Restrições verticais no direito antitruste brasileiro

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Resumo: Este trabalho pretende discutir as restrições verticais no direito antitruste brasileiro, tendo como cenário o período posterior à Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Busca precisar a compreensão das práticas que se enquadram nas relações verticalizadas no mercado nacional. São apreciados os conceitos de posição dominante e mercado relevante, assim como suas relações com as restrições verticais no direito da concorrência brasileiro. Analisa se as empresas a jusante têm atuação ativa nas situações consideradas anticoncorrenciais, ou se apenas são submetidas a isso por aquelas que desfrutam de posição dominante, e que atuam a montante. São referidos e apreciados casos concretos que foram submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e sua eventual caracterização como infrações à ordem econômica. Conclui que as restrições verticais são de ocorrência inevitável na economia de mercado, que se torna cada vez mais dinâmica e complexa, estabelecidas de modo compulsório ou fincadas em vantagem excessiva dirigidas aos seus destinatários. Por fim, entende que as práticas a elas relacionadas necessitam de regulamentação mais adequada, que proporcione tutela aos direitos daqueles que investem de boa fé, utilizando-se delas corretamente.

Palavras-chave: Restrições verticais; posição dominante; mercado relevante; liberdade de atuação; papel das empresas a jusante.

Abstract: this study intends to discuss the vertical restraints in brazilian antitrust law, after the advent of its new legislation, in 2011. It seeks a more accurate comprehension of the practices that are considered vertical relations in the market. The concepts of dominance and relevant market and its relations with the vertical restraints are appreciated. It analizes if the downstream firms have active role in situations deemed anticompetitive, or if they are only submitted to it for those that enjoy a dominant position, and that act upstream. Some cases submitted to the brazilian Administrative Council for Economic Defense are analyzed and its eventual characterization as restraints of trade. It concludes that vertical restraints are inevitable occurrence in the market economy, which is becoming more dynamic and complex, and are established in a compulsory mode or stuck in excessive advantage addressed to recipients. Finally, it understands that the practices related to them need better regulation, which provides protection to the rights of those who invest in good faith, using them properly.

Keywords: Vertical restraints. Market dominance. Relevant market. Freedom of action. Role of downstream firms.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de restrições verticais. 2. Posição dominante e mercado relevante. 3. Caracterização das restrições verticais como infrações à ordem econômica. 4. Decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Conclusão. Referências.

Introdução

É perfeitamente sabido que um dos princípios basilares da ordem econômica brasileira é o da livre concorrência, fundado na liberdade de iniciativa, e insculpido na Constituição Federal, em seu artigo 172, inciso IV, ao lado de outros, considerados de igual importância.

Assim o é porque é requisito necessário para qualquer país obter o desenvolvimento econômico que haja competitividade entre aqueles que se dedicam à atividade empresarial. É nesse meio circundante que os empreendedores buscam ampliar os espaços que ocupam no mercado, aumentar a sua produtividade e inserir novos produtos e serviços no mercado, para atender às suas necessidades ou em decorrência de novas criações, sobretudo no campo tecnológico. Esse cenário normalmente leva a um crescimento da economia, e consequentemente à realização de práticas que podem vir a interferir no âmbito dos seus concorrentes ou mesmo daqueles que atuam na mesma cadeia mercadológica.

Através do princípio da livre iniciativa empresarial, garante-se não só a liberdade de acesso ao mercado, mas também a de que nele se pode permanecer, expressa no direito à livre concorrência, ou seja, a liberdade de exercer a luta econômica sem a interferência do Estado, bem como sem outros obstáculos impostos pelos demais agentes econômicos privados (BRUNA, 1997, p. 134). A disputa é essencial para o desenvolvimento das atividades empresariais e, apenas nessa medida, desejada pelo agente econômico. A empresa não aprecia a concorrência, suporta-a porque esta é a fórmula admissível de conquistar mercado e de aumentar os lucros (FORGIONI, 2016, p.148).

Contudo, também se sabe que o livre mercado, assim como toda a atividade humana, pode gerar distorções que afetem negativamente o interesse geral e privilegiem alguém de modo específico. Por isso, é estruturado através da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o qual dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

As condutas anticoncorrenciais podem ser exercidas através das mais diversas práticas, tanto unilaterais quanto bilaterais, dentre as quais estão os acordos celebrados entre os atores da economia. Esses ajustes tornam possíveis ilicitudes que são previstas na referida lei. Nela, são consideradas infrações, independentemente de culpa, os atos que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição dominante.

