O poder de polícia ambiental como elemento efetivador do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado

Resumo: Trata do poder de polícia ambiental enquanto elemento efetivador do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Analisa a evolução do direito ambiental como ramo do Direito. Conceitua meio ambiente e verifica a recepção das normas internacionais de direito ambiental pela Constituição Federal e pela legislação brasileira. Por meio de pesquisa bibliográfica, demonstra o tratamento do direito ambiental enquanto direito humano fundamental. Conceitua poder de polícia e demonstra a existência de um poder de polícia ambiental como necessário para assegurar esse direito. Apresenta exemplos práticos de como o poder de polícia ambiental garante efetivamente o direito a um meio ambiente equilibrado. Conclui que o poder de polícia ambiental deve ser exercido de forma preventiva, repressiva e educativa para que seja capaz de proporcionar aos cidadãos brasileiros um meio ambiente ecologicamente equilibrado, concretizando assim o disposto na Constituição Federal.[1]

Palavras-chave: Meio ambiente. Poder de polícia. Direitos humanos.

Abstract: Deals with the power of environmental police while efetivador element of the fundamental right to a balanced environment. Analyzes the evolution of environmental law as a branch of law. Conceptualizes the environment and verifies receipt of international environmental law from the Federal Constitution and the Brazilian legislation. Through bibliographical research, demonstrates the treatment of environmental law as a fundamental human right. Conceptualizes police power and demonstrates the existence of a power of environmental police as necessary to ensure this. It presents practical examples of how the power of environmental police effectively guarantees the right to a balanced environment. It concludes that the environmental police power must be exercised preventive, repressive and educational way to be able to provide Brazilian citizens an ecologically balanced environment, thereby implementing the provisions of the Constitution.

Keywords: Environment. Police power. Human rights.

1 INTRODUÇÃO

O Direito Ambiental tem como fonte primordial a Constituição Federal, explicitamente no artigo 225 e de forma difusa em vários outros artigos e seções que tratam da proteção ambiental. A sua existência no escopo constitucional permite dizer que se trata de um direto fundamental, contudo, se hoje se pode inferir isso, nem sempre foi possível verificar essa proteção nesse nível legislativo.

Em 1972 em Estocolmo, Suécia, a Organização das Nações Unidas, durante a Conferência para o Meio Ambiente Humano emitiu a Declaração Sobre o Meio Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo, documento que balizou os princípios relacionados a questões ambientais internacionais e que culminou, no Brasil, com a edição, em 1988 na Constituição Federal de um capítulo sobre o Meio Ambiente.

Contudo, o cumprimento dos preceitos constitucionais acerca da proteção ao meio ambiente e seus desdobramentos, como o desenvolvimento sustentável, a redução dos impactos ambientais e a proteção permanente de áreas entrou em choque com os interesses particulares e de desenvolvimento urbano, dessa forma, um conflito surgiu dessa então nova ordem mundial.

Sabe-se que o Estado detém o poder de polícia e, neste caso específico, tratou-se de utilizá-lo para dirimir esses conflitos. Neste contexto, a pesquisa visa responder ao seguinte problema: considerando o meio ambiente equilibrado como um direito fundamental do ser humano, como o poder de polícia ambiental pode ser elemento efetivador desse direito?

A hipótese é que, sendo dever do Estado salvaguardar os direitos dos cidadãos e havendo conflito, tem a possibilidade de lançar mão do seu poder de polícia, é possível, cabível e constitucional que o interesse ambiental esteja sobre os interesses particulares.

O objetivo da pesquisa é analisar o poder de polícia ambiental enquanto elemento efetivador do direito fundamental a um meio ambiente equilibrado. Para alcançar esse objetivo propõe-se a conceituação dos institutos relacionados ao tema e sua evolução legislativa; a verificação do alcance do poder de polícia ambiental e sua efetiva participação na salvaguarda desse direito humano.

A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, visando compreender os conceitos relacionados ao tema. As fontes primárias estão na Constituição Federal e na legislação ambiental e as secundárias nos artigos jurídicos, na doutrina, nas revistas jurídicas e em outros trabalhos realizados e desenvolvidos por outros acadêmicos do Direito.

