Considerações gerais acerca do juízo de admissibilidade nos recursos especiais criminais

Resumo: Os recursos excepcionais dentre os quais se incluem o especial e o extraordinário possuem função importantíssima para a manutenção da integridade e harmonia do direito federal e constitucional. Entretanto sua utilização de forma impensada por parte dos operadores jurídicos tem gerado um efeito indesejável do ponto de vista teórico qual seja o endurecimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos por parte dos tribunais superiores. Neste trabalho serão estudados mais especificamente as hipóteses de cabimento e os pressupostos de admissibilidade dos recursos especiais criminais dentre os quais alguns genéricos tempestividade e preparo – e outros específicos prequestionamento inviabilidade de reexame de provas esgotamento das vias ordinárias etc. – através de uma abordagem eminentemente prática de forma a conciliar a análise de suas bases conceituais e a maneira com a qual o Superior Tribunal de Justiça vem efetivamente realizando tal exame.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República de 1988 trouxe, dentre tantas outras novidades, a figura do Superior Tribunal de Justiça, órgão de cúpula do Poder Judiciário, a quem foi atribuída a missão de velar pela integridade e uniformidade do direito federal infraconstitucional[1]. No entanto, muito embora apenas efetivamente criado com a Constituição Cidadã, já havia intensa discussão doutrinária acerca de sua necessidade.

No início da década de 1960 era unânime a opinião de que o modelo de acesso ao Supremo Tribunal Federal inviabilizara por completo a racionalização dos trabalhos naquela Corte. O volume de processos que chegava ao Pretório Excelso impedia-o de se debruçar, com a devida serenidade e profundidade, sobre as questões mais relevantes do país[2].

Segundo Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza, coube a José Afonso da Silva, em trabalho pioneiro, o lançamento da proposta de criação de um novo tribunal superior, cuja função seria a de exercer as atribuições de órgão de cúpula e de composição das estruturas judiciárias defeituosas e que deveria ser chamado de Tribunal Superior de Justiça[3]

Os planos do mestre mineiro foram concretizados, inclusive com sua efetiva colaboração quando assumiu a função de Assessor da Assembleia Nacional Constituinte, e no texto final da Carta Magna, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, a quem foi delegada ampla competência originária e recursal, pensando-se ter, enfim, sido solucionada a crise do Supremo.

Especificamente no que concerne aos recursos extremos, dividiu-se as hipóteses de cabimento em dois grandes grupos: a) contra decisão que contrariasse a Constituição caberia recurso extraordinário; e b) contra decisão que contrariasse a lei federal, ou a aplica de forma diversa da interpretação dada por outro tribunal pátrio, caberia recurso especial.

Entretanto, a realidade judiciária acabou por frustrar o objetivo principal que levou a criação do STJ.

Para se ter uma idéia da falência do sistema recursal em análise, somente no ano de 2009 foram distribuídos 75.600 recursos especiais aos ministros do STJ, sem contar os 162.836 agravos de instrumento contra as decisões que inadmitiram recursos especiais nos tribunais de origem. Ou seja, somente os recursos especiais/agravos de instrumento corresponderam a mais de 80% dos mais de 290 mil processos recebidos pelo STJ no ano passado[4].

E não se imagine que a situação do Supremo Tribunal Federal está melhor. Muito embora o número de recursos levados à Corte Suprema venha caindo desde 2008, principalmente após a adoção de mecanismos como a repercussão geral e a súmula vinculante, no mesmo ano de 2009, foram recebidos pelo Pretório Excelso 8.348 recursos extraordinários e 24.301 agravos de instrumento, dado que não pode ser considerado satisfatório, principalmente quando analisadas as demais competências do tribunal[5].

Ou seja, os tribunais superiores vêm sendo verdadeiramente bombardeados com a interposição dos remédios excepcionais, os quais haviam sido pensados unicamente como meios absolutamente extremos para a reforma de decisões.

A utilização indiscriminada dos recursos especiais e extraordinário tem gerado efeitos curiosos e, de certa forma, extremamente nocivos à prestação jurisdicional. Isto porque, diante do número grandioso de causas que chegam às mais altas cortes de justiça do país, e levando-se em conta o pequeno número de julgadores em tais colegiados, os ministros se vêem obrigados a julgar elevado número de causas diariamente, o que, sem dúvida, impede que seja feita uma reflexão mais detida de cada caso.

O objetivo deste trabalho é traçar considerações gerais acerca das hipóteses de cabimento do recurso especial, as quais são previstas em rol taxativo na Constituição de 1988, e dos pressupostos específicos de admissibilidade dos recursos especiais criminais, analisando de que forma tal juízo vem sendo realizado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, principalmente tentando identificar os meios encontrados pelos ministros para dar cabo a este imenso volume de processos recebidos diariamente.

2 OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL[6]

Tanto o recurso extraordinário quanto o especial são considerados recursos de estrito direito e possuem íntima relação com a própria forma federativa de estado, cuja origem inegavelmente remonta à experiência americana, porém cuja adaptação ao modelo brasileiro tem acarretado sérios problemas[7], principalmente devido às peculiaridades da formação da federação brasileira.

2.1 HIPÓTESES DE CABIMENTO

Como muito bem lembra a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, os recursos extremos buscam o exame, por órgãos superiores, de questões exclusivamente jurídicas discutidas nas decisões objurgadas. Desta forma, as hipóteses de cabimento destas espécies de recursos são restritas e vêm definidas expressamente no texto constitucional. Quanto ao recurso especial, determina a Carta Magna, em seu art. 105, que compete ao Superior Tribunal de Justiça:

“III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”

A riqueza terminológica do dispositivo constitucional exige a sua análise de forma pormenorizada.

