Prescrição Penal Antecipada

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Resumo: Este artigo analisa, de acordo com  a Constituição (princípios do contraditório, ampla defesa, presunção de inocência e razoável duração do processo) e o Direito Penal nacional, a possibilidade de aplicação da prescrição antecipada, uma forma de prescrição não positivada em lei, mas adequada  ao nosso ordenamento jurídico, por estar em perfeita harmonia com o espírito garantidor das liberdades constitucionais e o regramento penal.

Palavras-chave: Prescrição antecipada. Divergência. Constitucionalidade. Ausência de previsão legal. Interpretação extensiva in bonam partem. Aplicação.

Sumário: Introdução. 1. Espécies de prescrição penal. 2. Conceito de Prescrição antecipada. 3. Da constitucionalidade. 3.1. Contraditório e ampla defesa. 3.2. Presunção de inocência. 3.3. Princípio da razoável duração do processo. 4. Ausência de previsão legal. 5. Efeitos da prescrição antecipada com relação aos antecedentes criminais e título executivo no cível. 5.1. Quanto aos antecedentes criminais. 5.2. Título executivo no cível. 6. O papel do Ministério Público na prescrição antecipada. 6.1. O titular da ação penal pública. 6.2. Custos legis. 7. Da aplicação da prescrição antecipada. 8. Conseqüências da não aplicação da prescrição antecipada. 8.1. Para a sociedade e o Poder Judiciário. 8.2. Para a economia processual. 9. Conclusão.

Introdução

A ocorrência de uma infração penal permite o início da persecução penal do infrator para que, empregado os meios legais, a ele seja estabelecida uma punição.

Estabelecida a punição, o Estado, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, tem o direito-dever de executá-la, submetendo o infrator ao que foi fixado no decreto condenatório.

A inércia ou retardamento, seja em exercer a persecução ou em executar a punição, pode acarretar a perda desses direitos por meio da prescrição.

O presente estudo se atém, especificamente, à possibilidade de incidência da prescrição antecipada e, para tanto, analisa a constitucionalidade do referido instituto e expõe as vantagens da sua aplicação.

1. Espécies de prescrição penal

A prescrição penal dá-se por duas formas legais: uma antes do trânsito em julgado da sentença e outra após o trânsito em julgado; sendo a primeira regulada pelo art. 109, do CP, e a segunda por disposição do art. 110, do mesmo diploma legal.

No primeiro caso, há perda da pretensão punitiva, uma vez que, antes de ser proferida a sentença definitiva, ocorre a prescrição com base nos prazos do art. 109, chamada de prescrição com base na pena em abstrato, ou seja, na maior pena aplicável às infrações penais.

Em relação ao segundo caso, o estado-juiz já proferiu sentença condenatória, transitada em julgado, gerando, dessa forma, o título executivo penal, mas que, no entanto, não foi executado no prazo legal, impedindo, portanto, a efetivação do comando condenatório, por causa da perda da pretensão executória.

Mister aduzir que dessa última modalidade de prescrição advêm duas outras: uma chamada de intercorrente ou superveniente (§ 1º, do art. 110) e a outra, de retroativa  (§ 2º, do art. 110), ambas serão mais explicadas no item subseqüente, porém, necessário dizer que a primeira ocorre no intervalo de tempo entre a sentença condenatória e a data do trânsito em julgado, só podendo ser decretada após o trânsito em julgado para a acusação, uma vez que a pena não poderá ser aumentada; enquanto que a segunda se estabelece da mesma forma, diferenciando-se, apenas, porque o termo inicial da prescrição se conta desde o recebimento da denuncia ou queixa.

Há, ainda, uma terceira forma de prescrição, qual seja, a prescrição antecipada, virtual ou hipotética, fruto de construção doutrinária, não estando legalmente positivada.

Essa forma de prescrição possui as mesmas características da prescrição contida no art. 110, § 2º, do CP (retroativa), tendo, dessa maneira, que preencher os requisitos dessa espécie de prescrição, ocorrendo apenas que, com relação à prescrição antecipada, há uma perspectiva da pena que será cominada em uma eventual condenação. Por isso, ser chamada, também, de prescrição com base na pena em perspectiva.

O fato de antecipar a prescrição prevista no art. 110 com base em uma pena em perspectiva gera uma recorrente discussão, sobretudo, no meio doutrinário.

Aqueles que argumentam haver impossibilidade de aplicação dessa modalidade de prescrição, o fazem com fundamento nos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, bem como por ausência de disposição legal que preveja tal possibilidade.

Por outro lado, existem os que defendem a possibilidade da aplicação da prescrição antecipada, pois esta não feriria princípios constitucionais, não acarretando, conseqüentemente, prejuízo para qualquer das partes, além de traduzir medida de celeridade e justiça.

Há, dessa forma, uma divergência sobre tal modalidade de prescrição, e é justamente dessa celeuma jurídica que o presente artigo tratará, de forma a analisar as questões constitucionais, além dos efeitos práticos da utilização dessa modalidade perante o direito penal, para, assim, aferir a viabilidade da prescrição antecipada.

2.  Conceito  de prescrição antecipada

Segundo o Dicionário Aurélio, prescrever significa limitar, perder a eficácia ou vigência, ao passo que prescrição é o ato ou efeito de prescrever, portanto, de tornar-se ineficaz, de não ser mais vigente. (FERREIRA, 2007, cd-rom)

Juridicamente, a prescrição é a perda do direito de o Estado-Juiz punir ou executar a punição de um autor de uma infração penal, em razão de inércia ou retardamento na efetivação do direito de pretensão punitiva ou executória, operando-se, com isso, a extinção da punibilidade.

