O Direito Penal no contexto da obra “Princípios do Direito Internacional” de Hans Kelsen

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Resumo: O presente trabalho científico trata da contribuição que a obra "Princípios do Direito Internacional", de Hans Kelsen, trouxe para o estudo do Direito Penal.[1]

Palavras-chave: Hans Kelsen. Direito Penal. Direito Internacional.

Abstract: This scientific work addresses the contribution that the book Principles of international law" of Hans Kelsen brought to the study of criminal law.

Keywords: Hans Kelsen. Criminal Law. International Law.

Sumário: Introdução. 1. Direito Penal. 2. Direito Internacional. 3. Função do Direito. Considerações finais.

Introdução

A obra Princípios do Direito Internacional de Hans Kelsen, publicada em 1952, teve sua primeira tradução para a língua portuguesa publicada no Brasil pela Editora Unijuí, no ano de 2010. Nesta, o livro mantém a mesma estrutura do original, tendo seu prefácio e seus cinco capítulos precedidos por uma apresentação e uma introdução, escritas, respectivamente, por Arno Dal Ri Júnior e por François Rigaux. A obra teve importante repercussão no que tange ao Direito Internacional, fundamentando a teoria pura do Direito no âmbito das relações internacionais. Entretanto, também teve especial relevância para o entendimento do Direito Penal.

Kelsen busca afirmar que a ordem jurídica mundial estabelece-se de forma unitária, conforme a teoria monista internacionalista, compreendendo que a ordem internacional prevalece sobre as leis elaboradas pelo Direito Nacional, visto que compreende o Direito Internacional como Direito no verdadeiro sentido do termo. A obra de Kelsen teve grande significância na questão que trata dos sujeitos do Direito Internacional que, na visão tradicionalista, eram representados apenas pelos Estados. Kelsen abre margem para a inserção de outras entidades no grupo dos sujeitos, notoriamente, para a inserção do próprio indivíduo, receptor de direitos e obrigações, mesmo que indiretamente, pelas normas internacionais.

O livro se divide em cinco capítulos, antecedidos por um breve prefácio no qual o autor expõe os motivos que o levaram a escrever tal obra, assim como a escolha de seu título, que visa à construção de uma teoria do Direito Internacional por meio da análise de sua estrutura e posição dentro do Direito, elencando seus conceitos fundamentais. Ainda no prefácio, Kelsen comenta a estrutura do livro, que não segue a metodologia tradicional que divide o Direito Internacional em Direito da Paz e Direito da Guerra, visto que ambos situam-se no mesmo patamar jurídico, segundo o autor. Dessa forma, a obra visa tratar do Direito Internacional geral, que abrange todos os povos de todo o mundo, sendo fruto do Direito consuetudinário, ao contrário do Direito Internacional privado, restringido apenas a alguns Estados signatários de tratados específicos que criam normas válidas apenas para as partes. 

1. Direito Penal

O primeiro capítulo, intitulado A natureza de Direito Internacional: delitos internacionais e sanções internacionais, inicia-se pela conceituação de Direito Internacional, compreendido como Direito das Gentes, ou seja, o Direito aplicado a todas as pessoas em todos os lugares. Caracteriza-se, segundo Kelsen, por um conjunto de normas que disciplinam as relações que os Estados estabelecem entre si. Em seguida, o autor lança uma dúvida a respeito da natureza do Direito Internacional, indagando se esta seria a mesma do Direito Nacional no que se refere às normas jurídicas. No decorrer do capítulo, é feita uma explanação a respeito dos conceitos gerais da teoria pura do direito para, em seguida, ser feita uma equiparação desses conceitos próprios do Direito Nacional ao Direito Internacional.

