A influência midiática nos processos de criminalização e sua contribuição para a seletividade do sistema penal

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Resumo: Com a expansão dos meios de comunicação em massa, a população passou a estar cada dia mais informada. Por outro lado, os efeitos dessa massificação na seara penal são altamente prejudiciais, uma vez que não raras vezes as informações são distorcidas, criando no expectador falsas premissas. O presente trabalho tem como foco essa influência da mídia no sistema penal atual, considerando seus efeitos nefastos em cada um dos processos de criminalização. Para tanto, analisar-se-á como é possível verificar essa ingerência, passando pela criminalização primária e secundária, utilizando-se de exemplos práticos ocorridos no Brasil. Além disso, será brevemente explicitado a forma de contribuição da mídia para a seletividade do sistema penal, uma vez que a abordagem dos meios de comunicação se diferencia a depender do tipo de crime, da vítima e do autor do delito, sendo a mídia uma das formas de controle social difuso. Nesse ponto serão utilizados os estudos da Criminologia Crítica, ao efeito de demonstrar que além da abordagem midiática ser seletiva, ela também contribui diretamente para a atuação seletiva do sistema penal, criando estereótipos e deturpando paradigmas.

Palavras-chave: mídia, processos de criminalização, seletividade, sistema penal, influência.

Abstract: With the expansion of the means of mass communication, the population began to be increasingly reported. Moreover, the effects of mass in criminal harvest are highly detrimental since it is not uncommon information is distorted in the viewer creating false assumptions. This work focuses on the influence that the media present in the penal system, considering its adverse effects in each of the processes of criminalization. To do so, it will examine how such interference can verify, through primary and secondary criminalization, using practical examples occurred in Brazil. Furthermore, it will be briefly explained how the contribution of media to the selectivity of the penal system, since the approach of the media differs depending on the type of crime, the victim and the offender, being one of the media diffuse forms of social control. This point will be used in studies of Critical Criminology, the effect of showing that in addition to traditional media be selective, it also directly contributes to the selective action of the penal system, creating stereotypes and misrepresenting paradigms.

Keywords: media, processes of criminalization, selectivity, penal system, influence.

Sumário: Introdução. 1. A mídia e seus efeitos deletérios. 2. A influência da mídia nos processos de criminalização. 3. A contribuição da mídia para a seletividade do sistema penal. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Com o advento da globalização, tornou-se inevitável a potencialização do acesso aos meios de comunicação em massa, bem como a busca crescente por informações por parte da população em geral. Nesse panorama, as notícias ligadas aos crimes sempre despertaram e sempre despertarão grande curiosidade popular. A mídia, por sua vez, como mecanismo informacional, busca transmitir as notícias que entende atrair mais a atenção do público, sem ponderar que exerce um influente papel difusos de ideias, pensamentos e estereótipos.

É no estudo desse potencial influenciador, que o presente trabalho se concentrará. Isso porque, ao analisar os graduais processos de criminalização, é possível identificar claramente a referida influência. A mídia como formadora de opinião, não exerce esse múnus com a responsabilidade devida. Por outro lado, os agentes políticos, que não deveriam ceder a apelos midiáticos, acabam, na ânsia de não desagradar à população, adotando medidas cada vez mais coercitivas e rígidas para punir aqueles que cometem delitos.

Primeiramente, na criminalização primária, verificar-se-a através de exemplos práticos, como a mídia tem o condão de influenciar na seleção dos bens jurídicos a serem tutelados, atuando fortemente no plano legislativo. Outrossim, no que tange ao processo de criminalização secundária, é clarividente, que a atuação das instâncias oficiais é muitas movidas pelo clamor público difundido pela pressão midiática. Muitas vezes, a opinião pública, divulgada pelos meios de comunicação faz um pré-julgamento, cabendo ao Juiz apenas chancelar tal decisão, sob pena de sofrer execração pública.

