A função do partido político no regime democrático

Resumo: O regime democrático revela-se como fonte de legitimidade dos governos, nesse contexto a presença de partidos políticos torna-se significativa, pois atua como intermediário entre o povo e o Estado, reunindo em torno de si pessoas que compartilhem sua ideologia e programa. Busca-se discutir a função do partido político numa democracia, tomando-se por base a participação política em alguns países que se intitulam democráticos. Tem-se a pesquisa bibliográfica como tipologia adequada para o desenvolvimento do trabalho. Verificou-se que a principal função do partido político é atuar na interface entre o cidadão e o governo, observando que o sistema partidário brasileiro necessita ser aperfeiçoado para que esta atividade representativa dos partidos políticos de fato ocorra.

Palavras-chave: Democracia. Partido Político. Participação.

Abstract:The democratic regime is revealed as a source of legitimacy of governments in this context the presence of political parties becomes significant because it acts as an intermediary between the people and the state, gathering around him people who share their ideology and program. The aim is to discuss the role of the political party in a democracy, taking as a basis for political participation in some countries that call themselves democratic. One gets the literature as suitable type for the development of work. It was found that the main function of the political party is to act in the interface between the citizen and the government, noting that the Brazilian party system needs to be improved so that this representative activity of political parties in fact occur.

Keywords: Democracy. Political party. Participation.

Sumário: Introdução. 1 Breves considerações sobre a evolução da democracia moderna. 2 O partido político como um instrumento democrático. Conclusão. Referências bibliográficas

Introdução

A participação do indivíduo nas decisões políticas da sociedade em que vive torna-o capaz de interagir com os mecanismos aos quais está submetido. O Estado e seus órgãos impõem regras aos indivíduos, e assim fazendo, exercem dominação sobre as atividades principais daqueles que convivem em uma sociedade. Essa forma de imposição estatal exige a participação dos seus membros nas decisões que lhes afetem direta ou indiretamente, sob pena de tais imposições tornarem-se ilegítimas ou arbitrárias.

A história permite observar como se constitui e se fundamenta a atuação dos governantes, sendo possível analisar a legitimidade dessa atuação a partir da efetiva participação popular no processo de tomada de decisão.

Os partidos políticos, nas principais nações democráticas, atuam como âmbito no qual os indivíduos participam da formação da vontade do Estado, uma vez que os candidatos no sistema representativo estão vinculados aos partidos.

No Brasil é necessário discutir sobre da função do partido político e a atuação do indivíduo por seu intermédio no processo de tomada de decisão, na formação da vontade do Estado, notadamente porque o interesse e a inserção do brasileiro na esfera partidária dependerá de sua compreensão sobre a que se destina o partido político (AIETA, 2006).

Tem-se por objetivo demonstrar a função do partido político no regime democrático, mormente no seu papel intermediador entre o povo e o Estado, fazendo uma análise de conceitos de partido político, em consonância aos pressupostos da democracia.

Visando a atingir o objetivo proposto utiliza-se como tipologia metodológica a pesquisa bibliográfica, tomando os principais autores que tratam do tema, em textos publicados em meio físico ou eletrônico.

A fundamentação do texto tem como autores principais: Barretto (2013); Dallari (2010); Ferreira (1984); Reale Júnior (1992); Silva (2011); Velloso & Agra (2009); Aieta (2006); Moraes (2013).

1 Breves considerações sobre a evolução da democracia moderna

Desde a antiguidade clássica a democracia revelou-se um regime em que os cidadãos participavam das decisões estatais. O governo democrático caracterizava-se, sobretudo, pela participação do povo no poder político, como se demonstrava em Atenas. No governo ateniense não se admitia, no entanto, a participação de mulheres e escravos no processo de tomada de decisões, tendo-se com isso, uma limitação na concessão dos direitos de cidadania (Barreto, 2013).