Como afirmado no item anterior, existem duas formas de prescrição: a do art. 109[1] e a outra do art. 110,[2] ambas do Código Penal.

A prescrição do art. 110, por sua vez, divide-se em superveniente (§ 1º)[3] e retroativa (§ 2º)[4].

Na primeira, ocorre a prescrição entre a data em que foi proferida a sentença condenatória, com trânsito em julgado para a acusação ou não provido o recurso desta, e o trânsito em julgado da sentença, tratando-se, na verdade, de uma prescrição da pretensão punitiva, posto que se dará antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, havendo perda da pretensão punitiva, e não executória, pois não se formou título executivo penal. É a hipótese do § 1º, do art. 110, do CP.

A segunda ocorre quando, tomando-se por base a pena aplicada na sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou não provido o recurso desta, verifica-se haver prescrição com relação aos prazos anteriores à sentença, retroagindo a esta, razão pela qual se chama retroativa (§ 2º).

A idéia da prescrição antecipada ou virtual é uma combinação da prescrição do art. 110, § 2º, com a do art. 109, ambos do CP, tomadando por base a possibilidade de aplicar-se, hipoteticamente, uma pena, com observância dos elementos circunstanciais de majoração e diminuição cabíveis no processo, para chegar a um quantum condenatório que, adequando-se aos prazos previstos no art. 109, do CP, tornaria prescrita a pretensão punitiva do estado.

É, dessa forma, uma espécie de prescrição do art. 110, § 2º, mas que, no entanto, aplica-se antes de ser proferida a sentença condenatória transitada em julgado para a acusação, pois ela antevê, por meio dos elementos que constituem o processo, a pena que, indubitavelmente, seria aplicada ao caso em litígio e, a partir daí, observando o disposto no art. 109, declara a prescrição, a qual, inevitavelmente, irá ocorrer quando da prolação da sentença condenatória, na forma do art. 110, § 2º. (CAPEZ, 2003)

Ocorre conforme abaixo exemplificado.

Uma pessoa acusada pelo cometimento do crime de corrupção passiva, cujo máximo possível da pena aplicada é de doze anos de reclusão[5], mas que – diante das circunstâncias judiciais de aplicação da pena, das circunstâncias agravantes e causas de aumento – o juiz verificar que, indubitavelmente, a pena aplicada não ultrapassará o mínimo estabelecido, dois anos (pena em perspectiva), e que entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa, ou entre o recebimento da denúncia e a prolação da sentença, já decorreu o prazo prescricional, que, de acordo com o art. 109, é de quatro anos, deverá declarar a prescrição antecipada, extinguindo a punibilidade.

Assim, a prescrição antecipada, como o próprio nome revela, nada mais do que uma antecipação da prescrição retroativa do art. 110, parágrafo segundo, só que aplicada em momento imediato ao seu reconhecimento, ao passo que a retroativa só se aplica após o trânsito em julgado para a acusação, uma vez que, não havendo recurso da acusação ou tendo este sido não provido, a pena cominada na sentença condenatória não poderá ser aumentada em segunda instância, devido ao princípio da non reformatio in pejus.

3.  Da constitucionalidade

Para o professor José Afonso da Silva, a Constituição “é a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas”. (SILVA, 2003, p. 45)

Corroborando com essa afirmação, a Constituição, como lei suprema de um Estado, deve sempre ser observada não apenas quando da criação de novas cartas normativas, mas também quanto à viabilidade de novos institutos doutrinários ou jurisprudenciais, pois estes, ao passo que se podem distanciar das normas infraconstitucionais, jamais deverão se afastar das diretrizes esculpidas na Carta Política.

Sendo assim, urge a necessidade de analisar a prescrição antecipada face aos princípios do contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, celeridade, todos positivados na Carta Política de 1988.

Antes, porém, para que se possa contra-argumentar o pensamento contrário, trazemos à baila posicionamento que sintetiza o entendimento dos demais contrários à aplicação da prescrição antecipada:

“A prescrição antecipada toma como base dado aleatório, ou seja, suposta data de trânsito em julgado da sentença, ou de hipotética condenação. Há evidente obstáculo constitucional. A condenação não pode ser aceita pela parte. Urge desenvolver o processo em todas as etapas. Só a sentença gera o status de condenado. Impor-se-iam, ademais, todas as conseqüências de que são exemplos configuração de antecedentes penais e título executório no cível. Insista-se, inadmissíveis em nosso quadro constitucional. A condenação reclama o devido processo legal”. (MIRABETE, 2005, p. 829)

3.1. Contraditório e ampla defesa

Contraditório e ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF/88)[6] são corolários do princípio do devido processo legal, due process of law, (art. 5º, inciso LIV, CF/88)[7]; sendo a ampla defesa o direito assegurado ao acusado que lhe permite condições de trazer ao processo todos os elementos que possam conduzir à verdade, inclusive o direito de calar-se ou omitir-se; enquanto o contraditório é, justamente, a exteriorização do direito à ampla defesa, pois impõe a dialética no processo, permitindo às partes que para cada manifestação de uma corresponda a possibilidade de manifestação da outra.(MORAIS, 2004)

Os descrentes na possibilidade de aplicação da prescrição antecipada argumentam que a sentença responsável por extinguir a punibilidade antecipadamente, impossibilitaria o acusado de defender-se – produzindo as provas necessárias, bem como contraditando a acusação – até a sentença de mérito do crime que lhe é imputado, cerceando-lhe, assim, o direito de provar sua inocência.