O Direito é compreendido como uma ordem social e a função desta é induzir os indivíduos a não cometerem certas condutas compreendidas como desfavoráveis à sociedade, assim como o contrário também é válido, quando os indivíduos são levados a praticarem certos atos tidos como úteis à sociedade. A obediência aos ditames morais dessa ordem pode ser voluntária ou involuntária, sendo esta caracterizada pela sanção emanada por uma autoridade competente no âmbito da referida ordem social.  Essa sanção induz o indivíduo ao cometimento ou não de uma conduta por meio de uma ameaça de privação de determinado bem jurídico. Dessa forma, a norma que proíbe a conduta de matar alguém induz os indivíduos a não matarem, mediante a ameaça de um mal futuro, que pode ter efeito na forma da privação da vida – pena capital -, privação da liberdade – pena de prisão -, privação da propriedade – pena de multa -, entre outros. Esse tipo de ordem social é uma ordem coercitiva, que pode ser exemplificada pelo Direito, visto que as sanções têm função de coerção. A conduta sancionada é denominada ‘delito’ e o indivíduo responsável por sua execução, ‘delinquente’. Já a conduta induzida pelo Direito é denominada ‘obrigação’, que simboliza a atribuição de uma conduta a um indivíduo específico, que o torna sujeito à sanção. A obrigação difere-se de ‘responsabilidade’, que é atribuída mesmo quando o sujeito age sem culpabilidade, ou seja, sem o dolo malicioso ou sem negligência, mas por acidente.

As normas jurídicas não são instruções, pois o direito prescreve, permite, confere poder ou competência, mas não ensina. A ordem jurídica segue o princípio da imputação, não o da causalidade, portanto, trabalha com a deontologia, o dever ser. Sob esse aspecto, um indivíduo que comete um delito deve ser sancionado, o que não significa que efetivamente o será. Assim, se determinada conduta é tida como delito, o indivíduo tem a obrigação jurídica de se comportar de forma contrária àquela conduta para que não receba uma sanção.

A comunidade tem o monopólio da força, o que significa dizer que o uso da força física está restrito à comunidade jurídica, por meio da sanção. Assim, se um indivíduo priva outro de sua liberdade, está cometendo um ato ilícito, entretanto, se a norma estabelece que um indivíduo que empreendeu determinada conduta deve ter sua liberdade privada, essa norma não configura um ilícito, mas uma prescrição lícita e aceita. O monopólio pode ser centralizado, quando a ordem jurídica atribui funções a órgãos competentes que detêm o direito a sancionar aqueles que forem responsabilizados por um delito; ou descentralizado, quando todos os indivíduos têm o direito de emitir sanções àqueles que os prejudicaram através de um delito, ou seja, quando se permite que se faça justiça com as próprias mãos. Sob esta força descentralizada, caracterizada pelo chamado princípio da autoajuda, o Direito pode autorizar ou obrigar indivíduos que não tenham sido diretamente afetados pelo delito cometido a sancionarem o delinquente. Assim, numa ordem centralizada, a segurança coletiva se manifesta de maneira mais efetiva.

A comunidade jurídica só pode concretizar-se quando os indivíduos respeitam os bens jurídicos dos outros. Tal qual a teoria contratualista, os indivíduos apenas saem do estado de natureza e formam a sociedade civil quando cada indivíduo coloca sua vontade individual sob a vontade de todos, renunciando ao seu direito sobre todas as coisas. Ao atribuir apenas a alguns órgãos da comunidade o direito ao uso da força, a ordem jurídica não visa regular a sociedade através do uso da força, mas regular o uso da força dentro da sociedade e assim, o Direito garante a paz. 

2. Direito Internacional

No âmbito do Direito Internacional, fala-se também em delitos, ou seja, condutas realizadas pelos Estados que são compreendidas como contrárias à ordem jurídica internacional. Ao se admitir que exista um Direito Internacional, admite-se que existe uma ordem jurídica internacional, e sendo ordem jurídica, induz seus sujeitos, os Estados, a não cometerem condutas que lhe contrariem, permitindo a execução de um ato de força socialmente organizado, autorizado pela "comunidade jurídica mundial". Assim, Direito Internacional é Direito no verdadeiro sentido do termo, visto que é uma ordem coercitiva, prevendo sanções socialmente organizadas como reações a práticas de delitos. Quando um Estado tem seus interesses afrontados por outro Estado, aquele está autorizado a interferir nos interesses deste, algo que, em circunstâncias normais, não seria permitido. Contudo, as sanções previstas pelo Direito Internacional diferem-se das sanções do Direito Nacional. Estas são a pena e a execução civil, enquanto as sanções internacionais são representadas pelas represálias e pelas guerras. Represálias são atos excepcionalmente permitidos como reação de um Estado à violação de seus direitos por outro. Difere-se de retorção, porque implica emprego da força física, portanto, tem caráter coercitivo. A represália implica interferência limitada aos interesses de um Estado, enquanto a guerra seria uma ação direcionada por um Estado contra outro Estado, caracterizando uma interferência ilimitada no domínio de interesses deste através do uso da força armada. É importante ressaltar que a guerra deve ser justa (bellum justum), ou seja, só é permitida na ocasião em que houver uma violação às normas do Direito Internacional, não podendo ser perpetrada por motivos que não a reação a uma violação anterior.

