Legislação penal simbólica e seus efeitos: uma análise jurídica e social

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Resumo: As crescentes demandas na seara penal, ligadas ao aumento expressivo da criminalidade e de diversas modalidades de violência praticadas no seio social, faz inflamar a visibilidade da legislação simbólica como medida aparente na resolução desses conflitos. Assim, o presente artigo visa demonstrar que a inflação legislativa penal gera consequências contrárias ao fim primeiro a que ela se propõe, qual seja, a minimização e até reprimenda da criminalização – fazendo parte, portanto, de uma legislação penal simbólica. Ademais, tal problemática, será tratada também sob o foco de sua repercussão no meio social.

Palavras-chave: Legislação penal simbólica, inflação legislativa, criminalização, meio social.

Abstract: The increasing demands on harvest criminal linked to a significant increase in crime and various forms of violence practiced within social, does ignite the visibility of symbolic legislation as apparent as in the resolution of these conflicts. Thus, this article aims to demonstrate that inflation generates legislative penal consequences contrary to the first end which it proposes, namely, minimizing and even criminalization of reprimand – part thus symbolic of a criminal law. Moreover, such problems will be dealt with also in the focus of its impact on the social middle.

Keywords: Symbolic criminal law, legislative inflation, criminalization, social middle.

1 INTRODUÇÃO

As legislações simbólicas surgem de uma resposta rápida exigida pela sociedade ou ainda por um determinado grupo social. Isto baseada na falsa ideia de que a criação de leis trará a repreensão daquele conflito que ora desponta como insolúvel. Porém, ao se criar tal legislação, não se atém às consequências as quais esta legislação emergente trará. Observa-se, contudo, especificamente no âmbito da legislação penal, efeito mais gravoso e consequências mais danosas quando isso ocorre, partindo do pressuposto de que o critério ultima ratio deve nortear a utilização do Direito Penal.

Hodiernamente, neste modelo de legislação simbólica observam-se inúmeras leis criadas na efervescência de um clamor público, são exemplos, a Lei Carolina Dieckmann, a lei Seca, entre outras. Todas elas criadas após um fato ocorrido na sociedade gerador de pressões para criação de leis específicas. O resultado prático dessas criações legislativas urgentes é a aparente sensação de que alguma providência fora tomada, sem qualquer compromisso com a efetividade.

Neste contexto, as intervenções e ações do Estado são mínimas, haja vista que pouco se verifica ações sociais e políticas públicas que tentem minorar as causas de tamanha violência, enquanto isso, o endurecimento das ações pesa sobre a legislação penal, transformando o direito penal em instrumento de combate dos problemas sociais.

É cediço que o Direito deve estar em constante adaptação à realidade social e para esta deve apresentar os meios mais eficazes de solução de conflitos. No entanto, para que esta finalidade precípua seja concretizada não é necessária a utilização de uma legislação-álibi a qual concede uma resposta pronta e gera um efeito de bem estar na sociedade. Neste sentido, Paulo Cesar Santos Bezerra e Raquel Tiago Bezerra (2012, p.24), afirmam: “É o que ocorre, constantemente, com a legislação penal, muitas vezes insatisfatória e imprópria para a solução de problemas como criminalidade e violência”.

Impende salientar que a análise da legislação penal terá como repositório o princípio da intervenção mínima, pelo qual o Direito Penal só deverá ser buscado a partir do momento que os demais ramos do direito não conseguirem oferecer respostas às lides. Somente na hipótese de extrema necessidade é que se fará útil a aplicação das medidas penais.

Serão tecidas notas pontuais sobre a teoria que mais coaduna ao sistema de repreensão do simbolismo penal, qual seja, o garantismo penal, teoria esta desenvolvida por Ferrajoli e que constitui relevante instrumento para trazer racionalidade à aplicação das garantias individuais e assim evitando práticas irracionais dos poderes, sejam públicos ou privados.

