Noções básicas de direito internacional privado

Resumo: O presente artigo visa traçar breves noções sobre o direito internacional privado no mundo globalizado, analisando seus conceitos, conteúdos e objetos de estudo. Entendendo seu funcionamento, concebe-se sua importância no trato das estreitas relações privadas, respeitadas as regras próprias da ordem pública.

Palavras-chave: Direito Internacional Privado. Noções Básicas. Conceito. Objeto.

Abstract: This article aims to outline brief notions on private international law in the globalized world, analyzing their concepts, contents and objects of study. Understanding its operation, its importance is conceived in narrow tract of private relations, respecting their own rules of public order.

Keywords: Private International Law. Basics. Concept. Object.

Sumário: Introdução. 1. Noções básicas de direito internacional privado; 2. O direito internacional privado e outros ramos do direito; 3. A aplicação da norma de direito internacional privado; 4. Objeto de estudo do direito internacional privado. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Cidadãos do mundo. Os seres humanos não vivem mais apenas com seus pais, cônjuges, famílias ou vizinhos. Sequer vivem apenas em sua cidade, estado ou mesmo país.

O mundo globalizado permite uma infindável conexão de pessoas e culturas que, inegavelmente, saem dos restritos limites de um território, viajam pelos cabos de fibra ótica, por aeronaves ou mesmo por um pequeno produto importado vendido na esquina de casa – o mundo está pequeno, ao alcance das mãos.

Nesse contexto, o Direito Internacional Privado é a disciplina jurídica que trata das relações privadas com conexão internacional, tendo como objeto justamente as normas que permitem escolher o direito aplicável a estas lides.

Estudar este ramo do direito, seu conteúdo e seus conceitos é de suma importância para que se estabeleça uma harmônica convivência no mundo globalizado.

1. NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Se as relações humanas atravessam as fronteiras de um país, diferentemente não poderia ocorrer com as relações jurídicas, dado que o Direito é fruto da sociedade humana. Cabe ao direito, portanto, adequar-se a esta realidade.

 “Há várias concepções sobre o objeto do Direito Internacional Privado. A mais ampla é a francesa que entende abranger a disciplina quatro matérias distintas: a nacionalidade; a condição jurídica do estrangeiro; o conflito das leis e o conflito de jurisdições…”. (DOLINGER , 2003, p. 01)

A internacionalização da vida e das atividades humanas gera fenômenos jurídicos que devem ser resolvidos pelo Estado. O Direito Internacional Privado, como disciplina que estuda a escolha da norma a ser aplicada a uma relação jurídica com conexão internacional, tem, como objeto de seu estudo, pela doutrina mais ampla, a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito das leis no espaço e o conflito de jurisdições.

Acontece que parte da doutrina questiona que se incluam como objeto desta disciplina, notadamente, a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro. Ora, a nacionalidade é um elemento de conexão internacional e, como tal, indubitavelmente deve integrar o objeto de estudo desta disciplina, haja vista sua importância na escolha da lei aplicável ao caso concreto, objetivo principal do Direito Internacional Privado. A condição jurídica do estrangeiro, por sua vez, é crucial na determinação das capacidades dos estrangeiros no país, pois podem vedar e restringir seus direitos, sendo inaplicáveis, portanto, quanto a estes direitos vedados, as normas de direito internacional quanto à escolha do direito, se nacional ou estrangeiro.

 O conflito de jurisdições, outrossim, tem suma importância no estudo da matéria, pois uma decisão de um órgão incompetente pode ser nula ou anulável, pois foge à delimitação legal da jurisdição.

Em relação ao conflito de leis, não há questionamentos doutrinários. Este é o objetivo principal do direito internacional do trabalho, sendo, portanto, indispensável o estudo da norma aplicável à relação jurídica com conexão internacional.

“As relações jurídicas de direito privado, na maioria dos casos, estão vinculadas estritamente ao território do Estado no qual os tribunais julgam uma eventual lide corrente entre duas partes. Mas, no mundo inteiro, cada vez mais são frequentes as relações jurídicas com conexão internacional”. (…)

“Cada Estado poderia, teoricamente, aplicar o direito interno, indistintamente, a todas as questões jurídicas com conexão nacional e internacional. Na realidade, porém, não é isso o que ocorre, pois todos os ordenamentos jurídicos nacionais estabelecem regras peculiares, concernentes às relações jurídicas de direito privado com conexão internacional”. (RECHSTEINER, 2008, p. 01 e 03)

A grande maioria das lides que, por ventura, chegam à apreciação do poder judiciário, são resolvidas pelo juízo competente segundo as normas gerais de competência, comumente estudadas no processo civil. No entanto, o mundo globalizado tem trazido à justiça relações jurídicas com conexão internacional, ou seja, aquelas que, por algum motivo, como a nacionalidade ou o local de celebração, possuem um elemento internacional.

