Cárcere feminino: Igualdade sem dignidade

Resumo: O presente artigo discute o encarceramento feminino no Brasil, destacando-se, inicialmente, o desenvolvimento histórico dos presídios exclusivos para as mulheres, quais os principais motivos para a criação de tais estabelecimentos e os crimes que mais levavam e levam mulheres à prisão. Em seguida, apresentamos os direitos e as garantias legais que protegem as presidiárias, bem como as principais violações que as ladeiam[1].

Palavras-chave: Encarceramento; presídios; mulher; violações.

Abstract: This article discusses the female incarceration in Brazil, at first, the historical development of exclusive prisons for women, which are the main reasons for creating this institutions and the crimes that took over and take women to prison. Then, we present the rights and legal safeguards that protect prisoners, as well as major violations around them.

Keywords: Incarceration; prisons; woman; violations.

Sumário: Introdução. 1. Histórico do Encarceramento Feminino no Brasil. 2. Os direitos e garantias legais das mulheres presas. 3. Violação dos direitos da mulher presa na estrutura carcerária brasileira. 3.1. Assistência médica. 3.2. Roupas de cama, vestuário e alimentação. 3.3. Visita da família e amigos. 3.4. Visita íntima. 3.5. Educação. 3.6. Exercício e recreação. 3.7. Luz, ventilação e higiene. Conclusão. Referências.

Introdução

A vida de uma mulher é cheia de singularidades, pois as situações cotidianas exploram ao máximo sua flexibilidade, e, até mesmo a natureza lhes deu encargos únicos e complexos, como a função de gerar e abrigar um novo ser humano; porém nem sempre é respeitada a sua dignidade e lembrada das suas particularidades.

O presente artigo analisa as condições femininas nos presídios brasileiros, enfatizando o duelo controverso entre o amplo rol de direitos e garantias fundamentais à existência digna dessas mulheres no ambiente carcerário que lhe são assegurados, daquilo que realmente é observado na realidade prisional brasileira.

1. Histórico do encarceramento feminino no Brasil

Inicialmente, as prisões eram um local comum entre os apenados do sexo masculino e feminino; no máximo havia a separação por celas, mas a iminência de abusos sexuais e doenças era constante.

Inspirado pelo debate em âmbito mundial sobre a reclusão das mulheres para que fossem colocadas em presídios específicos e supervisionadas por profissionais do mesmo sexo, o Brasil inaugurou as primeiras instituições para mulheres: o Instituto Feminino de Readaptação Social, em Porto Alegre (1937), o Presídio de Mulheres de São Paulo (1942) e a Penitenciária de Mulheres de Bangu, no Rio de Janeiro (1942).

O incentivo e posterior construção destes presídios femininos não foi, inicialmente, o superlotamento pelo aumento do número de presas. As mulheres sempre somaram número menor que os homens no cárcere, a grande maioria era presa por delitos de pequenos frutos, aborto, brigas, sendo os mais graves geralmente relacionados ao infanticídio. Assim, a maior justificativa era a própria existência de locais específicos para que as mulheres pudessem cumprir suas penas.

Atualmente, o crime que mais leva as mulheres ao encarceramento é o tráfico de drogas, ainda que na maioria das vezes elas ocupem um papel insignificante no delito. Por sua vez, o maior presídio feminino do Brasil é a Penitenciária Feminina de Santana em São Paulo.

2. Os direitos e garantias legais das mulheres presas

Na aplicação das sanções criminais e no cumprimento destas deve-se atender ao “princípio da individualização”, conforme o qual a dosimetria e execução da pena são atividades que devem estar legitimadas por meio de um processo fundamentado de personalização da resposta punitiva do Estado, atentando-se para todas as características do delito e considerando-se as condições pessoais do condenado (a).

Em âmbito internacional, vários documentos detalham os direitos humanos das pessoas encarceradas, ministrando regras básicas para os governos cumprirem com suas obrigações perante o Direito Internacional. As mais amplas de todas essas normas são as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros das Nações Unidas, adotadas pelo Conselho Econômico e Social, em 1957. Outros documentos relevantes incluem o Corpo de Princípios para a proteção de todas as pessoas sob qualquer forma de detenção ou aprisionamento, adotado pela Assembleia Geral, em 1988, e os Princípios Básicos Para o Tratamento de Presos, adotado pela Assembleia Geral, em 1990. Tais documentos fornecem interpretações vinculantes no que diz respeito ao conteúdo das normas contidas em tratados.

O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil, vetam a tortura, tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes, sem exceção ou derrogação. Esses documentos reafirmam o princípio de que os presos conservam seus direitos humanos fundamentais.

