Alguns cuidados para que os Juizados Especiais possam cumprir suas promessas de acesso à justiça

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Resumo: O objetivo do artigo é analisar alguns aspectos dos Juizados Especiais que merecem cuidado para a concretização das promessas de acessibilidade construídas na trajetória do direito de acesso à justiça. A questão que se propõe consiste em verificar se Juizados Especiais podem cumprir sua missão de ampliar e qualificar o acesso à justiça. Para atingir esse objetivo, o artigo foi dividido em duas partes: a) resgatar pontualmente a trajetória do direito de acesso à justiça e a construção dos Juizados Especiais enquanto um espaço privilegiado para a acessibilidade; e b) refletir sobre algumas questões importantes para os Juizados Especiais, como o atendimento à população, a audiência de conciliação e a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sem a pretensão de apresentar soluções.  A importância do tema se justifica pois a missão dos Juizados se compromete com a defesa e promoção da Cidadania. Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizou-se o método indutivo, como método de investigação e de tratamento dos resultados. As técnicas utilizadas nessa pesquisa são a pesquisa bibliográfica, a categoria e o conceito operacional, os quais serão elencados no decorrer do texto.

Palavras-chaves: Juizados Especiais; Acesso à Justiça; Cidadania.

Abstract: The purpose of this article is to analyze some aspects of the Special Courts that deserve careful attention to the promises of accessibility built in the trajectory of the right of access to justice. The question is whether Special Courts can fulfill their mission of expanding and qualifying access to justice. In order to achieve this objective, the article was divided into two parts: a) to redeem punctually the trajectory of the right of access to justice and the construction of the Special Courts as a privileged space for accessibility; and b) to reflect on some important issues for the Special Courts, such as service to the population, the conciliation hearing and the possibility of a subsidiary application of the Code of Civil Procedure, without the pretension of presenting solutions. The importance of the theme is justified because the mission of the Special Courts is committed to the defense and promotion of Citizenship. For the development of this research, the inductive method was used as a method of investigation and treatment of the results. The techniques used in this research are the bibliographical research, the category and the operational concept, which will be listed in the course of the text.

Keys-words: Special Courts; Access to justice; Citizenship.

Sumário: Introdução; 1 Os juizados especiais e o direito de acesso à justiça: promessas a serem cumpridas; 2. Alguns cuidados necessários; Considerações Finais; Referências bibliográficas.

Introdução

O objetivo deste estudo é analisar, a partir da contextualização histórica, alguns aspectos dos Juizados Especiais que ainda hoje merecem cuidados relevantes para que as promessas de acessibilidade que acompanham os Juizados possam se concretizar.

Nesse sentido, a questão que se propõe é: como os Juizados Especiais, criados para ampliar e qualificar o acesso à justiça, podem cumprir tal missão? Quais são os desafios que devem ser enfrentados para atingir o desiderato de uma justiça acessível e mais presente na vida das pessoas?

Para tanto, o artigo foi dividido em duas partes. Na primeira, a ideia é resgatar pontualmente a trajetória do direito de acesso à justiça e a construção dos Juizados Especiais dentro dessa trajetória, enquanto um espaço privilegiado para a acessibilidade.

Na segunda parte do artigo, sem pretensão de apontar respostas e soluções, procura-se refletir sobre algumas questões importantes para os Juizados Especiais, como o atendimento à população, a audiência de conciliação e a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

No universo dos Juizados há outras questões que também merecem atenção e cuidado para que se cumpra as promessas, mas pela necessidade de brevidade, elegeu-se os aspectos acima relacionados por se entender que compreendem situações que enquanto não forem devidamente tratadas apresentarão sempre um entrave para a concretização efetiva e plena do direito de acesso à justiça.

A relevância do tema escolhido se justifica pois a missão dos Juizados Especiais é fundamental para a promoção da cidadania no Estado de Direito, pois somente com instituições fortes e efetivas que garantam a defesa dos direitos, como o acesso à justiça, é possível que a cidadania possa ir além da sua forma representativa.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizou-se o método indutivo[1], como método de investigação e de tratamento dos resultados. As técnicas utilizadas nessa pesquisa são a pesquisa bibliográfica[2], a categoria[3] e o conceito operacional[4], os quais serão elencados no decorrer do texto.

1 Os Juizados Especiais e o direito de acesso à justiça: promessas a serem cumpridas

A primeira tarefa deste artigo é rever o contexto em que surgiram os Juizados Especiais[5] a fim de verificar quais foram as suas promessas, isto é, quais foram as possibilidades que se apresentaram, quais foram os caminhos abertos, quais foram os “acessos” permitidos. Enfim, perceber os significados angariados pelos Juizados Especiais a partir de sua criação e na trajetória trilhada nas diversas experiências.

Num contexto histórico, os Juizados Especiais têm raízes no movimento pelo direito de acesso à justiça[6]. Tal movimento ganhou força após o final da Segunda Guerra Mundial, quando diversos grupos sociais, como os negros, as mulheres, os estudantes, amplos setores da pequena burguesia, dentre outros, reivindicavam “novos direitos sociais no domínio da segurança social, habitação, educação, transportes, meio ambiente e qualidade de vida, etc.” (SANTOS, 2010, p. 165).

