Direito atuarial e direito previdenciário no contexto da epilepsia no Brasil

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Resumo: Este artigo avalia aspectos legais e técnicos de epilepsia e seus reflexos dentro da Seguridade Social no Brasil. Dentro desta análise também é desenvolvida uma descrição atuarial específica quanto às melhorias sobre uma base prospectiva para a formulação de políticas de Seguridade Social referentes a tal contingência dentro do Direito Atuarial e do Direito Previdenciário. Esta base de dados serve como uma medição atuarial dos efeitos gerais sobre as políticas de segurança social para a protecção social sobre aqueles que sofrem de epilepsia, com consequências nas variáveis biométricas relacionadas com o mercado de trabalho. Direito e Ciências Atuariais são apresentados dentro da interface inerente das duas áreas científicas.

Palavras-chave: Epilepsia no Brasil ; Seguro Social; banco de dados atuarial.

Abstract: This paper evaluates legal and technical aspects of epilepsy and its Social Security reflexes in Brazil. Within this analysis is also developed a specific actuarial description as to improvements upon a prospective basis for the formulation of social welfare policies pertaining such a significant pension contingency within Actuarial Law and Pension Law. This database will serve as an actuarial measurement of general effects on Social Security policies for social protection upon those who suffer from epilepsy, with consequences in biometric variables related to the labor market. Pension Law and Actuarial Science are presented regarding the inherent interface of the two scientific areas.

Keywords: Epilepsy in Brazil; Social Security; Actuarial database.

Sumário: 1. Introdução. 2. Epilepsia. 3. Aspectos jurídicos atuariais do context. 4. Direito actuarial. 5. Direito previdenciário. 6. Dados acerca do tema no DATASUS e IBGE. 7. Conclusão

Introdução

O presente trabalho tem por escopo apresentar aspectos jurídicos da epilepsia, e alguns de seus reflexos previdenciários no Brasil. Dentro desta análise, é desenvolvido também um descritivo atuarial específico que pode servir de base para a futuras formulações de políticas previdenciárias ou mesmo de saúde pública para esta contingência social. Tal base serve também para fins de mensuração atuarial dos efeitos sobre a Previdência Social das políticas de proteção social para segurados que tenham epilepsia, com consequências em variáveis biométricas relativas ao mercado de trabalho. Não houve estudos com humanos ou animais.

A justificativa para este estudo se baseia no cenário demográfico brasileiro. Há um aumento da longevidade que impacta sobremodo o contexto previdenciário social que vigora no Brasil, o sistema de repartição simples (pay as you go system). Nesse regime de repartição simples, há uma solidariedade intergerações na qual o trabalhador ativo paga contribuições sociais para subvencionar a aposentadoria e os benefícios do inativo. Junte-se à longevidade difusa uma taxa de fecundidade baixa e o problema do equilíbrio atuarial da previdência brasileira acaba sendo o mesmo do mundo civilizado. Menos jovens trabalhando para subsidiar aposentadorias e benefícios de uma população idosa crescente. A demografia reverbera diretamente na atuária.

Essa problemática atuarial pode ser vislumbrada de maneira pontual na questão da epilepsia. Com o envelhecimento da população – risco social venturoso (DURAND, 1991) – fato auspicioso ensejado pelos avanços médicos, nutricionais e tecnológicos, v.g., a contingência previdenciária da epilepsia em segurados do INSS. Haverá crescentemente mais epilepsia em idosos (GUERREIRO, 2010).

A metodologia utilizada para a projeção do fluxo de benefícios previdenciários futuros para as pessoas com epilepsia no Brasil deveria estar baseada no cálculo das estimativas de Frequência e Severidade dos Benefícios Concedidos por Epilepsia. A frequência de ocorrência e sua Severidade (Valor Médio Esperado por benefício) serão estimadas a partir das informações colhidas no DATASUS, DATAPREV, IBGE (órgãos oficiais) e estimativas citadas por outros autores.

Tendo em vista o regime brasileiro de repartição simples da Previdência Social, além do cenário do curto prazo, temos o aspecto do equilíbrio atuarial, que é um princípio constitucional. A modelagem atuarial faz parte do contexto do tratamento técnico equilibrado entre a administração dos benefícios e contribuições diante das contingências reais sofridas pela população.

Portanto, o presente estudo é composto de três partes. Na primeira há uma abordagem sobre a epilepsia como contingência social; na segunda parte analisaremos o alicerce jurídico previdenciário que envolve esse âmbito; e na terceira apresentaremos um descritivo atuarial para essa coorte de segurados que são pessoas com epilepsia. Este trabalho, além de possibilitar um fortalecimento técnico que beneficie os usuários finais do INSS quanto a um problema de saúde pública que gera efeitos jurídicos específicos, possibilitará um cenário inovador ao alinhar três searas científicas interdisciplinares que são totalmente conexas ao campo da previdência.

A execução desse trabalho se pauta na aplicação da metodologia descritiva e dedutiva. Contudo, também se faz uso do método de pesquisa bibliográfica, doutrinária, legal, jurisprudencial e analítica, inclusive para fins de apresentar um descritivo dentro das bases teóricas de fundamentação atuarial técnica.