Em primeiro lugar, cumpre asseverar que a expressão lei federal, conforme o magistério de Rodolfo Camargo Mancuso, engloba: as leis que a CF/88 à competência da União; as outras formas de expressão do direito federal, incluindo aí os decretos, regulamentos, a declaração de guerra ou a emissão de moeda; normas com competência comum ou concorrente que venham a ser elaboradas pelo Congresso Nacional; e o direito estrangeiro que tenha sido incorporado ao ordenamento interno, desde que sem o status de emenda constitucional[8].

É imprescindível também que tenha havido a contrariedade ou a negativa de vigência à norma federal, o que implica, na divergência entre o sentido da lei e a forma de aplicação por parte do operador jurídico e que o recorrente discorra fundamentadamente a respeito de como se deu a violação ao direito federal, não bastando que cite os dispositivo legais afrontados de forma vaga.

Quando fundado na alínea c, do permissivo constitucional, o recurso especial apresenta algumas peculiaridades. Conforme preceituado no art. 541, do Código de Processo Civil:

“Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I – a exposição do fato e do direito;

II – a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.

Ou seja, existem inúmeras regras de cunho formal que vêm sendo usadas com extremo rigor pelo Superior Tribunal de Justiça a fim de não conhecer do recurso. Assim, a mera alegação de que a decisão objurgada difere da prolatada por outro tribunal não basta para ser aberta a via especial. Tem que ser realizado o devido cotejo analítico entre os julgados, de forma que se apontem as similitudes fáticas entre os casos e as conclusões divergentes alcançadas. Sem essa efetiva comparação, não terá sido comprovada o dissídio jurisprudencial nos termos da legislação processual. Ademais, a divergência verificada no âmbito de um mesmo tribunal, não enseja o recurso especial, conforme a súmula n° 13/STJ: “A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial”.

Por fim, é preciso informar que no âmbito penal a hipótese prevista no art. 105, III, b, da Carta Cidadã é absolutamente inaplicável, já que a própria Constituição delegou exclusivamente à União a competência para legislar em matéria penal. Assim, não há como nesta esfera haver divergência entre ato de governo local e lei federal.

3 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL

É comum que a doutrina divida os requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários em gerais (tempestividade, preparo, legitimidade etc.) e específicos (prequestionamento, impossibilidade de reexame de provas etc.). Entretanto, como o objetivo deste trabalho é tratar apenas de aspectos gerais da admissibilidade do recurso especial, tal análise será feita em conjunto e abrangerá apenas parte dos seus pressupostos.

3.1 A EXISTÊNCIA DE UMA CAUSA DECIDIDA EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA POR TRIBUNAL

Muito embora haja discussão, no âmbito do processo civil, sobre o sentido do termo causa[9], quando o recurso versa sobre matéria penal, a controvérsia perde sentido, pois em virtude do próprio direito material em questão, exige-se o prévio pronunciamento jurisdicional sobre o feito levado ao Superior Tribunal de Justiça.

Já no que concerne a necessidade de anterior apreciação do caso por tribunal, há certa divergência sobre a possibilidade de recurso especial contra decisão de turma recursal.

Em 2002, o STJ publicou a súmula n° 203, segundo a qual: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. Entretanto, como muito bem aponta Francisco Monteiro Rocha Júnior., tal entendimento gerou uma classe de decisões imunes ao controle de legalidade. Muito embora haja no âmbito dos juizados especiais federais um órgão de superposição (Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência), o mesmo não ocorre na esfera estadual. Assim, em tese, são irrecorríveis as decisões de turmas recursais estaduais, mesmo quando haja contrariedade à legislação federal infraconstitucional[10].

Cumpre ressaltar que no recurso extraordinário não se verifica tal impasse, já que a redação do art. 102, da Carta Magna, não impõe que as causas tenham sido decididas por tribunal, o que inviabiliza uma interpretação restritiva do acesso ao Pretório Excelso.

É necessário ainda que tenha havido o exaurimento dos meios ordinários de impugnação da decisão. No âmbito penal, como as hipóteses de cabimento dos embargos infringentes são mais amplas do que no cível, tal exigência assume particular relevância.

Segundo o art. 609, do Código de Processo Penal:

“Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária.

Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.”

Ou seja, somente são cabíveis embargos quando a decisão for não unânime e desfavorável à defesa e, a princípio, não pode a parte apresentar o recurso especial se ainda viável o ataque da decisão por embargos. Veja-se o teor do enunciado da súmula n° 207/STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”

Ocorre que podem surgir pontos interessantes na aplicação da súmula. Em abrangendo mais de um réu, sendo cabível a oposição dos embargos por apenas uma das partes, é ônus da outra proceder à interposição do recurso especial dentro do prazo de quinze dias a contar da intimação do julgamento da apelação criminal, e não dos embargos de infringência.

Por outro lado se no acórdão vergastado somente houve divergência parcial, ou seja, apenas em relação a um dos pontos levantados o julgamento foi não-unânime, a questão não é pacífica.

Em sua redação original, o Código de Processo Civil, em seu art. 498, exigia que houvesse a interposição do especial quanto à parte unânime e, simultaneamente, dos embargos quanto à parte não-unânime. Ocorre que em 2001 foi publicada a Lei n° 10.352 que conferiu nova redação ao dispositivo em comento:

“Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos.”

Ou seja, mudou-se o regime de interposição do recurso especial. Se antes seriam dois os recursos especiais – um impugnando a parte unânime da decisão e outro contra o julgamento dos embargos infringentes -, hoje, de forma muito mais racional, suspende-se o prazo até que se possa atacar a decisão através de um único recurso.

