Kelsen e Hart, diferenças e similitudes

Resumo: Este trabalho visa apurar as diferenças e as similitudes do estudo do filósofo inglês Herbert Lionel Adolphus Hart, com as regras de comportamento e do jurista austríaco do século XX, Hans Kelsen, observando aspectos morais, de direito e bem como as práticas sociais e políticas nas suas interferências no direito.

Abstract: This study aims to determine the differences and similarities of the English philosopher study Herbert Lionel Adolphus Hart, with the rules of behavior and the Austrian jurist of the twentieth century, Hans Kelsen, observing moral, right and as well as social and political practices in their interference with the right.

1 HERBERT HART

O filósofo inglês Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1994), filho de um alfaiate polonês de ascendência alemã, não inova o que já fora escrito a respeito do Direito, apenas reforma outras teorias positivistas de uma forma mais ampliada e sofisticada. Afirma que o Direito só pode ser uma prática social que é baseada nos costumes e crenças comuns e deve se estruturar sob este pressuposto, e como tal, oportunizará a todas as pessoas participarem dele, já que todas as pessoas praticam estes costumes e crenças comuns.

Na sua explicação ele aduz que o direito é constituído por uma família de regras de comportamento. Tais regras são divididas entre dois tipos de regras:

a)  Regras PRIMÁRIAS que impõe diversos deveres, sempre exigem que os indivíduos daquela sociedade façam ou deixem de fazer algo. Estas regras, diz Hart, existem sem a necessidade de normas ou leis, desde as sociedades primitivas, logo, são bastante frágeis em diversos aspectos. Sozinhas são Incertas, Estáticas e Ineficazes.

b) Além dessas regras primárias, existem as SECUNDÁRIAS, que são atributivas de poderes, sejam estes poderes públicos ou privados. E foram criadas para solucionar as fragilidades das regras primárias, são “remédios”. Porém, sem as regras primárias, não haveria o porquê de existir regras secundárias, explica Hart.

A relação das Regras Secundárias, para Hart, se dá pela seguinte maneira:

Regra de Reconhecimento: É atributiva de validade jurídica, define as competências e acaba com a incerteza das regras primárias. Hoje, a Constituição Federal é um exemplo.

Regra de Alteração / Modificação: Poder investido aos indivíduos para alterar, acabar ou então criar novas regras primárias para aquela sociedade. Acaba com a fraqueza estática das regras primárias. O poder legislativo de hoje é o exemplo desta regra de alteração.

Regra de Julgamento: É o poder investido aos seres humanos com competência para decidir, identificando o crime cometido, o individuo a ser julgado e o processo a ser seguido. Acaba com a ineficácia das regras primárias. Atualmente, no Brasil, é de responsabilidade do poder judiciário.

Kelsen também entende que as normas se dividem em primárias e secundárias, mas para ele elas têm conteúdos diferentes. As PRIMÁRIAS prescrevem condutas (nesta prescrição de condutas se inclui as regras secundárias de Hart, que para Kelsen são abrangidas pelas primárias) e as SECUNDÁRIAS prescrevem sanções caso se descumpram estas condutas.

Assim como Hans Kelsen, Herbert Hart é um positivista no tocante ao conceito de Direito. Ou seja, entendem que Direito e Moral são estudos distintos. Dessa forma, ele também entende que a lei deve ser verdade na forma e não somente no hábito social.

Apesar de Hart afirmar que a lei não deve naturalizar preconceitos de origem moral, ele reconhece o fato de que a moral orienta decisões em diversos casos, e que Direito e Moral não são totalmente desligados em si e entende que o fundamento da separação não se dá no âmbito jurídico, mas sim no âmbito social, Hans Kelsen já é mais fechado quanto a este aspecto, para ele o Direito é puro em si mesmo, um sistema de normas.

Se tomarmos como exemplo a homossexualidade, poderemos perceber que o fato dela ser crime em diversos países é resultante dessa carga de preconceitos morais da sociedade que afeta o Direito.

