade  da pessoa humana, igualdade, analogia, princípios gerais do direito e da boa fé subjetiva devem ser outorgados a concretização da justiça, ou seja os regulares direitos a estes cidadãos.

O Recurso Especial 889852 / RS, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª Turma do STJ, julgado em 27.04.2010, assentou-se que: a matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. Bem como se observou que: diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas, realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência e na Academia Americana de Pediatria, "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".

Neste mesmo entendimento a justiça do Rio de Janeiro emitiu juízo que concedia a guarda do filho da cantora Cássia Eller, que morreu de um infarto em 2001 à sua companheira em uma lide que envolvia a parceira da cantora e o pai da mesma que pretendia obter a guarda do garoto que na época tinha oito anos. A sentença proclamada autorizou o direito á visitas.

Em decisão recursal notável da desembargadora Maria Berenice Dias em 2003, a mesma reconheceu a garantia do direito sucessório, afastando qualquer possibilidade de vacância da herança. A magistrada julgou por analogia á união estável homoafetiva, estabelecendo que na circunstancia de incontrovertida convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo seja conferida efeitos jurídicos a estas uniões. Maria Berenice evoca o elo afetivo como o substrato essencial para o uso da analogia à união estável que se encontra devidamente regulamentada no Código Civil.

Na contramão do § 2º do art 32 do ECA que obsta adoção por duas pessoas que não sejam marido e mulher ou não vivam em união estável, alguns tribunais, principalmente o tribunal do Rio Grande do Sul, na vanguarda das decisões mais avançadas do país, vem facultando o direito de adoção por casais homossexuais. Os julgados vem apontando no âmago do argumento afetivo e da qualidade do vínculo que permeia a vida familiar caracterizada pela duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família. Para reforçar estes arrazoamentos os juízes vem mencionando vários estudos especializados e pesquisas científicas para derrubar as posturas preconceituosas e as atitudes hipócritas que tolha ideais de vida individual, social e de humanidade implicando diretamente no desenvolvimento de algumas faculdades do ser, como poder amar ao próximo com fins de estreitar vinculo.

Presentes os requisitos colacionados neste artigo, a união homoafetiva é considerada entidade familiar, e, portanto, sucede dela alguns efeitos jurídicos – econômicos/patrimoniais e pessoais -, tais quais: o regime de bens, via de regra, é o da comunhão parcial de bens (art. 1.725, CC); há partilha de bens, em caso de dissolução da união; direito a pleitear alimentos do companheiro, caso necessite para subsistir (art. 1.694, CC); enquadramento do companheiro sobrevivente como herdeiro necessário, o qual tem o direito de concorrência (analogia ao art. 1.845, CC); direito real de habitação; direito de retomada do imóvel para uso próprio (art. 47, III, Lei nº 8.245/91); direito aos benefícios previdenciários; direito à inventariança (art. 990, CPC); sub-rogação automática, em caso de morte do companheiro (art. 11, Lei nº 8.245/91); direito ao seguro DPVAT; impenhorabilidade do bem de família. Além de alguns efeitos pessoais como dever de lealdade, respeito e assistência entre os conviventes; dever de guarda, sustento e educação dos filhos (art. 1.724, CC); direito ao uso do sobrenome do companheiro (art. 57, §§ 2º e 3º, Lei nº 6.015/73); estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade aos parentes do outro (art. 1.595, CC); possibilidade de adoção (art. 42, § 2º, Lei nº 10.010/09); exercício de curatela pelo companheiro, em caso de interdição (arts. 25 e 1.768, CC); inelegibilidade eleitoral (art, 14, § 7º, CF) (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 467).

Conclusão

Deixar sob o arbítrio do vazio legal e negar a um grupo de cidadãos integrar a comunidade político-institucional com garantias e proteção jurídica é no mínimo desarrazoado se opondo ao principio da dignidade humana.  Em seu contínuo labor de julgar, os tribunais desenvolvem a análise do Direito consignando inúmeras hipóteses de incidência na qual a norma jurídica pode alcançar com finalidade de contemplar as distintas variações da vida moderna. A jurisprudência assume, então, uma importância fundamental neste processo de evolução, conciliando velhas fórmulas com as novas exigências históricas em que novos formatos de relações humanas se manifestem. Estas decisões devem partir da necessidade de consolidar princípios morais, da qual o Direito bebe de sua essência, cuja premissa é proibir qualquer tipo de discriminação e promover a tolerância para assegurar a garantia do respeito a valores e crenças diferentes. A decisão não pode trazer em seu bojo o reflexo da presunção de está em um grupo convencional sentindo-se vulnerável por gozar em um mundo construído para está a seu serviço cuja incompreensão, indiferença e arrogância teológica ou axiológica venham macular a autonomia da liberdade e violar os princípios democráticos da lei.

 

Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Declaratória de União Homoafetiva. Recurso Especial nº 820475/RJ. Quarta Turma. Relator: Ministro Antônio Pádua Ribeiro. Relator para acórdão: Ministro Luís Felipe Salomão. Julgado em: 02 set 2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 06 out 2008; RDTJRJ, vol. 77, p. 97.
DIAS, Maria Berenice. Família Homoafetiva. In: ______. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 192-206
DIAS, Maria Berenice. Família Homoafetiva. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 131-152
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O Preconceito & A Justiça. Livraria do Advogado Editora; 2.ª Edição. Porto Alegre. 2001
FARIAS, Cristiano Chaves de Farias; ROSENVALD, Nelson. Introdução aos princípios constitucionais do direito de família. In: ______. Direito das famílias. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 01-105
STF. Relator vota pela equiparação da união homoafetiva estável à entidade familiar. Notícias STF, Brasília, DF, 04 maio 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178787>. Acesso em:20/12/2013
TJRT, 3ª Câmara Cível, Ap. Cível n. 2000.001.10704, rel. Des. Antônio Eduardo Duarte, j. 07.11.2000. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 07 nov 2000; RDTJRJ, vol. 60, p. 102.

Informações Sobre o Autor

Dostoievsky Ernesto de Melo Andrade

Advogado e docente especialista em Direito Civil Processo Civil Ciências Criminais e Direito médico


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