Mais do que a formulação do descritivo atuarial em si, são levantados e discutidos aspectos a serem considerados para fins de futuros avanços no campo da modelagem atuarial previdenciária em relação à epilepsia.

2. Epilepsia

Segundo a Organização Mundial da Saúde[1], “a epilepsia é uma doença crônica caracterizada por crises recorrentes, que podem variar de um breve lapso de atenção ou espasmos musculares, a convulsões graves e prolongadas. As crises epilépticas são causadas por repentinas, e geralmente breves, descargas elétricas excessivas em um grupo de células cerebrais (neurônios). Na maioria dos casos, a epilepsia pode ser tratada com sucesso com o uso de medicamentos anti-epilépticos”.

Dessa forma, a epilepsia é uma doença crônica grave que afeta inúmeras pessoas em todo o mundo e sua incidência é bastante variável em diferentes países (GOUVEIA, 2011). Cerca de 80% dos casos de epilepsia no mundo ocorrem em países em desenvolvimento (WHO, 2012). No Brasil a prevalência da epilepsia é de 16,5/1.000 (FERNANDES et al., 1998).

De acordo com a Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE) e a Agência Internacional de Epilepsia (IBE), as crises epilépticas se caracterizam por uma alteração transitória com sinais e/ou sintomas referentes à atividade anormal, excessiva e sincronizada no cérebro. Igualmente descrevem a epilepsia como uma doença cerebral, caracterizada predominantemente por uma predisposição duradoura, capaz de gerar crises epilépticas e que também pode provocar consequências cognitivas, neurobiológicas e psicossociais no paciente (FISHER et al., 2005; ENGEL, 2010).

A forma mais comum de epilepsia em adultos é a do lobo temporal (ELT), respondendo por 40% da totalidade das epilepsias. Nesse tipo de epilepsia existe a presença de aura, que muitas vezes se manifesta por sensações epigástricas, mal estar na região abdominal, frio, borborigmo ou cólica, ascendendo em direção à garganta e ao tórax. Estas são algumas das características dessa doença (FRENCH et al., 1993).

3. Seguridade Social e Epilepsia

A Previdência Social é forma de seguro social que visa prevenir que o segurado caia em indigência social, ou seja, em estado de necessidade. O risco social da indigência recebe a atuação estatal nesse sentido.

Diferentemente da Assistência Social, na qual o Estado age a posteori, na Previdência Social o Estado atua de forma precursora à indigência. (PULINO, 2001). A Previdência Social é uma forma de prevenção da indigência social que, no futuro, poderia acometer o segurado se este não estivesse protegido.

Logo, o estado de indigência social está relacionado com a necessidade previdenciária, e se dá no momento em que o indivíduo perde a capacidade de se manter ou manter sua família com dignidade (BALERA, 1994). Ou seja, quando o segurado se impossibilitar de trabalhar por uma contingência social protegida e receba ipso facto proventos capazes de lhe garantir a subsistência digna (LEITE, 1986).

Contudo, nem todas as necessidades (incapacidade de mantença) fazem jus à proteção previdenciária, mas, sim, somente aquelas oriundas de determinadas contingências, previamente selecionadas pelo legislador (PULINO, 2001). É uma escolha política. A norma constitucional, em respeito ao princípio da seletividade[2], arrola as contingências que serão protegidas pelo sistema.[3]

Deste modo, em suma, a contingência se configura em um acontecimento legalmente determinado, que venha a colocar o indivíduo em estado de necessidade. A incapacidade laboral, para ser tutelada pelo sistema, tem de ser decorrente de uma das contingências arroladas na Constituição Federal de 1988, ou seja: doença; invalidez; morte; idade avançada; [4] maternidade e gestação; [5] desemprego involuntário; [6] manutenção de filhos e prisão[7] e o tempo de vinculação.[8]

A contingência geradora do benefício de aposentadoria ou auxílio-doença por epilepsia é contingência causadora de uma necessidade presumida, pois, a norma presume que, após certo tempo de vinculação, o segurado encontrar-se-á, em decorrência da incapacidade física presumida, incapaz de se manter com dignidade. A proteção social, para atingir a eficiência plena, deve obedecer à especificidade, ou seja, para cada risco existente deve haver uma prestação previdenciária que o combata (COIMBRA, 1996).

A relação jurídica previdenciária que interessa neste trabalho é a que se refere à proteção do segurado, elemento de proteção social e justiça social inerente. Ao contrário da relação jurídica de custeio, o sujeito ativo será o segurado e o passivo o instituto previdenciário, sendo que o objeto da relação é a proteção seletiva conferida pelo sujeito passivo ao ativo. O segurado é sujeito ativo da relação jurídica e o Estado é o sujeito passivo.

Tendo em vista estas considerações, o arcabouço jurídico é bem delineado em relação ao contexto inicial de uma contingência previdenciária de epilepsia de um segurado. Primeiramente, este segurado será periciado pelo Estado para que se verifique o grau de incapacitação laboral que a epilepsia lhe causa. Diante da incapacidade constatada pelo médico do INSS, ocorrerá o início da concessão de um auxílio-doença. Caso se verifique uma situação de incapacitação permanente, o auxílio-doença será convertido em aposentadoria por invalidez. Este evento gera um impacto no equilíbrio financeiro-atuarial do INSS, impacto este imanente ao sistema.