Ao argumento acima se deve fazer a seguinte indagação: a sentença que extingue a punibilidade em razão da prescrição com base na pena em abstrato não impede, da mesma forma, o acusado de, até o julgamento do metirum causae, produzir provas, bem como contraditar a acusação?

A resposta à indagação supra é sim, pois a prescrição com base na pena em abstrato toma por base a maior pena aplicada ao delito e, empregando as causas interruptivas da prescrição, deve ser declarada caso tenham decorrido, entre as fases processuais, os prazos estabelecidos no artigo 109 do CP, sendo, portanto, declarada antes da sentença de mérito, impedindo o esgotamento da ampla defesa e do contraditório.

Da mesma forma, portanto, ocorrerá quando da aplicação da prescrição antecipada, ou seja, não haverá o esgotamento da ampla defesa e do contraditório, pois a extinção da punibilidade se dará antes da sentença de mérito.

Assim, não se pode dizer que a prescrição antecipada ou virtual viola o direito ao contraditório e ampla defesa, sob pena de estar, também, por tal argumento, afirmando o mesmo quanto à prescrição com base na pena em abstrato.

3.2. Presunção de inocência

A presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, CF/88)[8], por sua vez, consiste no direito que possui o jurisdicionado de ser presumidamente considerado inocente, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. É a segurança de que ninguém será submetido aos efeitos da condenação até que se tenha um provimento judicial definitivo.

Aqueles contrários ao reconhecimento da prescrição antecipada aduzem ser esta, também, atentatória à presunção de inocência, uma vez que se estaria antecipando os efeitos da prescrição retroativa com base em uma pena virtualmente aferida, presumindo, dessa forma, uma condenação, ou seja, que o acusado teria sido condenado a uma pena, embora não houvesse uma sentença de mérito.

O que os incomoda, portanto, é o fato da prescrição antecipada dar-se antes de uma sentença de mérito, ao passo que a prescrição retroativa, como já afirmado, dar-se somente após o trânsito em julgado para a acusação, preservando o princípio supra, já que haveria uma sentença condenatória legitimando a pena cominada.o, preservando o princa acusaçça sentença de mescriç pena, mas em raz

Ora, o fato de haver uma suposta condenação, antes de se ter uma sentença de mérito, não significa um atentado ao princípio da presunção de inocência, pelo menos no caso da prescrição virtual, porque, como o próprio nome nos informa, a condenação é virtual, imaginária, baseada em uma pena hipotética, porém possível de ser vislumbrada, palpável, não havendo, portanto, condenação real, mas apenas considera-se a possibilidade de haver uma condenação ao final do processo e que a pena aplicada nessa condenação seja atingida pela prescrição retroativa.

Além do mais, basta lembrar que a prescrição retroativa, apesar de dar-se após uma sentença condenatória transitada em julgado para a acusação, não representa a afirmação do estado de culpabilidade do acusado, pois, como se sabe, não houve, ainda, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como enfatiza o art. 5º, inciso LVII, o que leva a afirmar que o acusado ainda não pode ser considerado culpado, mas, no entanto, já existe uma pena cominada contra ele, a qual poderá ou não ser confirmada em segunda instância.

Portanto, o fato de na prescrição antecipada não existir uma sentença penal condenatória, não leva a uma quebra do princípio da presunção de inocência, pois, como na prescrição retroativa, que possui uma sentença condenatória, o estado de inocência do réu permanece, continuando, pois, como acusado, e não como culpado porque, de qualquer forma, existe para ele uma presunção de inocência, uma vez que não houve, ainda, o trânsito em julgado.

3.3. Princípio da razoável duração do processo

A razoável duração do processo é princípio constitucional recentemente positivado pela Emenda Constitucional nº. 45, inserido no artigo 5º, inciso LXXVIII do corpo constitucional, possuindo a seguinte redação: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.(2007)

Tal princípio confirma uma garantia ao jurisdicionado de ter, enquanto litigante, um processo com demora razoável, isto é, que seja concluído dentro de um tempo adequado, para que, assim, possa valer-se do Judiciário para resolver seus conflitos de interesses, os quais, como conflitos sociais, urgem por uma breve pacificação, em nome da paz social.

Perceba que a prescrição está intimamente relacionada a este princípio. Possui o mesmo objeto deste, qual seja, a garantia, para o acusado, de uma razoável duração processual. E vai mais além, uma vez que põe termo ao processo e garante não só uma duração razoável deste como, também, a liberdade do réu.

A prescrição antecipada, da mesma forma, faz jus ao raciocínio do parágrafo anterior, haja vista extinguir a punibilidade, como fazem as demais formas de prescrição.

No entanto, vai mais além do que as formas positivadas de prescrição: é mais garantidora do princípio da razoável duração processual, justamente porque, ao contrário dessas outras formas de prescrição, com exceção àquela do 109 CP[9], antecipa o resultado previsível de uma relação processual penal, no caso, uma extinção da punibilidade, o que, se fôssemos levar em conta a prescrição retroativa, só poderia ser feito após o trânsito em julgado para a acusação, em outras palavras, o jurisdicionado, então acusado, permaneceria à mercê de uma acusação criminal, mesmo sabendo que, ao final dela, seria declarada a prescrição e, conseqüentemente, extinta a punibilidade.