Portanto, é um movimento que requereu a concretização da igualdade para que esta ultrapassasse a sua qualidade meramente formal, característica do Estado Liberal, no qual a justiça assim como os outros bens “só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-los eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 09).

O demanda crescente pela promoção dos novos direitos contribuiu para a crise da administração da Justiça[7] que eclodiu na década de 1960 em vários países. Os tribunais viram-se a frente de uma “explosão de litigiosidade”, agravada pela “incapacidade do Estado para expandir os serviços de administração da justiça de modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura entretanto verificada” (SANTOS, 2010, p. 166). Nesse cenário, o discurso do acesso à justiça despontou como uma resposta eficaz e salvadora, ensejando a necessidade de reformas que viessem a concretizar esse direito.

Na década de 1970, Mauro Cappelletti e sua equipe conduziram o Projeto de Florença[8] cujo objeto foi o estudo do direito de acesso à justiça em diversos países. Esse estudo identificou um movimento que se caracterizou pela criação espaços “alternativos” para que as pessoas pudessem reivindicar seus direitos, proporcionando “uma concepção mais ampla de acesso à justiça” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 67), promovendo-se diversas mudanças nas formas de procedimento e na estrutura dos tribunais. O objetivo era tornar o “processo civil simples, rápido, barato e acessível”, com redução de custos, com maior utilização da oralidade, com uma ação mais ativa dos juízes, dentre outras medidas.

Nesse cenário, desponta a criação de “instituições e procedimentos especiais para determinados tipos de causas de particular “importância social”, como tribunais voltados para as chamadas “pequenas causas”.  A criação desses foros especializados, consoante entendimento de Cappelletti e Garth (1988, p. 102-104), deve estar associada às medidas que visem eliminar ou, ao menos, reduzir as custas processuais; que promovam a “acessibilidade”, ou seja, tornem os tribunais mais próximos das pessoas e possibilitem horários noturnos; que promovam o ajuizamento das demandas de forma simples; que mantenham funcionários qualificados para orientação dos litigantes; além de outras medidas que se façam oportunas.

No Brasil, o movimento pelo acesso à justiça ganha destaque no início do processo de democratização, na década de 1980[9], servindo como inspiração para a construção dos espaços que vão se abrir para os Juizados de Pequenas Causas. Aquele movimento trouxe novas ideias e germinaram as reformas judiciárias que precederam a elaboração do projeto de lei que instituiu os Juizados de Pequenas Causas criados pela Lei n. 7.244 de 07 de novembro de 1984[10].

O passo seguinte foi dado pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 98[11], inciso I, previu a criação de Juizados Especiais pelos estados e pela União nos territórios e no Distrito Federal, o que se consubstanciou com a edição da Lei n. 9.099, em 15 de setembro de 1995, ampliando a competência, determinando a criação do Juizado Especial Criminal e reformulando a função do instituto no sistema judiciário.

Para Watanabe (1999, p. 33), “o legislador, ao invés de um mero procedimento diferenciado, procurou criar um microssistema processual, privilegiando a acessibilidade direta e gratuita do interessado ao juizado”, valorizando a conciliação e a aplicação dos princípios da informalidade, simplicidade e celeridade processual.

Figueira Júnior (2009, p. 43) destaca que além de um novo microssistema[12], a lei 9.099/95 significou o “revigoramento da legitimação do Poder Judiciário perante o povo brasileiro”, ao propor um espaço que privilegiava “a composição amigável, como forma alternativa de prestação da tutela pelo Estado-juiz”.

Essa breve construção histórica demonstrou que os Juizados Especiais surgem dentro de um movimento maior pelo acesso à justiça, o qual por si só já carrega diversas promessas, especialmente a de concretização da igualdade material, ao possibilitar que todas as pessoas tenham uma forma de lutar por seus direitos. Assim como o Juizado das Pequenas Causas, os Juizados Especiais abriram as portas dos tribunais para pessoas que nunca tiveram a oportunidade de fazer valer seus direitos assim como tornaram viável demandar por questões que seriam desprezadas na justiça comum.

Portanto, as promessas, as possibilidades, os caminhos abertos pelos Juizados Especiais fazem valer a cidadania[13] na sua forma mais forte, que ultrapassa a função de eleitor[14], e permitem que as pessoas tenham a efetiva proteção do Estado de Direito. Percebe-se que, apesar dos problemas que enfrentam, os Juizados Especiais trouxeram para o espaço do Judiciário os conflitos pessoais, da esfera íntima, de pequeno valor, mas de grande importância para os seus demandantes.

Os acessos permitidos pelos Juizados Especiais se concretizam na possibilidade de demandar sem a necessidade de contratar um advogado, pois muitas “causas”, devido ao seu pequeno valor, não moviam o interesse da advocacia e nem compensariam os gastos para ajuizá-las.  A panela de pressão adquirida em um supermercado e que não funcionou adequadamente deveria ser jogada fora se o supermercado se recusasse a trocá-la, pois como demandar em juízo, contratar advogado, para reivindicar um direito de valor tão inexpressivo?

