A epistemologia kantiana no culturalismo de Tobias Barreto: uma reflexão sobre a liberdade

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Resumo: Este artigo propõe discutir a formulação teórica do culturalismo no pensamento de Tobias Barreto que, assentado nos aspectos metodológicos da epistemologia de Kant, engendrou uma autêntica filosofia como reação ao regime opressor de sua época, concluindo o Mestre de Recife que a liberdade é condição precípua de desenvolvimento e progresso da sociedade humana.

Palavras-chave: Culturalismo. Liberdade. Tobias Barreto. Kant.

Abstract: This paper aims to discuss the theoretical formulation of culturalism in Tobias Barreto´s thought that, estabilish in methodological aspects of Kant´s epistemology, engendered an authentic philosophy as a reaction to the oppressive regime at his time, concluding the Master of Recife that freedom is essencial condition of development, progress of human society.

Keywords: Culturalism. Freedom. Tobias Barreto. Kant.

Sumário: Introdução. 1. A epistemologia kantiana e o culturalismo de Tobias Barreto: noções propedêuticas e aspectos metodológicos. 1.1. A epistemologia kantiana: o objeto da filosofia numa perspectiva metodológica. 1.2. A filosofia de Tobias Barreto: culturalismo e liberdade como expressão maior da sociedade humana. Conclusão. Referências.

Introdução

Parece evidente que as constantes discussões e debates acerca da efetiva proteção dos direitos humanos vêm ganhando terreno ao longo dos anos. Todavia, é possível perceber que em pleno século XXI, democracias há muito consolidadas, a exemplo dos Estados Unidos e Europa, sob o discurso do combate ao terror e da restauração da segurança e da paz, passaram a adotar medidas internas de vigilância, investigação e detenção arbitrárias que envolvem, em grande medida, o cerceamento das liberdades individuais.

A esse respeito, Lindgren Alves (2005, p. 175) assinalou que pretendido discurso busca justificar exceções ao Estado de Direito, permitindo tachar de antipatriótico quem critique tais medidas, ainda que elas firam os direitos mais caros à tradição iluminista do Ocidente.

Foi desse exato raciocínio que se erigiu o golpe militar de 1964 no Brasil, ancorado numa dinâmica repressiva como justificante da Doutrina da Segurança Nacional, entendida essa como “uma instituição que servia, sobretudo, para proteger o Estado dos inimigos que ameaçavam a ordem do país” (NASCIMENTO, A., 2013, p. 99), relegitimando atos de tortura, sequestros e outras formas de violação dos direitos humanos.

Como resposta, uma nova concepção começou a se formar nos países que passaram por regimes autoritários com práticas arbitrárias e criminosas, na qual a sociedade reivindica medidas de justiça pelos crimes cometidos, reparação pelas violações sofridas, e buscam construir medidas capazes de impedir a repetição das atrocidades (PINHEIRO, MACHADO e BALLESTEROS, 2013, p. 21).

É de registrar que, como reação à sociedade escravocrata e opressora de sua época, Tobias Barreto desenvolveu uma filosofia libertária e genuína, denominada de culturalismo, demonstrando a importância pela luta contra os devaneios dos regimes aversos aos direitos mais elementares.

O historiador Luiz Antônio Barreto (1990, p. 6) afirmara que o grande legado de Tobias Barreto foi em dois sentidos: o primeiro, o da sua obra crítica, aberta, roteirizando a atualização do pensamento brasileiro; o segundo, o dos seus seguidores, que continuaram levando o Brasil a afirmar uma cultura transformadora, própria e ao alcance dos brasileiros.

Já o imortal Graça Aranha (1931, p. 152) sentenciara: “voltar a Tobias é progredir”.

Assim, certo de que o estudo o estudo dos acontecimentos históricos e de seus processos dinâmicos possibilitam ao homem compreender o seu tempo presente, oportunizando o aperfeiçoamento de ideias e práticas e minorando os riscos de repetidos equívocos, o debruçar em tais questões representam medidas capazes de impedir a repetição de novas atrocidades.

1 A epistemologia kantiana e o culturalismo de tobias barreto: noções propedêuticas e aspectos metodológicos

A discussão aqui tratada se revela de suma importância, especialmente porque refletir sobre as formas de ruptura com os valores até então consagrados de Justiça e Direito, em que o homem perde o seu caráter de valor-fonte, nos faz atentar para a fragilidade com que os direitos mais elementares são lançados nas masmorras quando fundados em mentiras ideológicas e discursos recheados de “pacificação”.