Ocorre que, para alguns[11], com supedâneo em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, esta nova regra não se aplica ao processo penal, devendo ser considerada ainda em vigor a antiga súmula n° 355/STF, segundo a qual: “Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fora por eles abrangida”.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a nova regra do art. 498, do Código de Processo Civil, incide também quando o recurso sobre matéria criminal. Por todos, cita-se o voto do Min. Felix Fischer no julgamento do REsp 785.679/MG:

“PROCESSUAL PENAL. RECURSOS ESPECIAIS. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE SIMULTANEAMENTE A RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 498 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO CONHECIMENTO PELO E. TRIBUNAL A QUO DOS EMBARGOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE NOVO APELO NOBRE. INOCORRÊNCIA. NÃO CABIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. VOTO VENCIDO NÃO FAVORÁVEL AO RECORRENTE.

I – Em se tratando de aferição da prematuridade ou não do recurso especial, quando ocorrida a hipótese, na origem, de interposição simultânea de embargos infringentes e recurso especial, deve-se observar a regra inscrita no art. 498 do CPC. (Precedente)

II – Verificado que o primeiro recurso especial interposto o foi, concomitantemente à interposição dos embargos infringentes, inviável se torna o seu conhecimento.

III – Não conhecidos os embargos infringentes e de nulidade, não há interrupção do prazo para a interposição de recurso especial, que visa atacar os fundamentos do acórdão proferido em sede de apelação, posteriormente integrado pelos subsequentes embargos de declaração. Neste caso, só será conhecida a irresignação no ponto em que se impugnar os fundamentos externados no v. acórdão recorrido concernente ao não conhecimento dos embargos.

IV – No presente caso não restou configurada a hipótese de cabimento de embargos infringentes e de nulidade, porquanto o voto vencido proferido em sede de embargos de declaração, em que pese reconhecer omissão no julgado, não acolhia a irresignação do recorrente.

Primeiro recurso especial não conhecido. Segundo parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido”. (REsp 785.679/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJ de 11/09/2006)

Naquela oportunidade, o eminente relator registrou que a alteração advinda com a Lei n° 10.352/2001 aplica-se integralmente aos recursos criminais. In verbis:

“[…] Ou seja, a partir dessa alteração legislativa não mais se verifica a situação na qual a parte, a despeito da interposição de embargos infringentes, ao mesmo tempo interpõe recurso especial da parte unânime do julgado. Contudo, na espécie, foi exatamente como procedeu o recorrente, pois, muito embora tenha concluído pelo manejo dos infringentes, não deixou de, prematuramente, utilizar o apelo especial.

Registre-se que referido recurso foi protocolado no e. Tribunal de origem em 16/12/2003, portanto, quando já vigente a alteração introduzida pela Lei nº 10.352/2001.

Dessarte, implica reconhecer a impossibilidade de se conhecer o primeiro recurso especial interposto, eis que manejado quando ainda pendente julgamento na instância ordinária (embargos infringentes e de nulidade).

Nem se alegue, de outro lado, que a fundamentação ora utilizada teria relação somente com o campo referente ao processo civil. Isso porque a matéria sob enfoque, não esta regulada pelo Código de Processo Penal, nem pela Lei nº 8.038/90, incidindo, portanto, subsidiariamente, as regras do processo civil (ex vi art. 3º do CPP)”.

Assim, mais coerente a posição adotada no STJ, pois trata de forma uniforme os recursos especiais, independentemente da matéria discutida e evita incoerências no sistema recursal.

3.2 DISCUSSÃO DA MATÉRIA PELA CORTE DE ORIGEM

Como já falado, o recurso especial somente pode ser utilizado quando a causa tiver sido julgada em última ou única instância ordinária. Porém, isso não é o bastante. É preciso que haja manifestação expressa do tribunal recorrido acerca da matéria trazida no especial.

Surge daí o chamado prequestionamento, que embora seja alvo de muita confusão por parte dos operadores jurídicos, pode ser resumido simplesmente como a necessidade de enfrentamento pelo tribunal recorrido dos fundamentos sobre os quais será elaborado o recurso. Ou seja, é vedada a possibilidade de se discutir em sede especial matéria que não tenha sido levantada nas instâncias ordinárias[12].

Acaso no tribunal a quo não seja discutida a matéria que o recorrente pretende levar ao STJ, é obrigação deste a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento da matéria. Da mesma forma, não serve para fins de prequestionamento tema tratado unicamente no voto vencido, conforme o enunciado n? 320 da súmula do Superior Tribunal de Justiça: “A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento

É necessário salientar que a jurisprudência tem admitido que não é obrigatório que o tribunal a quo explicite claramente sobre qual dispositivo normativo está sendo discutida a matéria. Basta que, pelo contexto, seja possível a identificação do tema para que seja aberta a via especial. Chama-se tal fenômeno de prequestionamento implícito.

Quando se trata de matéria penal, a obrigatoriedade do prequestionamento da matéria, em nosso entender, pelo menos em relação às teses defensivas, deve sofrer certo abrandamento. É que o art. 654, § 2°, do Código de Processo Penal, impõe ao julgador o dever de conceder habeas corpus de ofício quando verificar que alguém está sofrendo constrangimento ilegal de sua liberdade. Assim, afigura-se no mínimo desarrazoado deixar de apreciar recurso especial defensivo quando possível a concessão da ordem mesmo sem provocação da parte. Assim, muito embora, em regra, se deixe de conhecer do recurso especial, na prática o seu mérito vem sendo analisado a fim de verificar possível nulidade absoluta. Confira-se a ementa de julgado neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 DIAS. INTEMPESTIVIDADE. 1. É intempestivo o recurso especial interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias, razão pela qual não se conhece da irresignação.OCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTUPRO TENTADO. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. DELITO COMETIDO ANTES DA LEI 11.464/2007. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO REGIME SEMI-ABERTO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.1. A despeito de o habeas corpus ser ação constitucional que se presta a repelir constrangimento ilegal de ameaça à liberdade de locomoção (art. 5º, LXVIII, da CF), não é menos certo que o procedimento em tela destina-se à fixação de regime prisional para cumprimento da reprimenda, o qual também influencia na liberdade do indivíduo.2. Tendo em vista a declaração incidenter tantum, pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC nº 82.959/SP), permitindo a progressão de regime aos crimes hediondos, bem como o fato do delito ter sido cometido em data anterior à vigência da Lei 11.464/07, pode ser estabelecido o modo semi-aberto para o resgate da reprimenda, desde que haja o preenchimento dos requisitos legais previstos no Código Penal pelo réu.3. Recurso especial não conhecido. Concessão de habeas corpus, de ofício, para determinar que seja fixado o regime semi-aberto para cumprimento da pena.” (REsp 1.121.794/RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 17/05/2010)

