Breves considerações do programa nacional de repartição de benefícios no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O presente artigo visa destacar a recente adição da Lei n° 13.123 de 20 de maio de 2015, que regulamenta o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Palavras chave: meio ambiente; biodiversidade; patrimônio genético; conhecimento tradicional; sustentabilidade;

Abstract: This article aims to highlight the recent addition of Law No. 13,123 of May 20, 2015, which regulates access to genetic heritage, protection and access to associated traditional knowledge and the sharing of benefits for the conservation and sustainable use of Biodiversity.

Keywords: environment; Biodiversity; Genetic heritage; Traditional knowledge; sustainability;

Sumário: Introdução. 1. Referencial Teórico. 2. Programa Nacional de Repartição de Benefícios. 3. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país de proporções continentais, formado por distintos biomas. A Floresta Amazônica, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga, os campos dos Pampas, a floresta tropical da Mata Atlântica e a Costa Marítima, são alguns e dos mais importantes ecossistemas do Planeta.

A variedade de ecossistemas presentes no país reflete a enorme riqueza da sua fauna e flora: o país abriga a maior biodiversidade do mundo. Não é só, abriga também uma rica sociobiodiversidade, representada por mais de 200 povos indígenas e por diversas comunidades, como quilombolas, seringueiros, agricultores, para citar alguns, que reúnem um inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação da biodiversidade[i].

A Constituição Federal prevê em seu art. 225, §1°, II, que o Poder Público e à coletividade têm o dever de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

Por sua vez, a diversidade biológica foi definida como sendo a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas[ii]. Esse conceito foi introduzido no ordenamento jurídico pela Convenção da Diversidade Biológica (Biodiversidade), Decreto n° 2.519/98, pelo qual o Brasil é signatário.

Com o fim de regulamentar a Constituição e a Convenção da Biodiversidade, foi editada a Medida Provisória n° 2.186-16/2001, posteriormente revogada pela recente Lei n° 13.123/2015, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.

A análise da importância da preservação da biodiversidade, com finalidade de demonstrar a necessidade da criação de instrumentos legais eficientes para sua proteção, dentre os quais se destaca a criação do Programa Nacional de Repasses de Benefícios – PNRB será o tema principal de discussão do presente artigo.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

A Lei n° 13.123/2015 conceituou Patrimônio Genético no seu art. 2°, I: “informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos”. Deveras, as disposições dessa lei não se aplicam ao patrimônio genético humano, pois o tema é regulado pela Lei n° 11.105/2005[iii].

 Para Luís Paulo Sirvinskas:

“o patrimônio genético constitui uma das maiores riquezas de um país. É dele que poderemos extrair o elemento ativo de remédios para a indústria farmacêutica, entre outros subprodutos naturais. Integram o patrimônio genético todos os organismos vivos encontrados na natureza, constituindo a biodiversidade.”[iv]

Já o Conhecimento Tradicional Associado é a informação ou prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético[v]. Possui o reconhecimento mediante sua identificação em publicações científicas, seu registro em cadastros ou em bancos de dados, ou sua presença em inventários culturais.

O uso dos conhecimentos tradicionais associados, que desenvolvem práticas tradicionais de uso sustentável de recursos naturais, por vezes de sabedorias milenares, repassados de geração a geração, são muitas das vezes apropriados sem a permissão da comunidade detentora, causando um prejuízo imensurável aos seus proprietários e lucros absurdos aos que exploram economicamente esses conhecimentos (Biopirataria).

Esse conhecimento tradicional sem uma proteção legal devida constitui em um valioso atalho para as grandes corporações de biotecnologias desenvolverem pesquisas e patenteamento dessas descobertas, desconstituindo toda uma história de vida e tradição de um povo, exploração criminosa de um patrimônio alheio, e porque não dizer de toda uma nação.

O conhecimento tradicional associado integra o patrimônio cultural brasileiro, possuindo proteção constitucional e natureza coletiva, ainda que apenas um indivíduo pertencente à comunidade tradicional o detenha[vi]. Demonstra o caráter público do instituto.

O seu acesso fica condicionado ao consentimento prévio informado de seus detentores, ressalvados o intercâmbio e a difusão desses conhecimentos entre eles próprios e o acesso a conhecimento tradicional associado de origem não identificável, ou seja, de origem ignorada ou difusa. O consentimento prévio informado deve ser comprovado mediante assinatura de termo, registro audiovisual, parecer do órgão oficial competente ou adesão na forma de protocolo comunitário[vii].