Entende-se, assim, que apesar de poderem, hipoteticamente, aplicar o seu direito para todos os casos, sejam eles dotados de elementos internacionais ou não, os Estados optaram por estabelecer regras específicas para regular os casos em que haja conexão internacional. Estas regras visam estabelecer o direito aplicável, nacional ou o estrangeiro, e não adentram no mérito da lide, pois, como dito, limitam-se a indicar o direito aplicável dentre aqueles que têm conexão com a lide.

Por esta característica, de escolher o direito, não adentrando no mérito, pode-se dizer que as normas de direito internacional privado constituem um sobredireito.

Há casos em que o elemento internacional intrínseco à lide é de tamanha grandeza que a aderência aos direitos estrangeiros ao quais se vincula é notadamente maior que a existente em relação ao direito pátrio. Nestes casos, observados os dispositivos legais pertinentes, será aplicada a lei estrangeira mais cabível ao caso concreto sub judice.

As normas do direito internacional privado apenas indicam o direito a ser aplicado, por isso são denominadas indicativas ou indiretas.

Por outro lado, quando apresentadas em juízo, as lides com conexão internacional não suscitam conflito de leis. Isto porque, em juízo pátrio, se aplicam de imediato as leis internas. As possíveis leis alienígenas que versem sobre a questão somente se aplicam se o legislativo nacional assim determinar. Ou seja, o Estado estrangeiro, bem como suas disposições legais, não tem poder algum de interferir diretamente num caso apresentado em juízo sem que estas disposições sejam previamente integradas, pelo legislativo nacional, ao ordenamento pátrio.

O conflito existe, em verdade, quando se parte para uma visão supranacional, onde os ordenamentos jurídicos, de diferentes países, conexos a lide, dispõem, segundo suas legislações, sobre o direito sub judice.

“Diante de uma situação jurídica conexa com duas ou mais legislações, que contêm normas diversas, conflitantes, estabelece-se a dúvida sobre qual das legislações deva ser aplicada. Não cabe solucionar o conflito das normas materiais internas; a missão do internacionalista se restringe a indicar qual sistema jurídico deve ser aplicado dentre as várias legislações conectadas com a hipótese jurídica”. (DOLINGER , 2003, p. 05)

Existindo uma lide na qual haja um elemento internacional que determine mais de um sistema normativo para a sua resolução, ao Direito Internacional Privado incumbe utilizar suas normas e princípios no sentido de escolher qual a norma aplicável. Isso sem, no entanto, adentrar diretamente no mérito da lide em si, dirigindo-se apenas ao conflito de leis.

O Conflito, na acepção comum da palavra, não existe. Pois quando um ordenamento estabelece determinadas regras e outro sistema, por sua vez, estabelece as suas próprias, visam regular situações internas, não objetivando, de plano, que houvesse ocasião em que estes ordenamentos se colidissem. O que ocorre é, em verdade, a concorrência ou o concurso de leis, pois estas não são conflitantes, as normas de direito internacional privado indicarão a lei que, em verdade, deve incidir.

“Como existe um vínculo estreito entre as normas do direito internacional privado que resolvem conflitos de leis no espaço (isto é, que designam o direito aplicável às relações jurídicas com conexão internacional) e as processuais correspectivas, estas, na realidade, também pertencem à disciplina do direito internacional privado. As normas resolutivas abrangem as processuais, fazendo assim parte do direito internacional privado lato sensu; as resolutivas, por sua vez, são qualificadas como strictu sensu.” (RECHSTEINER, 2008, p. 05)

Neste ponto, cabe a ressalva de que a denominação Direito Internacional Privado, apesar das diversas críticas sofridas, é o termo universalmente utilizado para designar o tema.

“Há um generalizado deleite entre os estudiosos do Direito Internacional Privado em demonstrar que a denominação da disciplina é incorreta e ao mesmo tempo manter-se fiel a ela”. (DOLINGER , 2003, p. 06)

As primeiras críticas à denominação desta disciplina são relativas ao caráter nacional da sua legislação. A grande maioria de suas normas é interna, ou seja, não há nada, ou muito pouco, de internacional na legislação que determina o direito a ser aplicado. Outrossim, a denominação internacional denota relação inter Estados, o que não ocorre senão, no direito internacional público.