Desse modo, a prescrição virtual, como as demais formas de prescrição, adéqua-se ao princípio constitucional em questão e está bem mais próxima deste do que a forma de prescrição retroativa (art. 110, 2, CP), pois encurta ainda mais a duração de um processo fadado à declaração de extinção da punibilidade.

4.  Ausência de previsão legal

A ausência de dispositivo normativo que preveja a prescrição antecipada tem sido motivo para refutar a possibilidade de sua aplicação. Por todos, STF e STJ:

“COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – CESSAÇÃO DE MANDATO – AGRAVO REGIMENTAL. Estando o agravo regimental voltado a infirmar ato de integrante do Supremo, a este incumbe o julgamento, mostrando-se neutra a cessação do mandato gerador da prerrogativa de foro. RECURSO – ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO – PRESCRIÇÃO VIRTUAL – DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA – JULGAMENTO. Surgindo a prerrogativa de o investigado ter o inquérito em curso no Supremo, cumpre ao Juízo, defrontando-se com recurso em sentido estrito, remeter os autos ao Tribunal competente, atuando este sob o ângulo da revisão do que decidido. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. Inexiste norma legal que, interpretada e aplicada, viabilize assentar a prescrição da pretensão punitiva considerada possível sentença condenatória.” (Inq 3574 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 15-06-2015 PUBLIC 16-06-2015).

“SÚMULA N. 438-STJ: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.”

O instituto da prescrição, pela legislação vigente, encontra-se regulamentado pelo Código Penal, sendo, assim, de natureza material.

No entanto, não obstante a capitulação no código penal, tem-se entendido que tal instituto possui característica mista, ou seja, tanto de direito material quanto de direito processual, pois o seu objeto, que é a extinção da punibilidade, produz reflexos no processo, com a sua extinção, ou o arquivamento dos autos do inquérito. (FUHRER, 2002)

No obstante, mesmo concordando ser a prescrição instituto apenas de direito material, deve-se observar que se trata de fonte formal imediata (advinda da lei) não incriminadora (não descreve tipo penal), o que permite interpretação extensiva do seu significado, desde que, obviamente, tal interpretação se dê in bonam partem, ou seja, em benefício do acusado.

Como se sabe, a lei penal pode ser interpretada de forma autêntica, doutrinária ou jurisprudencial. Na primeira, a interpretação é realizada pela própria lei ou por outra lei que, no seu contexto, explica o dispositivo. A segunda forma é estabelecida pelos estudiosos do direito e a terceira por decisões reiteradas dos tribunais.

Quanto ao modo, a interpretação pode ser gramatical, teleológica, lógica, histórica, sistemática, progressiva, de direito comparado e sociológica.

Quanto ao resultado, pode ser declarativa, extensiva ou restritiva.

A prescrição antecipada, por sua vez, para ser interpretada, urge a necessidade de invocar a fonte doutrinária e o modo teleológico.

Pois bem, o modo teleológico permite que o intérprete descubra o espírito da lei, ou seja, com qual finalidade foi editada, perquire-se a intenção do legislador.

A intenção do legislador, ao positivar a prescrição penal, não é outra senão declarar a perda do ius puniendi Estatal, ante sua inércia, revelando a intenção primordial de garantir, em nome da segurança jurídica, a liberdade do acusado.

Admitindo ser esta a intenção do legislador, pode-se dizer que este – apesar de ter, no caso da perda da pretensão punitiva, vislumbrado, apenas, a prescrição superveniente e retroativa – quis estabelecer não só estas hipóteses, mas todas aquelas que se mostrarem possíveis de preservar a segurança jurídica do acusado, diante da ineficiência do Estado.

Ocorre que o legislador, naturalmente, não foi capaz de prever todas as hipóteses nas quais poderia ocorrer a perda da pretensão punitiva do Estado.

Logo, deve-se concluir pela interpretação teleológica e de forma extensiva para dar elasticidade interpretativa ao parágrafo segundo do artigo 110 (prescrição retroativa) e alcançar a possibilidade de aplicação antecipada dos seus efeitos, de modo a reconhecer, assim, o cabimento da prescrição antecipada. 

Ora! Isso já aconteceu com a própria prescrição retroativa, a qual não estava positivada até a metade da década de 70, mas era acatada pelos tribunais da época, inclusive o próprio STF, que chegou a editar a súmula 146[10]. Todavia, tal modalidade prescricional somente foi positivada em 24 de maio de 1977, pela Lei 6416, que a inseriu no Código Penal Brasileiro. (MESQUITA JUNIOR, 2007),

Da mesma forma que o legislador daquela época não conseguiu prever a possibilidade da prescrição retroativa, não conseguiu, nos dias atuais, prever e positivar a prescrição antecipada, o que não impede os tribunais, inclusive o STF, de fazer com a prescrição antecipada o mesmo que se fez com a prescrição retroativa antes de ser positivada, ou seja, acatá-la e aplicá-la nos casos possíveis.

5. Efeitos da prescrição antecipada com ralação aos antecedentes criminais e título executivo no cível

5.1. Quanto aos antecedentes criminais

A prescrição da pretensão punitiva, como foi visto, acarreta a extinção da punibilidade para o acusado, impossibilitando que o Estado-Juiz prossiga na persecução penal e, conseqüentemente, aplique sanção em virtude do fato criminoso imputado.