Conforme demonstra Campilongo (1997) na antiguidade romana a participação dos populares se dava através do Senado; na França com a presença do Terceiro Estado; na Inglaterra, o Parlamento representava facções da sociedade, mesmo tendo em princípio menor força em relação ao Monarca. Estes órgãos representavam a maioria, em um segundo momento mostraram ser capazes de impor limites ao governo absolutista. No caso francês, a convocação da Assembleia Geral pelo Terceiro Estado foi uma importante mostra de poder da maioria; na Inglaterra as imposições do Parlamento ao Rei João Sem Terra demonstraram um maior poder de controle sobre as atividades governamentais por parte dos parlamentares.

A evolução do Estado Moderno, resgatou o ideal de democracia dos gregos, adaptando-o aos ideais do liberalismo econômico, fixando o conceito de cidadania a partir de critérios econômicos e de nível de instrução.

Conforme observa Carvalho (1998), participação popular era mitigada, às vezes pelo critério patrimonial, sexo, classe social ou grau de escolaridade.

Com as revoluções liberais os direitos de cidadania foram estendidos a um maior número de indivíduos: as mulheres, os escravos, os analfabetos, os que possuíam baixa renda, passaram a ter o direito a voto.

Essa importante conquista influenciou o âmbito da participação política, visto que o sufrágio é um direito de cidadania que caracteriza o regime democrático, devendo abranger o maior número de habitantes de um país.

2 O partido político como um instrumento democrático

Diante da necessidade de viabilizar a democracia em Estados com maior população, onde a democracia direta se revelaria complexa ou de difícil viabilidade, desenvolve-se o sistema representativo, admitindo-se a eleição de representantes para exercer as atividades do Estado que enfeixem maior atribuição política (Dallari, 2010).

Uma vez considerando o sistema representativo, cabe fazer algumas indagações. Como se poderia determinar ou organizar os representantes e viabilizar a legítima escolha destes?

A necessidade de organização da vontade popular está então relacionada a existência dos partidos políticos.

Para Silva (2010), os partidos políticos propõem-se a organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular e ainda visam a assunção do poder para então, realizar o seu programa de governo.

A concepção de partido político apresentada por Robles citado por Silva (2005, p. 394), aponta que se refere a “un grupo humano formado em torno a un contenido ideológico que busca la defensa de unos intereses por la conquista legal del poder inmediato o em un plazo de duración rasonable.”

Pode-se destacar aqui o caráter do partido político como um grupo de pessoas em torno de uma ideologia. Os partidos buscam apresentar um programa que reúna os principais pontos de convergência social com vistas a atrair maior quantidade de adeptos e assim assumir o poder.

Compreende-se que por admitir a pluralidade de pensamentos, de convicções, no seio social formar-se-ão grupos que podem organizar-se como partidos políticos, levando para o âmbito institucional do Estado os programas de governo que pretendem desenvolver, apresentando-os durante a disputa eleitoral com vista ao exercício de mandato por tempo determinado, possibilitando a alternância no poder.

Os partidos políticos atuam estabelecendo um liame entre governante e governado, bem assim organizando a participação popular, conforme entendia Kelsen:

“É portanto que o indivíduo isolado carece completamente de existência político positiva, por não poder exercer qualquer influência efetiva na formação da vontade do Estado, e que, por conseguinte, a democracia só é possível quando os indivíduos, a fim de lograr uma atuação sobre a vontade coletiva reúnem-se em organizações definidas por diversos fins políticos, de tal maneira que se interponham, na relação indivíduo-Estado, aquelas coletividades que agrupam, sob a forma de partidos políticos, as vontades políticas coincidentes dos indivíduos. […] Só por ofuscação ou dolo é possível sustentar a possibilidade da democracia sem partidos políticos. A democracia requer necessária e inevitavelmente um Estado de partidos”. (KELSEN apud FERREIRA, 1984, p. 386)

Ao inadmitir a participação direta do indivíduo na formação da vontade estatal, o referido autor defende a democracia indireta ou representativa, uma vez que não considera a existência do indivíduo isolado no plano político-positivo, existindo aí os partidos, sendo que através deles torna-se possível a participação no governo.