Importante sublinhar que a própria Constituição Federal explicita duas vezes o princípio previdenciário do equilíbrio atuarial. Em 1998, houve a reforma constitucional que adveio da Emenda 20, que incutiu tal princípio para os trabalhadores do setor privado (artigo 201). Em 2003, a Emenda 41 fez o mesmo para os trabalhadores do setor público (artigo 40). Foram governos diferentes, com ideologias e raízes diferentes, que demonstram a mudança inexoravelmente técnica do âmbito previdenciário no Brasil.

As contingências inerentes aos eventos protegidos pelo Estado são intrínsecas à vida social; sendo tarefa estatal (decisão política) defini-las. Diante dos riscos sociais nascidos com a própria sociedade, o Estado deve ser capaz de oferecer resposta proporcional de proteção, como contrapartida do contrato social. O conceito de Seguridade Social se condensa na função e nas providências do Estado no sentido de proteger a população em determinadas contingências adversas. Esta conceituação se funda claramente nos alicerces de justiça social, seguro social e proteção social.

Direitos previdenciários são direitos sociais, pois dependem da existência de uma sociedade organizada para existirem. São direitos dos integrantes da sociedade; direitos a serem garantidos pelo Estado, pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para que a proteção social tenha eficiência plena, deve obedecer à especificidade. Segundo Fábio Berbel (2003: 111):

“(…) para a realização de uma melhor proteção é necessário à especificação dos métodos de prevenção (previdência) para atender, de forma mais específica, o infortúnio que o segurado está ou estará sofrendo. Para que a Previdência Social atinja seu fim preventivo, seus métodos de atuação (benefícios e serviços) deverão, necessariamente, obedecer ao binômio risco/adequação.”

Com a previsão legal de uma forma de prevenção para cada risco, dificilmente o trabalhador cairá em indigência social. Por outro lado, ante a ausência de especificidade das prestações, diante de um risco não previsto, o trabalhador estará em indigência social.

Seguindo este raciocínio, diante de um risco específico que é a perda total ou parcial da capacidade laboral por transtorno do segurado com epilepsia, existem benefícios previdenciários próprios. Inicialmente o segurado faz jus ao benefício do auxílio-doença. Restando comprovada a incapacidade permanente, fará jus à aposentadoria por invalidez. A norma previdenciária deve tutelar os segurados que sofrem com epilepsia de acordo com o grau incapacitante e desgaste físico que interfere na capacidade laborativa do trabalhador, ensejando auxílio-doença ou antecipando a necessidade da aposentadoria.

Ainda no campo da isonomia, as gradações de impacto da epilepsia nas pessoas seguradas também devem ser tratadas de maneira própria pelo direito. Este tratamento diferenciado é pressuposto para a isonomia entre as diversas categorias de segurados pertencentes ao regime geral. A norma previdenciária deve tutelar os segurados que sofrem com epilepsia de acordo com o grau incapacitante e desgaste físico que interfere na capacidade laborativa do trabalhador, ensejando auxílio-doença ou antecipando a necessidade da aposentadoria.

Sobre o assunto, nesse sentido é o entendimento jurisprudencial brasileiro, inclusive abarcando o Regime Geral de Previdência Social (trabalhadores do setor privado) e Regimes Próprios de Previdência Social (trabalhadores do setor público):

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS. CUSTAS PROCESSUAIS. 1. O segurado da Previdência Social tem direito ao benefício de aposentadoria por invalidez se comprovada por perícia médica a incapacidade laborativa para sua atividade habitual, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.213/91. 2. O INSS reconheceu a qualidade de segurado da parte autora e o período de carência previsto na Lei 8.123/91 quando da concessão do benefício de auxílio-doença na seara administrativa. 3. Laudo pericial no sentido de que o(a) requerente é portador(a) de enfermidade de caráter irreversível, epilepsia de difícil controle, que acarreta sua incapacidade total e permanente para o trabalho. 4. Direito à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, desde o ano de 1991, observada a prescrição qüinqüenal, de acordo com o laudo pericial. (…)”. (AC 200138000388242, JUIZ FEDERAL MURILO FERNANDES DE ALMEIDA (CONV.), TRF1 – SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA:10/07/2013 PAGINA:85.) (Grifamos).

“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PEDIDO FORMULADO ADMINISTRATIVAMENTE. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. NOVO PEDIDO NA VIA JUDICIAL. CONFIGURAÇÃO DA LIDE. CONDIÇÃO DE SEGURADO E INVALIDEZ COMPROVADAS. DIREITO AO BENEFÍCIO. 1. Considerando que entre a data do cancelamento do benefício na via administrativa (30.06.1994) e o ajuizamento do feito (10.12.2008) passaram-se mais de 05 (cinco) anos, é de se reconhecer prescrito o direito de requerer na via judicial o benefício com base naquele pedido formulado na via administrativa; 2. Apresentando novo pedido de aposentadoria por invalidez, ainda que apenas na via judicial e tendo o INSS, em sua defesa (contestação) resistido à pretensão autoral, não se há falar em falta de interesse de agir; 3. Demonstrada, através de perícia médica judicial, a incapacidade definitiva do demandante para exercer atividades laborativas, decorrente de epilepsia com esclerose mesial temporal, bem assim que tal doença se agrava desde da época do cancelamento do primeiro benefício de aposentadoria deferido, restam preenchidos os requisitos necessários à concessão de novo benefício por invalidez; 4. Apelação parcialmente provida”. (AC 00013697220134059999, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 – Segunda Turma, DJE – Data::13/06/2013 – Página::281.).

