Estudo e análise da evolução histórica do direito de punir e a Execução das Penas no Brasil

Resumo: Neste estudo iremos observar a evolução histórica das leis em todo o mundo, em busca de melhor entendermos a realidade atual no âmbito do sistema penitenciário no Brasil. O arcabouço pátrio de leis, especialmente a carta Magna e a Lei de Execução Penal, traz consigo riquíssimas considerações que se de fato ocorressem acarretaria na diminuição de custos, problemas, desrespeito aos direitos humanos e caos nas prisões, porém, o que ocorre, infelizmente é uma imensa distância entre o que é e o que deveria (deve) ser.

Palavras-chaves: Evolução Histórica; Sistema prisional; Crise; Constituição Federal.

Abstract: In this study we are going to observe the historical evolution of law worldwide, seeking to understand the actual reality in the penitentiary area of Brazil. The parental framework laws, specially Federal Constitution and Criminal Law Enforcement, bring with them very rich considerations that if really occurred would result in decrease of problems, costs, disrespect to human rights and chaos inside the prisons. What happens, unfortunately, is a ruge distance between what it is and what it should be.

Keywords: Historical evolution; Prison system; Crisis; Constitution.

Sumário: Introdução. 1. Da evolução histórica do direito de punir. 1.1 Vingança Privada. 1.2. Vingança Divina. 1.3. Vingança Pública. 1.4. Direito Romano. 1.5. Direito Canônico. 1.6. Período Humanitário. 1.7. Período Científico. 2. Sistemas Penitenciários no Mundo. 2.1. Panóptico. 2.2. Pensilvânico. 2.3. Auburniano. 2.4. Progressista. 3. A Execução das Penas no Brasil. 4. Conclusão. 5. Referências.  

Introdução    

A Constituição Federal Brasileira e a Lei de Execução Penal são consideradas mundialmente como uma das leis mais avançadas, democráticas e atuais, porém, existe alguma falibilidade na Administração Pública e na organização do Estado que está tornando impossível seu cumprimento, e é este um dos pontos que buscaremos entender neste artigo.

Para tal, se torna imprescindível uma análise da evolução histórica que nos trouxe até o ponto atual, no qual a lei não funciona na realidade.

 

1. Da Evolução Histórica do Direito de Punir

Em breve estudo, veremos a evolução histórica da punição em âmbito mundial a fim de ampliar nosso entendimento e propiciar análise crítica sobre os progressos e regressos na formação de nossa estrutura legislativa.

Nos primórdios da humanidade, era necessária a cooperação entre os homens da mesma comunidade para fins de sobrevivência, o que gerava um vínculo tão forte que fazia com que a ofensa de um fosse a ofensa de todos. Quando a agressão era praticada por alguém da mesma tribo, este era expulso, ficando à mercê de qualquer outra fatalidade.

1.1. Vingança Privada

Os povos da antiguidade temiam acontecimentos da natureza para os quais não havia explicação, como por exemplo, chuvas, trovões e terremotos, sendo considerados como forma de punição do Divino. Das lições de Pierangelli (1980, p.4.v.5) extrai-se que:

“(…) para os integrantes dos primeiros grupos humanos, para que ocorresse punição considerava-se tudo aquilo que ultrapassa seu limitadíssimo conhecimento quase sempre como resultado de uma forma incipiente de observação, e que alterava sua vida normal, como fruto de influências malignas, sobrenaturais, emanadas de seres fantásticos, habitualmente antropométricos, dotados de poderes”.

Fora da crença no sobrenatural, neste tempo as punições era aplicada pela própria vítima ou sua família, além de serem proporcionais ao dano sofrido.

À este fenômeno dá-se o nome de Vingança Privada, costume que inspirou a criação da Lei de Talião, também  conhecida como “olho por olho, dente por dente”, mostrando os primeiros traços de instituições jurídicas penais, conforme aduz Lira, 1977, p.5.