Por fim, deve-se citar, muito embora o tema já tenha sido alvo de inúmeros e ricos estudos, a divergência existente entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça no que se refere ao efeito da oposição dos embargos de declaração[13] para a admissibilidade dos recursos extremos.

Para o Pretório Excelso, uma vez opostos os aclaratórios, mesmo se o tribunal recorrido não se pronunciar expressamente sobre a matéria trazida no recurso, estará superado o óbice do prequestionamento – é o chamado prequestionamento ficto.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça entende que mesmo com o oferecimento dos embargos de declaração, não havendo discussão da corte a quo acerca do tema, mantém-se fechada a via especial. A esse respeito, confira-se o teor da Súmula n° 211/STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal ‘a quo’”

3.3 PREPARO

Compreende-se por preparo, o devido recolhimento pela parte das custas de processamento das ações levadas a análise de alguma causa. No STJ, tais valores são previstos por provimentos administrativos e o seu quantum depende do número de páginas do processo e do estado de origem do recurso. A comprovação de pagamento de tais custas é obrigação do recorrente e o seu descumprimento ou erro dá ensejo ao não conhecimento do recurso.

Entretanto, mais uma vez, em recurso especial criminal, tal exigência sofre restrições. Conforme aponta Bruno Jorge Costa Barreto[14], quando tratar-se de ação penal pública, o recorrente está isento do preparo, entendimento este sufragado pela Corte Superior:

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME SUJEITO À AÇÃO PENAL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL JULGADO DESERTO, PELO TRIBUNAL A QUO, POR FALTA DE PREPARO.1. Em se tratando de crime sujeito à ação penal pública, não se aplica o entendimento de que somente se julgará deserto o recurso interposto após a intimação do recorrido para que proceda ao pagamento das custas devidas.2. Não obstante, não é possível exigir a obrigação de o acusado, nos casos de ação penal pública, efetivar o preparo do recurso especial, à luz do princípio constitucional da não-culpabilidade.3. Precedentes do STJ.4. Ordem denegada nos termos em que foi postulada, porém, concedida de ofício para que o Tribunal a quo, afastada a deserção por falta de preparo, examine a admissibilidade do Recurso Especial interposto pelo ora paciente.” (HC 41.793/PE, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJ de 01/08/2005)

3.4 TEMPESTIVIDADE

Obviamente que não pode o sucumbente dispor de todo o tempo desejado para decidir se pretende ou não interpor o recurso. Neste sentido, a Lei n° 8.038/90 garante o prazo de 15 dias, contados a partir da certidão de publicação do acórdão vergastado, para que a parte possa impugná-lo.

Conforme já mencionado anteriormente, somente é cabível o recurso especial após o esgotamento das instâncias ordinárias. Isso implica que não é viável a interposição do apelo raro enquanto pendente de julgamento embargos de declaração opostos por qualquer das partes. Pensando-se em termos simples, em um processo no qual litigam apenas um autor e um réu, tal regra é de fácil aplicação. Assim, sucumbindo parcialmente o réu na apelação, acaso ele decida opor embargos declaratórios, a via especial ficará fechada para ambos até que seja publicada a decisão referente aos declaratórios. Se o autor interpuser o especial antes disso, somente poderá ver o mérito de sua pretensão julgado caso reitere o pedido recursal após a publicação dos embargos.

Ocorre que em um processo com inúmeros autores e réus, a situação fica um pouco mais dramática. Digamos que haja apenas um réu contendo com nove autores e que o pedido seja julgado improcedente. Um desses autores-sucumbentes decide opor embargos de declaração alegando obscuridade no acórdão em relação a matéria cujo interesse é exclusivo deste embargante. Ao mesmo tempo, os outros oito autores interpõem recurso especial por suposta violação ao Código Penal.

Segundo o STJ, o recurso destes oito recorrentes é extemporâneo, pois ainda não esgotada a via ordinária de impugnação. E ainda mais, mesmo que os embargos sejam desprovidos, caso os autores-recorrentes não se manifestem expressamente acerca do interesse no julgamento, o recurso especial deles não será desconhecido. Esse foi o ponto de vista adotado no REsp n° 1.000.710/RS, da lavra do eminente ministro Luiz Fux:

“TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO PRESUMIDO. INDUSTRIAL-EXPORTADOR. LEI 9.363/96. RESSARCIMENTO DE PIS E COFINS. INSUMOS ADQUIRIDOS DE PESSOA FÍSICA E COOPERATIVAS. IMPOSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO. REPETIÇÃO. RECURSO DO FISCO. AFASTAMENTO DA TAXA SELIC. CRÉDITOS ESCRITURAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO DO CONTRIBUINTE. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE.

1. A oposição tempestiva dos embargos de declaração, ainda que venham a ser rejeitados, interrompem o prazo para interposição de eventual recurso.