A escolha do tema se justifica pela sua relevância no mundo acadêmico e jurídico, pois a proteção ambiental é uma preocupação constante, tendo em vista que tais recursos não são inesgotáveis como se pensava no início do século XX e, passado tanto tempo desde a edição das primeiras normas de Direito Ambiental, ainda hoje a sociedade brasileira sofre com os efeitos colaterais dos danos causados ao meio ambiente, como a elevação do nível das marés, o aquecimento global, os desequilíbrios climáticos e os desastres naturais.

Acredita-se que o resultado dessa pesquisa possa contribuir para a sensibilização para a questão ambiental e, especificamente, para compreender as ações estatais relacionadas ao poder de polícia voltado para esta finalidade, elucidando as dúvidas pertinentes a esta temática.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O DIREITO AMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A preocupação com o meio ambiente mundial e, especialmente o brasileiro, tem ganhado força desde o século XX e permanece atual. Para os geógrafos Silva e Crispim essa questão repercute de muito tempo atrás e acompanha a evolução social:

“A evolução histórica das questões ambientais repercute desde os tempos remotos, quando o homem desenvolveu um relacionamento direto como dependente dos recursos existentes na natureza, sua fonte de sobrevivência. Nos últimos três séculos, a humanidade atingiu um alto nível de desenvolvimento tecnológico e por meio deste, tenta dominar a forma de produção e controlar as reservas naturais que podem levar o homem a extinção” (SILVA; CRISPIM, 2011, p. 164).

Quando se fala em Meio Ambiente, as fontes de pesquisa são muitas e a sua conceituação pode variar bastante. Sendo a lei a fonte primordial do Direito, e também desta pesquisa, a Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, estabelece que:

“Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

Assim, é possível retirar da proteção constitucional que se trata de um direito a ser defendido pelo poder público, contudo, o conceito está implícito, talvez, melhor conceituado na Lei nº. 6.938/1981, que trata da política nacional de meio ambiente e assim dispõe:

“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; […]” (BRASIL, 1981).

Secundariamente, o jurista e doutrinador do Direito Ambiental Édis Milaré aduz que:

“Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia Tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema: de um lado como meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções” (MILARÉ, 2011, p. 63).  

No campo da proteção ao meio ambiente, oportunamente, surgiu na legislação nacional a Lei nº. 7.347/1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que, dentre outras, atribui responsabilidade a agentes que causem danos ao meio ambiente e, em 1998, por meio da Lei nº. 9.605, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, a tipificação de condutas consideradas como crime, tendo como bem jurídico tutelado o meio ambiente, promovendo de fato proteção muito mais ampla e punição muito mais grave para essas condutas lesivas.

O ápice da proteção ambiental surgiu na esfera legislativa com a edição da Lei nº. 12.651/2012, que atualizou toda a legislação relativa ao meio ambiente brasileiro.

Dessa forma, o Brasil acompanhou a preocupação mundial com o meio ambiente humano ao recepcionar as diretrizes da Conferência de Estocolmo, tanto na forma de políticas públicas quanto no próprio texto constitucional e também sediando outras duas grandes Conferências ambientais mundiais, conhecidas como Eco92 e Rio+20, das quais importantes ações foram tomadas pelos países e organizações participantes.

Nas ciências jurídicas essa preocupação não foi deixada de lado. Cresceu o chamado Direito Ambiental, reflexo dessa nova tutela jurisdicional, que foi conceituado de várias formas ao longo do seu surgimento e evolução.

Para o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2014): “Direito ecológico é o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio ambiente”.

Propositadamente escolheu-se tal citação para demonstrar que não é pacífico o entendimento que o Direito Ambiental seja um ramo autônomo das ciências jurídicas, dado o seu tratamento transdisciplinar e específico.

Enfrentando o tema e aliando-se aos que não reconhecem essa proteção enquanto ramo do Direito está o professor Vladimir Passos de Freitas, para quem:

“É impossível imaginar o Direito Ambiental alheio ao Constitucional, ao Civil, ao Penal e ao Administrativo. Mas é impossível também como mera fração, parte de qualquer das vertentes citadas. É preciso, pois, encará-lo como algo atual, fruto das condições de vida deste final de milênio e, por isso mesmo, dotado de características e peculiaridades novas e incomuns” (FREITAS, 2005, p. 24).

No entanto, o conceito de Édis Milaré fundamenta este referencial teórico, refletindo o ponto de partida desta pesquisa com o seguinte conceito: “complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras da atividade humana que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” (MILARÉ, 2011, p. 109).

