Organizações Sociais: Inconstitucionalidades na Lei 9.637/1998

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Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar dispositivos da Lei 9.637/1998 que estão em conflito com a Constituição Federal de 1998. Tal lei versa sobre organização social, a qual é uma entidade do terceiro setor que atua ao lado e em colaboração com o Estado na prestação de serviços de interesse público. O trabalho inicia-se com uma breve explanação sobre as entidades paraestatais, focando nas organizações sociais. Posteriormente, são analisados certos princípios constitucionais que estão em colisão com a Lei 9.637/1998. Por fim, os artigos inconstitucionais presentes na lei da organização social são estudados. O trabalho foi realizado, principalmente, sob a ótica de doutrinas renomadas, da atual Constituição Federal e da Lei 9.637/1998.

Palavras-chave: organização social, Constituição Federal, inconstitucionalidade

Abstract: This present work aims on analyzing the provisions of the Brazilian Act 9.637/1998 that are currently in conflict with the Federal Constitution from 1998. This Act covers about social organization, which is a Third Sector entity that acts in accordance with the State on the provision of services regarding the public interest. This work starts with a brief explanation about parastatal entities, focusing on the social organizations. Following up an inspection of certain constitutional principles which clash with the Brazilian Act 9.637/1998. Finally, this piece analyzes unconstitutional articles present in the Brazilian Act about social organization. This work was mainly composed through standpoints of renowned doctrines from the current Federal Constitution and the Brazilian Act 9.637/1998.

Keywords: social organization, Federal Constitution, unconstitutional.

Sumário: Introdução. 1. Entidades paraestatais. 1.1 Organizações Sociais. 2. Inconstitucionalidades na Lei 9.637/1998. 2.1 Princípios constitucionais. 2.2 Dispositivos inconstitucionais na lei 9.637/1998. Considerações finais. Referências bibliográficas.

Introdução

A organização social foi criada com a ideia de auxiliar o Poder Público na prestação de serviços de interesses sociais, entretanto, o que se verifica na prática são inúmeras inconstitucionalidades na lei que rege tal entidade.

Importante é o tema apresentado, pois a lei da organização social deve ser revista, a fim de assegurar tanto a supremacia do interesse público, quanto o respeito à Constituição Federal.

Para atingir o objetivo do trabalho, este artigo foi dividido em dois capítulos, os quais contêm subcapítulos. No primeiro capítulo tem-se uma breve explanação sobre as entidades paraestatais, e, no subcapítulo seguinte, as organizações sociais, espécie de entidade paraestatal, são estudadas especificamente. Em seguida, o capítulo dois versa sobre as inconstitucionalidades na Lei 9.637/1998, para tanto, o subcapítulo subsequente trata sobre princípios constitucionais e reconhecidos pela doutrina nacional. Por fim, o último subcapítulo especifica os dispositivos na lei das organizações sociais que estão em confronto com a atual Constituição Federal.

1. Entidades paraestatais

A Administração Pública se divide em administração direta e indireta; esta exerce atividades descentralizadas e é possuidora de entidades com personalidade jurídica própria, aquela exerce atividades centralizadas e é composta por órgãos desprovidos de personalidade jurídica.

Ocorre que, órgãos e entidades da Administração Pública formal, por vezes, não conseguem atender de forma satisfatória a todas as demandas da sociedade. Neste viés encontram-se as entidades paraestatais, as quais são pessoas privadas, sem fins lucrativos e, ainda que não integrantes da Administração Pública direta ou indireta, auxiliam o governo na prestação de serviços de utilidade pública não exclusivos do Estado.

À exemplo de atividades paraestatais, têm-se as organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), serviços sociais autônomos.

Di Pietro traz a seguinte conceituação (2009, p. 83):

“Entidades paraestatais são pessoas privadas que colaboram com o Estado, desempenhando atividade não lucrativa e, às quais o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas, manifestações do seu poder de império, como o tributário, por exemplo.”

As entidades paraestatais estão inclusas no chamado “terceiro setor”, que é caracterizado por entidades particulares que prestam serviços de interesse público, sem fins lucrativos.

Leciona a professora Zockun (2009, p.186):

“Terceiro Setor” é a nomenclatura dada às entidades que não fazem parte do setor estatal, isto é, não se vinculam direta ou indiretamente à Administração Pública, nem se dedicam às atividades empresariais, cuja finalidade não é lucrativa e cuja atuação é voltada para a consecução de objetivos sociais.