Mais especificamente, temos a 65ª Assembleia Geral da ONU que aprovou, em dezembro de 2010, as “Regras Mínimas para Mulheres Presas”, norma internacional de extrema importância, devido ao reconhecimento das necessidades específicas desta parte da população carcerária, e do déficit existente com relação ao sistema prisional feminino vigente. Além disso, tal documento sugere a adesão de providências alternativas ao aprisionamento feminino, considerando questões como a gravidez e o cuidado com a prole.

A legislação brasileira, guiando-se pelo princípio da legalidade, empenhou-se em adaptar a execução da pena ao princípio da humanidade do tratamento. Nosso ordenamento jurídico contém garantias explícitas para a proteção da população encarcerada, assegurando um tratamento humanizado e respeitando todos os direitos que não são atingidos pela privação da liberdade, resguardando, desse modo, a integridade física e moral dos presos.

 Para assegurar tais direitos, a Lei de Execução Penal estabelece um rol de assistências que devem ser garantidas aos presos, que são a assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material. Além disso, a referida lei dispõe que a execução penal busca proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou internado. A verificação da necessidade de separação dos encarcerados por gênero fez com que fossem incluídos, na legislação, direitos específicos das mulheres presas e algumas singularidades no período de execução da sua pena.

A mulher no período de gravidez e amamentação encontra-se em uma situação distinta, ocupa posição específica e deve receber condições próprias de tratamento, como estabelecem normas internas e internacionais.

Nossa Carta Magna, em seu art. art. 5º, inc. L, também assegura o direito de os filhos permanecerem com as mães durante o período da amamentação. Visando o seguimento de tal preceito, a Lei de Execução Penal firmou no cenário jurídico a obrigatoriedade de dotar as unidades prisionais femininas com berçários, onde as condenadas possam amamentar seus filhos, condição reafirmada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil (Ministério da Justiça, 1995), e facultou a destinação de alojamento para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado, cuja responsável esteja presa.

A Resolução nº 01, de 27 de março de 2000, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, trata da revista nos visitantes e/ou nos presos e define os procedimentos. Esta assegura o direito à visita íntima aos presos de ambos os sexos, recolhidos aos estabelecimentos prisionais. Assim, a visita íntima do marido, mulher, companheiro ou companheira, deverá estar sempre condicionada ao comportamento do preso, à segurança do presídio e às condições da unidade prisional sem perder de vista a preservação da saúde das pessoas envolvidas e a defesa da família.

3. Violação dos direitos da mulher presa na estrutura carcerária brasileira

Os seguintes direitos são assegurados pela Lei de Execução Penal e podem ser reclamados a qualquer momento, uma vez que são garantias das detentas que não lhes foram retiradas pela pena ou pela lei.

3.1. Assistência médica

A população prisional, em especial a feminina, demanda uma atenção de saúde específica, devido suas condições de vida e ambiente. Muitas mulheres que hoje estão presas já passaram pela prostituição, violências dos mais variados tipos e uso abusivo de drogas. Então, portam consigo consequências físicas e psicológicas de uma vida exposta a fatores de risco.

Nesse sentido, na atenção à saúde das mulheres presas deve levar em consideração as singularidades sociais e culturais destas, e isso vai determinar como devem ser realizadas as ações e desenvolvidas as políticas.

Uma decisão envolvendo tal assunto que gerou bastante repercussão e polêmica foi a da juíza Adriana Marques Laia Franco, da 4ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, onde rejeitou uma ação da Defensoria Pública estadual que exigia atendimento médico e ginecológico para presas. O serviço deveria ser prestado por dois profissionais em tempo integral em cada uma das seis unidades prisionais femininas do Estado. A magistrada considerou que oferecer o serviço às presas seria dar-lhes um "privilégio" em relação às mulheres em liberdade.

3.2. Roupas de cama, vestuário e alimentação

O governo possui o dever de disponibilizar não só roupas de cama, mas camas individuais para cada apenada, bem como vestuário e alimentação. No entanto, raras são as vezes que essas determinações são atendidas.

Principalmente por ocasião do superlotamento dos presídios, com número de apenadas que só aumenta a cada ano, a oferta de camas e lençóis acaba não sendo suficiente para atender a todas as presas. O vestuário poucas vezes é oferecido pelo governo, ficando as detentas dependendo que os parentes e amigos tragam roupas. Quanto à alimentação, por muitos é tida como de baixa qualidade e por vezes insuficiente.

3.3. Visita da família e amigos

Em relação à visita de parentes e amigos, a maior violação se dá durante a revista dos visitantes.

Como o governo não consegue garantir apoio material extremamente necessário para todas as detentas, a garantia da visita é de grande importância, pois muitas vezes é a família ou amigos que trazem vestuário, remédios, produtos de higiene pessoal, etc., para as apenadas. No entanto, durante a revista, muitas vezes denuncia-se o abuso por parte dos funcionários.