A extinção da punibilidade, por sua vez, além da não punição do acusado, apaga o caráter delituoso do fato, de forma como se a ação penal jamais houvesse acontecido, bem como, para fins criminais, equipara-se à absolvição, não subsistindo os efeitos secundários da condenação como, por exemplo, pagamento das custas e reincidência.(MESQUITA JUNIOR, 2007)

O acusado que se beneficia com a extinção da punibilidade, em razão da prescrição, seja ela com base na pena em abstrato, retroativa, superveniente ou antecipada, não terá, em razão de tal extinção, antecedente criminal desfavorável, haja vista não ter sido, ainda, sequer julgado o mérito da causa, restando indefinida a autoria do fato.

Para a corrente contrária à prescrição antecipada, conforme exposto no item 3, ela também se torna inadmissível por considerar-se que gera antecedentes criminais, mesmo sem o completo contraditório e ampla defesa, para o acusado que dela se beneficia e acarretaria prejuízo (reincidência) para ele em processos futuros.

Quanto ao contraditório e ampla defesa, já foi dito no item 3.1 que esses, tanto na prescrição antecipada, como em qualquer outra forma de prescrição, não precisam ser esgotados quando ocorre o fenômeno da prescrição.

Por outro lado, admitir o argumento de que a prescrição antecipada gera antecedentes criminais é afirmar que se deve atribuir o mesmo efeito no caso da aplicação da prescrição retroativa. Agindo assim, porém, se estará negando um princípio fundamental esculpido pela nossa Carta Política, que é o da presunção de inocência.

Insta, portanto, convencionar-se que a prescrição antecipada, da mesma forma que a retroativa, deve atender ao princípio da presunção de inocência e, com isso, não ter como efeito a produção de antecedentes criminais desfavoráveis ao acusado, pois este não foi declarado infrator, haja vista ter sido extinta a punibilidade, sem que se tenha, dessa forma, transitado em julgado uma sentença penal condenatória em seu detrimento.

5.2. Título executivo no cível

O art. 63, do CPP, aduz que “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.(2007)

A perda da pretensão executória, que, como visto, se dá após o transito em julgado da sentença penal condenatória, gera para o condenado tanto a obrigação de pagar as despesas do processo como o título executivo penal (para fins de execução penal), que poderá ser executado no juízo cível, bem como produz antecedentes criminais em seu desfavor, pois o Estado, apesar de ter demorado em executar a pena imposta, foi eficiente para atribuir ao condenado a autoria pela prática do fato que lhe fora imputado.

Por outro lado, quando se trata de pretensão punitiva, não haverá, além das outras conseqüências acima, a possibilidade da vítima, seu representante legal ou herdeiros, de utilizar no juízo cível o título executivo penal, simplesmente porque não houve produção de título executivo penal, uma vez que não transitou em julgado a sentença condenatória.

No entanto, no caso da prescrição da pretensão punitiva, em qualquer uma das formas (retroativa, superveniente ou antecipada), por não haver trânsito em julgado da sentença, não há a definição da autoria do fato.

O artigo 935 do Código Civil, por sua vez, dispõe ser a “responsabilidade civil independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. (2007)

Dessa maneira, não decidido no Juízo criminal quem foi o autor do fato criminoso, poderá a vítima, seu representante legal ou herdeiro (e porque não o cônjuge sobrevivente) ajuizar uma reparação do dano no Juízo cível, que poderá, apesar de não revelada a autoria da infração no Juízo penal, atribuir a autoria do crime ao acusado beneficiado com a prescrição e, se o fato constituir um ato ilícito civil, conceder a reparação do dano suportado.

Tal raciocínio é tão flagrantemente lúcido e pertinente que o artigo 67 do Código de Processo Penal tem a seguinte redação: “Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I – (omissis); II – a decisão que julgar extinta a punibilidade; III – (omissis)”. (2007)

Sendo assim, a perda da pretensão punitiva em razão de tal prescrição não gera para a vítima a possibilidade de executar o título penal no Juízo cível, pois inexiste título penal, ante a ausência de trânsito em julgado da sentença condenatória. Todavia, não impede que se maneje, no Juízo civil, uma ação de conhecimento para obtenção de um título judicial, a fim de reparar o dano suportado em razão do fato criminoso cuja apuração não esgotou-se completamente no juízo penal.

6.  O papel do ministério público na prescrição antecipada

A constituição de 1988 trouxe para o Ministério Público as mesmas garantias estabelecidas para os magistrados, bem como dotou a instituição de autonomia financeira, deu-lhe independência funcional e demais recursos necessários para assegurar ao Fiscal da Lei o bom desempenho de suas funções.

No processo penal, em especial, o Ministério Público age como parte e fiscal da lei ao mesmo tempo, pois propõe a ação penal visando à condenação do acusado, mas, concomitantemente, fiscaliza, de modo imparcial, a aplicação da lei ao caso.

6.1 O titular da ação penal pública

Tal instituição, além de outras funções que lhes são peculiares, possui uma que pode ser considerada primordial: a titularidade da ação penal pública.