2. Destarte, é intempestivo o recurso especial interposto antes da

publicação do acórdão dos embargos de declaração opostos ao acórdão recorrido, salvo se houver reiteração posterior. Precedentes desta Corte: REsp 955.411/SC (DJ 31.03.2008); REsp 939.436/SC (DJ de 07.02.2008); AgRg no Ag 933.062/MG (DJ de 21.11.2007); e AgRg no Ag 851.758/MG (DJ de 19.10.2007).

3. In casu, o acórdão recorrido foi publicado em 19.01.07 (fls. 234) e o contribuinte já havia protocolizado seu recurso especial em 09.01.07 (fls. 247); entretanto, a Fazenda Pública opôs embargos de declaração àquele julgado (fls. 340/343), cujo acórdão só seria publicado em 21.03.07 (fls. 343), sem que o contribuinte reiterasse seu recurso, incorrendo, por isso, em extemporaneidade. (…)

9. Recurso especial do contribuinte não conhecido. Recurso especial da fazenda pública conhecido e provido.” (REsp n° 1.000.710/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 25/09/2009)

Tal julgamento culminou na redação da súmula n° 418/STJ, segundo a qual “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.”

Obviamente que a súmula não é de todo despropositada. Na realidade, ela visa impedir que sejam interpostos recursos especiais contra decisões que ainda podem ser reformadas, em virtude do parcial efeito infringente dos embargos de declaração.

Porém, não se justifica sua incidência quando a matéria trazida nos embargos interessa apenas a subconjunto dos recorrentes, ou mesmo que os mesmos venham a ser julgados e desprovidos.

Do ponto de vista lógico, mesmo sem manifestação posterior à publicação dos o recurso anteriormente interposto merece ser levado ao Superior Tribunal de Justiça? Não conhecer do recurso nestes casos e sob essas alegações demonstra um apego demasiado e irracional a formalismos que há muito deveriam estar extirpados da cultura jurídica nacional.

No caso em análise, o contribuinte ajuizou ação de cobrança em face da União referente a ressarcimento de créditos presumidos indevidamente tributados no curso da década de 90. A ação foi julgada improcedente na 1ª instância, decisão parcialmente reformada pelo TRF1. Ainda irresignado, o autor-contribuinte interpôs REsp em 09/01/2007, porém haviam sido opostos embargos de declaração pela Fazenda Nacional que somente vieram a ser julgados em março do mesmo ano. Assim, diante da não-manifestação por parte do contribuinte do interesse em recorrer, o seu recurso especial deixou de ser conhecido.

Ou seja, muito embora os embargos tenham sido rejeitados unanimemente pela instância ordinária, o recurso do autor foi julgado extemporâneo, mesmo sabendo-se que não houve nenhuma reforma no acórdão recorrido.

Tal entendimento, em nosso ver, está em completo desacordo com os princípios da lealdade processual, da boa-fé e da instrumentalidade das formas.

Além disso, tal prática tem como base construção meramente pretoriana, uma vez que não existe dispositivo legal que imponha ao recorrente o ônus de reiterar suas razões recursais.

Infelizmente, no entanto, tal entendimento já está consolidado no Superior Tribunal de Justiça. A perspectiva é que o tribunal caminhe por esta rota por um bom tempo, principalmente se forem analisados novos julgados s respeito de tema bastante ligado a este, qual seja: a intempestividade de recursos interpostos contra decisões antes de esta ser publicada no órgão oficial.

É bem sabido que atualmente a grande maioria dos advogados utiliza-se quase exclusivamente dos sites dos tribunais para o acompanhamento dos processos de seu interesse. No entanto, os órgãos oficiais de publicação (Diários de Justiça Eletrônicos) não disponibilizam em seus meios de comunicação as decisões de forma tão célere quanto aqueles. Desta forma, muitas vezes os advogados ficam sabendo do teor da decisão antes mesmo da publicação oficial e já interpõem os recursos com base nas informações disponibilizadas na rede mundial de computadores.

No nosso entender, tal prática não traz consigo nenhum malefício, muito pelo contrário, propicia a celeridade processual almejada pela própria Carta Magna. No entanto, o STJ vem considerando extemporâneo o recurso interposto antes da publicação oficial do acórdão vergastado. Veja-se:

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO. PRIMEIRA RECORRENTE: INTERPOSIÇÃO ANTERIOR À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO HOSTILIZADO. RATIFICAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO EXTEMPORÂNEO. SEGUNDO RECORRENTE: INTEMPESTIVIDADE. CONSIDERAÇÃO DA DATA DA POSTAGEM PELO CORREIO. IMPOSSIBILIDADE. AFERIÇÃO PELO PROTOCOLO NO TRIBUNAL DE ORIGEM.I – A primeira recorrente (Maria de Lourdes Sienna) interpôs o recurso especial em 05/06/2007, sendo que o v. acórdão hostilizado somente foi publicado no órgão oficial em 12/06/2007, sem que houvesse, contudo, ratificação posterior. Neste caso, aplica-se o mesmo raciocínio decorrente do entendimento pela intempestividade do recurso especial, interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração, ainda que opostos pela parte contrária, desde que ausente a devida ratificação (Precedente originário: REsp 776.265/SC, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 06/08/2007). Esse entendimento, aliás, encontra respaldo na jurisprudência de ambas as Turmas do c. Pretório Excelso, na qual 'a intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam as publicações dos acórdãos) quanto decorrer de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das duas situações – impugnação prematura e oposição tardia -, a conseqüência de ordem processual é uma só: o não-conhecimento do recurso por efeito de sua extemporânea interposição. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal, também não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto' (AI 653882 AgR/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 14/08/2008 e AI 666984 AgR/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11/09/2008).II – Quanto ao segundo recorrente (Delcides Marangoni), seu recurso é intempestivo, pois a tempestividade da irresignação é determinada pelo protocolo de seu original no Tribunal, e não pela data em que foi postado na agência dos correios (Precedentes). Recursos Especiais não conhecidos”. (REsp 1.103.074/SP, rel. Min Felix Fischer, p. DJe 15/06/2009)