Além disso, é possível identificar que a mídia, assim como o sistema penal atual, é altamente seletiva, uma vez que as notícias transmitidas têm intenção de manipular a opinião pública. Não raras vezes, pessoas que são apontadas como autoras de determinados crimes, após serem submetidas ao devido processo legal são inocentadas. Ocorre que, tais notícias já causaram extremo mal e desconforto àquela pessoa injustamente acusada, porém noticiar sua absolvição não gerará audiência.

O estardalhaço da mídia, em determinados casos, escolhidos de acordo com a possibilidade de grande audiência, acabam atrapalhando investigações e influenciando testemunhas e até mesmo futuros jurados. Tudo isso, sem mencionarmos as notícias equivocadas, que produzem efeitos deletérios no sentimento de justiça da população. Aliás, a mídia apenas alimenta sentimentos como de impunidade, insegurança, e injustiça, fazendo com que a população esteja sempre pugnando por leis mais rígidas, prisões mais antecipadas possível, processos mais céleres e com menos garantias, o que causa .

A cobertura midiática em casos de grande repercussão, faz com que tudo vire um espetáculo violador das garantias mais comezinhas dos acusados em geral. A liberdade de informação, nesse momento se choca geralmente com o princípio da presunção de inocência. Isso porque, a divulgação de casos de forma sensalionalista, acaba criando certezas aos olhos da população, contribuindo para a ideia de que os suspeitos não possuem direitos e devem ser presos a qualquer custo.

Toda essa problemática será analisada sucintamente no presente trabalho, buscando fazer um análise crítica dessa forma de controle social difuso e demonstrar seus inúmeros efeitos deletérios ao sistema de justiça penal.

1 A MÍDIA E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS

 Atualmente, a utilização dos meios de comunicação como formadores de opinião pública tem tomado proporções grandiosas. No entanto, essa prática não é tão recente quanto parece. No século XVII restou evidenciada a importância desse papel social com o advento da institucionalização da imprensa moderna.

Superada essa premissa, tem-se que a exposição midiática de determinado caso, de forma sensacionalista, produz um sentimento generalizado de que todos foram atingidos. Com isso a própria norma é reforçada, criando uma justificação simbólica, em forma de legitimação do sistema penal em voga.

Com efeito, o direito à liberdade de pensamento, por meio de atividade artistica, cientifica, intelectual ou de comunicação, previsto como direito constitucional, assim como dos demais direitos, não é absoluto, devendo conviver com harmonia com os direitos à vida privada, ao devido processo legal, à intimidade e honra, à imagem, entre outros. É possível afirmar, inclusive, que dentre todos esses direitos, o direito de se expressar é o que mais deve sofrer limitação, uma vez que, por exercicio de ponderação, é perceptível que possui maior campo de relativização.

Nesse cenário, nota-se que nos últimos tempos, com a massificação dos meios de comunicação, cada vez mais as pessoas buscam por mais e mais informações, sobre tudo e sobre todos. Além disso, as notícias relacionadas ao Direito Penal sempre atraem o público, principalmente quando se trata de crimes de grande repercussão.

A mídia, por sua vez, não poupa esforços para atender à curiosidade de seus expectadores, buscando veicular o maior número de imagens possível, trazendo os mais variados tipos de informação, sem se importar com as vítimas e seus familiares, que estão revivendo todo o suplício mais uma vez, e menos ainda com os supostos autores do crime. Aliás, esses últimos, geralmente são os mais atormentados, porque tem seu nome, endereço, profissão, estado civil, imagem, sendo, normalmente perseguidos por uma legião de repórteres. Começam aqui, os efeitos deletérios da exposição midiática. Mesmo após privados de liberade, continuam a ser procurados pela mídia. Sobre o assunto acrescenta Mirabete[1]:

“Prejudicial tanto para o preso como para a sociedade é o sensacionalismo que marca a atividade de certos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão, etc). Noticiários e entrevistas que visam não a simples informação, mas que tem caráter espetaculoso, não só atentam para a condição da dignidade humana do preso como também podem dificultar a sua ressocialização após o cumprimento da pena”.