CORDOVIL et al (2011, p. 38), comentando a lei de defesa da concorrência em vigor, apontam que houve vários avanços na regulamentação dos procedimentos para análise de condutas, identificando um conjunto de medidas com impactos positivos na atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, como se tentará mostrar adiante.

Costuma a doutrina, como o fez COELHO (2012, p. 273), referir-se às modalidades de infração à ordem econômica que se viabilizam mediante a realização de acordo, e dividi-las em três categorias: as horizontais, quando envolvem apenas empresários situados no mesmo estágio de produção e circulação econômica; as verticais, quando envolvem empresários situados em estágios diferentes da produção e circulação econômica; ou as de concentração, quando empresas passam a submeter-se à mesma direção econômica com ou sem perda da autonomia jurídica.

Diante disso, busca-se abordar no presente artigo os elementos que caracterizam especificamente as práticas concorrenciais verticais, tentando-se sobretudo avaliar o grau de liberdade que detêm os agentes que estão nos estágios inferiores do mercado de bens e serviços no cometimento desses atos, e sua eventual e consequente responsabilização no âmbito administrativo.

Assim, quer-se averiguar, na verdade, se essas empresas contribuem efetivamente para a realização das infrações à ordem econômica, ou se, geralmente, elas também são vítimas do modelo imposto pelo mercado, controlado pelos grandes empreendedores, que estariam impondo suas vontades aos que estão em patamar inferior, que seriam levados inexoravelmente a contribuir com essas práticas mercadológicas, sob pena de não conseguirem sequer exercer a sua atividade.

O presente estudo faz menção a algumas decisões do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a respeito do tema, procurando mostrar, pragmaticamente, como essa autarquia se tem posicionado nas suas análises jurídico-econômicas.

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1. Conceito de restrições verticais

A Lei nº 12.529/2011, em seu artigo 36, § 3º, enumera, de modo exemplificativo, condutas que caracterizam infração da ordem econômica. Várias delas podem ser cometidas verticalmente, consoante se depreende da sua análise e pelo vasto elenco de práticas tipificadas.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, através de orientações que foram publicadas como anexo da sua resolução de nº 20, de 9 de junho de 1999, asseverou então que as práticas restritivas verticais seriam restrições impostas por produtores/ofertantes de bens ou serviços em determinado mercado (“de origem”) sobre mercados relacionados verticalmente – a “montante” ou a “jusante” – ao logo da cadeia produtiva (mercado “alvo”).

Segundo entendimento doutrinário corrente, nem todas as práticas restritivas verticais se caracterizam como infrações à ordem econômica, estando muitas delas circunscritas no campo da concorrência lícita. Não se pode esquecer, como já dito acima, que a competitividade e a consequente criatividade de condutas que proporcionem uma maior lucratividade são qualidades inerentes ao regime capitalista. Assim, consoante leciona FORGIONI (2007, p. 71), há um processo natural fundado na maior eficiência do agente econômico em relação a seus competidores.

Abordagem interessante e bem didática foi feita por CORRÊA (2009, p. 283), nos seguintes termos:

.Podemos olhar para a concorrência sob um prisma vertical, ou intramarcas, que é aquela decorrente do relacionamento de duas ou mais empresas interligadas a partir de alguma relação vertical, isto é, quando uma empresa atua no mercado de insumos ou matérias-primas de outra, dentro de uma cadeia produtiva, ou quando uma empresa se dedica à distribuição dos produtos ou serviços de outra. Nesse caso, a concorrência vertical se dá, por exemplo, pela disputa entre os diversos revendedores do produto de uma determinada marca.

Enquanto na relação horizontal a ilicitude de um comportamento pode estar, por exemplo, no fato de dois sujeitos combinarem a não concorrência ou seus preços, no plano vertical, em muitos momentos, a exclusividade territorial é característica estruturante da própria relação entre os sujeitos, como no contrato de franquia. Isso faz com que necessitemos de conhecer mais o universo dessas relações, para compreendermos seus limites traçados pelo princípio da liberdade de concorrência.”