Ademais, a Lei n° 13.123/2015 criou no âmbito no Ministério do Meio Ambiente o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGen, órgão colegiado de caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal, responsável por coordenar a elaboração e a implementação de políticas para a gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios[viii].

O CGen é formado por um sistema de gestão participativa democrática, com representação de órgãos e entidades da administração pública federal e a representação da sociedade civil, dentre eles o setor empresarial, acadêmico e das populações indígenas, comunidades e agricultores tradicionais.

Entre as atribuições do CGen destacam-se a competência de estabelecer diretrizes e critérios para elaboração e cumprimento do acordo de repartição de benefícios; e de estabelecer mecanismos para aplicação dos recursos destinados ao Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios – FNRB[ix].

2 PROGRAMA DE REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS

O art. 33 da Lei n° 13.123/2015 instituiu Programa Nacional de Repartição de Benefícios – PNRB, com a finalidade de promover, dentre as inúmeras atribuições, a conservação da diversidade biológica.

Este Programa não se limitou apenas a detalhar conceitos ou implementar objetivos, foi mais além, pois de modo não exaustivo englobou atribuições antes não detalhadas na Medida Provisória n° 2.186-16/2001,  regulamentando a Constituição Federal e a Convenção da Biodiversidade.

Podemos destacar a recuperação, criação e manutenção de coleções ex situ de amostra do patrimônio genético; a prospecção e capacitação de recursos humanos associados ao uso e à conservação do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; a proteção, promoção do uso e valorização dos conhecimentos tradicionais associados; a implantação e desenvolvimento de atividades relacionadas ao uso sustentável da diversidade biológica, sua conservação e repartição de benefícios; fomento a pesquisa e desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado; levantamento e inventário do patrimônio genético, considerando a situação e o grau de variação das populações existentes, incluindo aquelas de uso potencial e, quando viável, avaliando qualquer ameaça a elas; apoio aos esforços das populações indígenas, das comunidades tradicionais e dos agricultores tradicionais no manejo sustentável e na conservação de patrimônio genético.

Ademais, não foi só isso, também preocupou-se com a conservação das plantas silvestres; o desenvolvimento de um sistema eficiente e sustentável de conservação ex situ e in situ e desenvolvimento e transferência de tecnologias apropriadas para essa finalidade com vistas a melhorar o uso sustentável do patrimônio genético; o monitoramento e manutenção da viabilidade, do grau de variação e da integridade genética das coleções de patrimônio genético; a adoção de medidas para minimizar ou, se possível, eliminar as ameaças ao patrimônio genético; o desenvolvimento e manutenção dos diversos sistemas de cultivo que favoreçam o uso sustentável do patrimônio genético; a elaboração e execução dos Planos de Desenvolvimento Sustentável de Populações ou Comunidades Tradicionais; e outras ações relacionadas ao acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados, conforme o regulamento.

3 CONCLUSÃO

Portanto, com o advento da Lei n° 13.123/2015, o Programa Nacional de Repartição de Benefícios trouxe inúmeros avanços, inaugurando vários instrumentos de defesa da biodiversidade nacional, dos quais descriminou conceitos técnicos específicos e implementou os mecanismos de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, sobretudo entender como desencadeia o processo de transferências de recursos do Programa Nacional de Repartição de Benefícios – PNRB as comunidades diretamente atingidas e sua aplicação para conservação e uso sustentável da biodiversidade.

 

Referências
AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2015.
BRASIL. Presidência da República. Legislação. Disponível em: http://www2.planalto. gov.br/acervo/legislacao. Acesso em: 19/11/2016
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MARCONI, Marina de Andrade. LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 7ª ed. São Paulo: 2010.
SILVA. José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
 
Notas
[i] Portal do Ministério do Meio Ambiente: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-brasileira.

[ii] Art. 2°, Convenção sobre a Diversidade Biológica. Incorporado no ordenamento Jurídico brasileiro pelo Decreto n° 2.519/98.

[iii] Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.

[iv] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 639.

[v] Art. 2°, II, da Lei n° 13.123/2015.

[vi] Art.8°, §2°, da Lei 13.123/2015.

[vii] Art.9°, §1°, da Lei 13.123/2015.

[viii] Art.6°, caput, da Lei 13.123/2015.

[ix] Art.6°, §1°, I, “b” e VIII da Lei 13.123/2015.


Informações Sobre o Autor

Higor Luís de Carvalho Silva

Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas – UEA. Possui graduação em Direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior (2006). Pós Graduado em Direito Público, Direito Penal e Processual Penal. Atualmente é Delegado de Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado do Amazonas. Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2758929638818792


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