Hart entra em sintonia em gênero, numero e grau com Kelsen, quando afirma que a lei se trata de uma regra social, porém, mais que isso, é uma regra jurídica, e como tal apenas a autoridade política-jurídica é capaz de aplicar uma coerção através de uma sanção. E o reconhecimento se legitima não pelo medo da sanção, mas pelo respeito às leis, porque entendemos que a lei existe para regular nossa forma de viver, o Direito não impõe uma necessidade, retira esta necessidade da vida social.

Sobre a coerção social, está aí mais uma diferença de Hart com relação à Kelsen, para Hart há a possibilidade de existir norma sem sanção externa e organizada, o que é impossível para Kelsen. Ora, não se trata de sanção a nulidade de um ato qualquer inerente ao não cumprimento de uma das normas secundária que atribuem poder para tanto. Para Kelsen se não existir sanção na norma pode ser tudo, menos norma jurídica.

Enquanto Kelsen vê a obrigatoriedade da sanção como pressuposto de se conferir validade à norma jurídica, Hart entende que a sanção é extremamente necessária, mas não para conferir validade à norma, e sim para se conferir eficácia a ela.

Para Hart, se o agente não for punido, não há uma falha na obrigatoriedade de se cumprir a norma, há uma falha na eficácia desta norma enquanto determinadora de condutas sócias. Enquanto que, conforme dito anteriormente, para Kelsen esta falha na coerção representa uma norma inválida, já que não se aplica.

Logo, para Hart, a coerção da norma é um elemento exterior a ela, desvinculado à norma, que é importantíssimo, mas que, se não existente, não retirará a obrigatoriedade de se adequar a conduta individual a norma jurídica, por parte dos indivíduos.

Por esta visão, Hart entende que Moral pode fazer parte do Direito, já Kelsen entende que não há juízo de valor, que para o individuo atender as ordens jurídicas, não é cientificamente responsabilidade do estudo do Direito, é talvez, estudo da Moral. Para Kelsen precisa-se haver um fato concreto para se ter como base a obrigatoriedade. E para Hart, a norma é cumprida porque é obrigatória moralmente. O respeito à norma vem porque ela é considerada válida, já que está de acordo com as crenças cotidianas.

2 HANS KELSEN

Kelsen é um jurista austríaco do século XX (1881-1973) e tem uma Teoria Geral do Direito Positivo, não de um país específico.

A teoria de Hans Kelsen procura abordar o Direito a partir de uma pureza metodológica, desvinculando o direito de outras Ciências, tais como política, história, ética, filosofia, psicologia, sociologia, antropologia, ciências sociais, ou qualquer outra ciência que não seja ordem normativa.

Para Kelsen as crenças comuns são equivocadas, e para ele o Direito deve corrigir estas, pois se tratam de instituições não científicas. E como para o estudo de Kelsen, apenas as instituições científicas são importantes, ele coloca que as primeiras devem ser reformadas ou mesmo negadas pela teoria do Direito, com a ideia de melhoria. Já Hart, pensa que as crenças comuns e os costumes morais devem ser desenvolvidos para se evoluir o Direito.

Para Kelsen, as ciências são divididas em:

Ciência Explicativa: A estrutura destas ciências podem se definir em: “se A é B”, pois tem como característica a causalidade.

Ciência Normativa: Já nesta ciência a imputabilidade que é o fator determinante, a estrutura é definida como “se A deve ser B”.

Ou seja, como uma ciência normativa, a ciência do direito é do mundo do DEVER – SER. Logo, tem papel preponderante o estudo da norma com este sentido, este dever – ser não tem a relação de causa-efeito das ciências explicativas.

O sentido é classificado como subjetivo e objetivo. A norma jurídica é vista como sentido objetivo, no mundo do Dever – Ser. Por exemplo, se alguém comete um crime, deve ser-lhe aplicada uma sanção. Se matar, deve ser punido. A norma moral, por exemplo, é subjetiva, mas também no mundo do Dever – Ser.

