A separação dos poderes: evolução teórica

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Resumo: O artigo tem por fim apresentar a evolução da teoria da separação dos poderes. Para tanto, foi realizado um breve estudo sobre seu desenvolvimento, desde a Antiguidade Clássica até os nossos dias, dando-se destaque às ideias centrais sobre o poder elaboradas pelos principais pensadores ao longo da história da humanidade. Esses referenciais teóricos são essenciais não só para a compreensão acerca do mecanismo de controle mútuo dos poderes do Estado (sistema de freios e contrapesos) e da repartição das funções do poder no Brasil, como também para entender os significados e alcances das técnicas de limitação do poder.    

Palavras-chave: Separação dos poderes. Evolução teórica.

Introdução

Neste artigo discutimos sobre a evolução teórica da separação dos poderes. Para tanto, foi realizado um breve estudo sobre o desenvolvimento da concepção de separação dos poderes desde a Antiguidade Clássica até os nossos dias, dando-se destaque às ideias centrais sobre o poder elaboradas pelos principais pensadores ao longo da história da humanidade.

O estudo desses conceitos apresenta uma importância fundamental para a compreensão acerca do mecanismo de controle mútuo dos poderes do Estado (sistema de freios e contrapesos), bem como sobre a repartição das funções do poder no Brasil.     

Desenvolvimento

É na Antiguidade Clássica que encontramos a gênese da teoria da separação dos poderes, em especial nas obras de Aristóteles (384-322 a.C.), que concebe o conceito de constituição mista, defendendo a divisão de funções para o exercício do poder político[1]. Em sua obra A Política[2], Aristóteles (1998) preconiza a indispensabilidade de se estabelecerem poderes com estrutura, atribuições e funções diferentes, quais sejam: deliberativa, executiva e jurisdicional. 

Políbio (200-118 a.C.) e Cícero (106-43 a.C), na Roma Antiga, retomam a ideia do filósofo grego, diferenciando somente quanto ao acesso das camadas sociais aos órgãos constitucionais, já que no modelo aristotélico (interno) todos devem ter acesso a esses órgãos e no modelo polibiano (separador) cada estrato social deverá apenas ter acesso ao órgão que lhe é destinado (PIÇARRA, 1989).

Na Idade Média se utilizou da concepção aristotélica de constituição mista para justificar a limitação do poder dos reis em face dos direitos e prerrogativas dos estamentos e ordens. Na Inglaterra surgiu a ideia de que a monarquia deveria repartir o poder entre reis, lordes e comuns: com a Magna Carta Libertatum, de 1215, consagrou-se o princípio rule of law e a autoridade do governo passou a ser exercida em consonância com as leis vigentes.

Já na Renascença, Maquiavel (1469-1527) estabeleceu, em sua obra O Príncipe (1515), um modelo de Estado em que o Parlamento dividia os poderes políticos com o rei e o Judiciário tinha independência funcional. Para Maquiavel (2011), uma organização de Estado com três poderes dava maior segurança ao rei, pois agindo em seu próprio nome pouparia o monarca de interferir no caso livrando-o de possíveis desagravos (DALLARI, 1989).

Com a formação do Estado Moderno, Bodin (1530-1596) e Hobbes (1588-1679) desenvolveram ideias absolutistas a partir do conceito de soberania, dando fundamentação teórica à concentração dos poderes nas mãos do monarca, limitado somente pelo direito natural.

Em face da progressiva ascensão da burguesia, o cenário político na modernidade aos poucos foi se alterando, já que o absolutismo não favorecia a liberdade econômica e a expansão dos mercados. Apoiados pela classe burguesa, pensadores iluministas defendiam um Estado constitucional, que albergasse as liberdades políticas e civis. E para efetivar e positivar esses direitos e garantias era necessário suprimir, no todo ou em parte, o poder real, repartindo as funções do Estado. E é aí que emergem os pensamentos de Locke (1632-1704) e Montesquieu (1689-1755).

Considerado o pai do liberalismo político, Locke combateu o absolutismo propugnando a limitação do poder do Estado por meio de um contrato entre a sociedade e o governante, no qual se pudesse destituir o monarca. Em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil (1680), Locke (1978) concebeu um Estado no qual ninguém teria mais poder e competência do que os outros, servindo assim como meio de proteção da liberdade, da igualdade e da propriedade, gerindo e tutelando os indivíduos apenas por meio de leis.   

Locke traça os contornos da moderna teoria da separação dos poderes, já que idealizou um Estado em que houvesse divisão e equilíbrio das funções de poder: o Executivo incumbido de executar as leis, assegurar a questões de segurança e fazer o bem público sem subordinar regras; o Legislativo responsável por fazer as leis e julgar litígios. Para ele, a lei somente poderia ser imparcialidade efetivada quando aplicada por pessoas que não a criaram.  

Mas quem, de fato, formulou a teoria da separação dos poderes tal qual a conhecemos hoje foi Montesquieu (1996), que em sua obra O Espírito das Leis (1748) propôs a tripartição dos poderes do Estado, atribuindo funções específicas para cada um dos poderes: Executivo, aplicação das leis; Legislativo, elaboração as leis; Judiciário, julgar os conflitos entre particulares.  

