A necessária regulamentação do mercado de carbono: segurança jurídica e mecanismo de defesa ambiental

Resumo: O objetivo do presente artigo é explanar a problemática que encontrada nas questões ambientais e a falta de regulamentação efetiva do mercado que envolve as emissões de carbono demonstrando as modificações ocorridas os avanços tecnológicos e sociais e o porquê desta guinada em relação à preservação ambiental. Bem como apresentar os princípios e conceitos que norteiam tal questão.

Sumário: 1. Introdução 2 Mercado de Carbono 2.1 Definição conceito e origens: Protocolo de Quioto 3 Mercado de Carbono do Brasil 4 Reduções Certificadas de Carbono RCE 4.1 Natureza JurÃdica4.2 Negociação das RCEs4.3 Natureza de Valor mobiliário e Commodities 5. Conclusão. Referências.

1. Introdução:

A necessidade básica dos seres vivos inicialmente era buscar energia para manter seus corpos em funcionamento, atendendo às suas necessidade fisiológicas mais básicas, mantendo-se assim até descobrir que poderia também controlar outras formas de energia que seriam úteis na sua sobrevivência, como ocorreu com o fogo. Sendo um marco na evolução humana como a primeira manifestação de seu domínio sobre os recursos naturais. No continuar de sua evolução natural extrapolando os limites de sua capacidade desenvolveu sua habilidade em domesticar os animais, o que lhe proporcionou energia mecânica capaz de facilitar seu transporte e agricultura. Mais tarde dominou outros tipos de energia, como a energia hidráulica dos rios e eólica dos ventos, tornando sua vida cada vez mais fácil.

Porém com o advento da produção capitalista, porque até então o que o homem produzia era para sua subsistência e não objetivando lucro, foi obrigado a substituir a força bruta, pelas máquinas que realizavam o mesmo trabalho em metade do tempo e com mais eficácia. O que era de suma importância para os novos rumos do mundo voltado não mais para sua subsistência, mas sim para sua economia, isto é, obtenção de lucro.

Deste grande salto do domínio do fogo a aproximadamente 750.000 anos ate a revolução industrial, não houve grande preocupação pela forma que essa energia era utilizada. E com o passar do progresso inevitável da humanidade e da industrialização que causava, a necessidade pela busca de cada vez mais fontes de energia progredia proporcionalmente. Desta forma, justamente por essa necessidade cada vez maior de outras fontes de energia capazes de suprir essas necessidades, explorava sem medir ou imaginar as conseqüências que poderiam ser geradas mais à frente para as gerações futuras.

Todo desenvolvimento acarreta conseqüências. O homem no decorrer dos tempos evolui na própria espécie, não só em aspectos biológicos, mas também nos culturais, sociais e políticos. E no decorrer desta evolução, influi no meio em que vivia positiva ou negativamente deixando suas marcas ao longo das gerações, os que vierem depois, alem de herdar seus avanços em diferentes áreas, herdarão também suas marcas.

Por muito tempo tais intervenções não foram notadas por aqueles que as praticavam, a corrida capitalista impedia que questões ambientais fossem largamente difundidas, visto que o que era de suma importância na época era o lucro. A relação Homem x Meio Ambiente estava a tal ponto modificada que não seria mais possível estimar a quantidade de produtos e substâncias já emitidos que se encontram incrustados por toda parte, muito menos o grau de sua intervenção e o que isto poderia causar em longo prazo.

Diante da situação apresentada e da necessária mudança urgente a ser tomada, que se começou a discutir os novos caminhos a serem trilhados. Momento oportuno onde se ouviu pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável, que deveria ser compreendido por todos os paises, principalmente por aqueles em desenvolvimento onde se concentrava a maior parte das industrias poluidoras.

Desta nova etapa da humanidade muitas teorias, convenções e protocolos seriam criados, buscando uma única finalidade: desenvolver de forma sustentável possibilitando que gerações futuras possam usufruir de um mundo saudável. Seria mais conveniente harmonizar os critérios de sustentabilidade realizando um planejamento baseado no ecodesenvolvimento, do que correr o risco de explorar até se chegar a ponto de nada mais ser útil, a humanidade se auto exterminaria.