Outra crítica versa sobre o termo privado, haja vista que não se trata apenas de direito privado, conquanto que há questões de direito público no estudo da disciplina.

Finalmente, apesar das incisivas e insistentes críticas, a terminologia Direito Internacional Privado vem sendo mantida e, didaticamente, com bons resultados.

2. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OUTROS RAMOS DO DIREITO

Além das afinidades, o alcance desta disciplina se materializa na aplicação de seus princípios e regras às demais disciplinas jurídicas, na influência de suas regras sobre a aplicação das normas de todos os campos do direito.

No tocante a relação entre direito internacional privado e o direito comercial, há grande relacionamento, haja vista que as regras de nacionalidade de pessoa jurídica estrangeira e validade de títulos extrajudiciais firmados no exterior, dentre outros, se inserem na área daquela disciplina.

“A relação entre o Direito Internacional Privado e o Direito Internacional Público tem sido objeto de muita reflexão e de considerável divergência”. (DOLINGER , 2003, p. 11)

A divergência principal de que versa a doutrina acerca da relação entre o direito internacional privado e o direito internacional público está na alegação de dependência daquele em relação a este, ou ainda que aquele deste se origina. No entanto, aquém desta discussão, devemos manter o entendimento principal que ambas as disciplinas guardam grande afinidade, haja vista que são voltadas para questões que afetam múltiplos relacionamentos internacionais, esta dedicada a questões políticas, militares e econômicas dos Estados em suas manifestações soberanas e aquela concentrada nos interesses particulares, dos quais os Estados participam cada vez mais intensamente.

Apesar da discussão doutrinária quanto ao conteúdo do objeto do direito internacional privado, se em seu âmbito inserem-se questões de direito público, na ordem prática, um juiz não poderá escolher o direito aplicável à lide de direito público, pois não servem e não são aplicáveis à estrutura do direito público. Tratando-se de direito privado, tal escolha é plenamente cabível, tanto que é o objeto principal do estudo da referida disciplina. Logo, pode-se dizer que o direito internacional privado refere-se somente às relações jurídicas com conexão internacional de direito privado, ou seja, não se aplica este ditério a lides que não tenham origem no direito privado.

Por outro modo, a impossibilidade de influência do direito internacional privado nos litígios com conexão internacional oriundos de direito público não elimina a inferência das normas de direito internacional público no direito internacional privado.

Existem, em outros ramos do direito, questões que possuem conexão internacional e que, por isso, havendo conflito de leis no espaço, carecem de resolução com uma visão supranacional.

Neste sentido, existem normas de outros ramos do direito que escolhem o direito aplicável. No entanto, as normas e princípios gerais do direito internacional privado são inadequadas para resolver esse tipo de conflito, simplesmente pela natureza da lide da qual se originam, respeitando-se as peculiaridades próprias de cada ramo científico, senão vejamos:

“Em virtude de a estrutura própria do direito internacional privado atingir um alto grau de abstração, deve-se diferenciar entre as várias disciplinas e ramos de direito, destinados a resolver conflitos de leis no espaço, respeitando-se a autonomia científica de cada um”. (RECHSTEINER, 2008, p. 09)

3. A APLICAÇÃO DA NORMA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Na prática, em países como os Estados Unidos, onde cada estado-membro pode legislar sobre praticamente todos os ramos do direito, é possível a existência de conflito de leis, mesmo se tratando de um mesmo país.

Embora haja semelhanças no método de aplicação do direito, entre o direito internacional privado e os direitos privados interlocais e interpessoais, como já foi dito, o direito internacional privado direciona-se às relações jurídicas com conexão internacional, não se aplicando aos conflitos pátrios ou que envolvam as denominadas prerrogativas de função.

“O Direito Internacional Privado é a projeção do direito interno sobre o plano internacional.”. (DOLINGER , 2003, p. 10)

Como sobredireito que é o direito internacional privado, observando as normas concorrentes de um plano superior, está acima destas normas, escolhendo qual delas incidirá no caso concreto. Logo, a norma interna do direito internacional privado se põe acima das normas, nacional e internacional, concorrentes, e, assim, escolhendo qual delas deverá ser aplicada.

No direito internacional privado, as normas que propriamente resolvem a questão objeto da matéria, o direito a ser aplicado ao caso concreto, estão de tal forma aderidas às normas processuais que lhes correspondem que estas, de igual modo, passam a ser objeto de estudo da disciplina. Ora, se tão íntima a ligação existente entre as normas resolutivas e processuais do direito internacional privado, nada mais cabível que seu estudo comum e em conjunto, no mesmo ramo do direito.