Insta mencionar, de que o Talião constitui grande avanço na reparação da ordem e paz social, e também é uma fase conhecida como Vingança Limitada ou Talião Material. Conforme José Geraldo da Silva (SILVA, 1996, p. 36):

“Talião foi um antigo sistema de penas pelo qual o autor de um delito deveria sofrer castigo igual ao dano por ele causado”.

Em sequência surge a Composição, que constitui a possibilidade da compra da liberdade como forma de indenização ou pagamento de multa, adotada por diferentes legislações, como por exemplo, o Direito Germânico.

1.2. Vingança Divina

Com o passar do tempo a religião foi obtendo espaço e influência na vida dos povos antigos e nasce o Direito Penal Religioso, também conhecido como Vingança Divina, onde haveria de ser punida a ofensa praticada contra os deuses, a ser aplicada pelos sacerdotes por delegação divina, pois representantes de Deus na terra.

Neste período houve grande confusão entre comportamento social e doutrina religiosa, o que fez com que crescesse o preconceito de cunho religioso e moral, afinal, Deus confundia-se com o Direito, conforme aduz Noronha (NORONHA, 1999, p. 195):

“A vingança divina teve marco à influência da religião na vida dos povos antigos, pois deveria punir o crime, para a satisfação dos deuses pela ofensa praticada. É o Direito Penal Religioso, teocrático e sacerdotal, que tinha como objetivo a purificação da alma do criminoso, através do castigo para que pudesse alcançar a benesse divina.”

É sabido que este tipo de sanção foi adotada pelo Código de Manu, na Índia, como também pelo Código de Hamurabi no Egito, Assíria, Fenícia, Israel e Grécia.

1.3. Vingança Pública

O Estado foi sendo constituído de maneira organizada e estruturada, e como o objetivo era sua segurança, as penas continuavam sendo severas e cruéis. A este instituto, dá-se o nome de Vingança Pública. No entanto, ainda não se falava em direito penal, permanecendo a Vingança Privada e a Divina.

Logo houve a separação entre as duas formas de punição citados anteriormente, surgindo os crimes contra a segurança da cidade, a serem reprimidos pelo Estado, e os crimina parricidium, a serem punidos pelos ofendidos (NORONHA, 2003, p. 196).

Na Grécia, as penas e os crimes ainda inspiravam sentimento religioso. Tinha como criador e protetor do Universo, Júpiter, de onde provinha o poder e imposição de castigo.

Não obstante, os filósofos da época buscavam estudar as concepções de crime e pena, pois a culpabilidade deveria encontrar definição na área jurídica, ética e filosófica, isso para Aristóteles. Para Platão, pena é meio de defesa social e intimidação, especialmente à segurança do monarca. Ainda, nos ensina Badaró que (BADARÓ, 1973, p. 14):

“(…) pelo visto, a teoria da delegação divina expandiu o conceito de que pena é essencialmente vingança. Não a vingança privada, mas a vingança pública. Não a vinganã gerada pelo ódio, mas a vingança cristã, o zelo justitiae et amore dei. Ea a expiação teve um significado de experiência espiritual. Sendo a pena a dor que redime.”

Resta claro que o uso da força era do agrado dos povos germânicos e à crueldade a que nos referidos, podemos citar exemplos. Primeiro, a pessoa a ser punida era obrigada a ir em praça pública pedir perdão pelo crime cometido e lá mesmo algumas partes do corpo eram queimadas com chumbo ou óleo fervendo, então, seu corpo puxado por cavalos a fim de desmembrá-lo.

Os meados dos anos 1.700 d.C. foi uma época de grandes escândalos para a justiça tradicional, o que impulsionou inúmeros projetos de reforma da lei, dando-se ênfase à humanização e fazendo desaparecer o suplício (FOUCAULT, 2003, p. 12 e NORONHA, 1999, p. 198).

1.4. Direito Romano

É de suma importância mencionarmos esta fase, pois é considerada como a maior fonte originária de institutos jurídicos e contribui grandemente para o desenvolvimento do Direito Penal atual, pois havia grande preocupação do Direito Penal Romano atingir um caráter social e no dizer de NORONHA, 2003, p. 12:

 “(…) Distinguiram no crime, o propósito, o ímpeto, o erro, a culpa leve, a lata, o simples dolo e o dolus malus. Não esqueceram também o fim da correção da pena: constituir in emendatione hominum. (Digesto; Tít WLVIII, Paulo – xix, 20).”