Não por outro motivo, influenciado pelas concepções típicas do ideário positivista, marcadas pelo advento da República, pela abolição da escravidão e pelas diversas formas de liberdade, tais como a liberdade de ensino, a defesa do proletariado e da mulher, a liberdade de imprensa, a liberdade de profissões (LINS, 1964 apud ADEODATO, 2003, p. 315-316), Tobias Barreto impulsionou a formação de uma nova corrente de pensamento, a Escola do Recife, engendrando assim uma autêntica filosofia brasileira.

É de notar que a construção da filosofia culturalista de Tobias Barreto encontrou firmes alicerces nos aspectos metodológicos do pensamento kantiano e de sua filosofia transcendental, marcada por uma reflexão sobre as ciências e pela possibilidade de fixação dos fundamentos e limites da razão.

1.1 A epistemologia kantiana: o objeto da filosofia numa perspectiva metodológica

Na obra Crítica da Razão Pura, Kant tenciona que o motivo que o levou à ideia crítica foi a consciência das incertezas das conclusões metafísicas, não obstante ser objeto de estudo desde os tempos remotos, sendo-lhe certo o descrédito atribuído à filosofia que não se permitiu trilhar o caminho seguro da ciência.

Assim, o filósofo problematiza: por que a metafísica não apresenta o mesmo grau de certeza que a lógica, a matemática ou a física?

Em verdade, busca Kant reabilitar a filosofia e assumir a defesa da razão contra o ceticismo, sem propor um novo sistema metafísico, certamente fadado ao fracasso como os demais, mas interrogando sobre as próprias possibilidades da razão e os seus limites. Está, pois, ligado à ideia crítica.

Nessa empreitada, Kant rejeitara o racionalismo de Descartes, de Leibniz e Wolf, afirmando ser necessário abandonar o dogmatismo arcaico e carcomido, assim como não compactuara com os céticos, que considerava como espécie de nômades, que tem repugnância em se estabelecer em qualquer terreno.

O grande feito de Kant foi, sem dúvidas, fazer sentar à mesa duas correntes adversárias e antagônicas, o racionalismo e o empirismo, afirmando que conhecer é dar forma a uma matéria dada, sendo a forma um dado a priori e a matéria um dado a posteriori, pois a experiência, por si só, nos ensina que “algo é constituído desta ou daquela maneira, mas não que não possa sê-lo diferentemente” (KANT, 2001, p. 38). Noutras palavras, que o objeto nos é dado sob determinado ângulo, o que não quer dizer que não existam outros ângulos possíveis.

Para explicitar sua teoria do conhecimento, o filósofo alemão propõe um iter comparativo, baseado na distinção entre os juízos analíticos e os juízos sintéticos.

Os juízos analíticos explanam um conceito sem atribuir-lhe qualquer predicado, sendo prescindível a experiência, pois a ligação é pensada por identidade, como, por exemplo, ao dizer que “o círculo é redondo”. Por seu turno, os juízos sintéticos são aqueles em que se acrescentam predicados ao sujeito, sem ligação de identidade, sendo portanto juízos de experiência, como a assertiva “o carro é azul”.

Kant, porém, acrescenta um terceiro juízo, sendo este o grande responsável pelo grau de certeza e sucesso das ciências matemáticas e físicas: os juízos sintéticos a priori. É que tais juízos são universais e necessários, como os juízos analíticos, além de nos permitir ampliar o nosso conhecimento, como os juízos sintéticos.

Logo, o problema é saber se tais juízos sintéticos a priori são possíveis na metafísica, a fim de  “chegar tão longe que nem a própria experiência nos possa acompanhar”. (KANT, 2001, p. 49).

Essa investigação dos princípios a priori é apoiada em duas fontes de conhecimento: a sensibilidade, ou a faculdade das intuições, e o entendimento, também denominada de faculdade dos conceitos.

As formas a priori da sensibilidade apreendidas pela ciência são o espaço e o tempo, sendo estes os moldes universais e necessários nos quais se inserem as intuições empíricas. O espaço não é um conceito empírico, extraído de experiências externas, pois qualquer experiência externa só é possível, antes de mais nada, mediante uma necessária representação a priori do espaço que fundamenta todas as intuições externas. Do mesmo modo, o tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer, pois nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na percepção se a representação do tempo não fosse o seu fundamento a priori.