Importante ressaltar que a norma do direito internacional privado, como dito, escolhe o direito a ser aplicado, segundo, em cada país, as leis específicas que determinam o elemento de conexão, a relação que se considerar mais estreita com uma determinada ordem jurídica.

Partindo dessa premissa, em regra, não se observa o conteúdo da norma escolhida, ou seja, apenas se escolhe a lei aplicável, não importando, de início, seu teor. No entanto, quando a aplicação do direito estrangeiro, in casu, violar a ordem pública, interna ou internacional, este não será aplicado pelo juiz.

 “Em busca de soluções alternativas, a doutrina começou a rediscutir a questão sobre em que medida o direito internacional privado deveria levar em conta aspectos da justiça material.” (RECHSTEINER, 2008, p. 13)

Retirando o modo absoluto como o caráter indicativo das normas do direito internacional privado são aplicadas, existem, no direito internacional privado, situações em que se adentra na materialidade da norma aplicável. Assim, é possível o favorecimento da parte economicamente mais fraca, por exemplo, aplicando-se a lex fori, proibindo às partes convencionar o direito aplicável.

Esta tendência de observar a materialidade das normas indicadas, sobretudo levando-se em conta os direitos humanos, é perfeitamente plausível e correta, pois a proteção da pessoa humana e de seus direitos fundamentais tem caráter universal, e não deverá esbarrar nas Constituições nacionais dos diferentes países.

Muito embora, em países como o Brasil, que tem como elemento de conexão principal o domicílio, a utilidade prática da utilização dos direitos humanos no direito internacional privado é deveras reduzida, haja vista que o elemento de conexão da nacionalidade, adotado na Alemanha, reflete com maior fidelidade as tradições sociais e jurídicas de determinada pessoa.

Não existe, no Direito Internacional Privado, um direito melhor.

A avaliação qualitativa de um direito é muito relativa, assim, não se poderia obter a certeza de direito, ou seja, não haveria segurança de que as decisões seriam mantidas, haja vista a possibilidade de, em um caso concreto, por alguma peculiaridade, mesmo existindo decisões em casos análogos, existir um melhor direito, diferente do aplicado aos demais.

A certeza do direito permite a previsibilidade da aplicação do direito em uma relação jurídica com conexão internacional. Assim, figura-se como mais eficaz a aplicação formal do direito, que não adentra no direito material, ou mérito da lei indicada, sem, contudo, como citado anteriormente, o negligenciar totalmente.

Considerando que as sentenças proferidas por juízes de países diferentes podem divergir, de modo geral, principalmente e sempre que a ordem pública não é violada no caso concreto, os Estados reconhecem sentenças estrangeiras, e as fazem aplicáveis em seu ordenamento.

Logo, partindo da premissa de que a contraditoriedade de sentenças para as mesmas partes, em países diferentes, ou se um status jurídico reconhecido pela justiça de um país não fosse reconhecido em outro, feriria a autoridade da justiça, é indubitavelmente cogente o entendimento de que deve haver uma harmonia entre as decisões judiciais dos ordenamentos jurídicos internacionais conexos num caso concreto.

Mesmo com a supracitada concepção de que o direito internacional privado refere-se, tão-somente, a relações jurídicas de direito privado com conexão internacional, não se adaptando à resolução de conflitos de leis interespaciais de direito público, este, de forma inclusive imperativa e, as vezes, absoluta, interfere diretamente na indicação da lei aplicável objeto do estudo desta disciplina.

Ocorre que no direito público existem normas de conteúdo imperativo e cogente, que exigem aplicação imediata, independente do direito aplicável a uma relação jurídica com conexão internacional.

Embora, em um caso sub judice, haja uma lei estrangeira a ser usada, pode suceder que por alguma peculiaridade prevista em norma de direito público, seja imediata e absolutamente determinada à aplicação da lei doméstica. Assim, havendo norma de direito público de aplicação imediata, não há que se falar em opção, deve-se seguir a expressa determinação legal.

No estudo das normas internas de determinada sociedade, que se projetam em âmbito internacional visando escolher a lei a ser aplicada a um caso concreto, estamos diante do encontro de duas sociedades, que determinam dois ordenamentos jurídicos. Partindo desta premissa, numa visão supranacional, composta por elementos destas sociedades nacionais, internas, visualizamos uma sociedade internacional.

