O estado de coisas inconstitucional e a proteção dos direitos fundamentais

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Resumo: O Estado de Coisas Inconstitucional é fenômeno de fatores agressivos aos Titulares dos Direitos Fundamentais. Quando declarado pelo Judiciário, autoriza o ativismo judicial estrutural dialógico. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou o Estado de Coisas Inconstitucional e valeu-se deste tipo de ferramenta para resguardar os Direitos Fundamentais dos presidiários, o que configurou o ativismo judicial dialógico. Ocorre que vários doutrinadores questionaram a legitimidade de tais medidas. Alegaram lesão ao Princípio da Separação dos Poderes; sustentaram que o Judiciário está criando falsa esperança de que as mazelas estruturais brasileiras seriam resolvidas por meio de sentença; apregoaram que o próprio instituto não logrou êxito na Colômbia, pais em que o Estado de Coisas Inconstitucional foi declarado pela primeira vez. Este estudo, todavia, revela, com fundamento em doutrina abalizada, que o ativismo judicial estrutural deve ser utilizado para salvaguardar os Direitos Fundamentais todas as vezes em o Estado de Coisas Inconstitucional for declarado.

Palavras-chave: Estado de Coisas Inconstitucional. Ativismo Judicial Dialógico. Direitos Fundamentais.

Sumário: Introdução. 1. Origem da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional. 2. O ECI no Brasil: Reconhecimento e Consequências. 3. Divergência Doutrinária. 4. Defesa à legitimação do ativismo judicial estrutural dialógico nos casos de declaração de ECI. Conclusão.

Introdução

O Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) corresponde a um fenômeno formado por uma série de fatores agressivos a uma gama de titulares dos Direitos Fundamentais.

Sua verificação, por sua vez, autoriza o ativismo judicial estrutural dialógico.

É bom, de logo, propugnar, que partimos da premissa de que o Estado de Coisas Inconstitucional não é uma ferramenta propriamente dita, mas uma situação fática apurada no mundo empírico.

Sua existência, portanto, independe de qualquer declaração judicial.

Ele é fruto do mau uso das atribuições públicas. Advém do engessamento dos Poderes Públicos frente ao perecimento dos Direitos Fundamentais.

Agora, uma vez percebido e declarado na esfera jurisdicional, o ECI legitima o uso do ativismo judicial estrutural dialógico.

Com efeito, o Juiz Constitucional, no exercício das atividades judicantes, ao reconhecer a existência, em análise empírica, do ECI, busca afastá-lo, exarando decisão que exorbita os sujeitos parciais do processo e alcança todos os Agentes Estatais, mesmo que pertencentes aos Poderes Executivo e Legislativo, dotados de atribuições institucionais suficientes para o cumprimento do desiderato perseguido. Este tipo de ato, por sua vez, exige um verdadeiro diálogo entre os Três Poderes, a fim de que a medida judicial seja cumprida.

1. Origem da declaração do estado de coisas inconstitucional

A espécie em apreço foi declarada, pela primeira vez, em 1997 pela Corte Constitucional Colombiana (CCC)[1]. Segundo aquela Casa, para o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, mister se faz a presença dos seguintes elementos:

a.A vulneração massiva e generalizada de vários direitos constitucionais que afetam um número significativo de pessoas;

b.a prologada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações voltadas à concessão destes direitos;

c.a inexistência de medidas legislativas, administrativas ou orçamentária necessária para evitar a violação destes direitos;

d.a existência de um problema social, cuja solução demanda um conjunto complexo e coordenado de ações e que exija destinação orçamentária elevada;

a.    ]e.a verificação de congestionamento do Judiciário, casos os titulares dos direitos afetados demandassem individualmente.

2. O ECI no brasil: reconhecimento e consequência.

Recentemente, o Pleno da Suprema Corte do Brasil, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347/DF[2], após reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no Sistema Prisional Brasileiro, deferiu, em parte, medida cautelar[3]:

1.para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;

2.Para determinar que a União procedesse ao desbloqueio do saldo acumulado no Fundo Penitenciário Nacional.