Essa pressão começa atingindo o telespectador, lhe causando sensações como de impunidade e insegurança e fazendo com que tenham sentimentos de vingança e exijam maior ação punitiva do Estado. O Estado, por sua vez, pressionado pela população começa a se movimentar a fim de, por meio de leis, encarceramento em massa e penas rigorosas acalmar o clamor popular.

Por derradeiro, esse clamor, maximizado pela mídia, alcança o Poder Judiciário, que, encurralado, determina prisões ilegais, indefere pedidos de prova, violando todos os tipos de garantias processuais do acusado. Nesse momento, o suspeito já está julgado, sem antes ter se submetido ao devido processo legal.

Assim, conforme lição de Eduardo Viana P. Neves “é perfeitamente possível afirmar que ela (mídia) deixa de transmitir a realidade e passa a ser produtora da realidade.”[2]

2 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NOS PROCESSOS DE CRIMINALIZAÇÃO

A partir do desenvolvimento das diversas escolas de sociologia criminal, a Criminologia Crítica rompeu com o anterior enfoque biopissicológico, passando a defender que as causas da criminalidade advém dos mecanismos institucionais e sociais, por meio dos quais é construída a realidade social do desvio. Nesse ínterim, a mídia surge como forma de controle social difuso, repercutindo em cada uma das fases dos processos de criminalização e contribuindo sobremaneira com a seletividade do sistema penal. Explica Baratta[3]:

“Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é “um bem negativo” distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-economico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos”.

Com efeito, o enfoque macrossociológico abandona o comportamento desviante e passa para os mecanismos de controle social, em especial o processo de criminalização, que sofre forte influência midiática como veremos.

Assim, considerando o Direito Penal como um sistema com funções dinâmicas, é possível abordar três mecanismos distintos, quais sejam: o mecanismo que produz as leis (criminalização primária), o mecanismo que aplica as leis, ou seja, o devido processo penal, que compreende a ação investigativa e culmina com a decisão (criminalização secundária) e enfim, o mecanismo que executa a pena ou as medidas de segurança.

Em cada um desses mecanismos é possível identificar como se dá a influência nefasta dos meios de comunicação, uma vez que a mídia, de uma forma geral, apresenta uma imagem esteriotipada da criminalidade e também do criminoso, contribuindo para ideias punitivistas.

Primeiramente, quando falamos da criminalização primária, podemos afirmar que ela ocorre no momento da escolha pelo legislador acerca de quais bens jurídicos serão protegidos, ou seja, ela se dá no momento da edição das leis. Nessa oportunidade, ocorre a primeira seleção, para o fim de determinar quais serão as condutas tipificadas e a quantidade da pena.

O que acontece é que essa escolha que deve ser feita pelo legislador tendo como base a premissa de direito penal fragmentário, de proteção apenas dos bens considerados mais relevantes, geralmente não é uma escolha objetiva. Aqui é possível identificar intensa influência midiática, atuando como verdadeira legisladora. Infelizmente, no Brasil temos muitos caos emblemáticos que comprovam essa nefasta influência.

Foi o que aconteceu no emblemático e trágico caso do sequestro do empresário Abilio Diniz, ocorrido em 1989, que fez com que o Brasil editasse uma das leis mais midiáticas e simbólicas de sua história, a Lei Federal nº 8.072/90, a famigerada Lei dos crimes hediondos. Sobre o assunto, Zaffaroni e Pierangeli[4], aduzem:

“Menos de 2 anos após a Constituição Federal de 1988, o legislador ordinário, pressionado por uma arquitetada atuação dos meios de comunicação social, formulava a lei 8072/90. Um sentimento de pânico e de insegurança – muito mais produto de comunicação do que realidade – tinha tomado conta do meio social e acarretava como consequência imediatas a dramatização da violência e sua politização.” (grifei)

Dentre muitos outros exemplos temos os casos Daniela Perez e da missionária norte-americana Dorothy Stang. Além desses, o caso mais recente é o do PLS 204/2011, que visa incluir os delitos contra a administração pública como crimes hediondos, aumentando suas penas e dificultando a concessão de benefícios. Claramente movido pela comoção da mídia acerca do caso “mensalão” (Ap 470), um senador apresentou o referido projeto de lei que já foi aprovado no Senado.