O Direito Germânico era regido por normas baseadas nos costumes trazidos da Europa Ocidental, onde prevalecia a Vingança Privada. Para o autor BITTENCOURT, 2006, p. 46 “os povos germânicos também conheceram a vingança de sangue, que somente em etapas mais avançadas, com o fortalecimento do poder estatal foi sendo gradativamente substituída pela composição voluntária, depois obrigatória”.

1.5 Direito Canônico

Insta mencionar, que nesta época atuava com grande força o Direito Canônico ou Direito Penal da Igreja Católica Apostólica Romana, cujo objetivo principal era disciplinar os membros da igreja. Com o tempo as formas de punição que previam nos seus escritos se espalharam por toda a Europa, como por exemplo, a pena de prisão e reforma do delinquente. César Bittencourt, complementa nosso conhecimento com o seguinte texto, in verbis:

“O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias de reforma do delinquente. Precisamente do vocábulo “penitência”, de estreita vinculação com o Direito Canônico, surgiu a palavra ‘penitenciária’. Essa influência veio completar-se com o predomínio que os conceitos teológicos-morais tiveram, até o século XVIII no Direito Penal, já que se considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas”.

A igreja inclinou-se contra a pena de morte e implantou penas mais favoráveis ao apenado, moderadas e suaves. O objetivo superior era a retribuição do mal realizado voltada ao arrependimento do acusado. Existia nessas penas a responsabilidade subjetiva, de origem romanista, que considerava os homens iguais. Nesta toada, Mirabete nos ensina que: (MIRABETE, 2005, p. 38)

“(…) proclamou a igualdade entre os homens, assentou-se o aspecto subjetivo do crime e da responsabilidade penal e tentou-se banir as ordálias e os duelos judiciários, promoveu-se a mitigação das penas que passara a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do criminoso pelo arrependimento e purgação da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos da inquisição”.

1.6. Período Humanitário

Adentramos então ao Período Humanitário que conforme Noronha (NORONHA, 1999, p. 200)  trouxe em seu bojo a prévia de que somente as leis poderiam cominar as penas e somente o legislador poderia elaborá-las. Tal período foi marcado pelo estudioso Beccaria, que trouxe à luz as vantagens sociais dessa nova posição e também, por John Howard, que influenciou as formas de organização do sistema carcerário.

Isso ocorreu no século XVIII, onde estava ocorrendo a propagação das ideias iluministas e havendo a conscientização quanto à tortura e agressividade das penas. Então, ficou para trás os meios tradicionais de aplicação de penas e passou-se a ter piedade e respeito pela pessoa humana, por isso o nome de Humanitário.

Os principais representantes da ideias iluministas da época foram Voltaire, Montesquieu e Rousseau.

Montesquieu foi responsável pela obra O Espírito das Leis, onde propôs a divisão dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que teriam independência entre si, mas seriam de igual importância, sendo desta maneira, eficazes contra o poder absoluto.

Rousseau por sua vez, publicou na mesma época O Contrato Social, propondo um balanço entre a livre e voluntária formação do Estado pelos indivíduos e o direito de punir e criar as leis conferida ao Estado.

Outrossim, um dos principais defensores deste movimento foi Cesare Bonesana, também conhecido como o Marquês de Beccaria, que criou a obra Dos delitos e das penas, cujas ideias até hoje são recepcionadas pelo direito penal. Defendia que apesar do homem poder vir a ser privado de sua liberdade, à ele deveriam ser garantidos no mínimo os direitos fundamentais, pois a ninguém seria conferido o direito de matá-lo. Sustentou seus argumentos da seguinte forma:

“Contudo, qual a origem das penas, e em que se funda o direito de punir? Quais as punições que se deve aplicar aos diferentes crimes? A pena de morte será verdadeiramente útil, necessária, imprescindível para a segurança e a estabilidade social? Serão justos os tormentos e as torturas? Levarão ao fim proposto pelas leis? Quais são os meios mais apropriados para prevenir os delitos? As mesmas penas serão igualmente úteis em todas as épocas? Qual a influência que exercem sobre os costume? (BECCARIA, 1764, p.17).”