As restrições verticais nem sempre trazem consequências nefastas, visto que são capazes também de proporcionar efeitos mercadológicos positivos, o que somente pode ser avaliado caso a caso. Normalmente, esses efeitos possuem relação com a economia de custos operacionais, que podem ser diminuídos e trazer benefícios para a coletividade.

Por isso, o mesmo ato normativo acima referido, em seu citado anexo, apresentou a seguinte definição:

“As restrições verticais são anticompetitivas quando implicam a criação de mecanismos de exclusão dos rivais, seja por aumentarem as barreiras à entrada para competidores potenciais, seja por elevarem os custos dos competidores efetivos, ou ainda quando aumentam a probabilidade de exercício coordenado de poder de mercado por parte de produtores/ofertantes, fornecedores ou distribuidores, pela constituição de mecanismos que permitem a superação de obstáculos à coordenação que de outra forma existiriam.”

Nitidamente, requer-se a ocorrência de efeitos específicos para que esse tipo de prática se torne ilícito, e que sejam eles em patamar considerável a afetar as relações mercadológicas em determinado âmbito de competição.

Observa-se, aparentemente, que as restrições verticais se qualificam como práticas mercadológicas nas quais têm participação mais de um player, cada um deles operando, para efeitos do fim almejado, em um nível diferente da cadeia de produção ou de distribuição. É necessário que tais restrições tenham relação com os termos em que as partes podem atuar no mercado de bens ou serviços frente a terceiros. Esses ajustes podem levar à imposição de que se estabeleçam critérios de apreciação a fim de verificar se não atingem os concorrentes em atuação no mercado de modo nefasto e anticompetitivo.

Na verdade, porém, essas práticas se caracterizam como imposições estabelecidas por um dos agentes econômicos, ocorridas ao longo da cadeia produtiva ou circulatória, sobre outro ou outros participantes, e que causam a ausência de liberdade de atuação destes últimos. Depreende-se que se trata de prática que funciona como mecanismo que promove a realização de ganhos que não seriam obtidos se as estipulações preservassem a autonomia de cada parte do negócio jurídico.

Essas condutas ocorrem, não entre agentes que em um cenário econômico normal estariam em posição de natural competição, mas são perpetradas por empreendedores que, normalmente, atuam em regime de colaboração para melhorar os resultados de sua atividade.

São comuns na atividade empresarial contratos que fixam esse tipo de restrição, especialmente aqueles de trato sucessivo, que fazem surgir laços duradouros entre os seus agentes, tais como os de distribuição, de franquia empresarial (franchising), de concessão comercial, de representação comercial e de fornecimento. Assim, os competidores intermarcas somente são atingidos de modo indireto.

Embora haja essa percepção inicial, SALOMÃO FILHO (2015, p. 237) apresenta um esclarecimento importante sobre o tema:

     “…Uma das maiores lacunas da análise antitruste atual está nas concentrações verticais. Inexistem critérios estabelecidos sequer para definir quais são aqueles que devem se sujeitar a controle (pois os critérios neoclássicos para a definição de mercado são todos direcionados a medir o poder horizontal). Quanto aos critérios para sanção, predomina ainda hoje a visão neoclássica de que só podem ser punidas concentrações verticais que tenham efeito horizontal.”

Segundo essa visão, se os efeitos restritivos permanecerem circunscritos à relação vertical, os eventuais problemas daí advindos teriam natureza meramente contratual, a atingir os interesses privados unicamente dos participantes da relação negocial.

A resolução retromencionada, de autoria do CADE, cujo texto normativo não está mais em vigor, visto que revogada expressamente pela Resolução nº 45, de 28 de março de 2007 – que aprovou o regimento interno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – considerou à época como as condutas restritivas verticais mais comuns as seguintes:

1. Fixação de preços de revenda: quando o produtor estabelece, mediante contrato, o preço (máximo, mínimo ou rígido) a ser praticado pelos distribuidores/revendedores de seus produtos.

2. Restrições territoriais e de base de clientes: quando o produtor estabelece limitações quanto à área de atuação dos distribuidores/revendedores, restringindo a concorrência e a entrada em diferentes regiões.

3. Acordos de exclusividade: os compradores de determinado bem ou serviço se comprometem a adquiri-lo com exclusividade de determinado vendedor (ou vice-versa), ficando assim proibidos de comercializar os bens dos rivais.