Doutra banda, as formas a priori do entendimento, ou conceitos puros, são as categorias, ou maneiras próprias ao espírito humano de conceber as coisas, isto é, de ordenar o múltiplo dado na intuição, listando-as num total de doze. Como exemplo, o conceito de substância (sei a priori que em toda mudança alguma coisa se conserva) e o conceito de causalidade (sei a priori que todo fenômeno é causado).

Todavia, referidas categorias são apenas formas, maneiras de ligar. Por si só, nada nos dão a conhecer, e somente as intuições sensíveis, a experiência mesmo, podem dar-lhes um conteúdo, uma multiplicidade a ser ligada.

Assim, para Kant pensar um objeto e conhecer um objeto não é a mesma coisa. Para o conhecimento são necessários dois elementos: primeiro o conceito, mediante o qual é pensado em geral o objeto, em segundo lugar a intuição, consistente na receptividade das impressões, pela qual é dado.

Eis o “fenômeno”. E nisto, conclui Kant, residia o maior erro da filosofia até então, responsável por seu descrédito, que no afã de oferecer respostas últimas e definitivas, como ciência das coisas em si, sempre visara a objetos inatingíveis, não apreendidos empiricamente, o “númeno”. É que, ainda que levados a pensar na alma, no mundo e em Deus, não é possível conhecê-los. Resta, então, à filosofia exclusivamente a investigação dos fenômenos.

Kant, assim, põe termos à sua filosofia transcendental, preocupada menos com os objetos, que do nosso modo de conhecê-los, advertindo que sua crítica tem utilidade negativa, eis que “não servirá para alargar a nossa razão, mas tão somente para a clarificar, mantendo-a isenta de erros, o que já é uma grande conquista” (KANT, 2001, p. 53).

1.2 A filosofia de Tobias Barreto: culturalismo e liberdade como expressão maior da sociedade humana

É com base nos aspectos metodológicos da epistemologia kantiana alhures identificada que Tobias Barreto engendra sua filosofia, marcada inicialmente pelo rompimento com o ecletismo espiritualista e adesão parcial ao positivismo; depois, pelo rompimento com o positivismo e o ciclo final de adesão ao neokantismo.

É nessa última fase que o ilustre sergipano reorienta seu pensamento, afastando-se das doutrinas monistas, evolucionistas e positivistas, que entendem a filosofia como “síntese das ciências”, e formulando-o em bases kantianas como um tipo de saber que não aumenta o conhecimento científico, antes afirma que o verdadeiro objeto da filosofia é a crítica do conhecimento (PAIM, 1990, p. 10).

Com base nisso, Tobias Barreto apontará a cultura como superação do positivismo comteano, abrindo assim uma nova corrente filosófica, denominada de culturalismo.

Se para Kant, os dados a priori possibilitam os juízos sintéticos a priori, justificantes de uma matemática e física puras, para Tobias, a sociedade é a categoria do homem assim como o espaço é a categoria dos corpos: “O que serve aqui ao nosso fim, é a ideia de que, assim como os corpos não podem ser percebidos, quer em todas, quer em parte das suas propriedades, senão occupando um espaço, – do mesmo modo o homem, o homem do direito, da sciencia que nos occupa, não póde ser pensado, estudado, analysado, senão sob o schemma social, como membro de uma sociedade.” (BARRETO, T., 1892, p. 15).[1]

Logo, para Tobias, a sociedade é uma representação necessária a priori que fundamenta as intuições externas. Noutras palavras, não se pode pensar no homem sem que haja sociedade, embora se possa perfeitamente pensar que não haja homem algum na sociedade.

Se a sociedade prescinde do homem é porque há sociedade fora do homem. Ora, admite ele que “é commum a todos os mamiferos, como é commum a muitos animaes o viverem associados” (BARRETO, T., 1892, p. 16).

Então o que diferencia a sociedade humana da sociedade do reino animal?

Tobias responde que a sociedade humana não é a natural, que é objeto da zoologia, onde, não obstante viverem uns com os outros, com alguma divisão de trabalho e ostentarem necessidades comuns, na natureza esses fenômenos não se elevam acima do estado primitivo: “A abelha de hoje não sabe compor o seu mel com mais habilidade do que a abelha de Virgílio” (BARRETO, T., 1892, p. 17).

A grande diferença entre uma e outra sociedade é que a associação humana possui o caráter distintivo das mudanças e melhorias ulteriores, pois o homem de hoje não é o mesmo que o homem de ontem e a nova constituição desse novo homem, que é o homem do direito, da moral, da religião, é um produto social.