Por fim, cumpre trazer à lume, quais os efeitos práticos, numa perspectiva social e jurídica dessa legislação simbólica, demonstrando, finalmente, que a utilização de uma legislação penal emergente constitui grave violação a direitos, contrapondo-se ao fim buscado pela ciência criminal;

2 – LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA: ASPECTOS GERAIS E EFEITOS GERADOS

Antes de especificar a inflação legislativa observada no Direito Penal, importante salientar alguns aspectos da legislação simbólica. Para isso, mister se faz conceituar legislação simbólica: “…aponta para o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental” (NEVES, 2007, p.1 apud LENZA, 2009, p.31).

Desde esta conceituação percebe-se a influência da legislação simbólica para desviar a finalidade jurídica de determinada lei. Poder-se-ia afirmar que quanto mais leis, mais distantes estas se tornam de sua finalidade precípua, seja ela qual for.

Ainda desenvolvendo o conceito de legislação simbólica supramencionado, Neves, propõe uma “tipologia da legislação simbólica”, afirmando que o seu conteúdo pode ser: “a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios” (NEVES, 2007, p.23 apud LENZA, 2009, p.31).

O primeiro conteúdo expresso em linhas anteriores diz respeito aos interesses de determinado grupo que é privilegiado pelo legislador que faz prevalecer os valores apenas desse grupo. Como exemplo desse conteúdo tem-se a “lei seca”, criada para apenar gravemente os motoristas que dirigem embriagados, transformou o crime que era de perigo concreto em crime de perigo abstrato. Tal lei impôs ao condutor que se submetesse ou ao etilômetro ou ao exame de sangue para comprovar a concentração de álcool no sangue.

De pronto, observa-se o desrespeito desta determinação ao princípio de que o acusado não pode produzir prova contra si mesmo fazendo com que o motorista que dirige sob o efeito de alta concentração de álcool não seja punido. Indaga-se: O fim desta lei fora atingido? Assim deixou de atingir o fim a que se propôs e concedeu a um determinado grupo, que não estava interessado na eficácia desta lei, um respeito social. Constituindo, tal legislação, como símbolo de status.

Outro efeito gerado pela legislação simbólica diz respeito a criação legislativa para demonstrar falsa imagem de “trabalho cumprido” normalmente apresentada pelo Estado e governo.

Fora criado um costume na sociedade consistente na ideia de ao surgir determinado problema, a criação de lei é instrumento eficaz para a resolução. Nisto se apoiam os políticos a cada eleição, oferecendo projetos que sequer merecem ser objeto de discussão. Deste modo, “a legislação-álibi, tem o “poder” de introduzir um sentimento de “bem estar” na sociedade, solucionando tensões e servindo à “lealdade das massas”” (LENZA, 2009, p.32).

Deste aspecto o exemplo mais latente e pulsante são as mudanças na legislação penal, exigidas pela sociedade para que sejam reduzidos os índices de criminalidade.

    Alerta, Marcelo Neves (2007, p.40-41) sobre a utilização exacerbada da legislação simbólica, asseverando qual o efeito causado: “(…) o emprego abusivo da legislação-álibi leva à ‘descrença’ no próprio sistema jurídico, ‘transforma persistentemente a consciência jurídica’ (…)”.

Como último efeito apresentado aqui, tem-se a postergação da solução dos conflitos sociais, vez que transfere-se a solução de determinado conteúdo para futuro incerto e a lei criada apenas apazigua os ânimos daqueles que desejavam tão somente que a atividade legiferante fosse realizada, sem qualquer vinculação com a aplicabilidade da lei, esta na maioria das vezes, impraticável.

3 ESTADO DE EMERGÊNCIA: ORIGEM DO DIREITO PENAL SIMBÓLICO

O Direito Penal simbólico tem sua origem na cultura da emergência. Devendo ser entendida esta como um modo de reação frente a problemas surgidos na sociedade, principalmente os ligados à violência e criminalidade.

Vários são os vetores que podem ser contextualizados nesta tratativa da “emergência”. Há aqueles ligados aos poderes políticos, que utilizam demasiadamente deste poder para aclamarem a necessidade de criação legislativa, como também há os atinentes ao poder midiático, que propaga uma informação muitas vezes manipuladora e formadora de uma opinião geradora de alvoroços no meio social.