Hart vai contra o pensamento de Kelsen quando mostra que “A deve ser” e “A não deve ser” não são proposições contraditórios, são apenas contrárias. Para Hart uma forma que merece aceitação é “A deve ser feito” é que “existem boas razões para fazer A”. Logo, “A deve juridicamente ser feito” e “A não deve moralmente ser feito” são equivalentes a “Existem boas razões jurídicas para fazer A e boas razões morais para não fazer”. Lembrando que para Hart, a moral influencia o Direito, e para Kelsen, não. É impossível logicamente para alguém fazer tanto A como não A na mesma hora, isso expressa um conflito, todavia não afirma qualquer contradição ou lógica impossível.

E para Kelsen, ainda, a diferença entre estas ciências consiste no fato de que, no Direito, os elementos fáticos (causas – condutas) são produzidos por uma norma jurídica por um ato de vontade autorizado, que tem por consequência uma sanção (coação).

Kelsen ainda coloca que há um escalonamento de normas jurídicas, e elas sempre têm como origem outra norma superior hierarquicamente. Dessa forma, será preciso existir uma norma primordial, ele a chama de norma fundamental.

E como, para Kelsen, as normas são positivadas, volitivas, POSTAS, e esta norma superior não tem como existir no mundo das normas postas, ela é, portanto, PRESSUPOSTA logicamente sob o aspecto jurídico na qual que garante a existência do sistema jurídico. Trata-se de uma norma fundamental (A 1ª constituição, originária) que diz que todo ser é racional, uma vontade coletiva, universal.

Para Kelsen, o objeto formal da ciência do Direito é a norma jurídica positiva e o Direito é uma ciência que só estuda normas postas.

Para Kelsen, o Direito e o Estado são a mesma coisa, ou então, Direito e Estado (estatismo jurídico) nascem junto. É, portanto, uma teoria monista, unitária a respeito de Direito e Estado. E o Direito é uma Ordem normativa de condutas omissivas e comissivas.

Para Kelsen, o Direito só é útil porque o Estado tem o monopólio da violência, o monopólio do poder de COERÇÃO por parte deste Estado. Poder de fazer valer a própria vontade. Toda norma imputa uma coerção, mesmo que tacitamente.

Após a análise das duas teorias, a teoria de Herbert Hart parece ser mais lógica do que a de Hans Kelsen, pois municia o Direito de outros fatores como a Moral, e não acha que a Teoria do Direito não tem como ser observada em sua “pureza metodológica” como preconiza o Kelsen. Para Hart, o Direito é uma prática social e a razão da existência dele se deve por nossos costumes e crenças comuns. Logo é mais próxima da sociedade, e é construída a partir do que já é comum na sociedade. Fora o fato de que Hart, ao contrário de Kelsen, imagina que o Direito é histórico, ou seja, acompanha os fatos sócias, evolui historicamente, real.

Além disso, Hart afirma que todas as pessoas envolvidas na prática social podem dar opiniões a respeito do Direito, o que dinamiza as relações e faz com que o Direito seja algo mais abrangente nas vidas dos indivíduos.

 

Referencias
HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes, 5. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
NOLETO, Mauro Almeida. Direito e Ciência na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen – Página 3/3. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2644>. Acesso em: 2 maio 2014.
OLIVEIRA, Fernando José Vianna. Qual a melhor teoria do direito?. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 08 jul. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico. com.br/?colunas&colunista=5139_&ver=990>. Acesso em: 01 maio 2014.
SANTOS, Jarbas Luiz dos. O Direito e Justiça – a Dupla Face do Pensamento Kelseniano. Belo Horizonte: Del Rey, 2011
.O conceito de direito – Herbert L. A. Hart. Trabalhos Feitos. 2012. <http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/o-Conceito-De-Direito-Herbert/ 228966.html>. Acesso em: 01 maio 2014.

Informações Sobre o Autor

Antonio Moreno Boregas e Rêgo

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Graduado no Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar; Pós Graduando em Docência em Ensino Superior pela SENAC; Policial Militar do GATE com curso de Aperfeiçoamento Profissional em Operações Especiais e em Contraterrorismo


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