Um Estado tem a permissão para reagir à violação perpetrada por outro Estado. Esta violação é um delito internacional e a reação que se segue é uma sanção imposta pelo próprio Estado ofendido. Percebe-se, aqui, uma diferença fundamental entre o Direito Nacional e o Internacional: este é guiado pelo princípio da autoajuda, sendo uma ordem jurídica descentralizada, enquanto aquele é profundamente centralizado, tendo suas sanções impostas por órgãos especializados, não pelos indivíduos diretamente. Entretanto, ambos são ordens normativas das condutas humanas, pois obrigam pessoas direta ou indiretamente.

O segundo capítulo do livro vem tratar dos fundamentos de validade do Direito Internacional, o domínio espacial, temporal, pessoal e material. O Direito Internacional geral é uma ordem normativa, portanto, é um sistema de normas válidas. As esferas de validade do Direito Internacional diferem-se dos âmbitos de validade do Direito Nacional, porque estes são limitados espacial e temporalmente, enquanto aquelas são ilimitadas, sendo aplicáveis a todos os territórios, em todo o tempo, a todas às pessoas. Entretanto, quanto ao domínio pessoal, não há diferença entre o Direito Internacional e o Nacional, visto que para ambos, os sujeitos essenciais são as pessoas, seres humanos individuais. A ordem jurídica nacional determina diretamente os indivíduos que devem cumprir certas obrigações ou exercer os direitos de acordo com sua conduta, enquanto a ordem internacional deixa a serviço da ordem nacional a determinação dos indivíduos cujas condutas requerem direitos e obrigações internacionais. Ao se impor obrigações e direitos a Estados ou pessoas jurídicas, as normas internacionais estão, indiretamente, impondo obrigações e direitos a pessoas individuais.

Quanto ao domínio material, há uma dúvida quanto à separação das competências entre o Direito Internacional e o Nacional, se há assuntos que devem ser apenas regulados pela ordem internacional ou apenas pela ordem nacional, conforme sua natureza. Entretanto, Kelsen entende que não há temas que sejam de competência exclusiva do Direito Interno, estando todos suscetíveis à regulamentação pelo Direito Internacional, cuja competência é ilimitada. Assim, o Direito Nacional absorve, integra normas de Direito Internacional em sua Constituição, o que pode ocorrer a partir da adoção de direitos previstos em tratados, por exemplo. Quando isso ocorre, o Direito Internacional não precisa mais interferir no direito doméstico de um Estado, entretanto, isso não retira sua competência sobre tais assuntos.

3. Função do Direito

O capítulo seguinte vem tratar do tema da função essencial do Direito Internacional. Entende-se que o Direito Internacional, em regra, obriga indivíduos indiretamente, através das obrigações que impõe ao Estado, que as cobrará dos indivíduos por meio da ordem jurídica nacional. Apenas excepcionalmente o Direito Internacional pode obrigar um indivíduo diretamente.

Existe uma discussão quanto ao Direito Internacional ser ou não superior ao Direito Nacional. É importante destacar que, mesmo que não houvesse essa superioridade e se considerasse o Direito Internacional como parte do Nacional, o Estado em si estaria sujeito ao Direito que adere, seja ele Internacional ou ao seu próprio Direito Nacional. Assim, percebe-se que as ordens jurídicas nacionais admitem os domínios de validade da ordem jurídica internacional.

Entende-se que um Estado que interfere no direito territorial de outro estaria violando o direito deste, pois o Direito Nacional está limitado pelas suas esferas de validade. Contudo, isso não acontece com o Direito Internacional, pois seus sujeitos são os próprios Estados, que se encontram subordinados aos seus domínios de validade. Essa delimitação é a função específica do Direito Internacional, pois é ele que determina as esferas de validade da ordem nacional.