Tanto é um ramo do Direito quanto também é considerado direito humano fundamental, por ser de uso comum e necessário à qualidade de vida e à saúde da população, interesses comuns a todo cidadão brasileiro.

O tratamento como direito humano fundamental utilizado como referencial está no próprio artigo 5º da Constituição Federal, berço dos direitos e garantias fundamentais, no inciso LXXIII quando trata da legitimidade para propor ação de iniciativa popular, cujo objeto pode ser também o meio ambiente, veja-se:

“LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (BRASIL, 1988).

Se é no escopo do artigo 5º que estão os direitos e garantias fundamentais e, estando o meio ambiente relacionado como objeto de proteção nesse artigo, pode-se inferir que se trata sim de um direito fundamental de qualquer ser humano.

A assertiva é corroborada também pela pesquisadora do Direito Ambiental Francelise Pantoja Diehl, que em suas pesquisas, constatou que:

“O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado trata-se de um direito fundamental, tendo em vista que o ambiente é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, conforme preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 225, vindo a estabelecer desta feita, que os bens ambientais, não são coletivos e nem privados. Neste norte, a Constituição Federal prevê ainda a responsabilidade compartilhada, no que tange a proteção ambiental. Considera-se, portanto, que a proteção do ambiente deve ser entendida como uma forma a dar efetividade aos Direitos Humanos, levando-se em consideração que um sistema ecológico degradado, reflete diretamente na violação dos Direitos Humanos” (DIEHL, 2007, p. 65).

A título de ilustração e como meio de demonstrar como o Supremo Tribunal Federal trata o tema, o Ministro Celso de Mello, em 1995 já decidiu que:

“O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis) – realçam o princípio da liberdade, e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) –que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, 1995).

Logo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência e a própria legislação tratam o Direito Ambiental como direito fundamental. Dessa forma, um direito humano cuja proteção é um dever estatal. Assim, há de se ter uma proteção mais efetiva por parte das autoridades para que toda a coletividade seja beneficiada com um meio ambiente equilibrado.

2.2 O PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL

Partindo da premissa que o meio ambiente equilibrado é um direito humano fundamental e, por consequência, deve ser garantido pelo Estado, cabe a este assegurar que todo cidadão goze desse meio ambiente, regulando o seu bom uso, de forma organizada e com vistas à perpetuação desses recursos.

Urgia, então, a criação de uma polícia para atuar nesses casos, culminando com a criação de uma polícia administrativa para atuação no âmbito ambiental, com poder de polícia para garantia do interesse coletivo.

O poder de polícia tem amparo legal no artigo 78 do Código Tributário Nacional, embora seu uso ultrapasse as ações tributárias, e tenha abrangência em toda e qualquer ação administrativa:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (BRASIL, 1966).

Para o professor Hely Lopes Meirelles, o Poder de Polícia é: “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” (2010, p. 134).

O meio ambiente é bem de utilização comum da população, por conseguinte, é dever do poder público e de toda a sociedade a sua proteção, tanto na forma preventiva quanto punitiva, caso haja excessos ou mau uso dos recursos ambientais.

Para o jurista ambientalista Paulo Affonso Leme Machado, há um poder de polícia ambiental, que seria:

“A atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina de produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza” (MACHADO, 2014, p. 309-310).

Essa polícia atende aos interesses estatais de manutenção da ordem nas questões ambientais, devendo assegurar o bem estar social, garantindo a ordem pública em todos os setores, dentre os quais: segurança, saúde, tranquilidade, economia, enfim, tudo que possa contribuir para o meio ambiente equilibrado.

3 O PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL COMO ELEMENTO EFETIVADOR DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Estando conceituado o meio ambiente enquanto direito humano fundamental e o poder de polícia enquanto instrumento para sua efetivação, resta analisar como esse poder de polícia pode assegurar o direito, que é a questão dessa pesquisa.

É pacifica a divisão do poder de polícia proposta pela doutrina, dividindo-o em quatro fases, formando o ciclo de polícia. São as fases da ordem de polícia, do consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia.

Cada um destes ciclos será estudado paulatinamente com exemplos e apontamentos legislativos, mostrando onde cada uma dessas fases do poder de polícia administrativa na seara ambiental irá se revelar um elemento efetivador do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

A primeira fase deste ciclo é a ordem de polícia, preceito legal básico e abstrato, destinado a todos, que dá validade á limitação estabelecida pelo Estado. A ordem de polícia visa compelir o particular a não praticar ato que prejudique o interesse público, ou a praticar ato que seja fundamental para preservação do interesse público.