No entanto, sabendo que o cliente tem a chance de reclamar em juízo, por meio do Juizado Especial, o supermercado efetua a troca do produto danificado. E esse é um dos efeitos mais importantes dos Juizados Especiais: ao saber que as pessoas têm um local no qual poderão reivindicar seus direitos, esses são respeitados. A promessa dos Juizados Especiais se concretiza no respeito aos direitos, na responsabilidade reconhecida que cada pessoa tem perante a outra.

 Também merece destaque a forma de resolução dos conflitos preferencial dos Juizados Especiais. A conciliação permite que as próprias pessoas em conflito possam resolver suas questões, possam conversar e promover o consenso, possam entender que são responsáveis por seus atos e que têm a chance de fazer o que é o certo.

A “deformalização (mais informalidade) e delegalização (menos legalismo e solução dos conflitos, em certos casos, pela equidade)”, no dizer de Watanabe (1999, p. 35), proporcionam “maior celeridade e maior aderência da Justiça à realidade social”. Os Juizados Especiais assumem um caráter pedagógico, pois o empoderamento que proporcionam (ora, as pessoas mesmas são quem decidem como resolver a questão) ultrapassa a sala de audiências ao propagar a cultura do diálogo.

Segundo lembra Flores (2009, p. 33): “mais do que o direito de ter direitos é preciso ter condições materiais para exigi-los ou colocá-los em prática”. Esse é o caráter instrumental do acesso à justiça. Sozinho, isolado, tal direito, num primeiro momento, apresenta-se como um direito formal, de conteúdo vazio, ainda mais considerando a herança normativista embrenhada na tradição jurídica brasileira.

O direito de acesso à justiça pode compor um espaço privilegiado para a concretização e o fortalecimento da cidadania, desde que, como alertado por Flores, o cidadão perceba seu papel de protagonista e assuma não só seus direitos, mas igualmente suas responsabilidades perante uma sociedade que requer o estabelecimento de uma convivência mais harmoniosa e equilibrada.

A partir deste contexto, a questão que se apresenta é: o quanto dessas promessas são cumpridas? Os Juizados Especiais têm conseguido realizar sua missão?

2. Alguns cuidados necessários

As experiências promovidas pelos Juizados, apesar de algumas dificuldades e contratempos, mostram-se positivas e apresentam um caminho possível para a cidadania no Brasil, por seu caráter comunitário, informal, acessível, simples, gratuito, democrático, entre outros predicados.  No entanto, tais experiências, algumas vezes, têm sido tolhidas ou enfraquecidas, tornando-se necessária a reflexão sobre o funcionamento desses Juizados.

Nesse sentido, o objetivo desta seção é verificar três pontos nodais dos Juizados Especiais: o atendimento à população, a conciliação e o “convívio” com o Código de Processo Civil.  Desde já, alerta-se que a pretensão não é apresentar “soluções”, mas apenas promover a reflexão sobre essas questões, as quais se constituem de grande relevância para a resistência dos Juizados Especiais.

O primeiro aspecto a ser analisado diz respeito ao atendimento. A fórmula do art. 14 da Lei n. 9.099/1995 é direta: “O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado”. Afastam-se as burocracias de protocolo das petições iniciais e, atualmente, as dificuldades operacionais dos processos digitais. A pessoa simplesmente dirige-se até a secretaria do Juizado e requer a “atermação” de sua demanda. O que deve ser feito de forma simples, sem os jargões e as palavras técnicas da linguagem jurídica[15].

A simplicidade, a informalidade e a oralidade são princípios que atravessam por inteiro a prática dos Juizados Especiais e tornam possível a sua acessibilidade às pessoas que demandam em juízo sem o auxílio jurídico profissional. Portanto, o diálogo iniciado com a atermação do pedido e que poderá ser finalizado por um acordo ou mesmo por uma decisão judicial deverá sempre observar tais princípios, sob pena de ficar comprometido.

Nesse aspecto referente ao atendimento, merece reflexão a característica de uma “Justiça de segunda classe” que impregna a ideia dos Juizados Especiais, pois voltada para as “pequenas causas”, o que remete tanto para o valor em litígio, quando para as pessoas que geralmente se utilizam deste instrumental.

Situação que fica estampada no funcionamento precário dos Juizados Especiais na maioria dos estados brasileiros, apesar do prazo previsto para sua efetiva instalação[16], como já denunciava Watanabe (1999, p. 36):

Em muitos estados, mesmo na capital e nas cidades maiores, não há juízes designados exclusivamente para os juizados, o que, tal como ocorre com a variação da vontade política dos dirigentes do Judiciário local, afeta a estabilidade dos juizados pela oscilação da mentalidade dos magistrados que neles atuam”.

Decorridos mais de 18 anos da publicação da texto acima recortado, ainda é esta, hoje, a situação dos Juizados em muitos locais.  Watanabe (1999, p. 34) leciona que em muitos locais aproveitou-se a estrutura material e pessoal já precária dos Juizados de Pequenas Causas para a instalação dos Juizados Especiais, sem qualquer estudo prévio para se saber da adequação ou não das infraestruturas existentes para atribuição de competência mais ampliada.