4. Recusa de negociação: o fornecedor ou comprador, ou conjunto de fornecedores ou compradores, de determinado bem ou serviço estabelece unilateralmente as condições em que se dispõe a negociá-lo, em geral a um distribuidor/revendedor ou fornecedor, eventualmente constituindo uma rede própria de distribuição/revenda ou de fornecimento.

5. Venda casada: o ofertante de determinado bem ou serviço impõe para a sua venda a condição de que o comprador também adquira um outro bem ou serviço.

6. Discriminação de preços: o produtor utiliza seu poder de mercado para fixar preços diferentes para o mesmo produto/serviço, discriminando entre compradores, individualmente ou em grupos, de forma a se apropriar de parcela do excedente do consumidor e assim elevar seus lucros.

Vê-se que o entendimento oficial, já naquela ocasião, deu uma considerável abrangência às práticas que podem ser enquadradas como anticompetitivas e consequentemente maléficas ao interesse geral. Mesmo assim, é óbvio que essa relação apresentada pelo CADE não era taxativa, visto que é impossível prever todas as hipóteses, diante da amplitude de possibilidades restritivas que o mercado permite, situação que já se verifica há várias décadas. Dos respectivos apontamentos conceituais, trazidas em seu anexo I, que tinham “caráter meramente orientativo”, é evidente que outras práticas comerciais ali não relacionadas já podiam ser enquadradas como verticais restritivas, e que, passados vários anos desde o advento daquela resolução, surgiram outras no exercício das atividades econômicas.

Parece ser claro, outrossim, que as condutas relacionadas se enquadram especialmente, com nítida intensidade, na situação dos empreendedores que estão a montante, e não daqueles que estão a jusante.

2. Posição dominante e mercado relevante

Conceito extremamente importante no estudo do direito concorrencial é o de posição dominante, porquanto isso esclarece quem efetivamente comete conduta proibida, considerando o entrelaçamento de empreendedores na atividade econômica, que se relacionam dinamicamente com os vários agentes em atuação no mercado. Quanto a isso, o elemento fundamental para caracterizá-la é o poder de mercado. É preciso que ocorra a existência de condutas que levem a uma redução da competição, com a participação de players capazes de impor suas determinações sobre um mercado específico.

Segundo a Lei 12.529/2011, em seu artigo 36, §2º, presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.

Assim, vê-se que a posição dominante leva à sujeição os que se relacionam com quem é por ela privilegiado econômica e tecnicamente. Implica absoluta autonomia de quem a detém, que pode agir sem levar em consideração o que pensam ou como se comportam os outros sujeitos que atuam no mesmo segmento. O que tem essa posição desfruta de substancial controle de mercado, a ponto de exercer influência considerável sobre os concorrentes, em vários aspectos, inclusive se valendo de restrições verticais, dificultando o seu avanço competitivo.

A posição dominante tem especial relevo nas relações montadas na cadeia produtiva. Em muitos dos casos, como não se tem como tirar proveito horizontalmente dessa situação, utiliza-se de cláusulas impostas àqueles que estão a jusante, criando barreiras de acesso a eles que visam repelir a aproximação dos seus concorrentes, que não conseguem fazer com que seus produtos e serviços ganhem espaço no mercado entre os potenciais consumidores.

A resolução nº 20 do CADE, já referida, liga o conceito de mercado relevante à posição dominante. Segundo ali disposto, o mercado relevante é o espaço – em sua dimensão produtiva e geográfica – no qual é razoável supor a possibilidade de abuso do poder dominante. O mesmo também foi feito pela Lei nº 12.529/2011, em seu artigo 36, § 2º, quando usa conceito relativo para estabelecer os referenciais que devem levar à identificação do que pode ser tido como posição dominante. Não restringe, contudo, a possibilidade de posição dominante em mercado relevante, porquanto também o presume sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateralmente ou coordenadamente as condições de mercado. Especificamente quanto ao mercado relevante, considera posição dominante quando houver o seu controle em 20% (vinte por cento) ou mais, podendo, contudo, esse percentual ser alterado excepcionalmente, conforme retromencionado.