Pelo disposto no artigo 129, inciso I, do Corpo Constitucional, incube ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, pois o crime que se processa mediante ação pública é de interesse do Estado, haja vista ser uma das funções deste defender a sociedade de atos atentatórios à segurança, de forma a preservar o pacto social idealizado por Jean-Jacques Rousseau em O Contrato Social.

É o órgão do parquet, portanto, nos casos de ação pública condicionada ou não à representação, que oferecerá denúncia, a qual, se recebida pelo magistrado, dará início à ação penal.

Apesar de ser o titular da ação penal pública, o órgão ministerial não é um acusador cego, pelo contrário, é um promotor da justiça, devendo, quando revelarem-se insuficientes as provas de autoria e materialidade do fato, pedir a absolvição do acusado, ou, quando não estiverem presentes sequer indícios de autoria e materialidade, deixar de propor a denúncia, pedindo, em conseqüência, o arquivamento do inquérito.

Da mesma forma, o Ministério Público quando observar a presença de causa extintiva da punibilidade, como a prescrição, deverá pugnar pelo seu reconhecimento, pois sua função não é a de, simplesmente, acusar, mas a de velar pela aplicação da lei.

Alguns doutrinadores, por não concordarem com a prescrição antecipada, preferem dizer que o Ministério Público poderá pedir o arquivamento, nos casos de prescrição antecipada, porque há falta de uma das condições da ação, que é o interesse de agir, uma vez que a ação penal não será mais útil para a condenação do acusado, pois, mais na frente, haverá a declaração da prescrição retroativa.

Com isso, no entanto, adota-se uma postura tímida, pois se percebe que admite-se a incidência de uma pena hipotética, antes mesmo da ação penal, e, de certo modo, a antecipa, para poder justificar a falta de interesse de agir por parte do Ministério Público.

Para essa doutrina, se a verificação da prescrição antecipada se der durante a ação penal, deverá o processo ser extinto sem julgamento de mérito, com base no artigo 267, inciso VI do Código do Processo Civil, revelando uma espécie de carência da ação por motivo superveniente.

Data venia a referido entendimento, é preciso deixar de lado subterfúgios jurídicos para não se reconhecer a prescrição antecipada, pois tais argumentos nada mais são do que a prescrição antecipada travestida de carência da ação em razão da ausência do interesse de agir. Tudo isso para, simplesmente, não se aplicar a prescrição antecipada quando, na verdade, ela foi considerada, como se infere da própria argumentação utilizada.

Assim, como as demais formas de prescrição, a prescrição antecipada roga ser reconhecida pelo Ministério Público, que é, também, defensor de um dos mais importantes bens jurídicos tutelados, a liberdade.

6.2. custos legis

Como fiscal da lei, o Ministério Público deverá ser tão imparcial quanto o juiz, pois cabe a ele a fiscalização da própria atuação jurídica do magistrado, se foram obedecidos os preceitos legais pertinentes ao caso por aquele julgador.

A prescrição, independente da vontade do acusador ou do julgador, ocorre como fenômeno cronológico que incide no processo.

Como o parquet, ao mesmo tempo que patrocina a ação penal, é fiscal da aplicação da lei em relação a esta, deve, nos casos em que haja ocorrido qualquer forma de prescrição, suscitá-la em benefício do acusado, satisfazendo a vontade da lei, que é justamente a liberdade de alguém em face do comportamento moroso do Estado.

Percebe-se, portanto, nos casos de prescrição, que há uma “pesagem” de valores dos bens jurídicos tutelados. De um lado, o direito do Estado de punir o acusado. Do outro, o direito do acusado à liberdade.

O resultado não poderia ser outro senão a sobreposição do direito de liberdade em relação ao direito de punir, principalmente no caso da prescrição, pois o Estado não puniu porque foi ineficiente.

Dessa maneira, o Ministério Público, ao se comportar como custus legis, não pode deixar de pugnar, quando previsível, a aplicação da prescrição virtual, a qual nada mais é do que a prescrição retroativa antecipada.

Destarte, o custos legis, uma vez titular da ação penal pública, observará, também, sob o prisma da legalidade, se o caso em apreciação comporta a antecipação da prescrição retroativa e requer a sua declaração nas hipóteses verificadas.

7. Da aplicação da prescrição antecipada

Como se sabe, a todo tipo penal corresponde uma pena que estabelece o mínimo e o máximo da punição a ser aplicada àquele que praticar a conduta descrita.

Dessa maneira, a lei penal estabelece um quantum variável entre esse mínimo e o máximo previsto para que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, atendendo a critérios de fixação da pena, determine qual a pena suficiente para a reprovação daquele ato praticado.

A fixação da condenação no mínimo da pena prevista na lei consiste em direito subjetivo do autor e não pode ser objeto de majoração por mera discricionariamente, sem que se encontre respaldo nos autos.

O artigo 68 do Código Penal dispõe que “a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de aumento e de diminuição”.(2007)

Assim, o magistrado, ao aplicar a pena, deverá começar pela fixação da pena base, partindo do mínimo legal previsto, avaliando, portanto, como disciplina o artigo 59 do CP, a culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias do crime e o comportamento da vítima.

Ao analisar as questões supra, chamadas de circunstâncias judiciais, o magistrado deverá fixar a pena-base no mínimo legal; a não ser que tais circunstâncias sejam desfavoráveis ao acusado, razão que autorizará a fixação acima do mínimo previsto.

No entanto, sejam ou não as circunstâncias desfavoráveis ao acusado, o juiz deverá fundamentar cada uma delas demonstrando a razão que o levou a considerá-las, positiva ou negativamente, na fixação daquela pena.