Em um segundo momento, no que tange à criminalização secundária, temos que consiste na atuação das agências formais para a aplicação da lei, tratando-se de uma questão de subsunção, uma vez que apenas a previsão legal de determinada conduta como crime, não tem como assegurar, de plano, sua observância.

Desta feita, a polícia, o ministério público e os juízes, que são os agentes da criminalização secundária, devem desempenhar suas respectivas tarefas, que são de investigar os delitos, acusar eventual suspeito e sentenciar após o devido processo legal.

Mais uma vez, a influência da mídia é observada em cada uma dessas fases, senão vejamos. No momento investigativo, a pressão midiática aliada ao desespero de vítimas e familiares, exige uma atuação desarrazoada da polícia, visando prender o suspeito a qualquer custo, a sociedade clama por uma resposta e ela tem que ser imediata.

Recentemente tivemos um exemplo do que a pressão da opinião pública pode causar. No Paraná, o “caso Tainá” ganhou repercussão nacional. Uma menina de 14 anos foi encontrada morta com suspeita de ter sido estuprada. Dias depois, quatro homens foram presos, pois segundo a Polícia haviam confessado o crime.

Após um exame pericial que comprovou que a menina não tinha sido violentada, foi descoberto que a Policia havia torturado os quatro suspeitos em busca da consissão. Meses depois, o MP apresentou denúncia contra 21 pessoas suspeitas de terem torturado os quatro homens apontados pela Polícia Civil como autores da morte da adolescente Tayná Adriane da Silva.

Esse é apenas um exemplo, mas existem muitos outros de casos que ganharam grande repercussão na mídia, e acabaram fazendo com que as agências formais de aplicação da lei, ignorassem os direitos e garantias dos acusados. O que começa já na investigação, acaba com o pré-julgamento de determinada pessoa, fazendo com que o Juiz apenas chancele essa decisão, sob pena de ser execrado pela opinião pública.

Exemplo recente de influência da mídia no julgamento de acusados, é o famoso “caso do mensalão”, em que várias regras procedimentais foram relativizadas diante do clamor público por celeridade. Se não fosse um caso de tanta repercussão, com certeza o desfecho teria sido outro, principalmente no que tange à dosimetria da pena.

Na tentativa de desmentir as notícias acerca da temática envolvendo os embargos infringentes no caso supramencionado, o jurista Luiz Flávio Gomes[5], assim escreveu:

“(…)De qualquer modo, o Ministro Celso de Mello, em 16/9, disse que vai admitir os embargos infringentes, mas que isso não significa necessariamente redução de pena ou de regime ou mesmo impunidade (Folha, 16/9/13). A Veja, contrariando o ministro, está dizendo que tudo vai virar impunidade. Será? (…)

Por que estou eu fazendo todas essas contas? Para mostrar que não é verdade que o caso mensalão vá ser “melado” e que “tudo” vai para a impunidade, como a mídia ideologicamente podre está dizendo e assustando todo mundo, sobretudo os que ignoram o funcionamento da Justiça e o que já aconteceu até aqui no mensalão. (…)

Até onde pudermos, temos que procurar nos vacinar contra as idiotices difundidas pelas mídias (tradicional e social). Todo cidadão brasileiro deveria se preocupar com a qualidade das notícias e das informações, para não se converter num idiota: essa palavra grega veio de Idiotes, que “é o sujeito que nada enxerga além dele mesmo, que julga tudo pela sua própria pequenez” (O. de Carvalho).