Por vezes, algumas entidades do terceiro setor recebem incentivos do governo, e, quando isto acontece, recebem a denominação de entidades paraestatais. A atual Constituição Federal (CF/88) prevê a possibilidade de o Poder Público incentivar a atuação do particular na consecução do interesse público através de atividades de fomento.

Por serem beneficiadas com recursos públicos, as entidades paraestatais terão regime de direito privado, contudo, estarão sujeitas a certas normas de direito

público, submetendo-se ao controle estatal e do Tribunal de Contas. Através da concessão de títulos, o Poder Público permite que certa entidade privada goze de determinados atributos. Estes títulos conferem que a entidade beneficiada desfrute de benefícios econômicos e reconhecem o propósito social do particular.

Quanto à concessão de títulos, alerta Modesto (2006, p.06):

“A legislação básica na matéria, em especial no plano federal, é deficiente, lacônica, deixando uma enorme quantidade de temas sem cobertura legal e sob o comando da discrição de autoridades administrativas. Essa lacuna de cobertura facilitou a ocorrência de dois fenômenos conhecidos: (a) a proliferação de entidades inautênticas, quando não de fachada, vinculadas a interesses políticos menores, econômicos ou de grupos restritos, (b) o estímulo a processos de corrupção no setor público.”

Ocorre que, artigos como o 113, §2°, 195, parágrafo único e 196, parágrafo único, todos do Código Tributário Nacional, fornecem diversas maneiras de fiscalização do particular, a fim de conferir sua conformidade com a legislação tributária, o que é um pressuposto para ser beneficiado com incentivos e qualificação de entidades paraestatais. Conclui-se que não é a falta de legislação que acarreta fraudes por parte das entidades paraestatais, mas sim a falta de fiscalização contínua e eficiente da Administração, concernente a manutenção do título que concede benefícios.

Vale ressaltar que, pode o governo fomentar as atividades de entidades particulares, contudo, isto não significa que o governo poderá se desvincular de seus deveres constitucionais, ou seja, não pode o aparelho administrativo ser substituído pela atuação tão somente de particulares.

1.1 Organização social (os)

A organização social não se origina com esta denominação. É uma entidade criada sob a forma de fundação privada ou associação que, posteriormente, habilita-se perante o Poder Público e recebe esta qualificação. Ou seja, organização social não é uma espécie de pessoa jurídica, mas tão somente qualificação dada discricionariamente pelo Poder Público a certas entidades privadas.

Nos dizeres de Di Pietro (2009, p. 166):

“Organização social é a qualificação jurídica dada a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe a delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social.”

Como dito, a qualificação de organização social é de competência discricionária, e tal qualificação depende da aprovação do Ministério competente para supervisionar ou regular a área de atividade correspondente ao objeto social da entidade.

Porém, o correto seria que o Poder Público agisse de forma vinculada quando solicitado. A respeito da competência discricionária, Rogério Leal da Costa alega que “aceita a facultatividade da qualificação por parte do Estado, criarmos uma séria possibilidade de arbitrariedade e favoritismos aos amigos do Poder” (DA COSTA, 2006, p. 176),

Na esfera federal, a Lei 9.637/1998 rege a organização social, e em seu artigo 1° prevê a área de atuação das OS:

“Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.”

O artigo 2° da referida lei traz os requisitos para que o Poder Público possa qualificar os particulares como organização social; entre estes requisitos estão inclusas as imposições de que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado, e não tenha fins lucrativos.

O conselho de administração, previsto no artigo 3º da Lei 9.637/1998, dispõe no inciso I, alínea “a”, que a entidade deverá ter de 20% a 40% de membros representantes do Poder Público. Conclui-se de tal redação que, praticamente só as entidades criadas após a edição da lei com o fim de receber esse título, ou entidades que se adaptaram alterando o seu estatuto incluindo membros do Poder Público, é que puderam alcançar o titulo de organização social.

A habilitação da entidade privada como organização social se faz por meio de assinatura do contrato de gestão, previsto no artigo 5° da Lei 9.637/1998. Este instrumento é feito de comum acordo entre o governo e a entidade qualificada e nele estarão previstas as responsabilidades, atribuições e obrigações, tanto do Poder Público, quanto da entidade.

A “Seção V” da Lei 9.637/1998 discorre sobre o fomento das atividades sociais, que ocorrerá principalmente através da destinação de recursos orçamentários, de bens públicos (os quais serão dispensados de licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão), e cessão especial de servidor público, cabendo ao órgão de origem arcar com a sua remuneração.