Figueira Júnior (2009, p. 49) salienta que a lentidão excessiva na criação das novas unidades jurisdicionais[17] significa privar a sociedade de uma instituição imprescindível “para salvaguarda dos interesses da grande massa populacional, que, sem esse mecanismo, vê-se acuada e impotente em face da crise do processo como instrumento da efetividade dos direitos e da pacificação social” (FIGUEIRA JÚNIOR, 2009, p. 49).

Além da precariedade material e de pessoal, o atendimento nos Juizados Especiais fica comprometido em relação a sua qualidade. O art. 56 da Lei n. 9.099/1995, in verbis: “Instituído o Juizado Especial, serão implantadas as curadorias necessárias e o serviço de assistência judiciária”, em muitos locais é letra morta. Não há qualquer assistência judiciária às pessoas que demandam sozinhas perante os Juizados, as quais precisam contar com a sorte de que o atermador possua o mínimo de conhecimento jurídico para que o pedido atenda a suas necessidades e tenha chance de tramitação, sem ser fulminado por uma sentença formal.

Portanto, nesse aspecto, a reflexão sobre os Juizados Especiais requer especial atenção. Para cumprir seu desiderato, para tornar possível a acessibilidade, não se pode reduzir esta apenas ao fato de se ter uma sala e na sua porta colocar uma placa indicando que se trata de um “Juizado Especial”. A acessibilidade vai além, requer que nesta sala trabalhem pessoas capacitadas que possam dar a devida assistência, a devida orientação na intenção de resolução do problema que trouxe a pessoa ao juizado. Requer, igualmente, vontade política para fazer os investimentos necessários para a devida estruturação desses lugares.

O segundo ponto que merece a atenção é o lugar da Conciliação. A construção desse espaço dentro dos Juizados Especiais alavancou a discussão sobre os “meios alternativos” de solução de conflitos no Brasil, os quais, hoje, deixaram de ser “alternativos” e, especialmente após a edição do novo Código de Processo Civil, tornaram-se apenas mais uma forma de resolução das demandas ao lado do meio adjudicatório.

No entanto, apesar do seu potencial emancipador, a Conciliação dentro dos Juizados Especiais penou e pena para receber a devida atenção. Conciliadores sem formação adequada e sem experiência são lançados na sala de audiências e ameaçam a possibilidade do diálogo com uma simples pergunta: “Então, tem acordo?” Se a resposta for não, a conversa é encerrada o “rito” se instaura com a “contestação”, “réplica”, “instrução” e “julgamento”.

As pautas de 15 (quinze) minutos desrespeitam o conciliador e os participantes. Como dialogar em tão exíguo tempo?  Um conciliador devidamente preparado, que formulará sua declaração de abertura, procurará estabelecer o rapport[18], se preocupará em ouvir as pessoas presentes e conduzir os debates com respeito e tranquilidade, precisará ser mágico para fazer tudo isso em 15 minutos.

Para falar da conciliação haveria ainda vários aspectos, dentre eles a participação dos advogados, que ainda relutam em acreditar nessa forma de resolver as demandas e muitas vezes chegam a solicitar em suas petições iniciais a dispensa da audiência de conciliação; pedidos os quais muitas vezes, por incrível que pareça, são deferidos em juízo. Bem como, a dificuldade de estabelecer o diálogo com as grandes empresas, que são igualmente as grandes demandadas dos Juizados Especiais, quando estas enviam um preposto contratado na hora da audiência, sem qualquer vínculo com a empresa, sem qualquer conhecimento sobre o problema sobre qual versa a demanda e sem qualquer poder de negociação. Como conciliar?

Após a edição da Resolução n. 125/2010 pelo CNJ, a qual “dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário[19]”, houve um movimento para se ter um cuidado maior com a conciliação, sendo que esta, ao lado da mediação, tornou-se objeto de uma política pública. A Resolução 125/2010 preocupou-se, dentre outros assuntos, com a formação do conciliador e do mediador, estabelecendo um parâmetro curricular mínimo que deve ser seguido. Além disso, a citada regulamentação dispôs sobre o Código de Ética que deve orientar a postura do conciliador e do mediador.

No entanto, há muito o que ser superado nesse quesito. A conciliação talvez seja ela mesma a razão de ser dos Juizados Especiais, a razão que justifica os princípios da informalidade e da simplicidade, pois a decisão acerca da controvérsia pode ser tomada pelas próprias partes na sessão de conciliação. Essa possibilidade mitiga a atuação do estado-juiz e promove outra fonte para a segurança jurídica: a vontade das partes.

Por isso a necessidade de que este ato tenha o tempo necessário para ser realizado, bem como que seja conduzido por profissional devidamente formado, conhecedor das técnicas de negociação, que atue respeitando os princípios éticos que norteiam a conciliação, garantindo que o diálogo se desenvolva com respeito e com equilíbrio.