Nota-se uma evidente valorização da perícia pelos julgadores. A perícia corrobora o elemento incapacitante da epilepsia, até mesmo no aspecto da irreversibilidade. O diagnóstico de perenidade da moléstia não apresenta uma mera suposição ou presunção. O benefício não deve ser concedido em casos inapropriados e em desacordo com o arcabouço legal brasileiro. E a jurisprudência acima confirma isso diante da ênfase da prova técnica pericial como base decisória do julgador.

A prova técnica retira o critério randômico de julgamento de uma pessoa leiga na área, que é o juiz, posto que o fundamento da decisão sobre a contingência social está pautado em elemento técnico pericial. Evidentemente, o juiz não é obrigado a julgar de acordo com a perícia. Pode inclusive requisitar novas perícias se achar necessárias. Mas o subsídio técnico da decisão jurisdicional sempre deve ser a prova pericial.

Com referência à Classificação Internacional de Doenças, relacionada em algumas jurisprudências, impende esclarecer que é utilizado na categorização técnica da moléstia. Epilepsia está dentro do código relacionado às doenças do sistema nervoso – transtornos episódicos e paroxísticos – CID 10 – G40 a G40.9.

Quanto à preexistência ou não da epilepsia como forma obliteradora de benefícios do INSS, temos a seguinte assertiva:

“(…) se a invalidez do segurado decorre de doença ou lesão preexistentes à filiação, o benefício não lhe será concedido. Isto visa a evitar fraudes ao sistema, quando uma pessoa já inválida poderia filiar-se para tão somente, obter o benefício. Entretanto, se a incapacidade for decorrente de agravamento da lesão ou doença preexistente, o benefício será devido. Caberá à perícia médica identificar esta situação (IBRAHIM, 2007).”

Não obstante, o agravamento da epilepsia pode sim gerar benefício. Tal minudência técnica será avaliada em perícia médica. Em sendo aposentado por invalidez, o segurado deverá afastar-se de toda e qualquer atividade remunerada, sob pena de cassação da aposentadoria, já que o evento determinante (incapacidade permanente para o trabalho) não existiria. A incapacidade laboral na invalidez é total. Não se pode exercer mais nenhuma atividade laboral nesta invalidez. A perícia ocorre regularmente para apurar se os eventos envolvendo a epilepsia seguem ocasionando incapacidade laboral absoluta.

Portanto, o segurado aposentado por invalidez está obrigado, a qualquer tempo, independente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional, por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos (IBRAHIM, 2007).

Ressalte-se que atualmente inexiste prazo para o possível retorno do segurado ao mercado de trabalho, quando recuperada a capacidade laborativa. Não obstante o aparente caráter final dos benefícios previdenciários, a recuperação é possível.

A Medicina, a Nutrição e a tecnologia em geral podem evoluir e permitirem o tratamento de doenças até então intratáveis. Casos de epilepsia podem ser considerados incapacitantes no momento, sendo que no futuro pode haver tratamentos.

O segurado acometido de epilepsia que retornar à atividade poderá requerer, a qualquer tempo, novo benefício, tendo este processamento normal. Caso venha a acidentar-se, por exemplo, poderá pedir auxílio-doença[9].

4. Aspectos atuariais

A atuária, ciência interdisciplinar afeita à administração e gerenciamento de riscos, é essencial dentro do âmbito de seguros e previdência. Sua aplicação abrange o contexto técnico de avaliação e administração de riscos com utilização de modelos e conceitos matemáticos, estatísticos, biométricos, demográficos, financeiros e jurídicos no que tange ao cotidiano técnico das estruturas de seguros, previdência e finanças. Deste fato se extrai a importância da proposta de apresentação, dentro do presente trabalho, de um descritivo atuarial específico para o campo da contingência previdencial de epilepsia de segurados.

Segundo Fábio Zambitte Ibrahim, “A Atuária, ciência do seguro, irá cotejar o risco protegido e os recursos disponíveis para sua cobertura, vislumbrando sua viabilidade em diversos cenários, especialmente dentro das expectativas futuras em relação ao envelhecimento da população e às tendências da natalidade populacional.” (IBRAHIM, 2010).

A técnica atuarial na previdência social depende da análise de eventos futuros e incertos e de complexos sistemas interligados.

Como base jurídica para o ambiente atuarial que será aferido a seguir, foi analisado o âmbito do Direito Previdenciário envolvendo a epilepsia, e a questão da elegibilidade atuarial para concessão dos benefícios previdenciários às pessoas com epilepsia e o papel dos benefícios como minimizadores dos impactos socioeconômicos aos indivíduos com perda parcial ou total de capacidade laboral.