Com relação à parcialidade das notícias veiculadas nos meios de comunicação, em geral, Luiz Flávio Gomes (2007) afirma:

“(…) o discurso midiático é atemorizador, porque ele não só apresenta como espetaculariza e dramatiza a violência. Não existe imagem neutra. Tudo que ela apresenta tem que chocar, tem que gerar impacto, vibração, emoção. Toda informação tem seu aspecto emocional: nisso é que reside a dramatização da violência. Não se trata de uma mera narração, isenta”.

Certo é que este discurso midiático atemorizador é solo fértil para a proliferação de um direito Penal Simbólico. As proporções advindas de toda essa repercussão são as mais danosas, vez que faz nascer na sociedade o desejo de reprimenda do sistema penal, das formas de punição existentes. E a sensação predominante é a de que tão somente sejam criadas leis, ou punições mais gravosas, a criminalidade será reduzida ou até dirimida.

Quando se estuda o fenômeno da emergência penal, verifica-se que a ampliação do Direito penal repercute no sentido da pena. E tal estudo permite inferir que a emergência conduz a um sistema penal desprovido de sensatez e coerência (SICA, 2002, p.88).

Há ainda dados históricos que contextualizam o surgimento do estado de emergência, a partir da década de 80, conforme preleciona Damásio de Jesus:

“A população passou a crer que a qualquer momento o cidadão poderia ser vítima de um ataque criminoso, gerando a ideia da urgente necessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos penais, garantindo-lhe a tranquilidade. E essa pressão alcançou os legisladores” (1977, p.49).

4 DIREITO PENAL SIMBÓLICO

Neste contexto, a modificação de lei ou ainda a criação desta, motivadas por pressão pública faz surgir o direito penal simbólico, este que, nas palavras de Roxin (2000):

“Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais”.

Exemplos de legislação simbólica no Brasil são diversos, o mais recente foi a criação da lei “Carolina Dieckmann” que após a pressão midiática fez com que em um curto intervalo de tempo fizesse ser promulgada a lei, exatamente no mesmo ano da ocorrência dos fatos.

Embora haja inúmeros projetos de lei buscando regulamentação dos delitos havidos na internet e diversos grupos interessados na criminalização destas condutas, após a criação do Marco Civil da Internet esses projetos foram reunidos e suspensos, isso após longas discussões entre as quais a de que o direito penal deveria ser buscado como medida subsidiária, devendo antes de socorrer-se a ele tentar aplicação de medidas alternativas, menos repressivas.

No entanto, a suspensão desses projetos fora interrompida em virtude do crime virtual praticado contra a atriz Carolina Dieckmann que trouxe à tona toda discussão e desejo de reprimenda por meio da criminalização da conduta de vazamento de foto.

Diz respeito a uma lei casuística haja vista ter sido criada motivada por um caso concreto, em específico, afastando, portanto, dos requisitos da abstração e generalidade que devem nortear a formulação de leis.

Se se atentar ao fato do discurso formatado para a criação desta lei, percebe-se nitidamente que ele se apossou de uma fala pautada no medo. Baseada nas ideias de que a internet é um mundo sem lei, que não há regulamentação específica para tratativa desses delitos que só fazem mais vítimas a cada dia, sem haver qualquer possibilidade de punição, tampouco identificação do infrator. Discursos desse tipo inflamaram mais a pressão para que fosse promulgada a “Carolina Dieckmann”.

Outro exemplo citado por Luiz Flávio Gomes é a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu como inconstitucional o §1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime aos condenados por crime hediondo. Agiu o legislador com nefasto desconhecimento da Carta Magna, pois que violou um dos seus preceitos.

Tem-se com isso, criações legislativas emergenciais que em sua superficialidade demonstram avanço e efetividade, porém desprovidas de qualquer vitalidade no meio jurídico e que por isso merecem ser rechaçadas.

4.1 Garantismo penal

Em resposta ao excesso de produção punitiva Estatal, Luigi Ferrajoli apresenta a doutrina do garantismo penal, esta que em suas ilações afirma que “a produção de normas promocionais e de forte conteúdo simbólico em relação ao sistema repressivo é a tônica dominante no campo político, chocando-se com a linha ideológica denominada garantismo” (FERRAJOLI, 2000, p.49).

No livro Derecho y razón, Ferrajoli, ao aplicar a sua doutrina do garantismo, visa uma liberdade entre as ações do Estado e do indivíduo, desta forma minimizando a atuação estatal e ampliando o campo de liberdade do homem.