Por fim, o debate que permeia a discussão, principalmente na esfera jurisprudencial e doutrinária, diz respeito à aplicação subsidiária ou não do Código de Processo Civil. Aqui o cuidado deve ser fortalecido pois os poucos artigos da Lei n. 9.099/1999 dedicados à parte cível, os quais garantem a informalidade e a simplicidade, correm o risco de serem atropelados pelos mais de mil artigos do código. E sob a bandeira da segurança jurídica, o debate é acirrado.

Além disso, diante do novo Código de Processo Civil a reflexão é mais do que oportuna, principalmente diante do acolhimento da Conciliação pelo novo código e com a disposição de diversas regulamentações para esse instituto[20], as quais devem ser analisadas criteriosamente antes de serem adotadas na esfera dos Juizados Especiais[21].

A Lei dos Juizados Especiais foi pensada para promover um procedimento célere, simples, econômico e informal. A informalidade é a mola mestra dos Juizados Especiais, é o impulso necessário para a solução de conflitos que, na maioria das vezes, estão impregnados de sentimentos, como nos casos de disputas entre vizinhos.

Portanto, para o sucesso da proposta dos Juizados Especiais é preciso que ocorra uma “modificação de posturas mentais, ideológicas e dogmáticas dos operadores do Direito, sobretudo das concepções jurídicas ortodoxas e ultrapassadas” (FIGUEIRA JÚNIOR, 2009, p. 68). Isso significa a necessidade de uma “nova” atuação jurídica, uma nova forma de “fazer Justiça”. Neste sentido, vale lembrar a lição de Figueira Júnior (2009, p. 68):

“Ocorre que essa Lei não pode ser vista com os mesmos olhos que enxergam o processo tradicional; ela exige a fixação de um ponto imaginário em nossa visão, capaz de transpassar o texto em primeiro plano para atingir, então, com profundidade de campo, seus verdadeiros fins sociais. Equivale à comparação com a visualização de uma figura em primeiro, segunda ou terceira dimensão – conhecida por 3D; para atingirmos a profundidade da terceira dimensão, precisamos, impreterivelmente, enxergar a figura particularizada com olhar diferenciado”.

Caso contrário, o sistema não funcionará plenamente, frustrando seus usuários e agravando o descrédito no próprio Poder Judiciário perante a opinião pública. Assim, Figueira Júnior (2009) destaca que Lei 9.099/95 trata de um sistema que necessita ser aprimorado “pela prática forense, pelas orientações doutrinárias e jurisprudenciais”.

Portanto, entre a necessidade de “segurança jurídica”, conferida com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e com a limitação de atuação do juiz, e o caráter informal que abre as portas do Judiciário às pessoas mais carentes de recursos financeiros e de conhecimento, deve-se adotar a postura que privilegie os fins sociais da Lei 9.099/95.

Assim, Figueira Júnior (2009, p. 32) entende que o Código de Processo Civil somente terá incidência nas hipóteses de omissão legislativa do microssistema e desde que se encontre em consonância com os seus princípios orientadores. Para o citado jurista, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil é uma medida excepcional[22].

Chimenti (2009, p. 6) lembra que, com a exceção dos arts. 30[23] e 51[24], na fase de conhecimento, o Código de Processo Civil não é sequer apontado como norma supletiva de integração. Contudo, para o citado autor, essa circunstância não “impede sua aplicação por analogia (art. 4º da LICC), mas que recomenda a superação das omissões do legislador com base nos princípios próprios do novo sistema” (CHIMENTI, 2009, p. 6).

A Lei 9.099/1995, em que pese suas dificuldades e as ideologias que guiaram a sua criação, representa um grande avanço para a legislação brasileira, o que lhe acarretou uma grande adesão social, revelando o seu caráter ético, legítimo, justo e útil[25]. Esse fato significa que a citada lei apresenta-se com a característica que Melo (1994, p. 20) denomina de “validade material”, pois “mostrar-se compatível com o socialmente desejado e basicamente necessário ao homem, enquanto indivíduo e enquanto cidadão”.

Vianna et al. (1999, p. 256) reconhecem a importância que os Juizados têm para a Sociedade brasileira, pois foram “concebidos como lugar de acesso à Justiça para aqueles que sempre foram mantidos à margem da Cidade”. Desta forma, em concordância com Vianna et al., acredita-se ser possível que os Juizados Especiais contribuam para “cenário favorável para uma pedagogia cívica que viabilize a superação da cultura política do paroquialismo e da sujeição, dando passagem para uma de participação, território da cidadania ativa e da democracia” (1999, p. 259).

A aposta nos Juizados Especiais, especialmente no significado e força da conciliação, revela a opção por uma Justiça que viabilize a cidadania ao promover a emancipação e a autonomia, pois, como leciona Warat (2004, p. 66), as práticas autocompositivas, como a mediação e a conciliação “configuram-se em um instrumento de exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam a ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões, sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados em um conflito”.