Vimos também alguns critérios adotados pela avaliação médico-pericial, que deverá ser acompanhada de exames, relatórios médicos, comprovantes de internação ou quaisquer outros documentos que possam servir de comprovação para um diagnóstico juridicamente aceito da concretização da incapacidade por crises de epilepsia.

Passaremos então agora ao descritivo atuarial das bases de dados públicos que dizem respeito à contingência previdenciária da epilepsia.

O SUS (Sistema Único de Saúde), através de seu portal eletrônico de informações DATASUS[10], disponibiliza históricos de dados sobre internações hospitalares em hospitais públicos e privados desde 2008 por código CID (Classificação Internacional das Doenças), Sexo, Faixa Etária e Região Geográfica Brasileira e etc. Através do histórico do DATASUS não são disponibilizados dados sobre consultas médicas realizadas; apenas registros de internação hospitalar.

Analisaremos a frequência absoluta e relativa de internações hospitalares das pessoas com epilepsia, Grupos CID G40 (Epilepsias) e G41 (Estado de Mal Epilético), para compreendermos o perfil dos que sofrem de crises epilépticas mais graves e que se em idade produtiva, elegíveis aos benefícios de Auxílio-Doença e Aposentadoria por Invalidez da Previdência Social.

Após o estabelecimento das causalidades ligadas às informações analisadas oriundas do DATASUS, iremos analisar descritivamente os dados disponibilizados pelo portal eletrônico do Ministério da Previdência Social (DATAPREV[11]), sobre os benefícios concedidos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez para os Grupos de CID G40 e G41, e confrontá-los com os resultados obtidos nas análises anteriores dos dados do DATASUS. Também faremos um comparativo entre o montante de benefícios concedidos às pessoas com epilepsia em relação ao total concedido. Assim, será possível observar atuarialmente o impacto da epilepsia para o sistema previdenciário brasileiro em relação a estes benefícios referidos.

Os dados serão analisados estatisticamente através de tabelas e gráficos, contendo frequências relativas e absolutas das quantidades de internações e benefícios concedidos, para descrever as variáveis categóricas (ano, sexo, faixa de idade, região geográfica e etc.) e estatísticas descritivas (média simples) para avaliar o valor dos benefícios previdenciários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

5. Análise dos Dados do DATASUS e IBGE

Os dados extraídos no DATASUS são registros de internações hospitalares em hospitais públicos e particulares de pessoas com epilepsia (CID G40 e G41) que sofreram danos à sua saúde através de crises severas. Estas crises ocorrem com grande frequência em casa, no trabalho e nas ruas, podendo ou não resultar em um acidente. Pessoas com epilepsia possuem 5% de chance de serem internadas devido a um acidente causado por crise epiléptica todos os anos. Felizmente, as estatísticas mostram que a maioria dos acidentes decorrentes das crises epilépticas não é fatal, sendo em sua maioria queimaduras, fraturas, lesões nas articulações e acidentes com submersão[12].

Sabendo da grande exposição ao risco de acidentes fatais, ou não, das pessoas com epilepsia, os benefícios da Previdência Social de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez podem ser acionados quando da perda total ou parcial da capacidade laboral. Os dados a seguir nos mostrarão números registrados pelo SUS das internações das crises epilépticas de maior gravidade, que podem gerar elegibilidade a estes benefícios previdenciários.

Foram extraídas no DATASUS as Quantidades de Internações pelos CID G40 e G41 (Epilepsias) classificadas pelas seguintes variáveis: Sexo, Faixa Etária e Região Geográfica dos anos de 2008 a 2013. Apesar de disponibilizados dados até Março de 2014, utilizaremos apenas anos completos para nossa análise.

De acordo com o DATASUS, em 2008 foram registrados 43,9 mil internações para pessoas com epilepsia em hospitais públicos e particulares em todo Brasil, e em 2013 este número chegou a 49 mil. O crescimento no período foi de 11,7 %, representando acréscimo de mais de 5 mil internações em 6 anos. Este crescimento pode estar relacionado ao aumento da população como um todo, e consequentemente, o aumento da população de pessoas com epilepsia. Como dito anteriormente, segundo (FERNANDES et al., 1998) a prevalência da epilepsia no Brasil é de 16,5 a cada 1.000 pessoas.

Em 2013 o Brasil o possuía uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[13] de 201 milhões de pessoas[14], portanto, através da estimativa de Fernandes (FERNANDES et al., 1998), teremos 3,31 milhões de pessoas com epilepsia no Brasil. Segundo Nguyen e Zenteno (2009), 5% das pessoas com epilepsia necessitam ser internados todos os anos devido às crises que geram danos a saúde do indivíduo, 5% da nossa população estimada de pessoas com epilepsia no Brasil em 2013 resultaria em cerca de 165,8 mil internações, número distante aos 49 mil observados nos dados do DATASUS. Podemos inferir que haja subnotificações.

O tratamento medicamentoso eficaz está disponível há décadas, e as crises podem ser controladas, na sua grande maioria (70%), com medicação de baixo custo, propiciando vida normal a numerosos pacientes. Para aqueles que não respondem ao tratamento medicamentoso, existe a possibilidade de tratamento cirúrgico.