O preceito legal acima referido aponta dois critérios para a aferição de situações caracterizadoras da existência de uma posição dominante. Consoante exposto por TAUFICK (2012, p. 183):

“O critério abstrato está no controle de 20% ou mais do mercado relevante. Trata-se de critério ajustável – em geral, para cima –, em razão de o CADE verificar se 20% de participação seriam suficientes, em tese para dominar um mercado. É absolutamente possível que determinada sociedade tenha posição dominante com share de 20% ou menos – em geral, em mercados pouco concentrados ou atomizados/pulverizados. Contudo é essa mesma pulverização que torna possível questionar se a participação relativamente baixa de mercado não é resultado da elevada elasticidade-preço da demanda e, portanto, da baixa fidelidade do consumidor a determinado player – o que afastaria a existência de poder de mercado.”

Sobre o outro critério, diz ainda:

“O critério concreto representa a verificação empírica de que um agente é capaz de alterar unilateralmente ou coordenadamente as condições de mercado. Ora, trata-se da efetiva aplicação da definição de poder de mercado, que nada mais é do que a capacidade de influenciar o comportamento do mercado. Não há, portanto, presunção de poder de mercado, mas sua aferição. Nesse caso, o trabalho do CADE estará em verificar se houve abuso da comprovada posição dominante.”

Já para se compreender o que seja mercado relevante, deve-se ter em conta dois aspectos: o geográfico e o material. Pretende-se com isso definir um espaço em que não seja possível a substituição do produto ou serviço por outro, seja em razão dele não ter substitutos, seja porque não é possível obtê-los.

A resolução nº 15 do CADE define mercado relevante geográfico como aquele que compreende a área em que empresas ofertam e procuram produtos ou serviços em condições de concorrência suficientemente homogêneas em termos de preços, preferências de consumidores, características dos produtos ou serviços. Já o mercado relevante material, que se centra no objeto da atividade, é definido como aquele em que todos os produtos e serviços são considerados substituíveis entre si pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização.

Para SALOMÃO FILHO (2007, pp. 97-98), a dimensão geográfica pode ser considerada a mais importante na definição do mercado. É ela que permite, na maioria das vezes, ampliar o mercado a ponto de descaracterizar a existência de poder, mesmo em presença de altos níveis de concentração no mercado originário. O espaço de atuação, seja pelo seu aumento ou por sua modificação, com alcance de mercado não atingido anteriormente, é hábil para ensejar realidades diferentes.

Por sua vez, o mercado relevante material é aquele em que o agente econômico enfrenta a concorrência, considerando o produto ou o serviço que é oferecido no mercado. Sua delimitação, a exemplo do mercado relevante geográfico, parte da identificação das relações de concorrência.

Posto isso, fica evidenciado que as ocorrências de abuso de posição dominante em mercado relevante, ou mesmo com condições de mercado favoráveis de outro modo, nas relações verticais, são muito mais plausíveis se atingindo quem está a jusante do que a montante, visto que tende haver uma pulverização de atuação perante o consumidor final, onde existe uma desconcentração de estruturas econômicas.

3. A caracterização das restrições verticais como infrações à ordem econômica

A economia atual é extremamente complexa, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Há uma gama infindável de atividades e relações negociais desde a extração dos mais variados recursos naturais até a oferta de bens e serviços ao consumidor final, passando, muitas vezes, por vários intermediários, do produtor ou fabricante ao distribuidor, e posteriormente aos que atuam diretamente perante o público consumidor final.

Nesse percurso feito pelos bens postos em circulação muitas restrições verticais terminam por surgir, tendo em vista que cada competidor tenciona obter uma maior fatia do mercado. Para isso, utilizam-se de avançadas técnicas de marketing, buscando formas de se tornarem mais eficientes e aumentarem os seus lucros. Caso todos permanecessem no círculo das virtudes, esses ganhos conquistados levariam a uma readequação do mercado, beneficiando-o, propiciando uma melhor qualidade nos produtos e serviços, e até mesmo preços inferiores para o consumidor final. Funcionando eficientemente, e segundo o interesse geral, evitar-se-ia inclusive a concentração econômica, com a ampla concorrência sendo a prática comum.

Segundo os autores OLIVEIRA E RODAS (2013, pp. 78-79), enquanto as práticas horizontais sempre foram vistas com grande potencial de risco à concorrência, a avaliação dos efeitos das práticas restritivas verticais variou muito ao longo do tempo. Asseveram que, hodiernamente, as restrições verticais ganham relevância quando uma empresa com posição dominante detém uma infraestrutura essencial. Caso contrário, os seus efeitos são mitigados pelo próprio mercado.