A partir dessa constatação, admite Tobias que o direito, por exemplo, é um produto da cultura humana, não uma entidade metafísica, anterior e superior ao homem como sustentava a escola racionalista, tendo por característica o constante processo de mudança para melhor: “Quando pois dizemos que o direito é um producto da cultura humana, é no sentido de ser elle um effeito, entre muitos outros, desse processo enorme de constante melhoramento e nobilitação da humanidade; processo que começou com o homem, que ha de acabar somente com elle, e que aliás não se distingue do processo mesmo da historia.” (BARRETO, T., 1892, p. 25).

É possível notar a distinção conceitual entre “cultura” e “natureza” e, conforme análise de Vamireh Chacon (apud NASCIMENTO, M., 2004, p. 107-108), tal diferenciação permitiu ao pensador brasílico explicar, por exemplo, a origem da inteligência humana, do Estado, da sociedade civil, a evolução do pensamento e a evolução e a complexidade das instituições humanas, divergindo da corrente mecanicista de sua época.

Por outro lado, essa polaridade cultura-natureza ressalta a concepção de uma humanidade que não está pronta e acabada, do contrário, estabelece-se em oposição ao império da seleção natural, dando-se, no seu interior, constante tensão e luta.

Se é possível, porém, falar em luta pela vida em ambas sociedades, a particularidade reside em que uma está subordinada a forças e leis imanentes e inelutáveis, enquanto a outra, isto é, na sociedade humana, o processo é assumido conscientemente (PAIM, 2007, p. 69).

Por meio dessas tensões dialéticas, considerando a cultura como superadora da natureza e identificadora da especificidade do homem, o Mestre de Recife aponta que o processo geral da cultura consiste justamente na eliminação das irregularidades próprias da natureza: “Assim, e por exemplo, se alguém ainda hoje ousar repetir com Aristóteles que há homens nascidos para escravos, não vejo motivo de estranheza. Sim, é natural a existência de escravidão; há até espécies de formigas, como a polyerga rubescens, que são escravocratas; porém é cultural que a escravidão não exista. (…) Logo, o seguir a natureza, em vez de ser o fundamento da moral, pelo contrário, é a fonte última de toda imoralidade.” (BARRETO, T., 1977, p. 79; 81).

Assim, para Tobias as anomalias da vida social são conscientemente eliminadas, não por meio da seleção natural, mas através de seletores do gênero humano, denominadas de seleções artísticas, como a seleção jurídica, religiosa, moral, intelectual e estética, os quais constituem um processo geral de depuramento, revelando o grande processo da cultura humana. Em seus próprios termos: “E destarte, a sociedade que é o domínio de tais seleções, pode bem ser definida: um sistema de forças que lutam contra a própria luta pela vida”. (BARRETO, T., 1977, p. 77).

Segundo Paim (2007, 168), o fundador da Escola do Recife chegou a compreender que o tipo de investigação proposto possibilita o acesso ao ser do homem, suficiente para se fazer afirmações de validade ontológica, como a proposição de que “o homem tem a capacidade de realizar um plano por ele mesmo traçado, de atingir um alvo que ele mesmo se propõe”. É, portanto, movido pela ideia de finalidade e nisto consiste a sua liberdade.

A liberdade é, então, um produto cunhado pelo homem e será tanto mais perfeita quanto mais desenvolvida, consagrando o homem como artista de si mesmo. Tobias Barreto considera, portanto, a ideia de liberdade como condição de progresso e desenvolvimento da sociedade humana, segundo a qual nenhum povo é realmente grande, senão pela liberdade que tem ou que conquista (SALDANHA, 2001, p. 221).

Logo, tal liberdade se manifesta como um poder, como uma liberdade empírica, que dá testemunho à consciência, em contraposição à liberdade determinista, que é motivada segundo uma lei geral da causalidade.

A esse propósito: “A liberdade, de que falo, não é a deusa que aparece em sonho aos metafísicos de antigo estilo, não é uma graça, nem um dom do céu, mas simplesmente uma conquista, um hábito ou um jeito, que o homem adquire, de dirigir seus atos para um alvo real ou ideal, por ele prefigurado, e quase sempre em oposição ao pendor da natureza, da mesma forma que se pode adquirir o hábito de nadar contra as correntes.” (BARRETO, T., 1977, p. 91)

Assim compreendida, a liberdade fornece diversos graus de aperfeiçoamento, correspondentes a outros tantos graus de desenvolvimento, artisticamente adquiridas, sendo ela o caráter distintivo da sociedade humana e seu principal suporte.