A organização social, ao pactuar contratos que envolvam a aplicação de recursos ou bens repassados a ela pela União, deve realizar licitação nos moldes da Lei 8.666/1993, e, se tratando de bens e serviços comuns, deve realizar a modalidade pregão. Porém, quanto ao emprego de recursos públicos provenientes de outras esferas de governo, não é obrigatório que a OS siga a Lei 8.666, podendo, em regulamento próprio, estabelecer procedimentos.

É o que diz o artigo 17 da Lei 9.637/1998:

“Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”.

À luz do artigo 24, XXIV da Lei. 8666:

“Art. 24. É dispensável a licitação:

XXIV – para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.”

Ou seja, a licitação será dispensável quando a Administração Pública contrata serviços que serão prestados por organização social, desde que estes serviços estejam previstos no contrato de gestão.

Uma vez descumprida disposição do contrato de gestão, o artigo 16 da Lei 9.637/1998 diz que “O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão”.

A respeito da desqualificação, observa Carvalho Filho (2014, p. 334):

“A despeito de a lei haver empregado a expressão “poderá proceder à desqualificação, dando a impressão de que se trata de conduta facultativa, o certo é que, descumpridas as normas e cláusulas a que está submetida, a Administração exercerá atividade vinculada, devendo (e não podendo) desqualificar a entidade responsável pelo descumprimento.”

A desqualificação se dá por meio de processo administrativo, observado o direito de ampla defesa. Quando confirmada a desqualificação, ocorrerá a reversão ao Poder Público dos bens e valores entregues à OS, não prejudicando demais sanções cabíveis.

2. Inconstitucionalidades na lei 9.637/1998

Com o objetivo de auxiliar o Poder Público na prestação de serviços de interesses sociais e utilidade pública, as organizações sociais foram idealizadas. Uma ideia que a principio seria nobre, na prática possibilita inúmeras situações condenáveis. Regidas pela Lei 9.637/1998, a lei das organizações sociais traz diversas inconstitucionalidades ao longo de seu texto.

2.1 Dos princìpios da administração pública

Os princípios servem de parâmetro para a correta compreensão das regras, determinando o sentido e alcance destas. Eles correspondem a normas gerais, abstratas, consagram valores a serem atingidos, não fornecendo apenas uma solução, mas apresentando alternativas, exigindo, quando aplicado, que se escolha a melhor solução que se adequar ao caso concreto.

Sobre os princípios no ordenamento jurídico, ensina Bandeira de Mello que eles são “o vetor direcional de todo um sistema de direito positivo, sustentáculo estrutural do ordenamento jurídico, pilar edificante que da harmonia e coerência à ordem jurídica de uma sociedade.” (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p.948)

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, traz os seguintes princípios expressos norteadores da administração pública:

“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”

Sobre os princípios expressos na CF/88, no artigo 37, caput, um merece especial destaque: o princípio da moralidade, por se tratar de um norteador da conduta ideal do administrador público.

 À respeito deste principio, discorre Carvalho Filho (2014, p.21/22):

“O principio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.”

Além dos princípios constitucionais expressos há outros princípios implícitos na CF/88 e reconhecidos pela doutrina. Dentre estes temos o princípio da supremacia do interesse público.

O princípio da supremacia do interesse público reza que, há de prevalecer o interesse público quando este está em conflito com algum interesse privado. As atividades administrativas devem ser realizadas para o benefício da coletividade, e não para o interesse do administrador, ou de seus “apadrinhados”.

Sobre o princípio da supremacia do interesse público, leciona Di Pietro (2009, p.33):

“O princípio da supremacia do interesse público, além de vincular as atividades da Administração, também inspira o legislador no momento da elaboração das normas de direito público, as quais, embora protejam reflexamente o interesse individual (como as normas de segurança e saúde pública), têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo.”

Por fim, o princípio da isonomia é o pilar de qualquer Estado Democrático de Direito, garantindo a todos igualdade de tratamento, na medida de suas desigualdades. O artigo 5º, caput, da CF/88 repassa essa ideia ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”

       Quanto a aplicação do princípio da isonomia no âmbito administrativo, leciona Bandeira de Mello (2009, p.483):

“O princípio da isonomia da Administração não necessita para seu fundamento, da invocação de cânones de ordem moral. Juridicamente se estriba na convincente razão de que os bens manipulados pelos órgãos administrativos e os benefícios que os serviços públicos podem propiciar são bens de toda comunidade, embora por ela geridos, e benefícios a que todos igualmente fazem jus, uma vez que os Poderes Públicos, no Estado de Direito, são simples órgãos representantes de todos os cidadãos.”