O enfoque de resolução do conflito de leis, objeto do direito internacional privado, apresenta dois ângulos de visão. Sob o primeiro, unilateral, indaga-se qual a extensão territorial de uma lei interna, até onde a lei interna poderá ser aplicada, assim, resolve o conflito de leis objetivamente, delineando o raio de ação de cada lei com base nos seus objetivos. O enfoque multilateral, por sua vez, visa resolver o conflito de leis por uma abordagem relacional, aplicando a lei segundo as relações jurídicas que se apresentem, logo, a cada relação jurídica em abstrato caberá determinada ordem jurídica.

Mesmo as normas públicas de um ordenamento jurídico estrangeiro, não havendo óbice legal interno nem afronta a ordem pública, pode interferir na escolha da norma aplicável, pelo direito internacional privado, a uma relação jurídica com conexão internacional. Ou seja, o caráter público de lei estrangeira não representa obstáculos à sua aplicação.

4. OBJETO DE ESTUDO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Muito se discute sobre o objeto do Direito Internacional Privado. A primeira consideração se refere aos elementos de conexão. Estes são a característica que qualifica certa relação jurídica como internacional, ou seja, ligam uma lide ao direito de dois ou mais países.

“O regime jurídico da nacionalidade tangencia várias disciplinas do direito, notadamente o direito constitucional, o direito internacional público e o direito internacional privado.” (RECHSTEINER, 2008, p. 25)

Enquanto elemento de conexão, a nacionalidade vem perdendo seu prestígio, sendo paulatinamente substituída pelos modernos elementos de conexão domicílio e residência habitual. No entanto, tal substituição não se deu por completo, sendo ainda observado o elemento de conexão nacionalidade em alguns ordenamentos.

Como elemento de conexão, a nacionalidade é objeto de estudo do direito internacional privado.  Logo, para efeito desta disciplina, regime jurídico da nacionalidade somente será observado quando relacionar-se com a determinação do direito aplicável a uma relação jurídica com conexão internacional, fugindo do estudo desta disciplina, portanto, as demais questões referentes à nacionalidade.

“As regras jurídicas sobre a condição jurídica do estrangeiro (la condition de l’étranger) definem a sua situação jurídica em relação ao nacional.” (RECHSTEINER, 2008, p. 30)

De natureza pública e evidentemente substantivas, pois diretamente aplicáveis à pessoas de nacionalidade estrangeira, as normas sobre a condição jurídica do estrangeiro, majoritariamente encontradas na Constituição Federal, no Estatuto do Estrangeiro e em tratados, convenções e acordos internacionais, definem, em regra, restrições e limitações à pessoa do estrangeiro no estado pátrio.

Essas determinações derivam da necessidade de resguardar a soberania, a integridade pública e a segurança nacional, tudo por interesse público, conquanto que se restringem aos estrangeiros o acesso a certas propriedades e o exercício de determinados cargos públicos. São, portanto normas de direito público e não se destinam a escolher o direito a ser aplicado a uma relação jurídica com uma conexão internacional. Por isso, o estudo das supracitadas regras foge ao objeto do direito internacional privado, mas será abordado, nesta disciplina, para fins meramente didáticos.

“Além dos conflitos interespaciais, abrangendo os internacionais e os internos, existem outros conflitos, em que não figura qualquer aspecto espacial, mas em que entram em linha de conta mais de uma legislação, aplicáveis não por consideração de localização, mas por motivos de natureza subjetiva, decorrentes de determinadas qualificações pessoais”. (DOLINGER , 2003, p. 23)

Há países em que a etnia ou a religião, por exemplo, determinam qual a legislação aplicável. Assim, tem-se um conflito de leis originado de uma pessoalidade. No entanto, trata-se de um conflito de leis e, como o conflito de leis é a matéria-prima do direito internacional privado, estes conflitos de leis derivados de qualificações pessoais também integram o objeto de estudo do direito internacional privado.

“A doutrina mais moderna inclui as normas de direito processual civil internacional, em virtude do vínculo estreito existente, no objeto do direito internacional privado”. (RECHSTEINER, 2008, p. 38)

O direito processual civil internacional está intimamente ligado ao direito internacional privado, por isso, constitui objeto de seu estudo. Notadamente, para a determinação da lei aplicável a uma lide que apresente elemento internacional, necessário que o órgão que tome esta decisão seja competente internacionalmente.

“O conceito de direito transnacional é empregado para caracterizar qualquer matéria jurídica que transcenda aos limites de um Estado”. (RECHSTEINER, 2008, p. 43)

Destarte, o direito transnacional engloba vários direitos internacionais, pois que caracteriza quaisquer matérias jurídicas que ultrapassem os limites de um estado. No entanto, este termo até hoje não obteve aceitação geral na doutrina.