As observações feitas até aqui sobre o atendimento no juizado, sobre as conciliações e sobre a (im)possibilidade de aplicação subsidiária no Código de Processo Civil, tem o escopo de refletir sobre os cuidados que devem ser adotados para que os Juizados Especiais, possam receber a devida atenção e cumprir de forma efetiva seu papel perante a sociedade, possam cumprir com suas promessas. Se tais cuidados não forem tomados teremos, como alertou Câmara[26] (2016) “dois” Juizados Especiais”, os da teoria com suas infinitas e belas promessas e os da prática que correm o risco de ser de fato uma “justiça de segunda classe”.

Considerações finais

O presente estudo procurou analisar, considerando a contextualização histórica, alguns aspectos dos Juizados Especiais que merecem cuidado para que as promessas de acessibilidade possam se concretizar, ampliando a concepção de cidadania.

Na trajetória histórica percebeu-se que o movimento pelo direito de acesso à justiça ganhou força após o final da Segunda Guerra Mundial, quando diversos grupos sociais reivindicaram os direitos sociais no domínio da segurança social, habitação, educação, transportes, meio ambiente e qualidade de vida, etc. O que refletiu no aumento das demandas perante o poder judiciário e provocou uma crise da administração da Justiça a partir da década de 1960 em vários países.

Nesse cenário, o discurso do acesso à justiça despontou como uma resposta eficaz e salvadora, ensejando uma necessidade de reformas que viessem a concretizar esse direito, por meio da criação espaços alternativos para que as pessoas pudessem reivindicar seus direitos, como tribunais voltados para as chamadas pequenas causas.

No Brasil, o movimento pelo acesso à justiça ganhou força com a criação dos Juizados Especiais, os quais privilegiaram a acessibilidade direta e gratuita e valorizaram a conciliação e a aplicação dos princípios da informalidade, simplicidade e celeridade processual. Portanto, os Juizados Especiais, contextualizados no movimento pelo acesso à justiça, reveste-se de diversas promessas, a fim de concretizar a igualdade material, ao abrir as portas dos tribunais para pessoas que nunca tiveram a oportunidade de fazer valer seus direitos.

Para cumprir sua missão, os Juizados Especiais precisam superar algumas dificuldades, principalmente em três esferas: o atendimento à população, a conciliação e o “convívio” com o Código de Processo Civil. 

Em relação ao atendimento é preciso superar a precariedade material e de pessoal que muitas unidades onde estão instalados os juizados, enfrentam, o que requer um maior investimento da administração judiciária. Além da questão física, é preciso o cuidado com o trato com as pessoas mais simples que utilizam o serviço, prestando orientação acessível e pertinente juridicamente, observando-se os princípios da simplicidade, informalidade e oralidade. Portanto, o diálogo iniciado com a atermação do pedido e que poderá ser finalizado por um acordo ou mesmo por uma decisão judicial deverá sempre observar tais princípios, sob pena de ficar comprometido.

Sobre a Conciliação, é preciso reconhecer seu protagonismo da resolução dos conflitos ao lado das outras formas, como a mediação e a jurisdição. Para tanto é preciso cuidar para que os conciliadores tenham formação adequada para conduzir os debates bem como tempo suficiente para o seu desenvolvimento.

Sobre a formação do conciliador, verificou-se a importância da Resolução n. 125/2010 do CNJ, a qual, dentre outros assuntos, regulamentou a formação do conciliador e do mediador, estabelecendo um parâmetro curricular mínimo que deve ser seguido e dispôs sobre o Código de Ética que deve orientar a postura do conciliador e do mediador.

Por fim, verificou-se que é imprescindível, principalmente no contexto do novo Código de Processo Civil, um grande cuidado com a aplicação subsidiária do citado código, sob pena de mitigar os princípios orientadores da Lei n. 9.099/1999, especialmente a informalidade e a simplicidade, os quais permitem uma acessibilidade efetiva por parte da população na seara jurídica. Por isso, tal debate precisa encontrar lugar privilegiado nas discussões referentes aos Juizados Especiais.

Portanto, conclui-se que as promessas são ousadas e carregadas de esperança: acesso à justiça, cidadania, diálogo, emancipação. Todos ingredientes para uma sociedade melhor. No entanto, o percurso enfrentado pela Lei n. 9.099/95 demonstrou que ainda há muitas barreiras a serem superadas a fim de cumprir tais promessas. O cuidado com alguns aspectos dos Juizados, como os elencados neste artigo, deve ser prioridade sob pena de se andar em círculos e promover uma proposta emancipadora vazia em seu discurso.