No século XIX, o corpo já não era mais alvo de punição direta, pois passou a entender-se que as punições públicas que serviam de verdadeiros espetáculos de crueldade e abominação, na verdade ultrapassavam a obscuridade dos próprios crimes e incentivavam a sociedade à continuar agindo de maneira violenta. O corpo agora assume papel de instrumento alvo de restrição ou privação de liberdade (FOUCAULT, 2003, p. 16 e 17).

1.7.  Período Científico

Neste período já estavam estabelecidas e fortes as ideias iluministas, gerando a necessidade de ter o direito penal como ciência e por conseguinte surgiram vários desdobramentos.

A primeira consequência deste movimento foi a Escola Clássica, cujos ensinamentos se deram por Beccaria e foram difundidos por Carmignani, Pesina, Kant e Carrara.

Tal época foi influenciada pelo pensamento positivista, que passou a analisar melhor o homem delinquente. Um dos principais pensadores da época, o médico César Lombroso, acerca deste fenômeno escreveu a obra intitulada L’Uomo Delinquente (O Homem Delinquente). Para Lombroso (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA, SLOKAR, 2006, p. 573):

“(…) o delinquente era um ser atávico, um europeu que não havia completado o seu desenvolvimento embriofetal (na época dizia-se que a ontogenia sintetizava a filogenia) e, portanto, consistia numa detenção do processo embriofetal que resulta em um ser semelhante ao selvagem colonizado: não tinha moral, parecia fisicamente com o indígena ou negro, possuía pouca sensibilidade à dor, era infantil, perverso etc.”

Nesta época também foi criada a Sociologia Criminal, por Henrique Ferri, segundo o qual as características antropológicas, sociais e físicas eram fatores que por si só justificavam os delitos. No mesmo sentido Rafael Garofalo, em sua obra Criminologia.

Ambos foram os principais precursores da Escola Positivista, conforme se nota pelo texto a seguir (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA, SLOKAR, 2006, p. 577 e 578):

“O terceiro representante do positivismo italiano foi Rafael Garofalo (1851-1934), o autor de Criminologia, sua principal obra que, por certo, não tratava do que hoje se entende por criminologia. Garofalo, ao contrário de Ferri – que era um político socialista e terminou como senador fascista – e de Lombroso –  um cientista descendente de judeus – foi um aristocrata, que exibia com orgulho seu título de barão, e chegou a ser procurador do reino, razão por que suas ideia estão bem mais próximas de Haeckel, o divulgador do monismo darwiniano, e tomo decididamente partido contra o socialismo, de um modo semelhante ao racista Le Bon. Garofalo não esconde seu autoritarismo, sua índole essencialmente antidemocrática nem a extremada frieza genocida de seu pensamento. Com ele fica evidente a tese da guerra ao delinquente e o positivismo italiano alcança o nível mais inferior de seu conteúdo pensante”.

É certo que a severidade penal foi se afrouxando com o decorrer dos anos, mesmo por que punições tão pesadas eram diretamente relacionadas à leis imprecisas e lacunosas.

2. Sistemas Penitenciários no Mundo

Trazemos à baila para melhor visualizarmos e entendermos o Sistema Penitenciário da atualidade, os sistemas que se desenvolveram ao longo dos tempos e ao redor do mundo, a partir de um divisor de águas que foi a Revolução Francesa.

Iremos citar cinco dos principais cárceres da época: o Panóptico, Pensilvânico, Auburniano, Norfolk e o Irlandês.