Ainda de acordo com esse entendimento, Reale Júnior (1992, p. 113) defende que o partido é um importante elo de ligação entre a sociedade civil e o Estado, conforme se pode transcrever:

“[…] enquanto na Europa vive-se a crise da democracia dos partidos, partidos de massa que se revelam incapazes de satisfatoriamente aglutinar os segmentos sociais, de se fazerem intérpretes das aspirações concretas, veículos impróprios para efetiva participação política, no Brasil é mister iniciar a obra da ligação entre a Sociedade Civil e o Estado pelo fortalecimento dos partidos políticos”.

Aproximando-se o foco para o Brasil, verifica-se a necessidade de que os partidos políticos atuem como intermediário entre o povo e o Estado, pois por aqui ainda não foi desenvolvido um nível de participação efetiva das pessoas por intermédio dos partidos políticos, notando-se que há um distanciamento programático e discursivo da prática partidária brasileira (GRACINDO, 1994).

Para Aieta (2006, p. 21), o partido atua como “agente catalizador de uma determinada corrente de opinião”, que se forma a partir de suas lideranças, simpatizantes, filiados, eleitores, além disso deve escolher os candidatos aos cargos eletivos, sendo que, para a autora, a mais elevada função do partido é educar e informar politicamente o eleitor.

Como importante instrumento democrático, o partido político não pode desincumbir-se de dotar o eleitor de consciência política, daí o destaque que a autora faz à sua função instrutora.

Percebe-se assim, que a função primordial do partido é atuar nesta interface sociedade-Estado, de onde decorrem outras funções que lhe são correlatas.

Para Velloso & Agra (2009), não seria verdadeiro afirmar que o partido é o único agente capaz de potencializar a participação política do cidadão, há diversos outros segmentos da sociedade civil que tem essa habilidade, mas o partido seria a via organizada permanentemente para tanto, tendo aí sua função primordial, sua razão de existência.

Atuando como intermediário entre sociedade-Estado, o partido leva os anseios da sociedade com vistas a direcionar a ação estatal para satisfazer as necessidades sociais por ele capitaneadas. Para implantação do seu programa, a agremiação indica candidatos, desenvolve lideranças, instrui eleitores, pois busca assumir as funções estatais, sobretudo conquistando os cargos eletivos.

Os mencionados autores ainda destacam como os partidos políticos atuam em representação da sociedade, para eles:

“Os partidos políticos refletem a participação social nas decisões do Estado. Eles respondem ao problema de mediar entre o pluralismo ideológico existente na sociedade e o interesse estatal de produzir uma unidade de decisão e ação governamental. São organismos sociais estruturados com a finalidade de organizar as forças em torno de um ideário político para disputar o poder na sociedade. Difundem sua ideologia política para conseguir adeptos e tentam contribuir para o direcionamento das políticas públicas”. (VELLOSO & AGRA, 2009, p. 78)

 A participação social pela via partidária reflete uma participação organizada. Por meio do partido como uma via institucional é possível assumir a direção do Estado, seja na formulação do quadro legislativo, quanto na atuação diretamente no governo, por meio do exercício de funções no Poder Executivo.

Um importante destaque é a necessidade de atuar como mediador em uma sociedade pluralista, o partido deverá buscar atuar em prol de decisões que sejam capazes de refletir o resultado de amplas discussões no processo de sua construção.

Como organismo estruturado, o partido age no sentido de atrair forças sociais em prol das ideias que defende, num ambiente de pluralismo ideológico seu programa deve ser formado tendo em vista esta pluralidade. Assim, é salutar que este programa seja construído a partir de contribuições advindas de diversos setores da sociedade.

O partido que ouve a sociedade antes de estabelecer seu programa, tem maior chance de identificar-se com esta sociedade, atraindo assim pessoas que adiram às suas propostas, com reais possibilidades de conquistar o poder político.