Sobre esse aspecto, é possível notar mais uma vez a influência do pensamento kantiano nas formulações tobiáticas a respeito da liberdade, movida por uma relação finalística, a revelar um indicativo de progresso da sociedade humana.

É que imprescindíveis foram as contribuições que Kant dera na afirmação da dignidade humana como princípio prático supremo ao postular, com fundamento no imperativo categórico, que o homem existe como um fim em si mesmo e não como meio para uso arbitrário da vontade alheia.

Esse imperativo é reflexo de uma ruptura empreendida pelos filósofos modernos que, abandonando a ideia do homem como ser natural, enxerga o homem como um produto de si mesmo, numa concepção mais dinâmica, baseada no primado da prática sobre a teoria, da existência sobre a essência, da história sobre a natureza, da liberdade sobre a inteligência. (MONDIN, 1998, p. 14).

A concepção kantiana de dignidade da pessoa como um fim em si leva à condenação de diversas práticas de aviltamento da pessoa à condição de coisa, além da clássica escravidão, como o engano advindo de falsas promessas ou os atentados cometidos contra os bens alheios. (COMPARATO, 2010, p. 35).

Conclusão

Restou evidenciado, pois, que o pensamento amadurecido de Tobias Barreto orientou-se pela consideração de que o objeto de estudo da filosofia é a crítica do conhecimento, segundo os moldes metodológicos estabelecidos por Kant, razão pela qual propõe um novo modelo filosófico de investigação, baseado na ideia de sociedade como representação necessária a priori do homem.

Nesse sentido, e para distinguir a sociedade animal da sociedade humana, Tobias assinala que a sociedade humana possui o caráter distintivo das mudanças e do desenvolvimento, contrapondo dialeticamente os conceitos de natureza e cultura, sendo esta regida pelo princípio da finalidade, e não da mera causalidade, onde a liberdade é seu principal componente.

Se nos dias de hoje tais demonstrações soam triviais, registre-se que a filosofia tobiática, influenciada pela construção metodológica kantiana e marcada pela força de um pensamento próprio e reflexivo diante de sua realidade, representou uma greta nas múltiplas formas de dominação senhorial da época, baseada no predomínio da força, do temor e da fidalguia, sendo, portanto, o ideário de liberdade uma conquista na luta contra a submissão.

Os anos de chumbo experimentados no Brasil, por exemplo, comprovaram à exaustão que projetos políticos de construção e modificação das estruturas do Estado sob o pálio de um Estado de Segurança legitima a violência e impõe a repressão. Portanto, para evitar novas armadilhas, é preferível não nos afastarmos da trivial colocação de Tobias Barreto de que a liberdade é um princípio da vida, sem a qual não há melhoramentos ulteriores.

Referências
ADEODATO, João Maurício. O positivismo culturalista da Escola do Recife. Novos Estudos Jurídicos, v. 8, n. 2, p. 303-326, mai./ago. 2003.
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ARANHA, Graça. O meu próprio romance. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931.
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MONDIN, Battista. Definição filosófica da pessoa humana. Tradução: Ir. Jacinta Turolo Garcia. São Paulo: EDUSC, 1998
NASCIMENTO, Alexsandro Ribeiro do. As vozes dos reprimidos: levantamentos sobre desaparecidos e torturados na Comissão da Verdade de Pernambuco. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 15, n. 105, p. 93 a 125, fev./mai. 2013.
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PAIM, Antônio. A trajetória filosófica de Tobias Barreto. In: Tobias Barreto 1839-1889: bibliografia e estudos críticos. Salvador: Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, 1990.
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PASCAL, Georges. Compreender Kant. Introdução e tradução: Raimundo Vier. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
PINHEIRO, Paulo Sérgio; MACHADO, Pedro Helena Pontual; BALLESTEROS, Paula Karina Rodriguez. O direito à verdade no Brasil. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 15, n. 105, p. 93 a 125, fev./mai. 2013.
SALDANHA, Nelson Nogueira. História das ideias políticas no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001.
 
Nota:
[1]      Em homenagem ao autor e sua época, nas citações diretas de Tobias Barreto, optou-se pela redação original do texto pesquisado.


Informações Sobre o Autor

Jefferson Luiz de França

Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Filosofia pela Universidade Estácio de Sá. Bacharel em Direito pela Faculdade Integrada de Pernambuco. Analista Ministerial do Ministério Público de Pernambuco


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