2.1 Panóptico

O inglês, filósofo e jurista Jeremy Bentham, em 1785, criou um modelo de penitenciária cuja estrutura física seria circular, como um anel. Cada cela deveria ter uma janela em direção ao exterior do edifício e os ocupantes deveriam ficar isolados uns dos outros. No centro deste círculo, em uma torre, haveria um vigilante com ampla e plena visão para todos os compartimentos, e por isso os prisioneiros adotariam um bom comportamento (pois não saberiam de onde viria a vigilância).

Por um lado, este modelo prisional era considerado mais barato em relação aos demais, pois demandava menor número de vigilantes. Porém, de outra mão, um dos mais caros pois exigia construções dispendiosas e vastas área de construção. Foucault nos ensina que (FOUCAULT, 1987, p. 77):

“Cada um em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia, mas os muros laterais impedem que entrem em contato com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de uma informação nunca sujeito de uma comunicação. A disposição de seu quarto em frente da torre central, lhe impõe uma visibilidade axial; mas as divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral. E esta é a garantia da ordem. Se os detentos são condenados, não perigo de complô, de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas”.

Este modelo estrutural favorecia a claridade e luminosidade solar que proporcionava visibilidade plena a partir da torre central. São raríssimas as penitenciárias no mundo que adotaram o modelo panóptico, uma delas está em Portugal no Pavilhão de Segurança do Hospital Miguel Bombarda, inaugurado em 1896.

Bentham deus as diretrizes de reforma penitenciária, não só arquitetônicas e organizacionais. Suas propostas de controle e vigilância foram muito difundidas pelo mundo, juntamente com Beccaria e Howard e especialmente dentro da visão emergente capitalista.

Houve então, a universalização da prisão correcional e privativa de liberdade, destacando-se o francês e o americano.

2.1.1 O Processo Reformador Francês

Iniciou-se com a Revolução Francesa em 1789 e com o movimento filantrópico, por Decazes (1819), primeiro reformista com projeto.

Nesta época foi criada a Sociedade Real das Prisões, considerada a primeira ciência das prisões, cujo objetivo era a classificação dos prisioneiros, condições materiais de detenção, disposições dos prédios, regimes disciplinar, trabalho, instrução religiosa e moral (DUPRAT, p. 10).

Nos Estados Unidos o movimento filantrópico teve influência na reforma prisional, porém, resta claro que  era mais com o controle e disciplina do que com a regeneração do apenado.

O fim da era filantrópica não significou um retrocesso às conquistas até ali, o caráter pedagógico e regenerativo da pena continuaram.

2.2 Pensilvânico

A reforma penitenciária não foi uniforme pelo mundo e passou por momentos singulares, além de alcançar o novo mundo ainda no século XVIII.

O Sistema Pensilvânico foi instituído em 1792 pelo fundador da Colônia da Pensilvânia (Estados Unidos da América), Guilherme Penn, à mando do rei inglês Carlos II e com o escopo de abrandar a rigorosidade da lei penal inglesa.

Um dos sistemas mais rígidos, tinha por princípio o isolamento absoluto ou Solitary Confinement e a leitura da bíblia. Nele se registrou alto índice de suicídio, pois o foco não era a punição ou prevenção de novo crime, mas o próprio trabalho da consciência do preso. Ressalta Foucault (FOUCAULT, 1987, p. 213) que:

“(…) não se pede a requalificação do criminoso ao exercício de uma lei comum, mas à relação do indivíduo com sua própria consciência e com aquilo que pode iluminá-lo de dentro”.

Constituiu uma das aberrações do século XIX, pois o confinamento total do ser humano em células é uma das piores espécies de tortura, pior que o castigo físico que levou muitos presos à loucura.

2.3 Auburniano

Não é de se surpreender que o sistema mencionado anteriormente não foi eficaz em prevenir o crime, e em 1816 a superlotação carcerária e a impunidade alcançava um índice de 60% dos presos, e então em 1826 em Auburn (Alabama, EUA) foi construída uma prisão que tinha por objetivo suprir as lacunas e imperfeições do regime anterior.

Neste sistema, os presos eram separados conforme o grau de recuperação e possibilidade de reinserção na sociedade. Os menos perigosos trabalhavam juntos durante o dia e ficavam reclusos durante a noite. Havia rigorosa jornada de trabalho em oficinas onde deveriam permanecer em silêncio, não havia lazer, tampouco à visitas.