O objetivo do presente artigo é explanar a problemática que encontrada nas questões ambientais e a falta de regulamentação efetiva do mercado que envolve as emissões de carbono, demonstrando as modificações ocorridas, os avanços tecnológicos e sociais e o porquê desta guinada em relação à preservação ambiental. Bem como apresentar os princípios e conceitos que norteiam tal questão. Para tanto o trabalho utilizou como embasamento preceitos já existentes e discutidos encontrados em artigos, doutrinas, entendimentos e princípios. Sendo que o norte para as questões Ambientais foram autores como Edis Miralé e Paulo Bessa Antunes, apresentando conceitos e princípios que fundamental as questões ambientais.

Em uma área especifica do trabalho, o coração do projeto, isto é o que impulsionou o estudo buscando a compreensão do tema, tem-se como base o estudo realizado por Gabriel Sister, que se dedicou a estudar o tema com profundidade. Por fim as normas estudadas para desenvolver a pesquisa englobam as normas pátrias e internacionais, não ficando de lado os Tratados, Declaração ou Convenções Internacionais, que complementaram a rede de conhecimento formadora de base e justificativa para o tema.

2 Mercado de Carbono:

2.1 Definição, conceito e origens: Protocolo de Quioto:

Não há como adentrar no tema a respeito do Mercado de Carbono sem antes encontrar seu feixe central, isto é, o estopim que lhe deu origem, os conceitos basilares que foram usados e as necessidades que se buscava atender para que fosse então possibilitada sua criação.

Desta forma ilustra-se como nascedouro do referido mercado o então Protocolo de Quioto, assinado na cidade de Quioto, Japão em 11 de Dezembro de 1997, sendo posteriormente aprovado pelo governo brasileiro em 20 de Junho de 2002, com ratificação em 23 de Agosto do mesmo ano e ainda promulgado pelo então Presidente da República em 12 de Maio de 2005, pelo Decreto Lei nº 5.445. Valendo observar que sua aplicação mostrava-se presente mesmo antes de sua promulgação, buscando fazer valer suas diretrizes desenvolvendo mecanismos que viabilizavam o MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que é preceito básico para as RCE’s – Reduções Certificadas de Emissões.

O objetivo central do mencionado tratado era, e continua sendo, buscar reverter o desenfreado crescimento de emissões de gases poluentes, iniciadas pelos paises desenvolvidos, evitando desta forma as conseqüências desta desordem ambiental que ocasiona mudanças climáticas drásticas. A concretização deste objetivo consubstanciava-se em metas de redução desses gases emitidos em valores diferenciados entre os paises. Essa diminuição está prevista no Artigo 3º do Protocolo:

1. As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012.

Neste diapasão permitido pelo referido protocolo, seria possível valorar essas emissões transformando o mercado em forte aliado contra essas emissões de Gases do Efeito Estufa, realizando transações com essas reduções impostas pelos paises industrializados. Uma dessas formas é o Mercado de carbono, onde cada tonelada de gás carbônico que deixar de ser emitida ou que for removida da atmosfera por um determinado pais pode ser negociado em mercado econômico mundial.

O primeiro a realizar estudos a respeito da taxa de carbono dispersa na atmosfera foi o cientista Roger Revell, na década de 50, e a relacionar esta quantidade de CO2 livre com o crescimento econômico e industrial da época, principalmente após a segunda guerra mundial que acabou por gerar um crescimento populacional e econômico relevante. Isso porque, as atividades da época concentravam-se na utilização de carvão e petróleo para mover suas máquinas, e muito já se sabe a respeito dos danos causados por esse tipo de combustível fóssil ao meio ambiente, e em relação ao crescimento populacional está o “baby bom” pós-guerra.