Montesquieu se amparou em Locke e na monarquia constitucional do tipo inglesa para elaborar um mecanismo que impedisse o exercício do poder sem limites. Para tal, imaginou a descentralização do poder, sem que um poder inviabilizasse a execução da função do outro, mirando alcançar uma forma de governo ideal, que trouxesse estabilidade e eficiência ao Estado.  

Após a eclosão da Revolução Francesa, a teoria da separação dos poderes tornou-se um preceito universal, com a sua afirmação no art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. 

Com efeito, a teoria da separação dos poderes desenvolvida por Montesquieu teve o seu apogeu no período de emergência da Revolução Industrial e formação do Estado liberal, cujo ideário pautava-se na livre iniciativa e mínimo de interferência do Estado nas liberdades individuais, conforme sustentava Mill (1806-1876). Segundo Lima Júnior (1997), entre os clássicos, Mill

“(…) foi o único autor a conferir em sua obra papel de destaque ao Legislativo, discutindo e tratando de delimitar suas funções. Sua concepção sobre as atribuições dos representantes do povo enquanto “órgão”, “assembleia” ou “parlamento” se baseia na especificidade do Legislativo como fórum central para articular vontades e demandas, mas sobretudo voltado para a discussão, a crítica e a fiscalização da ação governamental propriamente dita, atribuída ao Executivo. Mesmo na condição de órgão legislativo – sem, no entanto, exercer a iniciativa legal – deveria ter apenas o poder de veto e, em caso de decisão legal, agir mediante comissões de notáveis” (LIMA JÚNIOR, 1997, p. 17).     

Nos Estados Unidos pós-independência, Hamilton (1755 -1804), Madison (1751-1836) e Jay (1745-1859) publicaram uma série de artigos entre 1787 e 1788, reunidos posteriormente com o título de Os Artigos Federalistas (1993), defendendo uma constituição formal, que contivesse preceitos que atribuísse à União um poder central forte e contivesse um modelo de separação dos poderes, no qual um poder freia o outro, visando manter o equilíbrio perfeito (sistema de freios e contrapesos). 

Na obra O Contrato Social (1762), Rousseau (1712-1778) faz uma crítica à separação dos poderes, visto que para o pensador suíço o poder é uno, indivisível e se abriga no povo, a quem compete legislar, julgar, administrar e fiscalizar o Estado, sendo, por isso, divisível somente as funções (ROUSSEAU, 2014).

Por sua vez, Weber (1864-1920), em A Política como Vocação (1919), sustenta que “a democracia de massa impede a expressão da racionalidade na assembleia de representantes” (LIMA JÚNIOR, 1997, p. 20). De acordo com o autor alemão, a vida social moderna deixa pouco espaço para a realização do ideal clássico de divisão dos poderes e participação democrática, visto que os indivíduos estão submetidos a forças sociais poderosas que tipificam o capitalismo, como o conflito de classes, a racionalização da produção capitalista e a expansão da burocracia (LIMA JÚNIOR, 1997).

Em sentido análogo é o entendimento de Kelsen (1881-1973), para quem a separação dos poderes não representava uma democracia, posto que para o jurista austríaco esse regime de governo deveria ser concentrado na mão do povo; não sendo isso possível, os cidadãos deveriam ser representados por um colegiado eleito diretamente entre si, configurando assim o órgão legiferante (KELSEN, 2000).

Conclusão

O presente artigo teve como objetivo desenvolver um estudo sobre a evolução teórica da separação dos poderes, ressaltando as ideias centrais sobre o poder elaboradas pelos principais pensadores ao longo da história da humanidade.

Esses referencias teóricos são essenciais para a compreensão acerca do mecanismo de controle mútuo dos poderes do Estado (sistema de freios e contrapesos), bem como sobre a repartição das funções do poder no Brasil.    

Demais disso, a retrospectiva teórica da separação dos poderes permite perscrutar acerca das técnicas de limitação do poder, possibilitando perceber seus significados e alcances.

 

Referências
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
CAMPOS, Manuel Fontaine. Natureza, origem e exercício do poder político. Veritati – Repositório Institucional da Universidade Católica Portuguesa. Fundação Spes, 2009. Disponível em: <http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/3019/1/com-nac_2009_ED_1207_ Campos_Manuel_01.pdf>. Acesso em: 03/10/2015.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1989.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fonte, 2000.
LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de. Instituições políticas democráticas: o segredo da legitimidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Nova Cultural, 1978. Coleção Pensadores.
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Hunter Books, 2011.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fonte, 1996.
PIÇARRA, Nuno. A Separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Hunter Books, 2014.
   
Nota:
[1] Para Campos (2009, p. 3), poder político é “(…) um poder exercido sobre os elementos de um grupo social, implicando a possibilidade de manipulação da sua esfera jurídica, bem como de execução pela força das obrigações assim impostas, de forma a condicionar o comportamento desses indivíduos e, portanto, produzir resultados desejados pelos titulares do poder”.

[2] Acredita-se que Aristóteles tenha escrito A Política na época em que Alexandre era preceptor.


Informações Sobre o Autor

Arlindo Palassi Filho

Graduado em Direito, Administração e História


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