A ordem de polícia se divide em dois preceitos, um preceito negativo absoluto e um preceito negativo relativo. Enquanto o preceito absoluto traz vedações às condutas que não serão aceitas de forma alguma, o preceito relativo traz atos que só poderão ser praticados com o consentimento do Estado, que é a segunda fase do ciclo de polícia.

Na legislação ambiental pátria é comum depararmos com comandos legais que expressam a ordem de polícia, tanto na modalidade preceito absoluto quanto no relativo. A Lei nº. 12.651/2012, novo Código Florestal, ao instituir que as áreas de preservação permanentes (APP) são obrigatórias em toda propriedade, fez uso do preceito negativo absoluto, aduzindo que o possuidor ou ocupante a qualquer titulo tem o dever de mantê-las:

“Art. 7º A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

§ 1º Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei” (BRASIL, 2012).

A obrigação contida no preceito legal supracitado busca garantir o interesse público através da manutenção e preservação das áreas de preservações permanentes, que são áreas especialmente protegidas e com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico da fauna e da flora, proteger o solo e garantir o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012).

Fica evidente a expressão do poder de polícia através da ordem de polícia, limitando o exercício do direito de propriedade do particular em benefício da coletividade, para garantir a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Não se pode olvidar que o poder de polícia ambiental, quando exercido pelo Estado na forma de ordem de polícia, seja contendo preceitos negativos absolutos ou relativos, é um elemento garantidor do direito fundamental de todos ao meio ambiente sadio, como exposto no exemplo acima.

Seguindo no ciclo de polícia temos a segunda fase, o consentimento de polícia, que é ato administrativo que confere anuência ao particular para o exercício de atividade ou uso de propriedade, e somente é possível falar em consentimento de polícia quando se tratar de ordem de polícia que contenha preceitos negativos relativos, ou seja, preceito negativo com reserva de consentimento.

O licenciamento ambiental, instrumento do consentimento de polícia, busca preservar riscos potenciais ou efetivos à qualidade do meio ambiente e à saúde da população, riscos esses que são decorrentes de instalação e funcionamentos de empreendimentos potencialmente poluidores ou degradadores do meio ambiente, ou ainda de intervenções que podem afetar de modo desfavorável as condições ambientais.

A Lei nº. 6.938/1981 estabeleceu que todos os empreendimentos e atividades passíveis de degradar, poluir ou causar qualquer dano ambiental devem ser previamente licenciados pelo órgão ambiental competente, claro exercício do consentimento de polícia do Estado:

“Art. 10.  A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental” (BRASIL, 1981).

O alvará é o instrumento por meio do qual o Estado irá conceder a licença ou autorização para a prática do ato, realização de atividades ou para construção, instalação e funcionamento de empreendimentos que utilizem recursos ambientais ou capazes de poluir e causar degradação ambiental.

Poderá o alvará ser definitivo ou precário: será definitivo e vinculante para a administração quando o requerente possuir direito público subjetivo à sua expedição, como são os casos de concessão de licenças ambientais para funcionamento de atividades de extração minerarias. Desde que o empreendedor satisfaça todas as exigências contidas nas diversas normas ambientais sobre o tema, não pode a administração pública se furtar a conceder o alvará.

Entretanto, será precário o alvará quando a administração o concede de forma discricionária, por ato de mera liberalidade, desde que não haja impedimento legal para tanto, como nos casos de autorizações para pesquisas cientificas desenvolvidas no interior dos Parques Nacionais, criados e protegidos pela Lei nº. 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), conforme se verifica no próprio texto legal:

“Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. […]

§ 3º A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento” (BRASIL, 2000).

Quando o alvará se concretizar por meio de uma licença, esta não poderá ser invalidada pelo poder público de forma discricionária, só admitindo sua revogação por superveniente interesse público, de forma motivada, garantindo o contraditório e com direito à indenização. Poderá também ocorrer cassação por ilegalidade na execução ou anulação por ilegalidade na formação e expedição da licença, sempre garantido o contraditório do interessado.

Em contrapartida, a autorização poderá ser revogada a qualquer tempo, a critério da administração ambiental, sem que o poder público seja obrigado a indenizar o interessado.