Contudo, somente de 10% a 40% dos pacientes recebem tratamento medicamentoso, e a oferta de tratamento cirúrgico é praticamente inexistente no SUS. Os médicos do SUS, incluindo uma parcela dos neurologistas, não estão preparados para atender pacientes com epilepsia. Um programa de tratamento sistemático dos pacientes com epilepsia na rede básica de saúde é inexistente. Sabe-se que o não tratamento está associado à maior morbidade e risco de morte súbita, sendo maiores nos países em desenvolvimento. O ônus socioeconômico da epilepsia é desconhecido, mas provavelmente muito alto no Brasil (Li Li Min, Sander, 2003). Portanto, a causalidade ligada à baixa taxa de internação encontrada nos hospitais brasileiros pode estar ligada às limitações estruturais e de serviço médico público qualificado para o tratamento e acompanhamento das pessoas com epilepsia.

Segundo o DATASUS, os homens são internados com maior frequência em relação às mulheres (58% contra 42%) nos hospitais brasileiros.

Apesar da diferença de 16% entre sexos, devemos lembrar que a quantidade de internações é um número absoluto, e sua proporção não foi ponderada pela quantidade de habitantes de cada sexo por ano observado. O IBGE disponibilizou recentemente as informações do CENSO 2010[15], que contém os dados populacionais segmentados por diversas variáveis categóricas. Entre elas, é disponibilizado o número aproximado de homens e mulheres em todo o Brasil. Se considerarmos a mesma proporção de homens e mulheres para o interregno 2008 a 2013 encontrada no CENSO 2010, teremos 51% de mulheres e 49% de homens na população brasileira. Por conta deste equilíbrio, continuamos com nossa análise de maioria dos atendimentos prestados ao público masculino.

Segundo o Ministério da Saúde[16] existe prevalência superior para o sexo masculino em relação ao feminino para a epilepsia, e culturalmente, os homens são mais negligentes em se tratando de procura a cuidados médicos. Com exceção dos urologistas, todas as outras especialidades médicas atendem maior número de mulheres em relação aos homens (Meireles e Hohl 2009). Então, concluímos que na coorte masculina, são mais frequentes as internações por sua maior prevalência para epilepsia e negligência com os cuidados médicos.

Além do Sexo, idade é outro fator importante em relação às manifestações da epilepsia. A incidência da epilepsia é diferente entre as faixas etárias, sendo que é mais elevada em crianças e idosos (HAUSER et al., 1993).

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A figura 1 nos apresenta a quantidade de internações hospitalares de 2008 a 2013 por faixa etária (organizadas de 5 em 5 anos pelo DATASUS). Observamos por esta figura que frequência absoluta de internações de 0 a 10 anos é estritamente superior às demais.

Seguindo estudo referido supra (HAUSER et al, 1993), notamos que os mais idosos não possuem frequência absoluta elevada como se esperava. Da mesma forma que para o sexo, as quantidades não estão ponderadas pela proporção de habitantes brasileiros em cada faixa.

Assim como fizemos com o sexo, utilizaremos os dados do CENSO 2010 (IBGE) para calcularmos a frequência relativa de internações por faixa etária ponderando nossas quantidades de internação pela proporção populacional de pessoas com epilepsia esperado para cada faixa etária. Para chegarmos a este número, multiplicaremos a taxa de permanência esperada para a população brasileira de Fernandes (FERNANDES et al., 1998) de 16,5 para cada 1.000 habitantes, pela população estimada pelo CENSO 2010 (IBGE) para cada faixa etária analisada. Desta forma, conseguiremos a probabilidade esperada para cada faixa etária de pessoas com epilepsia de necessitar de hospitalização em caso de crise epiléptica para o período de 2008 a 2013.

Na figura 2, a pirâmide etária é construída com os dados disponibilizados pelo CENSO 2010 (IBGE) para as faixas etárias do DATASUS (de 5 em 5 anos) para realizarmos o cálculo da frequência relativa de internações para pessoas com epilepsia.

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Na Figura 3 consta a probabilidade esperada para cada faixa etária de pessoas com epilepsia quanto à necessidade de hospitalização em caso de crise epiléptica média por ano. Para calcularmos a média anual utilizamos a seguinte expressão:

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* População portadora de epilepsia estimada por faixa etária utilizando a permanência de 16,5 por 1000 habitantes.

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Após passarmos de uma visão de dados absolutos por faixa etária para dados ponderados pelo número de habitantes brasileiros que possivelmente tenham epilepsia em cada uma das faixas, observamos na Figura 3 algo diferente da Figura 1. Como havíamos dito, em HAUSER (et al 1993), a incidência da epilepsia é diferente entre as faixas etárias, sendo que é mais elevada em crianças e idosos.

Podemos perceber claramente que a probabilidade de ter uma crise epiléptica passível de internação entre jovens e idosos é realmente superior às demais idades a partir da Figura 3. Em Fernandes (1998) não temos a taxa de prevalência de epilepsia por faixa etária da mesma forma que analisamos os dados do DATASUS, entretanto, pelo gráfico acima podemos tirar duas possíveis conclusões. Ou a incidência de epilepsia é realmente maior entre idosos e crianças, e logicamente a explicação para a maior frequência de internações, ou, são mais frágeis em resistir às crises. As duas também podem ser complementares, são mais incidentes e mais frágeis que os demais.