 Pelos termos: direito, privilégio, liberdade, segurança jurídica e responsabilidade, entendem-se garantia. São tidas como sinônimo de garantia do cidadão frente ao Estado.

Situando melhor a teoria de Ferrajoli, Bobbio (1982, p.49) pontua:

“as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra superior e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento possui uma norma fundamental, que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento”.

Neste sentido constitucional que Ferrajoli fundamenta a teoria do garantismo penal. E esta teoria impede que o Estado aja com excessos no seu jus puniendi, posto que pautado em normas do Estado Constitucional.

Deste modo, em um Estado pautado pelas rigidez Constitucional, as normas que são inferiores à Constituição têm de ser consonantes ao descrito na Constituição, sob pena de serem consideradas inconstitucionais.

Encontra-se neste ponto o embaraço de muitas leis criadas por uma legislação penal simbólica. Em um primeiro plano, elas respondem às demandas emergentes, todavia, à médio e longo prazo, são afastadas do ordenamento jurídico por contrariarem disposições constitucionais.

Há nessa tratativa a função do juiz em aplicar a lei coerente à Constituição, nas palavras de Ferrajoli (2000, p.26), “(…) que corresponde ao juiz junto com a responsabilidade de eleger os únicos significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais estabelecidos (…)”.

Ferrajoli preceitua nesse ensinamento que alguns axiomas devem ser utilizados na busca de um uso cada vez menor do poder institucional. O suporte o qual ele sugere para que todos façam uso dizem respeito a normas de garantia relativa à pena, ao delito e ao processo, são elas:

Como garantias em relação à pena:

1) nulla poena sine crimine – emprego do princípio da retributividade – o Estado somente pode punir se houver prática da infração penal; 2) nullum crimen sine lege – é o princípio da legalidade, que preconiza quatro preceitos: a) o princípio da anterioridade penal; b) a lei penal deve ser escrita, vedando desta forma o costume incriminador; c) a lei penal deve também ser estrita, evitando a analogia incriminadora; d) a lei penal deve ser certa, ou seja, de fácil entendimento; decorre daí o princípio da taxatividade ou da certeza ou da determinação; 3) nulla lex penales sine necessitate ou princípio da necessidade, ou como modernamente é denominado, princípio da intervenção mínima – não há lei penal sem necessidade. O direito penal deve ser tratado como a derradeira opção sancionatória no combate aos comportamentos humanos indesejados.

Vê-se como garantias relativas ao delito: 1) nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade – não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; 2) nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor; 3) nulla actio sine culpa ou princípio da culpabilidade – deve-se apurar o grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição pela prática humana.

E finalmente como garantias relacionadas ao processo: 1) nulla culpa  sine judicio ou princípio da jurisdicionariedade – não há reconhecimento de culpa sem que o órgão jurisdicional a reconheça; 2) nullum judicium sine acusationes ou princípio acusatório – o poder judiciário não afirma o direito de ofício, devendo ser provocado; referido poder é inerte (princípio da inércia). Frederico Marques dizia que "o juiz é um expectador de pedra", ou seja, por ser inerte não pode agir; 3) nulla acusation sine probatione ou princípio do ônus da prova – não há acusação sem a existência de prova ou suficiente indício de autoria; 4) nulla probation sine defensione ou princípio da ampla defesa e do contraditório.

O objeto fulcral da teoria do garantismo penal é justamente o enfrentamento do Direito Penal Simbólico, atenuando seus efeitos e assim atingindo a função máxima do direito penal, sem permitir que dela se desvie em nome de um estado emergencial que tem sido aclamado hodiernamente.

5 – EFEITOS DO DIREITO PENAL SIMBÓLICO

A fim de que seja compreendido os efeitos diretos do uso do direito penal simbólico, mister evidenciar o conceito de direito penal e sua função primordial. Nesse sentido, imperioso valer-se de uma conceituação pontual feita por Eugenio Raúl Zaffaroni (2006, p. 15):

“O conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor.”