É cristalino o caráter preventivo do poder de polícia ambiental na fase do consentimento. Os estudos e análises prévios à concessão do alvará buscam garantir o mínimo impacto ambiental das atividades e empreendimentos. Ademais, a fixação de condicionantes a serem cumpridas pelo interessado como condição sine qua non para expedição e manutenção do alvará são formas de concretizar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Na terceira fase do ciclo de polícia temos a fiscalização de polícia ambiental, considerado o principal meio de controle e prevenção de atos e atividades nocivas ao meio ambiente. Nesta fase, o Estado realiza o controle in loco dos empreendimentos e condutas que possam causar qualquer tipo de dano ambiental, buscando sempre garantir a norma pragmática constitucional que garante às presentes e futuras gerações o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A fiscalização ambiental é exercida por agentes vinculados a diversos órgãos nas esferas federais, estaduais e municipais, respeitando as mesmas regras de competências legislativas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 e também pela Lei Complementar nº. 140 de 2011. Em regra, quem tem atribuição de conceder o alvará tem competência para fiscalizar.

Inobstante a regra de que o poder de polícia ambiental, em todos os ciclos, seja exercido pelos órgãos ambientais e seus agentes, na fiscalização e sanção, próxima fase do poder de polícia, vem sendo utilizado em todo o país a celebração de convênios com órgãos e corporações que não possuem originariamente poder de polícia ambiental.

Exemplo disso são os convênios firmados entre diversos órgãos das esferas federais e estaduais com as polícias militares dos Estados, onde há uma delegação de parcela do poder de polícia ambiental para esta corporação, que o exerce através de corpo de tropa especializado, voltado unicamente para o desempenho dessas funções.

Desenvolvendo a fiscalização de polícia, podemos identificar duas nuances capazes de destacar esta fase do poder de polícia. Em primeiro momento, partindo da utopia de que todos aqueles que fossem utilizar recursos naturais ou realizar atividades capazes de lesar ao meio ambiente buscassem previamente o consentimento do Estado, temos que a fiscalização de polícia se destina a verificar a normalidade do uso do bem ou da atividade policiada, ou seja, atestar que a utilização ou realização está em consonância com o alvará e com as normas legais que o regem.

Como sabemos, não é bem assim que funciona. A maioria das atividades que lesam ao meio ambiente ocorre às escuras, de forma totalmente clandestinas, e é atuando sobre essas atividades que a fiscalização de polícia se revela de grande importância no cenário de prevenção e repressão às infrações ambientais, buscando consolidar o direito a todos assegurado pela constituição.

É através da fiscalização que são descobertos os desmatamentos ilegais, o uso indiscriminado do fogo, a extração de recursos naturais, as alterações e intervenções em recursos hídricos, o funcionamento de empreendimentos poluidores e degradadores e tantos outros ilícitos penais e administrativos.

Nos empreendimentos que operam com licença ou autorização do órgão ambiental competente, a fiscalização terá foco em identificar possíveis omissões quanto às medidas mitigadoras do dano ambiental a serem cumpridas, e também certificar se as informações prestadas ao órgão ambiental no ato da regularização são verdadeiras, já que a maioria são auto-declaradas pelo interessado ou por profissional por ele contratado.

Pelo exposto, tem-se que a fiscalização de policia ambiental é fundamental para a concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, atuando de forma preventiva e repressiva, e se revela o meio mais eficaz de combate a todos os tipos de exploração e de degradação causados pelo avanço dos setores agroindustriais, que não raras vezes buscam apenas vantagens econômicas sem se preocupar com o futuro e as próximas gerações.

Tamanha é a importância da fiscalização de polícia no cenário de prevenção e proteção ao meio ambiente que o legislador pátrio ao editar a Lei de Crimes Ambientais, Lei nº. 9.605/1998, tipificou a conduta daquele que obstar ou dificultar a fiscalização do Poder Público em questões ambientais no artigo 69, cominando pena de detenção de um a três anos e multa (BRASIL, 1998).

Por fim, e sempre decorrente dos demais, temos a sanção de polícia, última fase do ciclo de polícia, que se ocupa de punir aquele que atua em desacordo com as normas ambientais. O poder de polícia não teria a mesma eficiência se não tivesse a sanção à sua disposição. A coercibilidade do poder de polícia se aflora nessa fase, fazendo que os casos de desobediência sejam punidos para desestimular a reincidência.