Em seguida prosseguirá à análise das circunstâncias atenuantes e agravantes para, só então, chegar às causas de aumento e diminuição, devendo estar tudo devidamente fundamentado.

A fundamentação na fixação da pena deve acontecer para que a parte eventualmente interessada entenda a razão pela qual o magistrado chegou àquele quantum e, a partir disso, caso discorde do montante estabelecido, possa contradizer tal fixação, fazendo sua argumentação em cima da fundamentação utilizada pelo juiz.

Só dessa forma poderá ser assegurado o contraditório, afinal, como a parte interessada poderia se opor à fixação de uma pena se nem sequer houve uma exposição de motivos por parte de quem a estabeleceu?

A prescrição antecipada, por sua vez, ao passo em que se vislumbra uma pena a ser aplicada, deverá se originar de uma sentença judicial que, mesmo de modo sucinto, avalie as três etapas de fixação da pena, necessariamente, com suas respectivas fundamentações.

Não se quer aqui que o magistrado, ao declarar a prescrição antecipada, realize a aplicação da pena nos moldes de uma sentença condenatória, até porque não poderia, uma vez que não haverá se esgotado, ainda, toda a instrução processual; mas é preciso que ele profira uma sentença que faça, no seu conteúdo, uma projeção da pena hipoteticamente vislumbrada – aferindo, como se faz nas sentenças condenatórias, as circunstâncias judiciais, bem como atenuantes, agravantes, causas de aumento e diminuição – para obter uma pena virtual, mas, no entanto, devidamente fundamentada, de maneira que se justifique nitidamente plausível a possibilidade de aplicação da prescrição antecipada.

Essa fundamentação na aplicação da prescrição antecipada tem a mesma razão da fundamentação nas sentenças condenatórias, pois possibilitará ao querelante ou ao Ministério Público o conhecimento dos motivos que levaram o juiz a declarar aquela prescrição e, assim, os permita, caso discordem, contrariar os argumentos utilizados, de modo a preservar o contraditório.

Portanto, a sentença que extinguir a punibilidade, ou a decisão que determinar o arquivamento do inquérito em razão da prescrição antecipada, deverá conter uma sucinta, porém, satisfatória avaliação dos critérios de fixação da pena, de modo que demonstre a inevitável ocorrência superveniente da prescrição retroativa, hipótese imprescindível para que se aplique a prescrição antecipada.

8.  Conseqüências da não aplicação da prescrição antecipada

8.1. Para a sociedade e poder judiciário

O Estado Democrático de Direito possui uma tríplice função, qual seja, administrativa, que exerce por meio do Poder Executivo, Legiferante, por meio do Poder Legislativo, e Jurisdicional, por intermédio do Poder Judiciário. (CAMARA, 2004)

No entanto, o poder do Estado é uno e indivisível, muito embora suas funções se realizem por diferentes esferas deste poder.

Legislativo, Executivo e Judiciário, portanto, como funções do poder uno e indivisível do Estado, convergem para alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito.

Por tal unicidade e indivisibilidade do poder estatal, pode-se dizer que os princípios positivados no art. 37 da CF/88, para a administração pública, estendem-se, também, ao Legislativo e Judiciário, haja vista adequarem-se ao objetivo do Estado, ou seja, o de bem prestar estas funções.

Dessa forma, o Poder Judiciário deve trilhar seu caminho visando à eficiência da sua prestação jurisdicional.

A eficiência, por sua vez, “impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar” (DI PETRO, 1988, p. 73-74).

Assim, eficiência resulta em eficácia, em resultados.

Imagine uma demanda judicial, decorrente do cometimento de uma infração penal,  visando a punição do agente infrator. É o Estado exercendo, por meio da função jurisdicional, sua pretensão punitiva, em nome da sociedade.

Agora, imagine ter sido esta pretensão realizada de forma morosa, a ponto de, após proferir-se uma sentença e esta transitar em julgado para a acusação, resultar fracassada. Haverá uma atuação estatal que, por ineficiência, se mostrou improdutiva, sem resultado, haja vista ser o objetivo de tal atuação a punição de um verdadeiro infrator.

Isso é o que ocorre com a prescrição retroativa, pois, diante da inércia do Estado, decorreu o tempo da prescrição da pretensão punitiva, a qual será declarada em sentença, após o trânsito em julgado para a acusação, extinguindo a punibilidade em favor do acusado, retirando, por sua vez, o direito do estado de pretender a punição, submetendo a sociedade a um estado de incerteza quanto à verdade dos fatos.

É razoável dizer que houve uma ineficácia do poder jurisdicional do Estado, que este não cumpriu uma de suas funções, qual seja, a de garantir à sociedade a pacificação dos litígios, trazendo a conseqüente paz social.

Não seria menos razoável, outrossim, considerar que diante de tal inatividade resulta um imenso prejuízo para a população e esta, por sua vez, sente-se desacreditada no Poder do Estado, o qual indiscutivelmente demonstra ser ineficiente.

Houve, portanto, uma frustração da sociedade com relação à expectativa de ver o infrator condenado, notadamente porque o Estado não cumpriu com o seu dever, sendo ineficiente. 

Pense agora no caso de ser aplicada a prescrição antecipada. O Estado, da mesma forma, não cumprirá o seu dever, haja vista ter sido, também, declarada a extinção da punibilidade, deixando o infrator livre de punição.