Esse CO2 liberado não causava somente danos isolados, mas sim a todo um equilíbrio do ecossistema, afetando inclusive a composição dos mares, ficando mais ácidos por conta da enorme quantidade de CO2 que, combinado com a água, produz ácido carbônico e modifica o pH. Isso porque em se tratando de Dióxido de Carbono livre o oceano funciona como um filtro. Embora com todos esses estudos e alertas já na década de 50, pouco se buscou reverter tal processo, chegando ao clímax apresentado hoje, já que as taxas analisadas por Revell não pararam de crescer . Prova disto são estudos realizados ao longo das décadas que apresentam resultados alarmantes onde 50% por cento dos 2,3 trilhões de toneladas de CO2 lançados à atmosfera nos últimos 200 anos tiveram sua liberação concentrada no período de trinta anos, entre 1974 e 2004. E neste mesmo ultimo ano de pesquisa que se observou o maior aumento absoluto das emissões de CO2, sendo lançados 28 bilhões à atmosfera apenas pela queima de combustíveis fósseis .

O calculo de CO2 disperso na atmosfera é feito de acordo com o Potencial de Aquecimento Global – Global Warming Potencial (GWP), um índice que é elaborado e divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática – Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), e é utilizado para uniformizar a quantidade de gases de efeito estufa em termos de dióxido de carbono equivalente, possibilitando que as emissões sejam somadas (Sister, 2007).

Isso implica dizer que o seqüestro de carbono, evitando sua emissão sem controle, gera moeda de troca, negociável em mercado. E o resultado é dúplice: ganha o pais empreendedor e ganha a sociedade. Esses seqüestros são convertidos em carbonos onde cada tonelada métrica sua representa uma unidade de redução de emissão.

Certamente não propôs o Protocolo de Quioto somente esta forma de redução de emissões, viabilizando sua característica fim também de outras formas. E realiza por meio de mecanismos, permitindo que a aderência a este mercado transacionável seja viável para os paises industrializados do anexo I, sendo eles: IC – Implementação Conjunta, CIE – Comércio Internacional de Emissões e MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Rápida e necessária analise se faz pertinente identificando os pontos principais destes mecanismos, dada a importância que guardam para colocar em prática os ditames do Protocolo de Quioto. A Implementação conjunta está prevista no Artigo 6º e sua execução acaba por propor ação conjunta entre os paises, de forma que um pode compensar suas emissões adquirindo de outras unidades de redução de emissões. Estas são resultantes da implementação de projetos de redução de emissões dos Gases do Efeito Estufa – GEE. Em suma o país que esta implementando o projeto, transfere o crédito para aquele que terá o mesmo projeto implementado, mas que até então é o emissor, este então adquirirá fundo a ser aplicado na redução de emissões de gases ou na remoção do carbono.

Outro mecanismo é o Comercio Internacionais de Emissões, presente no Artigo 17 do protocolo que funciona de forma suplementar as medidas já tomadas internamente, e realiza-se na forma de negociação dos limites de emissão com outros paises buscando cumprir os compromissos de reduzir a emissão.

O ultimo é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo está estabelecido no Artigo 12, e se destina àqueles paises que não tem como promover as reduções necessárias estabelecidas no Artigo 3º em seu território, sendo forma subsidiaria para o cumprimento das metas de redução de gases, são destinados aos paises não inscritos no Anexo I do protocolo, mas que de certa forma possam dar sua contribuição para o desenvolvimento sustentável, alem de assistir as partes incluídas neste mesmo Anexo. Desta forma a tonelada métrica que deixará de ser lançada na atmosfera pelo pais em desenvolvimento não inscrito no Anexo I, poderá ser negociada com os paises que devem cumprir metas e estão inscritos no mesmo Anexo. Ocasiona uma ação global de redução de gases, trazendo para o objetivo do protocolo aqueles que não são poluidores em potencial, mas que de certa forma podem contribuir e detém parte da responsabilidade por um meio ambiente saudável.

Este ultimo é especificamente destinado aos paises em desenvolvimento, isto é, não se encontram no Anexo I, e tem objetivo de auxiliar aqueles que nele se fazem constantes, em troca de fornecimento capital para os excluídos do anexo possibilitando o financiamento de projetos voltados para um desenvolvimento livre da liberação de gases causadores do efeito estufa. Esta relação criada entre o pais desenvolvido do Anexo I que não consegue atingir as metas objetivadas pelo protocolo e o pais em desenvolvimento não constante no mesmo Anexo de quem adquire RCE – Reduções Certificadas de Emissões, que por sua vez são possibilitadas pelo MDL, transferindo valores para estes, é o vulgarmente chamado Mercado de Carbono . Grosso modo significa dizer que o MDL visa o alcance do desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento (país anfitrião), a partir da implantação de tecnologias mais limpas nestes países, e a contribuição para que os países do Anexo I cumpram suas reduções de emissão.