Dentre os reflexos de tal princípio, ele garante a todos os interessados o direito de competir nas licitações públicas, procurando igualar todos os interessados no processo licitatório. É o que diz a CF/88 em seu artigo 37, inciso XXI “(…) as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”.

Dada a importância dos princípios no ordenamento jurídico, conclui-se que, ao violá-los, se tem uma afronta mais grave ao sistema do que quando uma norma infraconstitucional é violada. E o que se vê na Lei 9.637/1998 é inúmeras afrontas aos princípios constitucionais.

2.2 Dispositivos inconstitucionais na lei 9.637/1998

O já citado artigo 24, XXIV da Lei 8.666/1993 previu no rol de dispensa de licitação, que esta será dispensável para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão. Ou seja, poderá o governo firmar contrato com uma OS, prescindindo de processo seletivo.

Sobre esta dispensa de licitação com uma OS, ensina Bandeira de Mello (2009, p.238):

“(…) não necessita demonstrar habilitação técnica ou econômico-financeira de qualquer espécie, bastando a concordância de dois ministros de Estado ou, conforme o caso, de um ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela entidade privada postulante do título qualificativo”.

A lei 8.666/1993 em seu artigo 27 dispõe sobre uma série de requisitos que os interessados na licitação devam atender, entre estes requisitos têm-se, por exemplo, habilitação técnica, habilitação econômico-financeira. Mas quando o Poder Público firma contrato com uma OS baseado no contrato de gestão, não será exigido requisitos como comprovação de qualificação técnica, capital mínimo, para que a entidade receba bens públicos, capital, ou até servidores.

Pelo fato de a lei ser genérica, abstrata e isonômica, a discricionariedade prevista no artigo 24, inciso XXIV é totalmente descabida e inconstitucional, ferindo o artigo 37, inciso XXI da CF/88 e violando os princípios da isonomia e moralidade, vez que os interessados não desfrutarão de iguais oportunidades. Esta desigualdade propicia favoritismo a certas entidades, em que apenas os interesses do administrador e da entidade privada serão atendidos, e não o da coletividade. É uma afronta aos preceitos éticos. E uma vez isto ocorrendo, o princípio da supremacia do interesse público também será afetado.

Sob estes argumentos, de afronta aos princípios da isonomia, moralidade e supremacia do interesse público, eivado de inconstitucionalidade é o artigo 12, §3° da Lei 9.637/1998, que preconiza “§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.”.

Ou seja, apenas por receberem a qualificação de organizações sociais, a elas poderão ser destinadas recursos orçamentários e bens públicos, sem o menor critério, favorecendo que a Administração Pública use de sua competência discricionária de maneira questionável.

Outro problema da Lei 9.637/1998 é seu artigo 14, o qual dispõe que “É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem.”

Ocorre que, os servidores ostentam essa qualificação por terem sido previamente aprovados em concurso público, conforme dispõe o artigo 37, inciso II da Constituição Federal. É descabida a imposição a um servidor para que trabalhe em uma entidade particular, e uma afronta aos vínculos de trabalho que possui. Neste caso, até o poder hierárquico será afetado, pois é totalmente incoerente que um servidor receba ordens ou eventuais sanções de um particular.

Sobre os servidores, inconstitucional é também o artigo 22, inciso I da Lei 9.673/1998:

“Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:

I – os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14”

Quando uma pessoa é extinta, extintos também serão os cargos desta pessoa. Extinto o cargo, o servidor será aproveitado em outro cargo, e não aproveitado em um emprego. É o que dispõe o artigo 43, §3° da Constituição Federal de 1998 “extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo”.

Cargo e emprego possuem regimes jurídicos muito diferentes e não se confundem. Emprego é uma relação jurídica de natureza contratual entre empregador e empregado, regido por normas da CLT, enquanto que o ocupante de cargo possui vinculo com o Estado, através de estatuto próprio.

Portanto, não faz sentido que um servidor, ocupante de cargo, seja obrigado a trabalhar para uma entidade privada, configurando uma afronta direta ao artigo 43, §3° da Constituição Federal.

Ainda quanto à absorção, consta no artigo 21 da Lei 9.637/1998:

“Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, integrante da estrutura do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e a Fundação Roquette Pinto, entidade vinculada à Presidência da República.

§ 1o Competirá ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado supervisionar o processo de inventário do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, a cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, cabendo-lhe realizá-lo para a Fundação Roquette Pinto.