Ocorre que, nesse caso, as expectativas da sociedade não serão prolongadas até o trânsito em julgado para acusação (como é na prescrição retroativa), pois o Estado, utilizando o instituto da prescrição virtual, anteciparia a prescrição retroativa, que inevitavelmente iria acontecer, deixando a sociedade ciente, mais cedo, do seu fracasso, da não- punição do infrator.

Assim, ao passo em que a prescrição retroativa cria falsas expectativas para a sociedade, visto que a condenação não ocorrerá; a prescrição antecipada evita o prolongamento das expectativas da sociedade, amenizando a frustração desta, que espera uma condenação, mas se deparará, mais à frente, com a prescrição retroativa, resultando em uma impunidade do acusado.

 Por conseguinte, a não aplicação da prescrição antecipada traduz para a população um descrédito com relação ao Poder Judiciário, pois este, mesmo sabendo da sua ineficiência em julgar o acusado, retarda a consumação de sua ineficácia, deixando a sociedade formar expectativas, para, no final, serem frustradas, em razão da aplicação da prescrição retroativa.

Ademais, o não reconhecimento da prescrição antecipada configura mais processos pendentes e, conseqüentemente, mais demora na prestação jurisdicional do Estado, que, por sua vez, será cada vez mais ineficiente e desacreditado.

8.2. Para a economia processual

Além de sofrer o descrédito por parte da população, o Poder Judiciário distancia-se de um princípio muito observado e de suma importância nos dias de hoje, que é o princípio da economia processual.

A economia processual consiste na redução dos atos desnecessários dentro do processo, evitando o desperdício de tempo e recursos, tanto humanos quanto materiais, quando de outra forma se puder agir e chegar ao mesmo fim.

Exemplo de economia processual é o litisconsórcio no processo civil, onde os litigantes, para evitar a abertura de vários processos, se reúnem em um único processo como componentes de um mesmo pólo.

A prescrição antecipada, da mesma forma, atende ao princípio da economia processual, pois, por tudo já explicado, antevê um resultado inevitável para o processo, que é a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa.

Nota-se que a prescrição antecipada evita: o desperdício de tempo, haja vista ser declarada antes da sentença transitar em julgado para acusação; de pessoal, que trabalhará em razão daquele processo; de recursos materiais, que serão gastos com a continuidade do processo.

Sendo assim, não reconhecer a prescrição antecipada representa uma não- observância do princípio da economia processual e acarreta um gasto desnecessário para o Poder Judiciário.

9. Conclusão

A prescrição antecipada, apesar de refutada pelos tribunais pátrios, não afronta a Carta Política porque não contraria os princípios nela expressos e adéqua-se, perfeitamente, ao espírito garantidor das liberdades esculpido no texto constitucional.

Ademais, é adequada ao nosso sistema normativo penal e pode ser aplicada mesmo diante de uma ausência de previsão legal expressa porque é possível atribuir interpretação extensiva ao dispositivo da prescrição retroativa para alcançá-la (prescrição antecipada), a qual nada mais é do que uma forma de prescrição que o legislador, infelizmente, não pôde prever.

Mais ainda! Consiste não apenas em uma forma plausível de prescrição, mas, também, em um direito para o acusado e uma necessidade para o Estado.

Necessária para o Estado-Juiz uma vez que este não deve insistir em uma acusação que está fadada ao insucesso, diante da futura e inevitável incidência da prescrição retroativa, sob pena de contribuir para o acúmulo de processos, bem como aumentar a morosidade e tornar-se cada vez mais desacreditado perante a população.

O Estado, por meio do Poder Judiciário e do Ministério Público, tem outros processos para oficiar e não os deve prejudicar em razão daqueles que, pela demora, não produzirão êxito.

Para o acusado, a prescrição antecipada constitui-se em uma medida de segurança jurídica, posto que lhe afasta a incerteza quanto ao seu status libertatis e define a extinção da punibilidade para o fato ilícito que lhe é imputado.

Por todas as razões apresentadas, conclui-se que a prescrição virtual, instituto criado pela doutrina, deve ser acatada pelos tribunais pátrios, pois sua aplicação constitui medida de justiça.

Referencias
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 10 ed., Rio de Janeiro:  Lúmen Júris, 2004.vol. 1
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.  Novo dicionário Eletrônico Aurélio. versão 5.0.1 CD-ROM
FÜHRER, Cláudio Américo Maximilianus e FÜHRER, Maximiliano Ernesto. Resumo de Direito Penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.(Coleção Resumos)
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2007. (vol. 1)
GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel e CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 19. ed.  São Paulo: Malheiros, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MESQUITA JÙNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição Penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Coleção Temas Jurídicos)
MORAIS, Alexandre de Morais. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo:  Atlas, 2004.
WIKIPEDIA a enciclopédia livre. Disponível em: <http:www.pt.wikipedia.org>. Acesso em: 27/10/2007.
 
Notas:
[1] “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede oito; IV – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; V – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano”.

[2] “A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente”.

[3] “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada”.

[4] “A prescrição de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa”.

[5] CPB, artigo 317: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

[6] “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

[7] “ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

[8] “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”

[9] “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; V – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano”.

[10] “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”.


Informações Sobre o Autor

Filipe Amorim Silva Fernandes Teixeira

Bacharel em Direito Pela Universidade Potiguar


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