 “Na doutrina, particular e tradicionalmente, as relações entre os direitos internacional público e privado são examinadas sob diferentes aspectos”. (RECHSTEINER, 2008, p. 43)

Cabe salientar que se trata de disciplinas autônomas. Embora, em outros tempos, tenha havido entendimentos de que o direito internacional privado originava-se do direito internacional público, hodiernamente, aquele direito é indiscutivelmente autônomo, e plenamente diferente deste.

O direito internacional privado, como dito, designa o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com relação internacional. O direito internacional público, por sua vez, preocupa-se com as relações existentes entre os sujeitos de direito, entidades internacionais.

A relação entre os dois ramos do direito encontra-se evidenciada, como dito anteriormente, na inferência das normas do direito internacional público na própria decisão do juiz ao aplicar as normas de direito internacional privado. Isso por que, notadamente, as normas do direito internacional público obrigam todo o estado.

O direito internacional privado, de uma ótica supranacional, resolve conflitos de leis no espaço. No entanto, como bem ressalvado, sua aplicação está restrita ao conflito de leis de direito privado. Quando, por ventura, apresentarem-se conflitos de leis de direito público, não incidirão as normas de direito internacional privado, haja vista, principalmente, o caráter substantivo ou material das normas de direito público, aplicadas diretamente.

“A finalidade do direito intertemporal ou transitório é definir a partir de que data entra em vigor uma nova lei, e como irá relacionar-se com fatos encerrados e relações jurídicas contínuas, iniciadas antes de sua entrada em vigor” (RECHSTEINER, 2008, p. 48)

Os direitos intertemporal e internacional privado assemelham-se, conquanto escolhem qual a norma aplicável. Sendo que aquele disciplina conflitos de lei no tempo, enquanto este disciplina o conflito de leis no espaço.

A função principal do direito comparado é promover a harmonização dos ordenamentos jurídicos, permitindo alternativas para o legislador, propiciando uma evolução jurídica uniforme. Ao mesmo tempo, visa que os países acabem por adotar regimentos análogos, aproximando-se da padronização de ordenamentos jurídicos.

A harmonia proposta pelo direito internacional privado, por sua vez, visa à pacífica coexistência dos diversos ordenamentos jurídicos existentes.

Em sua inter-relação, o direito comparado proporciona ao direito internacional privado os subsídios necessários à analise do ordenamento jurídico alienígena, permitindo melhor entendimento destas normas, para que nelas se identifiquem os requisitos que, no direito pátrio, permitem sua aplicação.

CONCLUSÃO

O Direito Internacional Privado é importante disciplina jurídica no trato das hodiernas relações jurídicas, cada vez mais ligadas entre diferentes pontos do globo.

Conquanto não resolva diretamente a lide, ele estabelece as regras gerais que definem qual direito será aplicado ao caso, ou seja, a norma de qual Estado.

Persistem muitos debates sobre seu objeto de estudo e sua relação (ou mesmo dependência) com outros ramos do direito. Mas deve prevalecer que guarda sua autonomia própria e que seu conteúdo, ainda que tangencie objetos de outros ramos, pode e deve conter tudo quanto necessário a sua finalidade de constituir norma de sobredireito em relações jurídicas dotadas de elemento de conexão internacional.

 

Referências
ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado. 4ª ed. amp. e atual. Renovar: 2008.
DEL’OMO, Florisbal de Souza. Direito Internacional Privado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense 2008.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (Parte Geral). 7ª ed. amp. e atual. Renovar: 2003.
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado, teoria e prática. 11ª ed. rev. e atual. Saraiva: 2008.

Informações Sobre o Autor

Caique Cirano di Paula

Advogado; Pós-graduado lato sensu em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2013; Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 2010


Noções básicas de Direito Internacional Privado

Sumário: Cosmopolitismo. Diversidade legislativa. Uniformidade das leis. Fatos anormais. Conflitos de leis. Coexistência das ordens jurídicas. Sociedade internacional. Certeza do direito.

 

Baseado na obra de Irineu Strenger, Direito Internacional Privado, São Paulo: LTr., 1996, pp. 29-42.

Cosmopolitisno

Os seres humanos não vivem isolados. A humanidade sempre revelou necessidade de se constituir por meio de comunidades.

A vida em sociedade, por sua vez, demonstra-se difícil e cheia de divergências nas relações interpessoais. Cada grupo social constitui suas próprias regras de relacionamento e convívio, segundo as suas próprias características, usos e costumes. Estes diferentes grupos nacionais constituíram, cada qual, um diferente Estado.