§ 2o No curso do processo de inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura do contrato de gestão, a continuidade das atividades sociais ficará sob a supervisão da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

§ 3o É o Poder Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos desta Lei, as pessoas jurídicas de direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a absorção de atividades desempenhadas pelas entidades extintas por este artigo.

§ 4o Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou passivamente, serão transferidos para a União, na qualidade de sucessora, sendo representada pela Advocacia-Geral da União.”

É estranho que a lei que instituiu a qualificação de organização social tenha tratado sobre a extinção de órgãos e pessoas governamentais. Mais “estranha” é a ideia de um particular absorver toda a estrutura de uma pessoa jurídica de direito público, usufruindo e gerenciando dinheiro público, bens públicos e servidores, sem ter passado previamente por um processo de seleção e sem haver a verificação de habilitação técnica para o satisfatório desempenho das atividades. Mais uma vez, uma afronta direta aos princípios da isonomia, moralidade e supremacia do interesse público.

Outras inconstitucionalidades ainda podem ser encontradas na Lei 9.637/1998, como o artigo 17, o qual diz:

“Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”.

Tal dispositivo autoriza que as compras feitas pelas organizações sociais não observem as normas de Lei 8.666/1993 (Lei de licitações), mas tão somente o regulamento próprio, o qual é criado pela própria entidade particular. Este regulamento conterá disposições acerca de contratação de obras e serviços e compras financiadas pelo governo.

Por serem as organizações sociais beneficiadas por recursos públicos, bens públicos e servidores, razoável seria que atendessem aos mesmos princípios que a Administração Pública está submetida. Contudo, uma vez contempladas com um regime diferenciado, configurada está a violação dos princípios da isonomia e da moralidade.

Por fim, outra inconstitucionalidade é verificada no artigo 22, inciso VI da Lei 9.637/1998, o qual afirma que “a organização social que tiver absorvido as atribuições das unidades extintas poderá adotar os símbolos designativos destes, seguidos da identificação "OS"”.

A lei induz a uma possível confusão com os usuários de servidor das organizações sociais, por autorizar que símbolos públicos sejam usados por pessoas não integrantes da Administração Pública formal. Ou seja, pode o indivíduo, ao recorrer a estas entidades e ver um símbolo público, acreditar que o serviço esteja sendo prestado por uma entidade integrante do Poder Público, que seja uma prestação estatal, o que não é verdade.

Portanto, mais uma vez, a Lei 9.637 viola o principio expresso da moralidade administrativa, porque permite que um cidadão seja ludibriado, que se desloque a uma entidade particular (OS) acreditando estar recebendo um serviço fornecido pelo Estado.

Desta forma, verifica-se que vários dispositivos da Lei 9.637/1998 deveriam ser alvos de declaração de inconstitucionalidade perante o STF. Grande parte das disposições encontra-se em conflito com a Carta Magna, logo, não gozam de constitucionalidade. A lei das organizações sociais está permeada de “aberrações jurídicas”, e grande parte de seus artigos não deveriam ter aplicabilidade.

Considerações finais

Por todo o exposto, conclui-se que muitas são as inconstitucionalidades presentes na Lei 9.637/1998. Porém, mais que meras inconstitucionalidades, essas afrontas contidas na lei das organizações sociais propiciam a má utilização de dinheiro, bens públicos, má gestão de servidores, e favorecem a ocorrência de favoritismo por parte do Poder Público para com particulares.

A idealização das organizações sociais pode ter sido nobre: particulares auxiliando o Estado na prestação de serviços de interesses sociais. Entretanto, a redação da lei 9.637/1998 permitiu que inúmeras situações condenáveis pudessem ocorrer na prática.

A lei das organizações sociais merece ser revista, há diversos dispositivos passíveis de serem declarados inconstitucionais. A Constituição Federal é a norma suprema, merecedora de total resguardo, e uma afronta a ela é a mais grave violação jurídica.

Referências
BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Brasil. Lei n° 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
Brasil. Lei n° 9.637/1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
DA COSTA, R. L. Estado, Administração Pública e Sociedade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2006.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MODESTO, Paulo. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil, Porto Alegre, n. 5, mar/abr/mai. 2006. Disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-5-MAR%C3%87O-2006-PAULO%20MODESTO.pdf . Acesso em 18 jun. 2015
ZOCKUN, C. Z. Da Intervenção Do Estado no Domínio Social. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Informações Sobre o Autor

Nathalia Moreira Lourenço

Advogada. Pós graduada em direito administrativo


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