Pela estrutura física em blocos de prédios ligados por corredores centrais, o Sistema Auburniano é um dos mais populares pelo mundo, porém, assim como o Pensilvânico o objetivo não era a reforma do delinquente, mas sim, seguranã, disciplina e obediência cega.

Insta mencionar que tanto no trabalho quanto cotidiano do sistema penitenciário americano, havia a influência da doutrina e ética protestante, especialmente calvinista.

2.4 Sistema Progressivo

Em 1840 na ilha de Norfolk (Virgínia, EUA), Alexander  Maconochie idealizou um sistema progressivo que dividia a pena inicialmente em três fases: a probatória, a de reclusão e a de trabalho, sendo que por mérito e bom comportamento, pouco a pouco o preso conquistava o benefício da liberdade condicional.

Este sistema foi levado para a Inglaterra e aperfeiçoado na Irlanda em 1853, por Walter Crofton, que introduziu uma nova fase antes da liberdade condicional, a fim de preparar o condenado para a vida em sociedade, tal fase foi denominada Prisão Intermediária e consistia no trabalho no campo, cuja conversa era permitida. Segundo Sá (SÁ, 1986, p. 97):

“(…) em tal sistema a duração da pena não era determinada exclusivamente pela sentença condenatória, mas dependia de boa conduta do preso, de seu trabalho produzido e da gravidade do delito. O condenado recebia marcas ou vales quando seu comportamento era positivo, e os perdia quando não se comportavam bem”.

Desta experiência resultou o regime progressivo de pena, também conhecido como sistema de marcas ou Mark System, criado pelo capitão Maconochie, na Austrália.

Outrossim, trata-se de sistema adotado pelo Brasil no Código Penal e na Lei de Execução Penal e observa-se que o Regime Irlandês foi o resultado da junção de vários sistemas que o precederam. Para compreendermos melhor a sua evolução e o seu funcionamento, extraímos das lições de Sá  (SÁ, 1986, p. 198) que:

“A primeira fase de isolamento absoluto em cela incomunicável por período variável, com única e pobre refeição tem raiz no regime da Filadélfia. A segunda fase com o trabalho diurno, coletivo, em silencia, com rigorosa vigilância, aliada ao isolamento noturno em cela individual, têm origem no regime auburniano. A terceira fase, inventada e incentivada por Walter Crofton, tinha as seguintes características; preparação à vida livre, que consistia em transferir o recluso para as prisões intermediárias como suave regime de vigilância sem uniforme com permissão para conversar, saídas dentro de determinado raio, trabalho externo no campo, objetivando o preparo do condenado para o retorno à vida na sociedade. Na quarta fase, com a possibilidade de viver em alguma casa comunidade livre, o preso recebia o benefício da liberdade condicional, como última etapa a ser cumprida, antes da liberdade definitiva.”

3. A Execução das Penas no Brasil

Assim como na história mundial, o Brasil passou por várias fases, do rigor absoluto ao Direito Penal Humanitário. Agora com a substituição das penas corporais e de morte pela prisão, surgiram diversas formas de penas e sistemas penitenciários modernos.

Apesar das sociedades primitivas que habitavam em nosso território antes de 1.500, sofrerem forte influência da cultura indígena e Direito Costumeiro na resolução de seus conflitos, tais hábitos não interferiram na construção na construção do Direito Penal Brasileiro (1500 a 1822).

O primeiro marco nesta área jurídica se deu por meio das Ordenações Afonsinas que atuou até 1512 e no Livro V versou sobre o Direito Penal e Processual Penal, onde as penas eram as mais cruéis possíveis. O objetivo principal da pena era a prevenção da fuga até o julgamento, além de obrigar o réu a pagar pena pecuniária.

Em seguida, por volta de 1514, surgiram as Ordenações Manuelinas que na prática não surtia efeito, pois na época quem comandava e ditava as regras eram os donatários, também, trouxe em seu bojo a possibilidade do cumprimento da detenção em lugares ou situações especiais, como por exemplo, a casa do apenado.