Outro ponto importante é o crescimento da freqüência de internações a partir dos 25 anos até os 65, faixas etárias elegíveis a concessão dos benefícios previdenciários em caso de perda de capacidade laboral, mostrando-nos os segurados que possivelmente serão assistidos. As faixas dos 65 anos em diante não são mais preocupantes em relação às concessões de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez por conter poucos segurados ainda ativos.

O resultado das análises das quantidades de internações do DATASUS sugere que os atendimentos são mais frequentes nas primeiras idades (0 a 4 anos) e voltam a ser preocupantes a partir dos 30 anos. Vimos também que os homens detêm as maiores frequências de internações por possivelmente negligenciarem o tratamento medicamentoso. Outro fator importante é que muitos casos de internação não são registrados no país por falta de estrutura hospitalar e atendimento especializado, 70% dos registros são feitos apenas no Sudeste, sendo que a prevalência da epilepsia é maior em regiões mais pobres.

6. Análise dos benefícios da Seguridade Social (DATASPREV)

Os dados analisados anteriormente através do DATASUS referem-se às pessoas com epilepsia que necessitaram de atendimento hospitalar nos anos de 2008 a 2013. As crises epilépticas que causam a necessidade de internação podem gerar incapacidade laboral e ensejando benefícios da Previdência Social de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

Em razão da perda da capacidade laboral relativa à epilepsia e outros distúrbios neurológicos, foram analisados supra o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. A contingência geradora do benefício de aposentadoria ou auxílio-doença por epilepsia é contingência causadora de uma necessidade presumida, pois, a norma presume que, após certo tempo de vinculação, o segurado encontrar-se-á, em decorrência da incapacidade física presumida, incapaz de se manter com dignidade. A proteção social, para atingir a eficiência plena, deve obedecer à especificidade, ou seja, para cada risco existente deve haver uma prestação previdenciária que o combata (COIMBRA, 1996).

O Ministério da Previdência Social disponibiliza publicamente os dados sobre benefícios concedidos em seu portal DATAPREV assim como o DATASUS. Foram extraídos dados sobre quantidade e valor dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez concedida para os CID G40 e G41 (Epilepsias) dos anos de 2008 a 2012.

O Ministério da Previdência Social disponibiliza Anuários Estatísticos da Previdência Social (AEPS), com informações e estatísticas anuais das concessões de benefícios no país. Entretanto, não existe distinção entre os benefícios concedidos por grupo CID, desta forma, não conseguiríamos a partir deles determinar as mudanças de concessão de benefícios para as pessoas com epilepsia, apenas para o todo.

Notamos que a diferença entre sexos para os benefícios previdenciários é ainda maior que nos casos de internação hospitalar. Observa-se a frequência de 58% de internação para os homens contra 42% das mulheres no Brasil. A frequência de 65,9% para homens e 34,1% para mulheres em Auxílio-doença e 77,4% contra 22,6% em Aposentadoria por Invalidez.

A aposentadoria por invalidez apresenta diferença ainda maior em relação ao auxílio-doença. Embasando-se na análise dos dados de internação, podemos concluir que nas idades elegíveis aos benefícios previdenciários, os homens possuem maior frequência de crise epiléptica com internação hospitalar e consequentemente probabilidade de requisitar auxílio-doença e posterior aposentadoria por invalidez.

Concluindo-se pela possível negligência masculina em manter o tratamento medicamentoso, sua recuperação da capacidade laboral é menor e a conversão do auxílio-doença para aposentadoria por invalidez possivelmente maior.

O histórico disponibilizado por CID no DATAPREV não apresenta classificações por Faixa Etária e Região Geográfica Brasileira para analisarmos sua concessão de benefícios previdenciários como fizemos com os dados de internação do DATASUS.

O ponto mais importante em análises envolvendo benefícios da Previdência Social é o respeito ao equilíbrio atuarial do sistema, ou seja, o valor total pago pelos benefícios previdenciários não pode superar o valor arrecadado para tal, e vice-versa. O Sistema Previdenciário Brasileiro é de repartição simples e de participação obrigatória, ou seja, a contribuição dos trabalhadores ativos sustenta as aposentadorias e benefícios dos aposentados e pensionistas atuais.

Nosso intuito neste trabalho não foi o de aferir se os benefícios pagos às pessoas com epilepsia contribuem para o desequilíbrio atuarial (déficit entre contribuições e benefícios concedidos) do sistema previdenciário brasileiro. Procuramos analisar sua importância dentro do descritivo atuarial previdenciário e proporção dentre todos os benefícios pagos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

Por fim, o comparativo entre o total de benefícios concedidos de 2008 a 2012 e os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, concedidos às pessoas com epilepsia (Figura 4).

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Figura 4: Proporção dos gastos com Auxílio-doença para Pessoas com Epilepsia em Relação ao Total Concedido para os anos de 2008 a 2012; e proporção dos gastos com Aposentadoria por Invalidez para Pessoas com Epilepsia em Relação ao Total Concedido para os anos de 2008 a 2012.