Conforme já acentuado, as práticas restritivas verticais podem se tornar anticompetitivas, dependendo dos seus efeitos. Isso se verifica, grosso modo, quando afetam a concorrência, através de seus efeitos horizontais, reduzindo as opções disponibilizadas no mercado de consumo ou elevando demasiadamente o seu custo para os seus adquirentes.

Essas restrições, dependendo de como sejam utilizadas, podem afetar a natureza da competição intramarca entre os empreendedores a jusante, e, de modo indireto, o comportamento dos que estão a montante, pois tendem a alterar comportamentos da estrutura vertical e de seu relacionamento estratégico com estruturas rivais.

Portanto, necessário se faz submeter à análise a necessária relação havida entre as eficiências econômicas e os efeitos anticompetitivos derivados das condutas restritivas adotadas no mercado.

Em decorrência disso, algumas condutas relativas a restrições verticais tem sido levadas ao CADE para sua análise e decisão, como prováveis infrações à ordem econômica, pela repercussão que determinadas práticas tem ocasionado para a atividade econômica.

Não se apresenta como fácil a interpretação de que determinada conduta seja considerada verticalmente restritiva e contrária à ordem econômica. Para isso, é necessário que se avalie a interação entre diferentes mercados relevantes, visto que uma conduta específica em mercado alvo pode gerar efeito sobre os concorrentes do mercado de origem, levando ao reforço de posição dominante.

Sabe-se que os ajustes verticais são firmados entre agentes econômicos de mercados diferentes, mas que estão relacionados no processo produtivo ou de distribuição. Nesses contratos, são utilizadas cláusulas que impõem restrições, as quais podem gerar importantes consequências sobre terceiros que atuam na mesma atividade, tanto no mercado a montante quanto no mercado a jusante.

As cláusulas de restrições verticais, dependendo das circunstâncias mercadológicas, podem ou não extrapolar os limites da concorrência leal. Contudo, no contexto do direito antitruste brasileiro, é possível se afirmar que a utilização da chamada regra da razão, que utiliza o balanceamento das eficiências econômicas e dos efeitos competitivos gerados pelas restrições verticais, tem sido útil. Assim, para definir o limite entre o lícito e o ilícito no direito concorrencial, deve-se ter presente as consequências das diversas condutas sobre a atividade negocial. Sobre isso, CORDOVIL et al (2011, p. 108) traz explicação elucidativa, nos seguintes termos:

“Após anos de aplicação da Lei 8.884/1994, sedimentou-se que o direito concorrencial brasileiro observa a regra da razão (“rule of reason”) que se opõe à regra “per se”. Segundo a regra da razão, as infrações (sejam as elencadas no § 3º do art. 36, sejam outras não elencadas no rol exemplificativo) não são condenáveis em si, ou seja, não é mera prática dos dizeres da lei, ou a mera conduta das empresas, capaz de provocar os efeitos deletérios à concorrência.”

É perfeitamente sabido que a regra da razão tem origem no direito norte-americano. Ao contrário do que estava previsto no Sherman Act, uma das primeiras leis antitruste dos Estados Unidos, datada de 2 de julho de 1890, concluiu-se, sensatamente, que para serem consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência devem fazê-lo de modo não razoável.

Conforme já dito, entende-se que deve ser feita a ponderação entre os efeitos anticompetitivos e as eficiências econômicas. Assim, são permitidas as práticas que não impliquem obstáculos desarrazoados ao livre comércio.

Não é outro o entendimento de PROENÇA (2001, p. 45), segundo o qual a regra da razão é amplamente adotada no Brasil, acrescendo que, contudo, ela tem sentido completamente diferente da regra adotada nos Estados Unidos. Segundo ele, no Brasil, a sua aplicação se dá em momento posterior à prática do ato, de forma a aprová-lo ou não em nome do interesse social.

Assim, para determinada prática ser tida como anticompetitiva, no Brasil, deve-se analisá-la detidamente, verificando os benefícios e desvantagens proporcionados ao mercado, o que, muitas vezes, não se consegue obter com o grau de precisão necessário ao exercício do controle estatal da atividade.