As penitenciárias alegam ser necessária uma revista rigorosa, pelo fato de muitas vezes os visitantes tentarem adentrar o presídio carregando objetos proibidos, como drogas e celulares. Todavia, esse motivo não pode se sobrepor ao tratamento respeitoso dos visitantes. A honra e dignidade do revistado deve ser preservada.

3.4. Visita íntima

A visita íntima é assegurada aos presos de ambos os sexos, porém, as detentas muitas vezes são discriminadas, chegando a ter suas visitas impedidas ou extremamente restritas. Esse fato reflete a dificuldade e desconforto histórico da sociedade em lidar com a sexualidade feminina.

3.5. Educação

A educação está relacionada não só ao desenvolvimento intelectual do apenado, como também da sua ressocialização. Muito ainda deve ser investido nesse setor, tido como a principal solução para a melhoria das condições de vida da pessoa, não só enquanto preso, mas principalmente, na sua preparação para servir à sociedade facilitando as oportunidades de emprego, quando em liberdade.

3.6. Exercício e recreação

O exercício e a recreação são meios de diminuir a tensão dentro dos estabelecimentos prisionais. Contudo, as oportunidades de lazer são escassas, as presas possuem pouca diversidade dessas atividades, o que resulta não só agravo de tensões entre elas, mas também entre as detentas e os próprios funcionários do presídio.

3.7. Luz, ventilação e higiene

As boas condições físicas do estabelecimento também são garantias das detentas. No entanto, em nosso país, é fácil observar a degradação na estruturação dos presídios. Quanto à higiene, as mulheres possuem um agravante em relação aos homens, a menstruação. Pela falta de absorventes, muitas têm que utilizar miolos de pão como tampão, por exemplo. Produtos de limpeza pessoal também são escassos, sendo a família e demais visitantes os principais responsáveis pelo seu fornecimento às detentas. Àquelas com situação financeira mais precária passam por maiores dificuldades nesse setor.

Conclusão

As dificuldades que particularizam o sistema penitenciário brasileiro têm a sua origem nos déficits estruturais que acompanham a história do Brasil.

Quanto ao encarceramento feminino, há uma histórica omissão do Estado, manifesta na carência de políticas públicas que lembrem que a mulher presa é uma detentora de direitos. As circunstâncias de confinamento destas requisitam do poder público um tratamento mais especializado, tendo o objetivo de garantir às presas o gozo dos direitos que lhe são garantidos pela normativa nacional e internacional.

Portanto, conclui-se que a estrutura do encarceramento feminino é falha, tendo em vista que foi construída voltada para ser usada por homens e, em sua grande maioria, não atende às necessidades singulares das mulheres, ou seja, não lembra que elas precisam de papel higiênico para duas idas ao banheiro em vez de uma, de exames pré-natais, de absorventes, por exemplo. A falta de atendimento aos itens essenciais elencados neste artigo constitui uma afronta ao princípio da individualização da pena, pois, na prática, o sistema punitivo desrespeita as particularidades do indivíduo.

 

Referências
BARRETO, Alex Muniz. Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. Lema/SP: CL EDIJUR, 2013.
CASTRO, Augusto Everton Dias; SOARES, Éricka Maria Cardoso. Dispositivos legais e as políticas voltadas à saúde da mulher em situação de prisão. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/23194/dispositivos-legais-e-as-politicas-voltadas-a-saude-da-mulher-em-situacao-de-prisao> Acesso em 24 de out. 2015.
FREITAS, Cláudia Regina Miranda de. O cárcere feminino: do surgimento às recentes modificações introduzidas pela lei de execução penal. Disponível em: <http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a187.pdf>. Acesso em: 24 de outubro de 2015.
QUEIROZ, Nana. Descubra como é a vida das mulheres nas penitenciárias brasileiras. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/07/descubra-como-e-vida-das-mulheres-nas-penitenciarias-brasileiras.html>. Acesso em: 25 de outubro de 2015.
SANTOS, Jahyra Helena P. dos; SANTOS, Ivanna Pequeno dos. Prisões: um aporte sobre a origem do encarceramento feminino no Brasil. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c76fe1d8e0846243>. Acesso em: 24 de outubro de 2015.
SOUSA, MARIA VANESSA DE CARVALHO. A realidade das mulheres presas no Brasil. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/30504/a-realidade-das-mulheres-presas-no-brasil> Acesso em 24 de out. de 2015.
WIRTH, Maria Fernanda Pinheiro. A mulher atrás das grades. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4977>. Acesso em: 24 de outubro de 2015.
 
Nota
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Paulo Esdras Marques Ramos, advogado e professor da Universidade Estadual da Paraíba e da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas.


Informações Sobre os Autores

Leiliane Dantas Lima

Acadêmica em Direito na Universidade Estadual da Paraíba

Amanda Carolina Petronilo da Silva

Acadêmica em Direito na Universidade Estadual da Paraíba


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