Ninguém pode ignorar que o mundo político e midiático (mídia tradicional ou social) se apresenta hoje, em geral (há exceções honrosas), como algo repugnante. Trata-se de um mundo ideologicamente envenenado, por ideologias e pré-conceitos.(…)”

Assim, é perceptível o forte poder influenciador da mídia, seja no momento da criminalização primária, quando da edição das leis, bem como da escolha dos bens jurídicos a serem tutelados, seja no momento da criminalização secundária que envolve o trabalho da Polícia, do Ministério Público e dos Magistrados, que muitas vezes são influenciados pelo clamor social de determinados acontecimentos.

3 A CONTRIBUIÇÃO DA MÍDIA PARA A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL

A Criminologia Crítica, ao romper com o paradigma etiológico do fenômeno criminal, fazendo surgir um paradigma da reação social, buscou compreender as causas da criminalidade. Com isso aprofundou seus estudos nas formas de controle social, chegando à conclusão que a operacionalidade do sistema penal é estritamente seletiva, ou seja, começa na própria seleção dos bens jurídicos a serem tutelados – criminalização primária – chegando à própria atuação das agências formais de aplicação das leis – criminalização secundária -, que seleciona pessoas e condutas a serem criminalizadas e ao mesmo tempo cria espaços de imunidade à elite.

Nesse ínterim, considerando, conforme visto, que a mídia influencia incisivamente em cada um dos processos de criminalização, prescinde de maiores digressões o fato de que também através dos meios de comunicação são selecionadas quais pessoas e quais condutas serão criminalizadas, sendo que a posição social da vítima, como aconteceu no “caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé”, também tem grande relevância nessa atuação seletiva e punitivista.

No processo de criminalização primária, ou seja, no momento de criação das leis, o legislador é movido por pressões midiáticas, oriundas de casos já pré-selecionados pelo meio de comunicação, ou seja, a mídia só veicula o que lhe dará audiência, e essa escolha é feita por meio da análise do caso concreto, que leva em consideração a posição social da vítima e do acusado. Assim, um processo que já é seletivo por natureza, ainda recebe o incremento da opinião pública sufragada pela mídia. Sobre essa natural seletividade, bem explica Andrade[6]:

“Quanto aos “conteúdos” do Direito Penal abstrato, esta lógica se revela no direcionamento predominante da criminalização primária para atingir as formas de desvios mais débeis e marginalizados. Enquanto é dada a máxima ênfase à criminalização das condutas contrárias às relações de produção (crimes contra o patrimônio individual) e políticas (crime contra o Estado) dominantes e a elas dirigida mais intensamente à ameaça penal; a criminalização de condutas contrárias a bens e valores gerais como vida, a saúde, a liberdade pessoal e outros tantos não guarda a mesma ênfase e intensidade da ameaça penal dirigida à criminalidade patrimonial e política.”

Esse trecho ressalta a escolha feita pelo legislador, que dá preferência à criminalidade patrimonial e política, o que é nitidamente perceptível pelos diplomas legais existentes, sendo que há grande contribuição midiática nessa escolha, já que esta costuma veicular com maior dose de sensacionalismo esses tipos de crime.

Embora tenha grande influência no processo de criminalização primária, é no processo de criminalização secundária que a seletividade do sistema penal por já ser intrínseca sofre a maior carga de pressão. Conforme explicita Baratta[7], sobre esse ponto:

“Os processos de criminalização secundária acentuam o caráter seletivo do sistema penal abstrato. Têm sido estudados os preconceitos e os estereotipos que guiam a ação tanto dos órgãos investigadores como dos órgãos judicantes, e que os levam, portanto, assim ocorre no caso do professor dos erros nas tarefas escolares, a procurar a verdadeira criminalidade principalmente naqueles estratos sociais dos quais é normal esperá-la.”

Outrossim, é comum a veiculação de notícias retratando uma imagem estereotipada do acusado, utilizando-se como base a dicotomia “bem” e “mal”. A mídia costuma utilizar expressões como “criminoso sem escrupulos”, “bandido”, “vagabundo”, “psicopata”, entre outras, em contraposição a “vítima inocente”, “trabalhador honesto”, “pai de família”, entre outras. Incutindo no publico um sentimento de vingança, que faz com que qualquer futura violação a direitos seja tolerada, muitas vezes até, exigida.