É uma via de duas mãos, ganha aquele que necessita cumprir suas metas de redução de liberação de gases, e ganha aquele “anfitrião” que receberá financiamento de projetos voltados para o desenvolvimento limpo. Pensamento este que é decorrente da noção de responsabilidade mutua quando se fala de meio ambiente e recursos naturais. Aquele que mais pode ajudar é o menos rico e desenvolvido, ocorrendo uma inversão de papeis, já que o mais desenvolvido e rico acaba necessitando de auxilio do primeiro para atingir suas metas.

3 Mercado de Carbono do Brasil

Desde a implementação do Protocolo o foco de interesse sobre o Brasil cresceu, e a procura de implementação de projetos em território nacional tornou-se acirrada. Com a analise de dados elaborados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, datados de 25 de Agosto de 2006, em um total de 1.086 projetos internacionais que estariam em algumas das fases em busca da certificação, 182 eram relacionados ao Brasil, realizando o somatório de 17%, perdendo somente para a Índia com 387, que detinha o primeiro lugar.

Com essa aparente e crescente procura há a decorrente necessidade de se adaptar, para atender a forte demanda, aproveitando ao máximo os recursos disponibilizados, com a criação de mecanismos que possibilitem atrair cada vez mais investidores. Neste intuito que a BM&F – Bolsa de Mercadoria & Futuros, em ação conjunta com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior elaboraram campanha pela criação de um Mercado Brasileiro de Redução e Emissões – MBRE, que desenvolveria de forma eficiente as negociações destes certificados ambientais. Seus objetivos seriam: Induzir a institucionalização e regulamentação do Mercado de Carbono no pais, conferir transparência à credibilidade às transações realizadas no mercado balcão e favorecer a redução dos custos de transação nos negócios com créditos de carbono.

A viabilidade deste projeto seria por meio da implantação de um Banco de Projetos BM&F, com a função precípua de acolher para registro os projetos já validados por Autoridade Nacional Designada – AND, seriam intenções de projetos aguardando um investidor que iria escolher dentre muitos qual o que é de maior interesse, já que o mesmo banco estaria aberto para “compra” de RCE. A criação desses bancos facilita a identificação de possíveis negócios e tornam os projetos já estruturados visíveis aos investidores.

O que falta neste sentido é forme regulamentação, vibializando maior participação do Brasil neste promissor mercado, mesmo que exista Projeto de Lei tramitando, ainda é de suma importância evoluir neste sentido. O país tem participação apenas de 10%, movimentando 30 Bilhões por ano, mas realiza as transações por meio de contratos de balcão, em agencias bancárias, mesmo que a BM&F tenha iniciado a comercialização dos títulos em 2006. Uma maior regulamentação possibilitaria a proteção dos investidores contra fraudes; a manutenção da competição justa e transparente; e a redução de riscos sistêmicos para preservar a integridade do sistema financeiro.

Mas não é só de procura por certificados de emissões que se finda a responsabilidade dos paises em desenvolvimento, como o Brasil. Novas discussões vêm surgindo com o decorrer das necessidades e interesses dos paises pelo tema, e desta forma busca-se uma responsabilização dos paises em desenvolvimento, não ficando somente com o encargo de “vender” os certificados, mas também de contribuir efetivamente da mesma forma que os paises desenvolvidos, porém guardadas as sua proporções.

Essa foi a temática debatida em Bali, na Convenção do Clima de 2007, onde se buscava uma forma adicional de cumprir o plano de redução de emissão de CO2 estabelecido pelo Protocolo de Quioto, que tem validade até 2012, quando então será necessária uma nova definição dos patamares de redução. Dentre muitos outros assuntos debatidos na mesma oportunidade estava a posição de que essas metas também deveriam ser exigidas dos paises emergentes, como China, Brasil e Índia, que mesmo estando em desenvolvimento e desta forma não são obrigados a regular suas emissões de CO2 pelo Protocolo de Quioto, vem elevado seu nível de emissões, que acaba por contribuir para as emissões totais dispersas na atmosfera. Uma observação se faz necessária encontrando o foco das emissões desses paises emergentes, que é proveniente de desmatamentos, queimadas e degradação das florestas. Isso porque toda vez que uma árvore é queimada ela ao se decompor libera CO2 na atmosfera, o que não aconteceria se permanecesse de pé, já que é um verdadeiro estoque de carbono. Logicamente, cada arvore de pé equivaleria a um percentual de dióxido de carbono não emitido.