 Referências
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LONGO, Adão. O direito de Ser Humano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
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MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris/CPGD-UFSC, 1994.
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PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito, 2011.
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ROCHA, Felippe Borring. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais: teoria e prática. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
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WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício de mediador. Vol. 3. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
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Notas

[1] O método indutivo caracteriza-se por “[…] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-la de modo a ter uma percepção ou conclusão geral […]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 101.
[2] A Pesquisa Bibliográfica trata-se da “técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas leias”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica. p. 207.  
[3] A Categoria trata-se “[…] da palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica. p. 34. 
[4] O Conceito Operacional consiste na “[…] definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica. p. 50. 
[5] Figueira Junior (2009, p. 39) compreende os Juizados Especiais como “um microssistema de natureza instrumental e de instituição constitucionalmente obrigatória […] apto a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida”.
[6] Para Abreu (2008, p. 31), o Acesso à Justiça constitui-se em um “instrumento de resolução de conflitos”, o que lhe confere vultosa repercussão política e social, “essencial no esquema mais amplo da democracia e do Estado Social de Direito”.
[7] A expansão dos direitos sociais e a inclusão da classe trabalhadora nos circuitos do consumo, segundo Santos, promoveram diversos conflitos cuja resolução coube aos tribunais: “litígios sobre a relação de trabalho, sobre a segurança social, sobre a habitação, sobre os bens de consumo duradouros, etc. Ainda nesse contexto, surgiram mudanças radicais nos padrões do comportamento familiar refletindo-se nas relações entre cônjuges e entre pais e filhos, contribuindo para crescimento da conflitualidade familiar a qual se tornou socialmente mais visíveis e foram se constituindo em conflitos jurídicos (SANTOS, 2010, p. 166).
[8] Marcellino Junior explica que o Projeto de Florença, na década de 1970, “consistiu numa grande mobilização que reuniu pesquisadores de diversos ramos das ciências sociais aplicadas, ou não, para a realização de uma coleta de dados que envolvesse o sistema judicial de vários países. […] O documento oficial de finalização do Projeto de Florença consistiu numa obra de, ao todo, seis tomos, publicados entre 1978 e 1979. No Brasil, foi publicado apenas em 1988, e traduziu-se a obra simplesmente como ‘Acesso à justiça’. No corpo do texto, constavam os estudos e as contribuições de vários juristas, sociólogos, economistas, cientistas políticos, antropólogos e psicólogos de todos os continentes”. (MARCELLINO JUNIOR, 2014, p. 132-133).
[9] No início da década de 1980, surgiram dois movimentos os quais podem ser consideradas como marco para a ampliação do debate do Direito de Acesso à Justiça. O primeiro, conforme Vianna et al. (1999, p. 167), foi o da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, interessada no desenvolvimento de alternativas capazes de ampliar ao acesso ao Judiciário[9]; e segundo, o do Executivo Federal, cujo Ministério da Desburocratização pretendia racionalizar a máquina administrativa, tornando-a mais ágil e eficiente.
[10] BRASIL. Lei 7.244 de 07 de Novembro de 1984. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7244-7-novembro-1984-356977-nor ma- pl.html>. Acesso em: 08 mai. 2011.
[11] “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau” (BRASIL, 1988).
[12] Rocha (2016, p. 39-40) destaca que surgiu o debate nos meios jurídicos sobre qual seria o melhor sentido da expressão “Sistema dos Juizados Especiais”, a qual é possível cotejar com três expressões diferentes: “Estatuto”, “Microssistema” e “Estrutura Administrativa”. Para o citado autor que adere à ideia de “Teoria do Estatuto dos Juizados”, a teoria mais antiga, chamada “Microssistema dos Juizados”, que é utilizada por boa parte dos doutrinadores para representar a autonomia, dentro da estrutura judiciária, dos Juizados Especiais, é “bastante equívoca”, pois compreende os Juizados como “um componente ‘separado’ da estrutura judiciária, no sentido de que suas decisões não estariam sujeitas a recursos e impugnações dirigidos a outros órgãos Para essa teoria, por exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos Juizados não estariam sujeitas nem mesmo a recurso extraordinário”.
[13] Para os fins deste trabalho a categoria Cidadania é concebida na acepção formulada por Longo: “A cidadania é, inegavelmente, uma possibilidade natural ou legal, mas é, acima de tudo, um compromisso sincero e solene entre um sujeito de direito, que a aceita e a quer, e um outro sujeito de Direito, que a reconhece e a legitima”. (LONGO, 2004, p. 92).
[14] Segundo Andrade (1998, p. 121) para atender a ideologia liberal, a Democracia ficou restrita à Democracia Representativa ou Indireta, afastando qualquer possibilidade de uma “democracia participativa, direta ou outra, que abrangeria a democratização da sociedade civil”, ficando a Cidadania moderna reduzida ao fenômeno eleitoral. O cidadão e a pessoa são dissociados, duas realidades distintas que refletem nas relações pessoais e nas relações com o Estado.