Conforme acentua Moraes (2013), o sistema constitucional brasileiro garante autonomia ao partido, sendo capaz de definir sua estrutura interna, funcionamento e organização, tratando em seus estatutos sobre fidelidade e disciplina partidárias, vedando-lhe, porém, utilizar-se de organização paramilitar.

A autonomia dos partidos políticos prevista no art. 17 da Constituição do Brasil, demonstra a necessidade de afastar as possibilidades de intervenção como ocorriam no período anterior à vigência da Constituição de 1988.

Dada a abertura democrática brasileira, após um longo período de ditadura, o partido político surge como principal ente capaz de organizar a participação popular no governo.

O sistema partidário no Brasil apresenta-se bastante fragmentado, a fragilização dos partidos e sua instabilidade “[…] provém da inconstância de seus filiados, que mudam de partido com frequência […]” (SILVA, 2011, p. 268).

A sociedade brasileira ainda não se apropriou do partido político como ferramenta para a participação no processo de tomada de decisão no âmbito estatal, consequência da atuação partidária no Brasil, omisso em seu papel de desenvolver a consciência política do eleitor. As questões partidárias tem sido tratadas em ambiente interno sem uma preocupação em atrair a atenção do eleitor que se vê assediado apenas às vésperas das eleições, quando aparecem os candidatos, sendo que até os meios de comunicação de massa dão “primazia às personalidades em detrimento das ideias” (AIETA, 2006, p. 243).

O partido político tem o dever de aprimorar a democracia, funcionando como um canal de participação da sociedade, atuando no recrutamento de pessoal para sua direção, candidatura, oferecimento de programas e políticas para o governo, coordenação, controle de órgãos governamentais, integração da sociedade, socialização política e acima disso exercer a representação (AIETA, 2006).

Considerando o papel que deve assumir o partido político no regime democrático e a prática partidária brasileira, vê-se que há um vasto espaço de atuação a ser atingido pelos partidos que queiram desenvolver-se observando as funções destinadas ao partido político numa democracia, pois a atuação deste revela-se fundamental para, num ambiente onde a participação popular deve ser estimulada.

Conclusão

O desenvolvimento de um conceito de cidadania mais abrangente, possibilitando a participação de maior número de atores no processo de tomada de decisão no Estado, exige canais hábeis para garantir que as diversas vozes sejam ouvidas.

Um dos canais de participação dos cidadãos na democracia representativa é o partido político, que se organiza para possibilitar o contato entre o povo o e Estado, através da vinculação ideológica e da realização dos programas de governo, quando assume o poder.

No Brasil os partidos políticos devem servir como reais meios de representação da vontade do povo, observando os princípios e ideologias que adotam, comprometidos em atuar conforme seus programas, desenvolvendo a capacidade de considerar a satisfação de interesses que representa, mas sempre buscando um equilíbrio com relação ao respeito a outros interesses presentes na sociedade, diante da sua pluralidade.

Além de reconhecer a existência de outros meios de participação popular, como os grupos de pressão ou de interesse, e os instrumentos de democracia direta, reforça-se a ideia do fortalecimento dos partidos políticos, sobretudo no Brasil que ainda busca estruturar um sistema partidário que de fato realize a importante função de representar a sociedade.

Referências
AIETA, Vânia Siciliano. Partidos políticos. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006.
BARRETTO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERREIRA, Luís Pinto. Princípios gerais de direito constitucional moderno. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1984.
GRACINDO, Regina Vinhaes. O escrito, o dito e o feito: educação e partidos políticos. Campinas: Papirus, 1994.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2013.
REALE JÚNIOR, Miguel. Casos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
SILVA, José Afonso da. O constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011.
______. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.
______. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2010.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009.

Informações Sobre o Autor

João Hélio Reale da Cruz

Mestre em Direito Minter UNESA-FG. Professor da FG e UNEB. Analista Judiciário – TRE-BA


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