É notória a atuação seletiva e manipuladora e seletiva dos meios de comunicação, pois existem interesses econômicos envolvidos. Assim, inpingindo na população um sentimento de impunidade, de vingança, as agências formais que aplicam a lei, estarão resguardadas. Assim, além de ter essa função de pressionar o Poder Legislativo e Poder Judiciário, a mídia exerce um papel legitimador.

Pelo exposto, percebe-se que além de desconhecer os conceitos de criminalização primária e criminalização secundária, se omitindo de exercer a critica sobre a atuação estigmatizante e seletiva desses processos, a mídia, contribuiu e reproduz tal seletividade, ao retratar apenas o acusado como um inimigo que deve ser eliminado, e a criminalidade apenas das classes mais baixas.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, é possível identificar uma forte atuação da mídia no contexto da politica criminal, que na verdade não se sustenta. Isso porque, a crença que a mídia tenta (e consegue) incutir no telespectador, é a do dogma da pena, ou seja, as notícias veiculadas giram sempre em torno dessa temática.

No entanto, cediço que a pena, tanto na sua função de prevenção geral, como de prevenção especial, não atende aos fins buscados pela sociedade, pois não funciona. Dessa feita, percebe-se que o discurso criminológico difundido na mídia é acientífico, servindo para a legitimação de um sistema penal ineficiente.

Neste trabalho, buscou-se demonstrar que a mídia está longe de exercer apenas um papel meramente informativo. Mas sim, exerce influências em todas as etapas do sistema penal, passando a influenciar desde a escolha dos bens jurídicos a serem tutelados pela norma até quem essa norma atingirá e até mesmo de que forma.

Os casos emblemáticos citados demostram o quanto essa influência pode ser nefasta e levar ao operador do direito a cometer equívocos. Isso sem mencionarmos, considerando a limitação proposta, o quanto esse apelo midiático pode influenciar nas decisões tomadas pelo Tribunal do Júri. Dessa forma, é perceptível que a temática é vasta e se desdobra em muitas nuances.

O que não é aceitável, é que não haja uma conscientização do quanto essa abordagem midiática da criminalidade pode ser prejudicial. Nesse panorama, a Criminologia Crítica surge com um papel muito importante, que é o de alertar sobre os efeitos deletérios da influência do controle social difuso exercido pela mídia, democratizando assim o discurso sobre o crime e a criminalidade, levando à mídia uma discussão científica sobre o problema.

Assim, se os criminólogos buscassem esse acesso aos meios de comunicação, poderiam levar às pessoas uma visão diferenciada sobre os fenomênos criminais, uma vez que é impossível impedir o avanço da propagação e difusão de informações e do acesso popular aos meios de comunicação, efeito intrínseco à globalização.

 

Referências
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BORDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Tradução: Maria Lucia Machado. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1997.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica et. al. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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GOMES, Luiz Flávio. Embargos vão gerar impunidade? Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/09/17/embargos-vao-gerar-impunidade/. Acesso em 15/10/2013.
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Notas:
[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 154.

[2] NEVES, Eduardo Viana Portela. Bases Criticas para um Direito Penal racional. Trabalho inédito. Vitória da Conquista, 2006. p. 35.

[3] BARATTA, Alessandro. Criminologia Critica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 161.

[4]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4 ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 255.

[5] GOMES, Luiz Flávio. Embargos vão gerar impunidade? Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/09/17/embargos-vao-gerar-impunidade/. Acesso em 15/10/2013.

[6] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 279.

[7] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 176/177.


Informações Sobre o Autor

Mayara Rossales Machado

Especialista em Criminologia, Segurança Pública e Política Criminal pela Faculdade Anhanguera Uniderp. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Procuradora do Município de São José do Norte – RS


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