São três os elementos constitutivos do Estado: seu território, povo e poder. Quanto ao primeiro aspecto, discorre-se que a unidade do Estado deriva da sua unidade jurídica, não geográfica, visto que mesmo que o território não seja contínuo, a ordem jurídica nacional ainda teria validade por toda a sua extensão. Contudo, essa validade da norma nacional é limitada, visto que se restringe apenas ao espaço do Estado, ao contrário do Direito Internacional, cuja validade atinge todo lugar, tendo um domínio ilimitado. É o Direito Internacional que autoriza o Estado a exercer sua ordem jurídica nacional no domínio que lhe compete, dentro de suas fronteiras, onde ele é soberano. Todos os Estados estão obrigados a respeitar a integridade territorial do outro Estado, tendo de se abster de realizar determinados atos dentro dos limites alheios. Um Estado pode ser considerado “impenetrável”, mas existem exceções a essa regra, como nos casos de agentes diplomáticos em missão, por exemplo.

O povo, elemento pessoal de um Estado, representa um conjunto de pessoas que residem dentro dos seus limites territoriais. O individuo pertence ao povo de determinado Estado se ele estiver incluído no domínio pessoal de validade de sua ordem jurídica. O Estado, do mesmo modo que só possui parte do espaço mundial, também só possui parte da humanidade. E esse domínio pessoal da ordem jurídica nacional também é determinado pelo Direito Internacional, mas apenas de maneira indireta, quando fixa o território do Estado. Entende-se que nenhum Estado tem jurisdição sobre outro, ou seja, nenhum Estado deve exercer sua jurisdição em outro por intermédio dos seus próprios tribunais, exceto quando houver consentimento.

O poder trata do domínio material de validade da ordem jurídica nacional, ou seja, do objeto sob a competência da ordem normativa nacional, os assuntos que podem ser por ela abrangidos. Percebe-se que ela visa regular a conduta humana, limitando em diferentes graus a liberdade dos indivíduos.

O quarto capítulo aborda o tema da criação e aplicação do Direito Internacional, abrangendo a questão de suas fontes, conflitos entre normas, métodos de resolução desses conflitos e lacunas normativas. Entende-se que a expressão “fonte” do Direito é ambígua, visto que designa não apenas diferentes métodos do direito, como também é utilizada para caracterizar a razão da validade do Direito.

Assim como no Direito Nacional, o Direito Internacional possui uma ‘Constituição’, mas em sentido figurado. No âmbito do Direito Nacional, a Constituição é uma norma que dá as diretrizes e encaminhamentos gerais necessários à formação do Estado. Dessa forma, a norma que regula a criação de outras normas é hierarquicamente superior às demais, estando no topo da pirâmide que representa o ordenamento jurídico. Devido a isso, a Constituição de um Estado é tida como a fonte primeira do Direito daquela nação.

No que trata do Direito Internacional, entendem-se como suas principais fontes os costumes e os tratados, que simbolizam, respectivamente, o Direito Internacional consuetudinário geral e o Direito Internacional convencional particular, sendo ambos fontes descentralizadas de criação de direitos. Já no Direito Nacional, fala-se em fontes centralizadas, representadas, acima de tudo, pela legislação. O Direito consuetudinário é o Direito Internacional geral, que é aplicado a todas as pessoas em todos os lugares, enquanto o Direito Privado é aquele estabelecido pelos tratados, visto que se aplica apenas a alguns Estados, tendo caráter restringente.

Quando os Estados entram em conflito, busca-se solucioná-lo a partir de acordos diplomáticos, que consistem numa série de mecanismos que promovem a solução de litígios através de negociações entre as partes envolvidas ou com a intervenção amigável de terceiros, estranhos ao conflito. A resolução pacífica apenas entre as partes chama-se negociação e com a intervenção passiva ou ativa de terceiros chama-se mediação ou bons ofícios. Outra possibilidade de solução pacífica ocorre quando os entendimentos das partes são submetidos a uma comissão internacional de inquérito, que seria estabelecida em acordo pelas partes litigantes. Pode-se falar, também, em comissão de conciliação, que não apenas averigua os litígios, mas faz sugestões e recomendações para a forma de solução destes.

O litígio também pode vir a ser submetido a um tribunal internacional, pressupondo acordo entre as partes, ou a um Conselho, situação em que este ficaria autorizado a expedir uma recomendação às partes. Nos casos de solução por via de um tribunal internacional, esta pode se dar por meio da arbitragem ou pela solução judicial. Para que se executem as decisões desses tribunais, é necessário que os Estados estejam submetidos a eles, assumindo a responsabilidade de seguir a decisão tomada. A não observação da decisão pelas partes litigantes constitui delito internacional, sujeitando as partes a medidas coercitivas autorizadas pelo Direito Internacional geral.