Os diferentes Estados nacionais constituem, no seu todo, a realidade mundial atual. Mesmo cada Estado formado não consegue sobreviver sem se relacionar com os outros Estados nacionais. Os países formados sempre se relacionaram de formas distintas, porém, ininterruptamente. O convívio internacional gera, por si só, a necessidade de se buscar um complexo de regras que se apliquem à sua comunidade de países.

Cada Estado representa uma realidade que gera uma ordem jurídica original.

 A natureza cosmopolita do ser humano e a variedade das leis estatais motivaram o nascimento das relações de direito internacional privado.[1]

O grande intercâmbio estabelecido de todas as ordens da vida fez surgir a sociedade internacional. Como toda a sociedade estabelecida requer um grupo de normas para a sua sobrevivência, também a sociedade internacional requer um grupo de normas que regulem as relações entre os diferentes países e seus cidadãos.[2] 

Diversidade legislativa.

Em cada país as leis que determinam os direitos das pessoas e a situação jurídica dos bens são diferentes.

Diz STRENGER:

“No plano do direito internacional privado o fenômeno jurídico se revela constituído pela pluralidade dos ordenamentos jurídicos e da relação que entre eles se estabelece. Sobre esse dado concreto é que opera o direito internacional privado”.[3]

O elemento é constituído da pluralidade de ordenamentos jurídicos e as relações de ordem privada entre os diferentes povos.

Sabe-se que a legislação de cada Estado deve ser expressão exata das necessidades de cada povo, tomando-se como referência sua cultura, seu grau de civilização, sua história.

O direito em cada Estado é variado.

Uniformidade das leis.

A uniformidade de legislações é algo quase irrealizável. O que se pode esperar é o ajustamento das diferentes ordens aos princípios mais universais de justiça.

É a opinião de STRENGER:

“Sendo as mais importantes instituições de direito apreciadas de modos diversos pela consciência jurídica nacional dos distintos Estados, e consagradas, em conseqüência, pelas suas leis, com caracteres às vezes contraditórios, torna-se mister que se ampare e reconheça a necessidade de vincular entre si os diversos modos pelos quais emerge o direito positivo entre os povos”.[4]

Fatos anormais.

Fatos anormais são aquelas ocorrências que exigem a interferência das regras de direito internacional privado.

Os fatos anormais acontecem quando duas ou mais leis divergentes, de diferentes ordenamentos jurídicos concorrem para resolver a mesma relação jurídica.

Conflitos de leis.

São três os fundamentos que explicam a existência do direito internacional privado. Os conflitos de leis no espaço, a extraterritorialidade das leis e o intercâmbio universal ou comércio internacional.

O direito internacional intervém nos casos em que há divergência entre leis de diferentes países. A solução da existência de uma legislação internacional única é considerada quase impossível, como sabemos.

A extraterritorialidade das leis é o segundo fundamento. Os diferentes países devem permitir a aplicação de leis estrangeiras em seus territórios em casos específicos para permitir a própria existência do direito internacional privado. Isto se interessa no interesse mútuo dos diferentes países em manter uma agenda internacional.

O comércio ou intercâmbio internacional é o terceiro fundamento da existência do direito internacional privado. Clóvis Beviláqua já explicava que o comércio internacional de um lado, e, de outro, a diversidade de leis, são o fundamento lógico e social do direito internacional privado que consistiria no conjunto de preceitos reguladores das relações de ordem privada da sociedade internacional. Deve ser ressaltado, entretanto, que a expressão “comércio internacional”, aqui, não quer dizer apenas mercantil, mas sim o intercâmbio entre os diferentes povos do universo, tanto mercantil quanto, familiar, cultural, artístico, etc.

A partir das relações entre os diferentes países, ocorrem conflitos de leis a serem resolvidos pelo direito internacional privado.

STRENGER conclui:

“Com a intensificação cada vez mais acentuada do comércio internacional, dominado quase inteiramente pelas práticas operacionais a ele concernentes e a sedimentação de usos e costumes peculiares, que se convencionou chamar de lex mercatoria, o direito internacional privado sofreu grande impulso doutrinário e prático, tornando-se em nossos dias a célula mater de inúmeras novas disciplinas que têm como base programática a metodologia que concerne aos fundamentos básicos das relações privadas e públicas internacionais”.[5]

Coexistência das ordens jurídicas.