Mesmo no STJ, este entendimento encontra vozes dissonantes, como vê-se no seguinte julgado, da lavra da Min. Fátima Nancy Andrighi:

“Processual Civil. Agravo nos embargos de declaração no agravo de instrumento. Recurso interposto antes da publicação do acórdão impugnado. Tempestividade.– A interposição de recurso anteriormente à publicação do julgado impugnado, em órgão oficial, não acarreta sua intempestividade, em razão da atual tendência de publicidade dos atos decisórios por meio eletrônico, previamente à publicação oficial.Agravo nos embargos de declaração no agravo de instrumento não provido.” (AgRg no EDcl no Ag 1.067.981/SC, rel Min. Nancy Andrighi, p. DJe 05/03/2010)

3.5 O REEXAME DE PROVAS NO RECURSO ESPECIAL

Como já falado anteriormente, o recurso especial não objetiva a discussão de matéria fática, mas sim de matéria estritamente jurídica. No entanto, como definir se a questão trazida no recurso especial é de fato ou de direito? Como lembra Teresa Arruda Alvim Wambier: “rigorosamente, seria impossível fazer-se esta distinção, pelo menos no plano ontológico, já que o fenômeno direito ocorre, de fato, no momento de incidência da norma, no mundo real, no universo empírico”.[15]

Sem dúvidas, na prática forense, o argumento mais utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para não conhecer do recurso especial é a necessidade de reexame do conjunto fático probatório constante dos autos, o que segundo a súmula n° 07/STJ é vedado na via especial: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

No entanto, dentro do estudo dos recursos extremos, definir se um determinado caso exige ou não o reexame das provas é questão das mais tormentosas[16].

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que não exige o reexame de provas a qualificação jurídica de fatos restados incontroversos no acórdão guerreado. Assim, um critério relativamente simples para definir se a pretensão recursal encontra óbice na súmula n° 07/STJ passa pela comparação entre as razões trazidas no recurso e a forma como os fatos foram discutidos no aresto. Se os fatos narrados no recurso são idênticos aos estabelecidos no acórdão, não haverá reexame, mas sim revaloração, das provas. Caso, contrário, se o recorrente busca rediscutir as premissas fáticas definidas no tribunal a quo, o reclamo não merece ser conhecido.

Um exemplo, nesta situação, é de grande valia para o perfeito entendimento do tema.

Digamos que o indivíduo A foi denunciado pela prática de roubo consumado contra a vítima B. Nas instâncias ordinárias, ele foi condenado nos termos da exordial, sob o fundamento de que teria conseguido a posse tranquila da res, o que caracterizaria a consumação do delito. No especial, ele defende a tese da negativa de autoria.

Para saber se tal pleito pode ou não ser analisado na via extrema, é preciso que o recorrente trabalhe a sua tese exatamente sob os fundamentos fáticos estabelecidos no aresto vergastado. Assim, se no acórdão foi dito que o acusado foi apanhado pela polícia no momento em que entrava em um ônibus com a coisa alheia, não pode o recorrente alegar que estava apenas passando pelo local do crime e foi preso por engano. Ora, fixou-se a premissa de que a coisa estava em seu poder, cabe ao recorrente apenas discutir se houve a posse tranquila ou não do bem subtraído, jamais alegar fatos contrários aos estabelecidos no aresto.

Em matéria penal, a doutrina aponta, baseada em precedentes, alguma teses cuja discussão resta inviabilizada em recurso especial por se tratar de matéria fática[17], dentre as quais se destacam: existência de dolo direto, eventual ou culpa em sentido estrito; reconhecimento de erro de fato, de proibição, estado de necessidade ou legítima defesa; exclusão de qualificadoras admitidas no Tribunal do Júri etc.

3.6 O ENFRENTAMENTO DO MÉRITO PELO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA

O juízo de admissibilidade dos recursos especiais é realizado em dois momentos. No primeiro deles, cumpre ao próprio tribunal recorrido, através de pronunciamento de sua presidência ou outro órgão regimentalmente determinado como competente, verificar a viabilidade de remessa do recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça.

Segundo Barbosa Moreira, tal análise deveria ser realizada em status assertionis. Ou seja, não cumpriria ao próprio tribunal recorrido avançar sobre o mérito da causa e analisar o próprio objeto do recurso, sob pena de verdadeira supressão do princípio do juiz natural da causa[18].

No entanto, o que se verifica na prática é a invasão do próprio mérito recursal por parte destes juízos[19], tudo sob as bênçãos do STJ, que em inúmeros precedentes vem admitindo que pode os tribunais a quo analisar o mérito da pretensão recursal. Por todos:

“PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGATIVA DE PROVIMENTO – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL EM QUE SE FUNDAMENTA O RECURSO ESPECIAL – SÚMULA 284/STF – INCURSÃO NO MÉRITO – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 211/STJ – INOCORRÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.1 – A ausência de indicação do dispositivo legal tido por violado, a teor da orientação adotada por esta Corte, impede a apreciação do recurso especial. Aplicação da Súmula 284/STF. Precedente.2 – É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que no juízo de admissibilidade é possível e, muitas vezes, necessário, apreciar o mérito do Recurso Especial. Precedentes (AGA 552.634/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU de 10.05.2004; AGA 295.148/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU de 09.10.2000). (…)5 – Agravo regimental desprovido.” (AgRg nos EDcl no Ag 500.191⁄RS, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, Órgão Julgador, DJ 22.08.2005)

Sob a mesma justificativa, vêm sendo editadas inúmeras súmulas que pretendem unicamente impedir que os recursos especiais cheguem à corte superior. Muito embora entenda-se a sobrecarga de processos que são distribuídos aos ministros do STJ anualmente, a criação irracional de requisitos de admissibilidade não previstos em lei gera conseqüências ainda mais danosas.