 Deste conceito supramencionado, depreendem-se dois sentidos relevantes do direito penal. O primeiro diz respeito a punição grave para aquele que viola bem jurídico por ele tutelado, e por isso deve ser aplicado apenas como último recurso – é o direito penal mínimo – e o segundo, traduz a função preventiva, a fim de ser evitado o cometimento de novos delitos.

Por isso ser errônea a aplicação do Direito penal numa função simbólica. Seria o mesmo que conceder-lhe função que não lhe é própria. Isso porque o Direito penal simbólico, diferentemente do conceito de direito penal acima exposto, não prima pela tutela do bem jurídico, preocupando-se tão somente em criar a sensação de paz no meio da sociedade, acalentar os ânimos desejosos da sociedade por criação legislativa.

Ademais, ao ser pensada uma lei, quando esta passa pelo curso normal de sua regulamentação, sem quaisquer emergências, dois princípios, entre outros, são particularmente observados, o princípio da fragmentariedade e o princípio da intervenção mínima.

 O princípio da fragmentariedade é embasado no entendimento de que nem todas as lesões a bens jurídicos serão objeto de proteção penal. Há um critério de seletividade que determina quais são os fatos mais gravosos, ou ainda aqueles mais reprováveis socialmente.

Nesse viés de entendimento Luiz Regis Prado preceitua:

“Esse princípio impõe que o Direito Penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente. Esclareça-se, ainda, que a fragmentariedade não quer dizer, obviamente, deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e valores e na busca de certos fins, mas limite necessário a um totalitarismo de tutela, de modo pernicioso para a liberdade” (2002, p. 120).

Uma vez feita a seletividade dos bens tuteláveis pelo direito penal, assim como das condutas que os ofendem, estes bens passarão então a receber a proteção jurídica penal. Nisso converge o caráter de fragmentariedade.

Portanto, esse princípio decorre dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, ou seja, constitui a materialização dos referidos princípios (GRECO, 2006, p. 65).

Logo, o princípio da fragmentariedade evita que os comportamentos mais inofensivos e corriqueiros sejam criminalizados e impede a consequente inflação legislativa que somente atravanca a realização da justiça.

No que tange ao princípio da intervenção mínima, este tem como fundamento o artigo VIII da Declaração de Direitos Humanos de 1789 cujo texto expressa que cabe a lei prever tão somente as penas necessárias. Apenas haverá atuação do Direito Penal nos casos descritos pela lei. E nesse particular reside a proteção ao cidadão de que somente sofrerá reprimenda estatal se violar alguma norma descrita como crime.

O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade não está expressamente descrito na Constituição Federal, nem tampouco integra o rol dos princípios penais, porém cabe ao aplicador da lei a utilização deste princípio tendo em vista estar ele em harmonia com os demais princípios previstos e com os pressupostos políticos do estado de direito democrático (BATISTA, 2007, p. 85).

Apesar de ser esse princípio consagrado na Declaração dos Direitos do homem e possuir bases iluministas na ideia de reduzir a legislação penal a poucas e necessárias leis, a partir da segunda década do século XIX foi constatado um desmedido crescimento das normas penais incriminadoras (LUISI, 2003, p. 41).

O jus puniendi do Estado há de ser aplicado após uma acurada mensuração e verificação de sua extrema necessidade. Refere-se a incidência do direito penal como ultima ratio. Na locução de Roberto Chacon de Albuquerque (2006, p. 21) “ele só deve atuar, à luz do princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade, em defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos seres humanos […]”.

Cesare Beccaria advertia que:

“É que para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei” (2006, p. 107).

Por isso, o uso excessivo da reprimenda estatal não conduz a uma proteção eficiente dos bens jurídicos, pelo contrário, leva a uma inflação penal que desemboca em um descrédito e insegurança jurídica frente à sociedade. E muitas são as demandas jurídicas atuais que poderiam ser plenamente tratáveis em outros ramos do direito e, na verdade, são resolvidas pelo meio mais extremo.

O efeito prático criado por essa legislação simbólica é a descrença no ordenamento jurídico, uma criação de disposições excepcionais que fazem minar o poder intimidativo das proibições.

Outro efeito observado, outrossim, é uma crença exacerbada na função social do direito penal, elegendo até outras funções que não lhe são próprias e o resultado é a perda de suas reais possibilidades em um longo prazo.