O principal ponto ou, nas palavras de STRENGER, “…a pedra angular da teoria desse ramo do direito…”, é a coexistência de diferentes ordens jurídicas. Isto em razão da inexistência de um direito primário universal e de nenhum outro ramo do direito que desempenhasse esta função.[6]

Entretanto, é de se ressaltar que o direito internacional somente existe quando os sistemas jurídicos particulares não se negam a coexistir dentro de um regime de vida com este enfoque.

Sociedade internacional.

Clóvis BEVILÁQUA é quem admite a existência da sociedade internacional como fundamento do direito internacional privado. Baseando-se na doutrina de SAVIGNY DA “comunhão do direito”, admite essa comunidade entre povos independentes realizada pela adoção de um sistema harmônico de soluções de conflitos entre as legislações. São pressupostas aqui necessidades e aspirações comuns e determinantes da criação de instituições semelhantes, desenvolvidas pela sociedade internacional que resulta organizada pelos diferentes Estados.[7] 

Resulta que, em assim sendo, a comunidade internacional adota um sistema harmônico de solução de possíveis conflitos entre as diferentes legislações.

Já em 1911, por meio de comunicação no Congresso Jurídico de Heidelberg, BEVILÁQUA concluiu que:

“sociedade internacional formada por indivíduos de diferentes nacionalidades cimentada por interesses privados de toda a ordem, é um fato; onde existe uma sociedade é preciso que exista uma disciplina das relações de seus membros, ubi societas, ibi jus; o direito da sociedade internacional é o internacional privado”.[8]

Certeza do direito.

O direito internacional privado primordialmente visa a estabelecer a certeza do direito privado nas relações internacionais, por meio da adoção de princípios gerais que, ao conceder primazia a uma lei de determinado Estado, mantém um sistema capaz de racionalmente combinar as necessárias diferenças de cada qual.[9]

Conclusão.

Está na natureza dos seres vivos a coexistência em sociedades. A sociedade humana também não foge desta característica. Por tal razão, os diferentes grupos sociais reuniram-se, ao longo da História humana, em diferentes grupos com características predominantes de seus membros.

Na História contemporânea surgiram os Estados nacionais, sendo os mesmos grupos politicamente organizados, sujeitas assim a um governo próprio e soberano, de pessoas que se assentaram em territórios determinados.

Os diferentes países surgiram na Europa, a partir de Portugal, Inglaterra e Suíça. O que cabe notar, é a tendência revelada, desde então, às viagens comerciais marítimas ou terrestres a partir destes para novos lugares.

À medida que os séculos se passaram, a humanidade continuou a manter todas as espécies de relacionamentos dentro de diferentes países. No início do terceiro milênio podemos citar, inclusive, os avanços tecnológicos a aproximar cada vez mais as pessoas consumidoras de praticamente qualquer local do planeta Terra.

O fato é que, a cada dia que se pessoa, mais e mais pessoas viajam e fazem negócios de toda a espécie com pessoas de outros países diferentes dos seus.

 Cada grupo social politicamente organizado, ou seja, cada Estado possui um conjunto de leis que regula a vida daquelas pessoas que fazem parte do mesmo. Estas normas refletem necessariamente os valores praticados dentro do grupo. Isto porque tais leis são feitas, geralmente, por pessoas que representam o todo da população e devem espelhar os anseios daqueles que os elegeram representantes seus. Em outras palavras, cada grupo social produz ou deve produzir as normas que mais lhe assemelham o modo de ser e de viver. Em razão disto, os sistemas legais de dois ou mais países diferentes serão necessariamente distintos.

Pode ser considerada, na atual conjuntura mundial, uma utopia cogitarmos um conjunto único de leis para todas as centenas de países existentes na face da terra.

Somando-se as tendências humanas de se viajar e se relacionar com pessoas de diferentes partes do planeta, as diferentes legislações de cada país e as relações jurídicas entre diferentes pessoas de diferentes nações, a realidade resultante é a existência de uma sociedade internacional que deve ser regulada por normas que possibilitem, assegurem e garantam a convivência de todos e sem haver conflitos não solucionáveis entre dois ou mais cidadãos de diferentes nações.

 
Notas
[1] LAZCANO, Carlos Alberto, apud STRENGER Direito Internacional Privado, São Paulo: LTr., 1996, p-30.
[2] STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado, São Paulo: LTr., 1996, p-30.
[3] STRENGER (1996:31).
[4] STRENGER (1996:32).
[5] (1996:36).
[6] Idem.
[7] (1996:37).
[8] (1996: 37-39).
[9] (1996: 39-40).

Informações Sobre o Autor

Francisco Mafra.

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.


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