[15] Nesse sentido, colhe-se de Pimenta-Bueno: “Isto envolve muito mais do que um atendimento cordial e conforme aos princípios básicos da civilidade e do respeito. Envolve uma efetiva sensibilização e percepção dos serventuários da Justiça quanto à enorme distância linguístico-cultural que os separa de muitos dos jurisdicionados que acorrem à Justiça, e que constituem a maioria destes, nos caso dos JEFs. De nada adianta para o jurisdicionado médio, que procura a Justiça para ter informações acerca do andamento de seu processo, ser atendido por um servidor que o trata com respeito e cordialidade, mas que lhe dá explicações em um jargão jurídico que ele, jurisdicionado, não entende em absoluto, e que lhe surte o efeito de uma explicação dada em uma língua estrangeira por ele inteiramente desconhecida. É necessário que o atendimento prestado aos jurisdicionados leve em conta, de modo mais efetivo, a realidade sociocultural e linguística destes”.
[16] Figueira Júnior (2009, p. 24) lembra que a Lei 9.099/1995 concedeu um prazo de 06 meses, a contar a vigência da lei, para a criação dessas unidades jurisdicionais, consoante se infere da leitura do seu artigo 95. Contudo, como alega o citado autor, trata-se de mera norma programática, pois não prevê qualquer sanção na hipótese de descumprimento por parte dos Estados da federação, não sendo poucos os desatendimentos verificados.
[17] Para exemplificar essa situação, no estado de Santa Catarina, há apenas 34 varas dos juizados autônomas, com a estrutura completa, distribuídas em 16 municípios. Por outro lado, há 98 unidades “adjuntas”, que funcionam vinculadas a uma vara instalada nas comarcas. Nesses casos, o juiz titular da vara a qual é vinculada a unidade responde pelo juizado e os funcionários disponíveis, sempre em número reduzido, também provém da vara (Fonte: http://www.tjsc.jus.br/juizados-especiais/unidades-instaladas).
[18] O rapport consiste numa técnica muito utilizada na mediação: “O rapport consiste no relacionamento harmonioso ou estado de compreensão recíproca no qual por simpatia, empatia ou outros fatores se geram confiança e comprometimento recíproco – no caso da mediação com o processo em si, suas regras e objetivos. Há autores que sustentam que o rapport “sempre envolve três elementos: atenção mútua, sentimento positivo compartilhado e um dueto não verbal bem coordenado. Quando esses três fatores coexistem, catalisamos o rapport” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013, p. 113-114).
[19] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA-CNJ. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.  Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_ 125_29112010_11032016162839.pdf>. Acesso em: 01 out. 2015.
[20] Ver, dentre outros, os arts. 165 e ss. do novo Código de Processo Civil. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 12 de Mar. de 2016.
[21] Nesse sentido, colhe-se de Rocha (2016, p. 167), em relação a aplicação do art. 334, § 8º, do CPC: “Um aspecto importante a se considerar é que o Novo CPC, em seu art. 334, § 8º, estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação40 é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. No caso dos Juizados, entretanto, tal regra não deve ser aplicada. Por um lado, já existe uma sanção própria e específica para o não comparecimento das partes à audiência de autocomposição: o encerramento do procedimento, com multa, no caso do autor (art. 51, I e § 2º, da Lei nº 9.099/95), e a revelia, no caso do réu (art. 20 da Lei nº 9.099/95)”.
[22] No sentido contrário, colhe-se de Rocha (2016, p. 38): “No entanto, apesar da omissão, tal aplicabilidade é impositiva, não apenas por ser a Lei no 9.099/95 uma lei especial (art. 1.046, § 2º, do CPC/15), mas também pela total impossibilidade de imaginar o funcionamento dos Juizados Especiais sem o CPC. Não obstante, existem respeitáveis vozes, ao nosso sentir equivocadas, que defendem que não haveria aplicação subsidiária do CPC à Lei dos Juizados Especiais”.
[23] “Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor” (BRASIL, 1995).
[24] “Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:” (BRASIL, 1995).
[25] Para a Política Jurídica, “a norma jurídica, para ganhar um mínimo de adesão social que a faça obedecida e portanto materialmente eficaz, deve ser matizada pelo sentimento e ideia do ético, do legítimo, do justo e do útil” (MELO, 1994, p. 20).
[26] O alerta do doutrinador: “Mas preciso deixar claro que para mim existem duas diferentes realidades acerca dos Juizados Especiais Cíveis. De um lado, os Juizados Especiais da teoria. Estes são maravilhosos. Informais, com um processo marcado pela oralidade, proporcionando um resultado célere e eficiente, num sistema de quase total gratuidade, os Juizados Especiais da teoria são perfeitamente adequados a cumprir a promessa constitucional de amplo e universal acesso à ordem jurídica justa. Há, porém, de outro lado, os Juizados Especiais da prática. Estes são confusos, mal-aparelhados, completamente divorciados daqueles da teoria. Muitas vezes, quando se entra num Juizado Especial da prática, deve-se mesmo perguntar se aquilo é um Juizado Especial. […] Transformam-se os Juizados Especiais em Varas Cíveis mal-aparelhadas, de baixa qualidade. E, com isso, as promessas constitucionais vão sendo, todas, descumpridas”. (CÂMARA 2016, p. 9-10).

Informações Sobre o Autor

Silvia Regina Danielski

mestranda do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas da Univali – Itajaí/SC; especialista em Direito Processual Civil pelo CESUSC – Florianópolis/SC; graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brusque – SC. Atualmente exerce a função de Secretária do Juizado Especial da Comarca de São João Batista – Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Atua como mediadora e conciliadora judicial, com formação institucional pelo CNJ. Faz parte do corpo de instrutores da Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na área da Conciliação e como supervisora do estágio do curso de Mediação Judicial


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