Destarte, a promulgação excessiva de leis, criadas como resposta ao anseio de uma sociedade carente de uma série de normas sociais, embora deixa a sensação de tranquilidade, nada traz de benefícios quanto ao fim primordial do direito penal, qual seja: inibir a prática de crimes..

 Neste exato sentido, Ricardo Dip (2002, p.221) pontua:

“A questão do crime, efetivamente, não é quantitativa: não se solve pelo número de leis nem pelo esmero descritivo quanto às ações incrimináveis. Com isso o autor quer dizer que muito mais importante que um inchamento do sistema normativo é que ele seja eficaz: é melhor poucas leis que funcionem do que muitas leis que impressionem”.

 A consequência direta é um direito penal ineficaz, que, ao invés de assumir sua função preventiva, age com paliativas e o efeito de tudo isso certamente é o que se verifica nas sociedades hoje: aumento absurdo da violência e criminalidade.

Porém, a problemática central está na falsa crença de que o direito penal aplicado constitui o instrumento mais eficaz de combate à criminalidade.

Finalmente, pode ser ainda pontuada como última consequência de criação legislativa por meio do simbolismo penal, a lentidão dos processos, visto que ao passo que novas leis são criadas na efervescência de clamor público, incontáveis demandas surgem e a estrutura policial e judicial não acompanha esta dinamicidade. Ampliando o velho conceito de justiça morosa e impunidade.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Busca-se no ordenamento jurídico preencher as lacunas deixadas pela falta de políticas públicas sociais. Transpondo a expectativa de estabilização dos riscos e escudo protetor para qualquer ameaça no direito penal e como isso não ocorre, gera a sensação de impunidade.

Várias falhas na estrutura estatal são verificadas, entre elas a inconteste desídia em observar a causa para compreender a consequência. O que tem sido realizado é o extremo oposto disso, atenta-se para as consequências e busca meios mais gravosos para solução destas, gerando, assim, mais causas, conflitos e um intermitente ciclo vicioso.

Mostrou-se neste breve trabalho que a busca de solução dos problemas sociais no direito penal é medida falida. Além disso, desproporcional. Ao passo que leis simbólicas são criadas resoluções igualmente simbólicas e perecíveis são também percebidas. E os exemplos na literatura jurídica são extenuantes, entre os citados, lei seca, lei “Carolina Dieckman”.

A própria teoria garantista penal, embasada nos princípios constitucionais, mormente o princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, demonstra a insustentabilidade de um sistema albergado apenas em valer-se de um meio mais gravoso para resolução de seus problemas.

Deste modo, deixar-se levar pelo argumento emergencial, de que leis penais constituem instrumento eficaz de combate à criminalidade reinante é o mesmo que fadar o fracasso das instituições estatais. É a irracionalidade espraiada por aqueles que ao menos se espera condutas sensatas.

Pouco tem se falado em políticas criminais, pouco tem-se atentado para os exemplos constantes de que o enrijecimento de medidas penais e inflação legislativa penal é entrave ao desenvolvimento de uma sociedade harmônica. Percebe-se, sim, distanciamento das funções penais, principalmente do binômio crime-ressocialização.

A mídia como responsável pela veiculação das informações tem atuado de maneira contrária ao desejado, pois que acelera as pressões populares para um caminho que destona do que a própria mídia prega: busca pela justiça, pela efetividade do processo. Grande parte da legislação-álibe fora criada por pressões midiáticas.

Os efeitos aqui apresentados foram os mais evidentes e constatáveis facilmente, sendo o mais maléfico a ineficácia das ações penais frente aos problemas e geração de impunidade.

 

Referências
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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo:Martin Claret, [2006].
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LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. rev. e aum.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
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SICA, Leonardo. O Direito Penal de Emergência e Alternativas à Prisão. São Paulo, RT, 2002.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. 6. ed. v.1. São Paulo: RT, 2006.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 7. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. v.1.

Informações Sobre os Autores

Ana Maria Pereira de Souza

Mestranda pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (2010). Advogada

Kathiuscia Gil Santos

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professora da Faculdade Independente do Nordeste. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Valença (2001). Professora do Sêneca Concursos. Advogada


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