Compreender-se em que consistem as eficiências econômicas das restrições verticais não é algo simples. Percebe-se que não há um consenso na doutrina sobre em que medida as eficiências proporcionadas pelas restrições verticais são capazes de sobrepujar o dano causado aos concorrentes, porquanto isso requer uma ponderação que tem enfoque em uma realidade econômica cada vez mais complexa.

A já mencionada resolução do CADE, de nº 20, mencionava os passos para que reste configurada uma prática infracional. Primeiro, referia-se à identificação da natureza da conduta e definição do seu enquadramento legal; e depois, à verificação da existência de evidências suficientes da conduta nos autos.

4. Decisões proferidas pelo conselho administrativo de defesa econômica

Quanto à atuação do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, GESNER E RODAS (2013, p. 86) fazem menção ao acordo firmado no dia 23 de janeiro de 2013 (processo administrativo nº 08012.003921/2005-10), com Philip Morris Indústria e Comércio Ltda. Através de um termo de compromisso de cessação de prática, essa sociedade se comprometeu a abandonar qualquer forma de exclusividade de merchandising, exposição, armazenamento ou venda de produtos nos pontos de vendas que comercializam produtos derivados do tabaco. O acerto valeu para todos os contratos futuros e para aqueles firmados anteriormente.

Mencionam que a Souza Cruz S.A., concorrente da Philip Morris, havia assinado termo semelhante, em julho de 2012, mas ainda estava sob suspeita de descumprimento das condições.

O caso chegou ao CADE em 2005, quando a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça sugeriu a condenação da Philip Morris e da Souza Cruz por entender que as práticas investigadas poderiam provocar o fechamento de mercado, a elevação das barreiras à entrada e a redução da concorrência intermarcas.

É por demais óbvio que os titulares dos pontos de venda, em sua larga maioria, pequenos e microempreendedores, tem posição contratual de grau econômico inferior, unicamente aderindo ou não às cláusulas impostas pelas sociedades empresárias fabricantes e distribuidoras de derivados de tabaco, sem que qualquer prática anticoncorrencial tenha sido atribuída àqueles.

Quanto a programa de fidelidade, houve pelo CADE a análise detalhada do caso da AmBev – Companhia de Bebidas das Américas, em processo aberto em 2004 (nº 08012003805/2004-10), acusada de usar os descontos de lealdade (no caso, brindes) para fechar o acesso dos concorrentes aos bares e pontos de venda. Foi ela condenada a pagar multa de R$ 352.600.000,00 (trezentos e cinquenta e dois milhões e seiscentos mil de reais), por prejudicar a concorrência no mercado de cerveja. Isso se deu porque ela exigia exclusividade dos seus produtos em pontos de venda, inibindo qualquer possibilidade de oferta de produtos de marcas concorrentes.

Na análise dessa prática vertical, diante da grande fatia de mercado que tem a AmBev no Brasil, é também evidente que a sua atuação é determinante para a sua ocorrência, sem que se possa atribuir aos empreendedores a jusante qualquer responsabilidade por isso. A estes normalmente eram oferecidas enormes vantagens econômicas e operacionais quase que irrecusáveis, evitando o acesso a eles de fornecedores concorrentes.

Outro caso de restrição vertical apreciado pelo CADE foi aquele referente à Microsoft Informática Ltda. e a TBA Informática Ltda. (processo administrativo nº 08012008024/1998-49), em que foi reconhecido, em agosto de 2004, que houve a restrição, de modo anticoncorrencial, quanto à distribuição de software e de serviços de computação relacionados. A Microsoft havia estabelecido um sistema de representante para grandes contas, referente a vendas a clientes corporativos substanciais. Esses representantes estavam restritos a uma área geográfica específica, mas uma dada área poderia ser servida por múltiplos, dependendo de quantas distribuidoras atendessem aos seus parâmetros. Para a área geográfica do Distrito Federal, apenas uma empresa satisfazia essas qualificações. Como consequência, os procedimentos de licitação normalmente exigidos para a compra de software fornecido por aquela empresa, levados a efeito pelos órgãos da Administração Pública Federal, foram dispensados em relação a essas compras. Decidiu o CADE condenar a Microsoft e a TBA por essa conduta vertical que criou uma exclusividade não justificável economicamente.

Vê-se, neste caso, que a empresa a jusante também foi responsabilizada pela conduta lesiva, considerada de alta concentração e de elevadas barreiras à entrada de concorrentes. Segundo a decisão proferida houve a ocorrência de duplo monopólio, com abuso de posição dominante e restrição vertical de caráter anticoncorrencial. Manteve-se essa conduta no campo intramarca.