Considerações finais

Kelsen defende a teoria do monismo jurídico, na qual haveria apenas um Direito mundial, porque a ordem nacional e a ordem internacional teriam uma unidade.

Sendo o Direito Internacional um Direito no verdadeiro sentido do termo, ou seja, tendo verdadeiro caráter jurídico, equipara-se ao Direito Nacional, visto que não é possível, segundo Kelsen, que existam dois sistemas de normas diferentes, mas igualmente válidos nos mesmos âmbitos temporal, material, espacial e pessoal. Concordar com a existência de dois sistemas distintos entre si e válidos da mesma forma seria concordar com a existência de duas normas simultâneas sobre o mesmo tema, sendo que uma prescreve um dever ser e a outra um não dever ser. Assim, entender uma ordem internacional distinta da ordem nacional seria permitir as antinomias, as contradições entre normas, porque, sendo as duas ordens aplicadas para as mesmas pessoas, teriam os mesmos âmbitos de validade. A existência de uma ordem internacional e uma nacional é uma proposição incompatível, visto que Kelsen entende que a existência de conflitos insolúveis entre o Direito Internacional e o Direito Nacional é impossível. Assim, passa-se a uma análise dos dois sistemas, que se integram através de uma relação de coordenação ou de subordinação. A coordenação supõe que os dois ordenamentos estão em um mesmo patamar, não havendo uma relação de superioridade/inferioridade, sendo que ambos subordinam-se à norma fundamental. Já a relação de subordinação não compreende os dois como iguais, mas o sistema internacional seria superior ao nacional, de forma que o fundamento de validade deste deriva daquele. Kelsen compreende que o monismo internacional é fruto dessa relação de subordinação, na qual tanto a ordem jurídica nacional quanto a internacional seriam igualmente válidas sob o ponto de vista do positivismo, mas reconhecer o Direito Internacional como superior configura uma postura objetivista.

O monismo de Kelsen, ao apregoar a unicidade da ordem jurídica, compreende o Direito Internacional como a própria norma fundamental, pois é sob o primado dele que surgem todos os Direitos Nacionais. Assim, o Direito Internacional é hierarquicamente superior ao Direito Nacional, que deve submeter-se a ele. Esse entendimento deriva do princípio pacta sunt servanda, que obriga os Estados a cumprirem as normas ditadas pela ordem jurídica internacional. A norma internacional sempre está acima da norma nacional, e, em casos de desentendimento entre elas, é aquela que deve prevalecer. Portanto, é o Direito Internacional que determina os domínios de validade de cada Direito Nacional, excluindo a soberania dos Estados ao limitá-la por suas normas, visto que a soberania conceitua-se como autoridade jurídica suprema.   

A teoria kelseniana foi fundamental para o estabelecimento da relação, por vezes ignorada, entre o Direito Internacional e o Interno. O fato da ordem jurídica internacional ser anárquica, portanto, descentralizada e não submetida a nenhum órgão hierarquicamente superior, torna difícil uma equiparação à ordem jurídica nacional. Entretanto, ao alegar a subordinação da ordem nacional à internacional, Kelsen integra com primor os dois sistemas, conferindo a um princípio do Direito Internacional o caráter de norma fundamental. Sabe-se que o monismo internacionalista é aceito por vários Estados, como a França, mas a teoria dualista, que encara a ordem internacional como algo diferente da ordem nacional, não admitindo sua unicidade, também é aplicada por outros Estados, como ocorre no Brasil. O fato do Estado poder escolher se seu Direito Nacional tem ou não proeminência sobre o Direito Internacional revela uma autonomia daquele, que tem a liberdade de ser ou não soberano. Kelsen busca fazer uma teoria pura do direito, portanto, sem a interferência de qualquer valor, para, então, atingir a cientificidade. Assim, o autor ignora o fato de poder haver várias normas valorativas contraditórias entre si ao admitir a unidade do ordenamento. Esse relativismo dos valores é base para toda sua doutrina, que se fundamenta ao considerar a diversidade cultural, não sendo possível admitir a questão valorativa como âmbito de validade para a ordem jurídica.

 

Referência
KELSEN, Hans. Princípios do Direito Internacional. Tradução de Gilmar Antonio Bedin e Ulrich Dressel. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Luiz Henrique Urquhart Cademartori. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Direito pela UFSC e pós-doutorado pela Universidade de Granada – Espanha. Professor permanente da UFSC.


Informações Sobre o Autor

Camila Damasceno de Andrade

Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina UFSC


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