3.Para impedir novos contingenciamento, pelo Executivo, do Fundo supracitado.

A decisão supracitada, além de inovadora, ante o uso de instituto genuinamente colombiano, abre precedentes para novas correções, pelo Judiciário, de distorções causadas pela paralisia dos Poderes Executivo e Legislativo em vilipêndio aos Direitos Fundamentais.

3. Divergência doutrinária

Muito embora a decisão destacada acima tenha caráter precário, não tardou para que se verificasse, no bojo do assunto, o surgimento de correntes doutrinárias antagônicas.

De um lado, para os defensores do Estado de Coisas Inconstitucional, por todos o professor Dirley da Cunha Júnior[4], a espécie consubstancia-se em verdadeira arma de defesa dos Direitos Fundamentais.

De outro lado, encabeçada por Raffaele Giorgi e Celso Capilongo[5], tem-se a corrente formada por aqueles que sustentam, em apertada síntese, que o Estado de Coisas Inconstitucional leva o Judiciário a se intrometer na consecução das políticas públicas, ferindo o Princípio da Separação dos Poderes, consagrado no Artigo 2º da Constituição Federal de 1988.

Além do mais – alegam – longe de ser uma solução, seria justamente o oposto, ao criar uma ilusão de que as decisões dos Tribunais estariam aptas a sanar problemas estruturais que acompanham o nosso País desde sua origem.

Sustentam, ainda, que a declaração de Estado de Coisas Inconstitucional não foi capaz de resolver os problemas do Sistema Prisional colombiano.

A celeuma ora apresentada erige na doutrina um “racha” como poucas vezes se viu, bem como uma discussão que se encontra longe de ser findado.

Em uma análise perfunctória pelos largos corredores da internet, por exemplo, logo se vê textos de diversos autores – alguns conhecidos; outros anônimos que muitas vezes sem embasamento técnico adequado – aderem a primeira ou a segunda corrente.

Pois bem.

4. Defesa à legitimação do ativismo judicial estrutural dialógico nos casos de declaração de ECI.

Entendemos que razão assiste a primeira corrente apresentada neste trabalho.

Primeiro porque o Princípio da Separação dos Poderes deve ser mitigado para permitir a preservação dos limites imanentes dos direitos fundamentais, da forma apregoada, com brilhantismo, por Robert Alexy[6].

Além do mais, é importante notar que a própria Separação dos Poderes, na maneira como foi pensada por Montesquieu[7] tem sua ratio essendi calcada na limitação do arbítrio: o Poder foi tripartido, justamente, para que os seus detentores, dentro do Sistema de Freios e Contrapesos[8], pudessem criar mecanismo de se conterem.  Se é assim, legitimado encontra-se o Poder Judiciário para impedir a violação dos direitos fundamentais pelos demais Poderes.

Segundo porque o ECI não importa uma usurpação, pelo Judiciário, das funções intrínsecas aos outros Poderes. Com efeito, o próprio cumprimento das ordens emanadas em tais circunstâncias exigirá uma ação estrutural e coordenada, o que exige o diálogo entre as autoridades de Todos os Poderes. Neste sentido, preleciona, com maestria, George Marmelstein Lima, verbis:

“Esse processo de diálogo institucional é o que se pode extrair de mais valioso do modelo colombiano. A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional é, antes de mais nada, uma forma de chamar atenção para o problema de fundo, de reforçar o papel de cada um dos poderes e de exigir a realização de ações concretas para a solução do problema. Entendida nestes termos, o ECI não implica, necessariamente, uma usurpação judicial dos poderes administrativos ou legislativos. Pelo contrário. A ideia é fazer com que os responsáveis assumam as rédeas de suas atribuições e adotem as medidas, dentro de sua esfera de competência, para solucionar o problema. Para isso, ao declarar o estado de coisas inconstitucional e identificar uma grave e sistemática violação de direitos provocada por falhas estruturais da atuação estatal, a primeira medida adotada pelo órgão judicial é comunicar as autoridades relevantes o quadro geral da situação. Depois, convoca-se os órgãos diretamente responsáveis para que elaborem um plano de solução, fixando-se um prazo para a apresentação e conclusão desse plano. Nesse processo, também são indicados órgãos de monitoramento e fiscalização que devem relatar ao Judiciário as medidas que estariam sendo adotadas”[9].