Conclusão

Dessa análise, resulta constatar que as restrições verticais são disposições contratuais, normalmente incluídas por agentes econômicos que desfrutam de posição dominante em determinado setor da economia, de modo impositivo ou fincado em vantagem excessiva dirigida ao seu destinatário, e que limitam a liberdade de atuação de quem é alcançado em sua atividade, ao longo da cadeia produtiva ou de distribuição.

Essas condutas tendem a causar diversas consequências, às vezes positivas para o mercado em geral, em decorrência do aumento da competitividade que gera, e outras vezes negativas para os concorrentes atingidos, assim como para os destinatários finais dos produtos e serviços.

É preciso definir os limites entre o lícito e o ilícito nas relações concorrenciais, tendo-se em foco o impacto das várias condutas sobre o mercado. No caso específico das restrições verticais, há ainda muitas discordâncias doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos efeitos gerados para a economia, em decorrência, como já dito, das muitas variantes que circundam o mercado fornecedor.

Como efeitos anticoncorrenciais podem ser apontados o reforço unilateral de poder de mercado de alguém que esteja em posição dominante no mercado relevante de origem, o bloqueio do mercado para competidores efetivos ou potenciais, inclusive por aumento dos custos dos concorrentes e a atenuação da disputa intra ou até mesmo intermarcas.

Dentre os prováveis benefícios, pode-se destacar a redução de custos das operações, a eliminação de externalidades e o ganho de economias de escala e escopo no mercado alvo. Quanto a isso, os resultados obtidos beneficiam obviamente os mais eficientes, e são aceitáveis como lícitos, desde que a repercussão havida se espraie positivamente em prol da coletividade, e não que traga unicamente o aumento da lucratividade dos mais hábeis.

É pacífico o entendimento de que quando da análise das restrições verticais, há a necessidade de que fique demonstrado efetivamente que há efeitos anticoncorrenciais e que, fazendo-se uma ponderação à luz dos princípios e das regras do direito antitruste, só deverá haver sancionamento ao agente econômico incurso na conduta tida como infracional, quando ela ocasionar efeitos indesejáveis ao mercado, contrários aos interesses geral.

Ainda se faz necessário o estabelecimento de diretivas claras sobre a aplicabilidade da regra da razão e da demonstração de eficiências, dado o subjetivismo em que isso se encontra envolto, a fim de permitir à autoridade antitruste brasileira interpretações mais precisas sobre o que vem a ser considerado como fechamento de mercado.

Por fim, é de se reconhecer que as restrições verticais são de ocorrência inevitável na economia de mercado, que se torna cada vez mais dinâmica e complexa. Assim, as práticas a elas relacionadas necessitam de regulamentação mais adequada, que proporcione tutela aos direitos daqueles que investem de boa fé, utilizando-se delas corretamente, sem que tenham a incerteza de estar ou não contribuindo para o mal funcionamento da atividade econômica e, consequentemente, causando dano aos concorrentes e aos consumidores.

 

Referências
BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume I: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CORDOVIL, L.; CARVALHO, V. M.; BAGNOLI, V; e ANDERS, E. C. Nova lei de defesa da concorrência comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2011.
CORRÊA, Daniel Rocha. Práticas restritivas verticais: contributo da experiência europeia para o direito da concorrência brasileiro. Revista de Informação Legislativa, v. 181, pp. 277-296, 2009.
FORGIONI, Paula A. A evolução do direito comercial brasileiro. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
FORGIONI, Paula A. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
OLIVEIRA, Gesner e RODAS, João Granadino. Direito e economia da concorrência. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração empresarial e o direito da concorrência. São Paulo: Saraiva, 2001.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: As condutas. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
SALOMÃO FILHO, Calixto.  Teoria crítico-estruturalista do direito comercial. 1 ed. São Paulo: Marcial Pons, 2015.
TAUFICK, Roberto Domingos. Nova lei antitruste brasileira. Rio de janeiro: Forense, 2012.

Informações Sobre o Autor

Cleanto Fortunato da Silva

Juiz de Direito em Natal/RN Professor do curso de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Mestrando em Direito Comercial pela PUC/SP


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