Como a decisão que nega seguimento a recurso especial pode ser desafiada por meio de agravo, o que se verifica na prática é uma enxurrada de agravos contra decisões singulares de inadmissão dos recursos especiais. Assim, a jurisprudência defensiva da admissibilidade acaba gerando um outro monstro: os agravos.

É mais do que comum a interposição de agravo de instrumento contra decisões desta natureza. E quando interposto, podem surgir dois caminhos para o feito: o STJ pode reformar a decisão e determinar a subida do recurso, ou confirmar a decisão e não admitir o especial. Porém, neste último caso, cabe ainda agravo regimental. Então, ao invés de ser julgado apenas o recurso especial originário, o STJ se vê diante de, no mínimo, dois novos feitos: o agravo de instrumento e o agravo interno (ou regimental).

4 CONCLUSÕES

O STJ vem desempenhando um projeto pioneiro de virtualização de todos os processos distribuídos no tribunal. Tal tarefa, que tem exigido um esforço hercúleo dos servidores e um grande volume de recursos do orçamento da corte, é extremamente válida, pois tem reduzido de forma dramática o tempo de deslocamento dos recursos dos tribunais de origem para a sede daquele sodalício. Além do mais tem propiciado um maior contato dos advogados com o conteúdo dos autos, já que as peças processuais ficam disponibilizadas na internet para consultar a qualquer hora e de qualquer lugar do planeta.

Contudo, o mesmo STJ vem aplicando medidas absolutamente rígidas no exame da admissibilidade dos recursos especiais.

O endurecimento no exame da admissibilidade do recurso especial, antes de resolver o problema do número de recursos interpostos, apenas desvirtua as bases teóricas do sistema recursal, e no âmbito penal tal postura mostra-se inapropriada, pois, diante do amplo cabimento do habeas corpus, não examinar o mérito do especial apenas significa que a mesma matéria será novamente trazida sob outra forma.

A solução para que ocorra uma verdadeira e gradual redução no número de causas destinadas ao Superior Tribunal de Justiça deve ser encontrada de forma tranqüila e pensada, através da atuação do legislador, como recentemente feito com a promulgação da Lei n° 11.672/2008, que veio disciplinar o procedimento nos recursos especiais fundados na mesma questão de direito e já tem causado algum impacto no número de recursos especiais distribuídos naquela Corte Superior.

De nada adianta se forjarem teses e mecanismos defensivos para evitar o conhecimento dos recursos. Neste sentido, sábias as palavras do mestre José Carlos Barbos Moreira, para quem: “O que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta e é altamente recomendável, toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando motivos de não conhecimento circunstância de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento[20].

 

Referencias
BARRETO, Bruno Jorge Costa. Recurso especial criminal. Leme: J. H. Mizuno, 2009.
BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento? In: Revista Dialética de Direito Processual. 2003, v. 1.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
COUTO, Monica Bonetti. Juízo de admissibilidade e de mérito nos recursos. Revista Forense, n. 394, p. 211-220, nov./dez. 2007.
FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. O juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário exercido pelo tribunal local. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JÚNIOR, Nélson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 9.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário. Disponível em: <.http://professormarinoni.com.br/manage/pub/anexos/20080320041427REEXAME_DA_PROVA_DIANTE.pdf>. Acesso em 16 Set. 2010.
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
PESSOA, Roberto Dórea. Juízo de mérito e grau de cognição nos recursos de estrito direito. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JÚNIOR, Nélson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 10.
RIBEIRO, Antônio Pádua. O duplo juízo de admissibilidade dos recursos e o princípio da economia processual. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 15, n. 2, p. 43-47, fev. 2003.
ROCHA JR., Francisco de Assis do Rego Monteiro. Recursos especial e extraordinário criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SALOMÃO, Luis Felipe. Breves anotações sobre a admissibilidade de recurso especial. Revista Forense, n. 400, p. 617-634, nov./dez. 2008.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Recursos no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Editora Saraiva, 1991.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
 
Notas:
[1] Para uma análise aprofundada acerca do tema, ver TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.), Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991, principalmente os artigos escritos pelos Ministros Carlos Mário da Silva Velloso (O Superior Tribunal de Justiça – Competência originária e recursal) e Ilmar Galvão (Poder Judiciário. Reforma de 1988. O recurso especial no Superior Tribunal de Justiça).

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Superior Tribunal de Justiça e acesso à ordem jurídica justa in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991

[3] FIÚZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Superior Tribunal de Justiça: Guardião do Direito Federal Comum in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991.

[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MODERNIZAÇÃO E GESTÃO ESTRATÉGICA, A.. Relatório estatístico: 2009.. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/relatorioestatistico/article/view/503/496>. Acesso em: 18 Set. 2010.

[5] Informações colhidas diretamente do sítio do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido>. Acesso em 18 Set. 2010

[6] Em virtude do escopo do trabalho, não serão tecidas considerações acerca da teoria geral dos recursos. Sobre o tema, a doutrina processualista brasileira é farta em bons títulos. Por todos: MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V. 15. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, e NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