Fonte: DATAPREV

Observamos na Figura 4 que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, concedidos às pessoas com epilepsia, representam uma parcela mínima em relação ao total, não chegando a 1% dos benefícios concedidos. Apesar de a Epilepsia ser uma doença neurológica que afeta cerca de 50 milhões de pessoas no mundo e aproximadamente 3,3 milhões de pessoas no Brasil, não enxergamos impacto atuarial relevante nas contas do Ministério da Previdência Social.

Conclusão

Estudos puristas de Direito Previdenciário pecam ao ignorar a relevância das Ciências Atuariais no contexto previdenciário. Nossa Constituição Federal de 1988 corrobora tal asserção ao apresentar o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial na Previdência Social.

O presente trabalho apresentou a contingência epilepsia como um evento previdenciário ensejador de benefícios. Na seara jurídica, tratou-se dos elementos técnicos dentro da lei, doutrina e jurisprudência que justificam a aplicação da proteção social para os segurados com epilepsia. A epilepsia em si foi abordada como evento significativo que é dentro do âmbito clínico, e com relevância crescente numa população com cada vez mais idosos.

A aplicação do Direito Previdenciário ao campo da epilepsia é importante, sobremodo ao notarmos a sobeja jurisprudência que já existe sobre o assunto. Os tribunais têm tratado do assunto assaz importante para a população. A rede de Seguridade Social tem o papel de responder ao risco social inerente a essa população, oferecendo amparo ao segurado quando da inatividade involuntária ocasionada pela incapacidade laboral oriunda do acometimento pela epilepsia.

E tendo sido demonstrada a relevância da epilepsia no quadro previdenciário, a inovação do trabalho foi apresentar um descritivo atuarial com dados estatísticos que refletem justamente o consectário daquilo que tem origem na legislação e passa pela interpretação doutrinária e jurisprudencial.

A imagem amostral oficial e mais atualizada da população brasileira foi apresentada sob o prisma dos reflexos da aplicação da proteção social aos casos de epilepsia, no que tange aos benefícios previdenciários do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Em termos de políticas públicas de gestão no contexto da epilepsia, o descritivo atuarial apresenta uma compilação de dados que pode reverberar no desenvolvimento técnico das áreas médica e social.

Conclui-se pela subsunção da epilepsia como evento previsível atuarialmente pelo Estado, dentro de um espectro de afetação da população em bases bem definidas tecnicamente. Neste sentido, sublinhamos que os benefícios concedidos às pessoas com epilepsia, que são assistidos pelos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, representam uma parcela mínima em relação ao total de segurados recebendo benefícios, não chegando a 1% dos benefícios concedidos.

Apesar desse percentual, existe uma jurisprudência sólida em torno da matéria, de onde se infere que há celeuma judicial e administrativo relevante. Diante da abrangência clínica e até mesmo histórica da epilepsia (Machado de Assis e Dostoyevsky eram notórias pessoas com epilepsia, por exemplo), o impacto financeiro e atuarial imanente é exíguo. Evidentemente, existe a subnotificação e há falhas presumidas da epilepsia que são autóctones ao sistema brasileiro. Porém, os dados oficiais oferecem uma visão técnica substancial para um futuro aprofundamento científico que possa propiciar à Administração os instrumentos jurídicos e atuariais necessários ao controle apropriado das contingências previdenciárias envolvendo a epilepsia.

Mesmo no caso do nosso sistema de repartição simples de Previdência Social abarcar uma solidariedade intergerações que é sobremodo afetada pela longevidade crescente e natalidade declinante, fato que por si só já impacta atuarialmente o regime geral na essência, o cálculo atuarial de evento previsível como a epilepsia é algo a ser tecnicamente aprofundado. Esse aprofundamento servirá de suporte científico para o desenvolvimento de políticas públicas de proteção social em torno da epilepsia.

 

Referências
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Notas:

[1] Disponível em: http://www.who.int/mental_health/neurology/neurodiso/en/ Acesso em: 05 de outubro de 2013
[2] Artigo 194 da Constituição Federal.
[3] Artigo 201 da Constituição Federal.
[4] Artigo 201, I da Constituição Federal.
[5] Artigo 201, II da Constituição Federal.
[6] Artigo 201, III da Constituição Federal.
[7] Artigo 201, IV da Constituição Federal.
[8] Artigo 201, § 7º da Constituição Federal.
[9] O seguro doença é o beneficio mais antigo da história da Previdência Social no mundo, tendo como marco inicial o ano de 1883 quando Chanceler Otto Von Bismark decidiu implementá-lo na Alemanha (BALERA, 2008).
[10] Acesso em 01/05/2014. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/niuf.def.
[11] Acesso em 15/04/2014. Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/infologo.
[12] Acesso em 01/05/2014. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/niuf.def.
[13] Acesso em 06/06/2014. Disponível em http://www.ibge.gov.br/estatistica/populacao.
[14] A coorte de imagem amostral atuarial foi a população brasileira.
[15] Acesso em 06/06/2014. Disponível em http://www.ibge.gov.br/estatistica/populacao.
[16] Acesso em 02/02/2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2010/prt0492_23_09_2010.html

Informações Sobre os Autores

Débora Amado Scerni

Professora Associada III do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP

Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub

Professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Pós-Doutor pela UNIFESP, Bacharel, Mestre, Doutor e ex-professor da USP, Pesquisador convidado em HARVARD


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