Terceiro porque, ao contrário que é sustentado por alguns defensores da corrente contrária, o ECI não cria uma falsa ilusão de que todas as mazelas sociais serão resolvidas pelo Judiciário. Ao contrário, não resta qualquer dúvida, de que a espécie deva recair sobre situações excepcionalíssimas. E a efetivação da ordem depende, conforme dito alhures, de ação coordenada e harmônica de todos os Poderes do Estado.

Quarto porque, de fato, em um primeiro momento, a o ativismo judicial estrutural na Colômbia, com a declaração do ECI, não resolveu as mazelas dos cárceres daquele Estado. Todavia, o argumento é inservível para desautorizar a declaração do ECI.

Isto porque não se pode condenar à morte um instituo tão complexo, por meio de um único resultado obtido.

Acrescente-se a isto que o próprio Judiciário da Colômbia reconheceu os erros da maneira como o ativismo foi praticado: de forma autoritária e sem a participação dos Poderes. Estão, por consequência, aplicando as correções devidas para o êxito de suas ações.

Não é por menos que neste estudo defende-se que, ao declarar o ECI, o Judiciário deverá dialogar (daí o uso da expressão dialógica) com os outros Poderes, de sorte que o cumprimento das ordens emanadas seja de forma harmônica. Neste ponto, o Juiz passa a ser um coordenador institucional[10]

Quinto porque, com a eclosão do modelo político do Estado Democrático de Direito, instituído no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, a Função típica do Poder Judiciário incorporou um poder-dever além do que possuíra no modelo garantista do Estado Liberal ou do modelo provedor do Estado Social (welfare state).

Conclusão

De tal maneira, conclui-se que não deve o Poder Judiciário deixar de Tutelar os Direitos Fundamentais, mormente aqueles ligados à Dignidade da Pessoa Humana, quando os detentores dos outros Poderes deixarem de adotar políticas públicas mínimas para resguardá-los.

Assim, o Estado de Coisas Inconstitucional legitima o ativismo judicial estrutural dialógico.

Referências:
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. JOTAMundo: Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional>
CUNHA, Dirley da. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional>.
GIORGI, Raffaele De; FARIA, José Eduardo; CAPILONGO, Celso. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <opiniao.estadao.com.br/noticias/geral%2cestado-de-coisas-inconstitucional%2c10000000043>
LIMA, George Marmelstein. O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional? Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2015/10/02/o-estado-de-coisas-inconstitucional-eci-apenas-uma-nova-onda-do-verao-constitucional/>
MONTESQUEIU, Charles Louis de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Editora, 2005
 
Notas:
[1] LIMA, George Marmelstein. O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional? Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2015/10/02/o-estado-de-coisas-inconstitucional-eci-apenas-uma-nova-onda-do-verao-constitucional/>. Acessado em18 de dezembro de 2015.

[2] ADPF n. 347/DF. Relator. Ministro Marco Aurélio de Melo. Pode ser conferida em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4783560#>

[3] Decisão disponibilizada no DJe em 14.09.2015

[4] CUNHA, Dirley da. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional>. Acessado em 20 de dezembro de 2015.

[5] GIORGI, Raffaele De; FARIA, José Eduardo; CAPILONGO, Celso. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: < opiniao.estadao.com.br/noticias/geral%2cestado-de-coisas-inconstitucional%2c10000000043>. Acessado em 20 de dezembro de 2015.

[6] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.

[7] MONTESQUEIU, Charles Louis de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Editora, 2005.

[8] Ibid.

[9] LIMA, George Marmelstein. Opcit.

[10] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. JOTAMundo: Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional>. Acessado em: 23 de dezembro de 2015.


Informações Sobre o Autor

Edenildo Souza Couto

Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Juspodivm. Aluno Laureado na graduação. Escritor de livros e de vários artigos publicados em revistas jurídicas. Atualmente é Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e Professor de diversas disciplinas do curso de Direito


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