[7] Acerca do tema: “Os recursos extraordinários estão diretamente, porém não exclusivamente, ligados à forma federativa de estado, tornando-se imprescindível tecer algumas notas a este respeito […]. É importante registrar que, no federalismo americano, três são os elementos basilares: dualidade de ordens jurídicas; intervenção mínima do governo central; e equilíbrio de poderes entre o governo central e os periféricos. Como os Estados soberanos tinham receio da submissão ilimitada ao governo central, fixou-se, na Constituição, a competência do governo nacional de forma enumerada […]. Da coexistência de governos federal e estaduais e do inevitável surgimento de conflitos resultou o princípio da consagração da supremacia do governo federal dentro de sua esfera de atuação. O art. VI da Constituição dos Estados Unidos prescreve que as leis dos Estados Unidos e todos os tratados celebrados ou que se celebram sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do Estado; e os juízes em cada Estado serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário da Constituição e das leis de qualquer dos Estados. Por conseguinte, indispensável foi a criação de um órgão imparcial que controlasse a repartição das competências previstas na Constituição, sendo o guardião do pacto federativo. Essa importante atribuição ficou a cargo de um órgão do Poder Judiciário, a Suprema Corte.
Por meio do Judiciary Act de 1789, criou-se o writ of error dirigido à Suprema Corte das decisões dos mais altos tribunais dos Estados quando: a) se tenha levantado a questão de validade; b) se levanta a questão de validade de uma lei do Estado ou da legitimidade de uma autoridade por ele exercida, em face da Constituição, tratados ou leis dos Estados Unidos, e a decisão é favor da validade; c) se questiona sobre título, direito, privilégio ou isenção reclamada com fundamento na Constituição, tratado, lei ou concessão, e a decisão for contra o título, direito, privilégio ou isenção.” OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 124-126 .

[8] MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso extraordniário e recurso especial. 11. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 244-245

[9] MANCUSO, Rodolfo Camargo. Op. Cit. p. 121.

[10] ROCHA JÚNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro. Recurso especial e recurso extraordiniário criminais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

[11] ROCHA JÚNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro, Op. Cit. pp. 39-40

[12] Obviamente, foge do objetivo do trabalho uma incursão aprofundada no tema. Para tanto, imprescindível se faz a leitura dos títulos: MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009 e BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. In: Revista Dialética de Direito Processual. Vol. 1, 2003, pp. 23-53.

[13] BUENO, Cássio Scarpinella. Op. Cit. pp. 40.

[14] BARRETO, Bruno Jorge Costa. Recurso especial criminal. Leme: J H Mizuno, 2009, p. 29.

[15] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Qustões de fato, conceito vago e sua controlabilidade através do recurso especial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos Polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 449.

[16] Sobre o tema: “O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. 2 Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento, iv) do objeto da convicção, v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções, ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório”. MARINONI, Luiz Guilherme, Reexame da prova diante dos recurso especial e extraordnário. Disponível em < http://www.professormarinoni.com.br/manage/pub/anexos/20080320041427REEXAME_DA_PROVA_DIANTE.pdf> Acesso em 16 Set. 2010.

[17] BARRETO, Bruno Jorge Costa. Op. Cit. pp. 48-58.

[18] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit., p. 608.

[19] Uma visão crítica acerca deste tema pode ser encontrada em BUENO, Cássio Scarpinella. Op. Cit., para quem: “Barbosa Moreira incansavelmente combateu a prática do Supremo Tribunal Federal, seguida à risca pelo Superior Tribunal de Justiça desde sua instalação, acerca do amálgama entre aquelas duas atividades cognitivas, uma logicamente anterior à outra (só se pode afirmar que o recorrente tem razão na exata medida em que os pressupostos de cabimento de seu recurso estejam devidamente preenchidos). É costumeiro ler na jurisprudência dos Tribunais Superiores que não se conhece de um recurso (juízo de admissibilidade) quando, na verdade, está se querendo dizer que dele se conhece mas a ele se nega provimento (juízo de mérito) por não se verificar, in concreto, contrariedade à Constituição ou à lei federal.
O prestigiado jurista carioca indica que esta distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito se impõe pela técnica processual e que o direito positivo, mesmo o constitucional, não pode se sobrepor a esta realidade.
Tanto assim, sempre seguindo a trilha do Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que a Constituição Federal de 1988, ao afirmar que cabe recurso extraordinário ou especial quando a decisão contrariar a Constituição ou contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal não pode ser indicativo de que não há, para estes recursos, uma técnica própria que distinga, com nitidez, o ato de conhecer do recurso e o ato, que lhe é logicamente posterior, de dar ou não razão ao recorrente. Até porque as implicações sistemáticas de não conhecer um recurso e de improvê-lo são diversas: termo a quo da ação rescisória (CPC, art. 495), o órgão competente para seu julgamento, a admissibilidade de eventual recurso adesivo (CPC, art. 500, III) e assim por diante.
Em suma: não é porque a Constituição afirma que o recurso cabe quando a decisão contrariar a Constituição ou quando contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal que não é possível separar dois juízos cognitivos bem diversos, um relativo ao cabimento do recurso (afirmação de que a decisão recorrida violou o direito federal constitucional ou infraconstitucional: aparência ou plausibilidade de violação, portanto) e outro relativo ao julgamento de mérito do recurso (saber se, realmente, a decisão maltratou o direito federal).
Se o recurso extraordinário é recurso antes de ser extraordinário (e isto vale para o especial também) seu formato, seu molde intrínseco e sua técnica são elementos que não podem ser desprezados pelo direito positivo. Por maiores que sejam as transformações do direito positivo, nem por isto elas podem querer se sobrepor à natureza destes recursos e à sua técnica.[19] Se isto acontecer — e evidentemente que isto pode acontecer — de recurso extraordinário já não se tratará. Não, pelo menos, na forma como hoje foi ele desenhado pelo constituinte de 1988. Tratar-se-á, então, de outra figura, que não um recurso extraordinário ou especial. Como se vê, a literalidade do texto constitucional não pode querer subverter a técnica destas modalidades recursais.

[20] Apud SALOMÃO, Luis Felipe. Breves anotações sobre a admissibilidade de recurso especial. Revista Forense, n. 400, nov./dez. 2008, p. 634.


Informações Sobre o Autor

Enio Felipe da Rocha

Analista Processual do Ministério Público Federal, Especialista em Direito Penal


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