Essa medida enquadrar-se-ia perfeitamente para o Brasil, que possui a maior floresta tropical do mundo, mas há dúvidas quanto à fixação de metas obrigatórias para esses paises. Há quem entenda que pelo histórico de desmatamento desses paises ser sazonal e ínfimo, não seria possível fixar metas como é feito com os paises desenvolvidos, mesmo que a contribuição seja significativa nos últimos tempos, ao menos no Brasil só se iniciou na década de 40 após a revolução industrial. Outra tese defendida é a de os paises desenvolvidos que possuem metas obrigatórias, virem a utilizar créditos aqui gerados e emitirem mais certificados, não contribuindo de forma eficaz para a não ocorrência do desmatamento. A negociação pela floresta intacta afetaria a soberania nacional, pois possibilitaria a “venda em fatias” da floresta para gerar créditos para os países que necessitam cumprir metas obrigatórias.

De nada ajudaria implementar as metas desta forma, visto que possibilitaria a venda de uma área e a aplicação do valor recebido não para projetos voltados ao meio ambiente, mas sim para exercer atividades alheias em outras áreas. Transformando a floresta em um supermercado de créditos de carbono. A grande necessidade é conceber que atrelado ao credito gerado pelo desmatamento evitado, deve existir a previsão de projetos de proteção para as áreas conservadas, evitando desta forma que o problema mude apenas de lugar. Há barreira, entretanto, a ser sanada para aqueles paises emergentes que possuem quase que a totalidade de sua floresta intacta, não tendo nenhum nível histórico de desmatamento para que possa ser calculado seu crédito, mas ainda sim precisam de recursos para o desenvolvimento de projetos.

4 Reduções Certificadas de Carbono – RCE:

4.1 Natureza Jurídica

Muito se discute a respeito da natureza jurídica das Reduções Certificadas, mas a poucas conclusões se chega dada sua complexidade, e da necessidade de se criar segurança para o investidor interessado em tal negociação. A dificuldade se encontra pela sua natureza que oscila entre bens intangíveis de valor econômico com natureza de commodities ou valor mobiliário.

Quanto a ser bens intangíveis, é importante se voltar para as definições civilistas, caracterizando como bem tudo aquilo que necessariamente represente algo que possua valor econômico e que se sujeitam à apropriação legal pelo homem. Enquanto os intangíveis não possuem sua materialidade física, não se sujeitando a percepção dos seres no plano material, e segundo a melhor doutrina não possuem sua existência tangível, contudo continuam a ter suma importância para o mundo jurídico já que consubstanciam direitos seja ele ligado ao intelecto, relação pessoal ou valor econômico, tal qual os créditos.

O que se torna necessário observar neste dado momento, e será rediscutido em oportunidade posterior, é que os bens tangíveis ou corpóreos como encontrado na doutrina são suscetíveis à compra e venda enquanto os intangíveis ou incorpóreos não se prestam a esta forma de transação, mas sim a cessão, não podendo ser alvo de usucapião ou em transferência pela tradição. Isso fica facilmente entendido pela relação necessária que se faz entre a não existência física do bem, não há como se concretizar uma compra e venda se o seu objeto não possui existência física ou palpável, sendo avessa à realidade fática. Sem contar o fato notório de que se trata de crédito ou direito ao crédito que não é simplesmente negociado por meio de compra e venda.

Para elucidar tal questão é necessário entender o mecanismo de emissão destes créditos, que possui diferentes sujeitos e competências. Essa redução certificada de emissão, a RCE’s surge da aliança existente entre o país que tem o passivo e o outro em pólo oposto que tem o crédito possibilitado pelo MDL . Tema que já foi defendido, mas em suma significa dizer que para países como o Brasil cria a possibilidade de buscar o desenvolvimento com redução de gases responsáveis pelo efeito estufa, ao passo que para os países já desenvolvidos e listados no anexo I do Protocolo de Quioto, o mecanismo os auxilia a cumprirem suas metas de limitação ou redução de emissão.