É salutar o caráter pedagógico do poder de polícia através das sanções. Em um escalonamento que pode ir desde a advertência verbal, passando pela multa, até chegar ao embargo administrativo de obra ou estabelecimento bem como a sua demolição, sem a necessidade de chancela do Poder Judiciário.

As sanções de polícia são aplicadas no curso de fiscalização de polícia, e em decorrência da ausência de consentimento ou descumprimento de ordem de polícia, fechando o ciclo que busca em todas as fases a preservação e manutenção do bem que a Constituição outorgou a todos, o meio ambiente.

Essas sanções, em virtude do principio da autoexecutoriedade do poder de polícia, são impostas e executadas pela própria Administração Ambiental, através de procedimentos que respeitem as exigências do devido processo legal e sempre com vistas a proteger o interesse público. Necessário se faz a mensuração da penalidade aplicada comparando-a com o dano causado, observando com proporcionalidade o suficiente para reprimir e desestimular novas práticas danosas.

Dessa feita, embora a sanção de polícia ocorra após a consumação efetiva do dano, não se pode desprezar sua contribuição. A sanção razoável e proporcional ao dano causado é suficiente para evitar a reincidência, e se mostra uma forma efetiva de garantir a preservação do meio ambiente, ainda mais na atual fase da humanidade, que se conscientiza de forma bem mais célere quando tem que desembolsar recursos financeiros.

Por todo o exposto, não há como negar que o poder de polícia ambiental é um elemento efetivador do direito fundamental ao mio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme acima mostrado. Em todas as suas fases (ciclos) o poder de policia ambiental tem como objetivo a garantia do interesse público, que neste caso é o meio ambiente sadio para a presente e futuras gerações.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização da pesquisa é possível realizar as seguintes considerações:

O Direito Ambiental é um ramo do Direito, embora ainda exista discussão doutrinária quanto à sua autonomia, é possível asseverar que se trata de ramo autônomo, contudo, transdisciplinar, com abrangência em vários outros ramos do Direito.

Essa transdisciplinaridade não interfere na sua qualificação enquanto objeto de proteção estatal. Desde o século XX que a preocupação com a questão ambiental tem crescido em todo o mundo e, especificamente no Brasil, onde as riquezas ambientais são muitas, há especial preocupação, tendo em vista que os recursos não são inesgotáveis como se pensava nos séculos anteriores.

O Brasil recepcionou na Constituição Federal todas as legislações ambientais que surgiram dos Tratados e Convenções internacionais sobre esta temática, inclusive por meio de leis ordinárias, com aplicação imediata e reflexos nas áreas civis, administrativas e penais.

O meio ambiente equilibrado constitui-se em direito humano fundamental e como tal deve ser protegido pelo Estado de forma efetiva, por meio do poder de polícia ambiental.

Esse poder de polícia ambiental constitui elemento efetivador desse direito humano fundamental, que deve ser utilizado pelo Estado de forma repressiva, preventiva e também educadora para garantir a proteção do meio ambiente.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado, 1988.
______. Lei nº. 5.172 de 25 de outubro de 1966. Brasília-DF: Senado, 1966.
______. Lei nº. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Brasília-DF: Senado, 1981.
______. Lei nº. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Brasília-DF: Senado, 1998.
______. Lei nº. 9.985 de 18 de julho de 2000. Brasília-DF: Senado, 2000.
______. Lei nº. 12.651 de 25 de maio de 2012. Brasília-DF: Senado, 2012.
DIEHL, Francelise Pantoja; XAVIER, Grazielle; BRANCHER, Nivia Daiane Régis. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: interfaces entre direitos humanos e proteção ambiental. Novos Estudos Jurídicos, Itajaí-SC, v. 12, n. 1, p. 63-70, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/453/395>. Acesso em 05 mai. 2015.
FREITAS, Vladimir Passos. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
SILVA, Valquíria Brilhador; CRISPIM, Jefferson de Queiroz. Um breve relato sobre a questão ambiental. Revista GEOMAE, Campo Mourão-PR, v. II, n. 1, p. 163-175, 1º sem. 2011.
STF. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº. 22.164SP. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Data de Julgamento: 30 out. 1995. Brasília: Diário da Justiça, 1995.
 
Nota:
[1] Artigo orientado pelo Prof. Alexandre Jacob, UNIPAC Aimorés


Informações Sobre o Autor

Alfredo Serrano dos Reis

Policial Militar do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal. Aprovado para o cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal TRT3


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