Tecnicamente, passando por todas as etapas designadas pelo MDL o produto é a emissão de uma RCE, que não é de competência de nenhum órgão brasileiro, mas sim um órgão executivo previsto pela conferencia das partes designado para este fim especifico vinculado ao país aderente ao Protocolo de Quioto, constante no anexo I e por serem de competência destes, seguem as suas regras quanto à transação e comercialização.

Logo facilmente se relaciona as RCE’s aos direitos sem existência tangível, mas que possuem certo valor econômico sendo passível de transação inter partes. Ele não existe no mundo fático, não sendo um bem que pode ser entregue com facilidade pela tradição, existindo somente no mundo jurídico. Mas não deixa de possuir seu valor e importância característica.

4.2 Negociação das RCE’s

Quando determinada a natureza jurídica das RCE’s especificou-se que elas seriam passiveis não de compra e venda formalizando-se pela tradição, mas sim por cessão dada sua característica incorpórea , isto é não possuem sua existência tangível. Desta forma a transação das RCE’s proceder-se-ão de forma distinta das transações corriqueiras, em forma de cessão que significaria dizer que é a negociação entre a parte geradora das RCE’s e aquela que pretende obtê-la, seja em momento futuro quando implementado o projeto de MDL ou as RCE’s provenientes deste mesmo projeto.

E para determinar o conceito de cessão se torna mais do que necessário recorrer à doutrina civilista e ao próprio código civil, que em seu Título II, Capítulo I, Art. 286 ao Art. 298 define e determina as bases da cessão. Em resumo breve é um contrato, oneroso ou gratuito, pelo qual a pessoa, titular de um direito ou crédito, transfere, a outra, esses mesmos direitos ou créditos. Cedente é quem transfere o direito ou crédito e cessionário é quem recebe o direito ou crédito.

Nada mais é do que um negócio jurídico que consiste na manifestação de vontade que busca produzir algum efeito jurídico devendo respeitar todos os seus elementos essenciais para garantir sua validade e efetividade . E sendo realizada em território nacional, respeitará os ditames dos Art 421 e seguintes, relativo aos contratos e o Art. 288 combinado com o Art. 654 § 1º do mesmo instituto, que dá a validade necessária á transmissão de crédito nos seguintes termos:

Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

Que se observados os ditames também do Código de processo civil, serão facilmente caracterizados como títulos executivos extrajudiciais, por força do Art. 586, quando devidamente assinado pelo devedor e testemunhas. Facilmente se observa a busca por segurança jurídica resguardando o direito das partes com o devido cumprimento dos deveres das mesmas.

Logo estas operações, por tudo que já se elucidou até o presente momento se consubstanciam em negócios jurídicos já que produzem efeitos no mundo jurídico, facilmente adequado ao conceito apresentado por Silvio de Salvo Venosa (2008): “Trata-se de uma declaração de vontade que não apenas constitui um ato livre, mas pela qual o declarante procura uma relação jurídica entre várias possibilidades que oferece o universo jurídico”.

4.3 Natureza de Valor mobiliário e Commodities:

O conceito de valor mobiliário encontra-se na Lei 6385 de Dezembro de 1976, editada pelo Banco Central com finalidade de dispor sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Em seu Art 2 tem-se a seguinte observação:

“Art. 2: São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

VII os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes

IX quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”

Para afirmar o conceito, Gabriel Sister (2007, p.40), ao mencionar Roberto Quiroga Mosquera, define ser Valor mobiliário o negócio jurídico relativo ao investimento oferecido ao público sobre os quais o investidor não tem controle e a aplicação é feita em espécie, bens ou serviços na esperança de obter lucro, ressaltando não ser necessária a emissão do título para que se materialize a relação obrigacional existente.

Contudo, surge uma confusão lógica entre a denominação Valor ou Título Mobiliário e os Títulos de Crédito. Isso devido ao fato dos Valores Mobiliários se consubstanciarem em títulos emitidos pelas empresas na busca de capital externo. Originariamente tem a finalidade precípua de captar investimentos para o financiamento da própria empresa . Porém não se pode deixar se observar os princípios básicos que regem os Títulos de Créditos como sendo aquele documento necessário para exercer o direito literal e autônomo nele expresso .

Destas afirmativas e conceitos apresentados quanto a valor mobiliário e sua relação com títulos de crédito surgem problemáticas a serem observadas. A primeira está relacionar a aplicação feita em espécie, bens ou serviços defendida por Quiroga já que o que preceitua a sua emissão é uma aparente redução da emissão de gases, sem contar que a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, que somente seria competente para emitir títulos ou contratos coletivos as sociedades anônimas . E desta forma, não foi constituído o real competente para a emissão destes títulos, o Conselho Executivo do MDL que não se encontra em território nacional, não sendo abrangido pela legislação pátria. E mesmo diante de toda a controvérsia tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no 3.552/04, que confere aos créditos de carbono natureza de valores mobiliários, incluindo-os, desta forma, no campo de regulação obrigatória pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), disposto no Art 4 do referido Projeto.

A outra vertente que equipara tais certificações aos títulos de créditos, que é defendida por alguns autores como talvez de todas as hipóteses a menos coerentes, dada as características de ambos os objetos. Os títulos de crédito teriam significado equiparado ao de títulos mobiliários, já que ambos descenderiam da mesma essência, desta forma o significado do primeiro encontra-se incrustado no do outro. Contudo de acordo com a definição de título de crédito, e logicamente dos títulos imobiliários pela analogia mencionada é necessário que ocorra preenchimento dos requisitos legais, onde existe obrigação de seu emissor de pagar uma quantia previamente estabelecida e no tempo combinado, àquele que o detêm, e este por sua vez tem o direito precípuo de exigir a implementação da obrigação acordada.

Sem contar que não se adequa ao conceito de títulos de crédito , nem preenche seus requisitos essenciais, ele expressa sim um documento de direito privado, porém se esquece que para o enquadramento em títulos de crédito deveria também preencher tais requisitos definidos em lei, sem os quais não produziriam efeitos.

Fato que não se aceita quando se relaciona as RCE’s aos títulos de crédito, visto que o responsável pela sua emissão não possui relação obrigacional pecuniária para com aquele que deu causa ao projeto. E isso porque, lembrando a sistemática do MDL, um país tem um passivo e outro tem um crédito, desta relação faz surgir o documento que representa a possibilidade de negociação ou transação do ativo contra o passivo, a RCE. Esta não é emitida por sujeito particular, mas sim pelo Órgão Executivo da Conferência das Partes, respeitando os ditames do Protocolo de Quioto. Vale dizer que a quantificação que a RCE representa foi elaborada por sujeito particular, reconhecido e ratificado pelo mesmo órgão executivo. Observando ainda que somente a quantidade e a apresentação para a validação do projeto são feitas por um particular. A validação em si, e a emissão da cártula contendo uma espécie de resumo do projeto e quantidades reduzidas, são emitidas pelo órgão internacional competente instituído pela conferência das partes.

Neste diapasão, não há o que se falar em contrato ou direito de propriedade sobre estes certificados, permitindo sua negociação ou transação apenas. Da mesma forma os títulos mobiliários guardam esta relação obrigacional pecuniária a ser cumprida pelo emissor, motivo pelo qual, dificilmente se aceita a natureza jurídica de Título Mobiliário. Nas palavras de Gabriel Sister (2007, p.90) este debate fica claramente compreendido:

Enquanto os títulos mobiliários devem necessariamente corresponder a uma obrigação de natureza pecuniária a ser cumprida pelo seu emissor, o responsável pela emissão das RCES, quem seja o Conselho Executivo do MDL, não possui qualquer relação obrigacional pecuniária em relação àquele que deu origem a elas, e ademais esclarece após a emissão das RCES, à parte que implementar o projeto de MDL, não há qualquer certeza de que este último conseguirá negociar as RCES recebidas e convertê-las em valor monetário.

Há ainda quem diga que ocupam a classe dos derivativos , que são ativos financeiros, ou o valor mobiliário especificado acima e isto significa dizer que o valor e características de negociação derivam do ativo que lhes serve de referência, de tal forma que nas operações no mercado financeiro envolvendo derivativos, o valor das transações deriva do comportamento futuro de outros mercados, como o de ações, câmbio ou juros. Desta forma seriam papeis de negociação em massa que representariam um investimento.

O que fica difícil entender é o fato de os derivativos, logicamente derivarem de algum outro ativo, mas as RCE’s assim não o fazem da transação com ela realizada não resulta do de nenhum outro ativo, que se encontre subjacente, o que obsta sua subsunção à categoria dos derivativos, os quais se caracterizam por ser uma variação de uma oferta existente.

Uma ultima vertente atribui às RCE’s natureza de Commodities, seriam então as Commodities Ambientais esta definição ocorre porque muitas vezes se associa a certificação a outros instrumentos similares encontrados nos demais países, que mesmo tendo finalidade parecida como a de redução do GEE – Gases do Efeito Estufa possuem características próprias, tornando notória a necessidade crescente de uma padronização destes mecanismos possibilitando a circulação mais abrangente e menos burocrática desses certificados. De acordo com a melhor doutrina, o significado de Commodities seria mercadoria caracterizada somente pelo seu gênero e espécie que podem ser substituídas por outra de igual natureza, estando ainda relacionada a um bem se apresentando na forma materializada. Forma dispare atribuída anteriormente às RCE’s que tem caráter individual, classificando-se como de natureza intangível.

O que não se pode deixar de clamar é por uma regulamentação de tal matéria, haja vista que já existe em pleno vapor a comercialização de tais “títulos” e por se tratar de um mercado de imprevisão e de riscos, quanto mais regulamentado estiver melhor será para atrair investidores. A segurança jurídica destas relações deverá estar resguardada para todas as partes envolvidas.

Porém de nada adianta vincular-se a suposições ou possibilidades conceituais para se almejar aplicações tributárias sobre o Mercado de Carbono lato sensu, isto é sem fazer distinção entre MDL ou RCE’s, se ainda existe um abismo entre o concreto e a falta de leis que regulamentem tais questões de forma condizente. E isto abre precedente para enquadrar o Mercado em qualquer espécie transacional a fim de “burlar” a própria tributação impedindo o crescimento do próprio mercado já que sem lei que o regulamente não há como realizar incentivos na área.

5 Conclusão:

Com todo o exposto no presente trabalho foi possível observar que as questões ambientais vêm ao passar das gerações ganhando cada vez mais enfoque, deixando de ser mero luxo para ser preceito fundamental e de necessária tutela. A grande questão está na conscientização quanto à necessidade de preservar os recursos não renováveis e o ecossistema existente para as gerações futuras, em detrimento de obtenção de lucro imediato.

Desta forma o mercado de carbono se apresenta como ferramenta fundamental, regulando essas emissões e degradações forçando um funcionamento em conjunto, já que a responsabilidade é de todos e não só daqueles que utilizam em larga escala. Contudo há a inda a necessidade de regulamentação desta ferramenta para que proporcione segurança jurídica para aqueles que buscam esse tipo de mercado, bem como tornar esta possibilidade existente no mundo jurídico pátrio.

 

Referências
Doutrinária:
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
ARAGÃO, Maria Alexandra Souza. "O princípio do poluidor-pagador – pedra angular da política comunitária do ambiente". Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
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Legislativa:
Instrução CVM nº 270/98
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL, Lei 10.402, de 8 de Janeiro de 2002: Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.
Filme:
GUGGEHEIM, Davis, Uma Verdade Inconveniente, 2006, EUA, Documentário.
Complementar:
GLOBO, Jornal O, Supermercado de Carbono, 13 de Dezembro de 2008, pg. 40.
GLOBO, Jornal O, Muito debate e nenhuma conclusão em Bali, 15 de Dezembro de 2008, pg. 50.

Informações Sobre o Autor

Juliana Mattos dos Santos Joaquim

Advogada no Rio de Janeiro Graduada pela Universidade Cândido Mendes MBA em Planejamento e Gestão Ambiental pela UVA


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