Já as Ordenações Filipinas foram implementadas no Brasil sob a administração direta do reino, entrando em vigor em 1603 a 1830. Esta nova lei elevou a quantidade de infrações pois as penas eram extremamente graves para os mais variados crimes. Marcou-se um período crueldade e terror.

Ao tratarmos de Políticas Públicas voltadas ao Direito Penal, é imprescindível mencionarmos a Carta Régia em 1769, que ensejou na construção da primeira prisão brasileira, a Casa de Correção do RJ.

Em 1822, quando o Príncipe D. Pedro resolve tornar-se o Imperador do Brasil, o ideal iluminista consegue algum sucesso. Um mês antes do Brasil conquistar a sua independência, o Imperador aboliu a tortura e certas penas cruéis e infamantes, determinando a adoção do princípio da responsabilidade pessoal, proibindo a transmissão da pena aos sucessores do condenado (TELLES, 1998, p.49).

Durante o período imperial (1822 a 1889) o Brasil continuou a ser regido pelas Ordenações Filipinas até que em 25 de março de 1824, foi outorgada a primeira Constituição do Brasil.

A primeira Constituição deu início a uma nova ordem jurídica, inclusive quanto ao Direito Criminal, pois incorporava importantes princípios: a lei penal não terá efeitos retroativos; todos são iguais perante a lei; nenhuma pena passará da pessoa do delinquente; e determinou a abolição das torturas, açoites, penas cruéis em geral, remanescendo ainda a pena de morte.

Nesse período, a prisão deixou de ser apenas um instrumento de castigo e de custódia para as futuras execuções. Passou a ser a mais usual forma de punição e de reforma moral dos presos. Em 1830, surge, sob influência da Escola Clássica, o Código Criminal do Império, nascido em bases de justiça e equidade, o qual incorporava os princípios da responsabilidade moral e do livre arbítrio, segundo o qual não há criminoso sem conhecimento do mal e sem a intenção de praticá-lo.

Tal Código teve como uma das principais características a eliminação das penas cruéis e infamantes, a diminuição das hipóteses de incidência das penas capitais, e por fim, a pena de prisão que passou a ser a sanção penal por excelência, em substituição à sanção corporal (DOTTI, 1998, p. 43 e 59).

Em 1890, houve a transição do Brasil-Império para a primeira República. Em razão da abolição da escravidão e das penas de galés, e com a proclamação da República, foi editado o novo estatuto básico, chamado de Código Penal, que foi alvo de várias críticas pelas falhas que apresentava, por ter sido elaborado com muita pressa. Neste foi abolida a pena de morte e instalado o regime prisional de caráter correcional (MIRABETE, 2003, p. 43).

É importante mencionar que o Código Penal já previa que presos com bom comportamento, após cumprirem parte da pena poderiam ser transferidos para presídios agrícolas, porém desde aquela época abrangia uma parte ínfima dos presos porque já eram poucos os presídios deste tipo no país.

O citado Código sofreu inúmeras modificações, até na Segunda República (1930 a 1937), quando foi promulgada nova constituição. Essa constituição traz novos preceitos, tais como: “a lei penal só retroagirá para beneficiar o réu”; “não será concedida a Estado estrangeiro a extradição por crime político ou de opinião, nem em caso de algum brasileiro”. Em face das discrepâncias do Código Penal de 1890 e a Constituição de 1934, foi proposta a edição de um novo Código.

A primeira tentativa de codificação das normas de Execução Penal foi em 1933 com o Código Penitenciário da República, feito por Cândido Mendes, Lemos Brito e Heitor Carrilho e continuou a ser discutido até o Código Penal de 1940. Essa tentativa foi publicada no Diário do Poder Legislativo, no Rio de Janeiro, edição de 25 de fevereiro de 1937.

Em virtude das inúmeras falhas existentes neste código, com o passar dos anos, inúmeras emendas foram acrescentadas, as quais foram reunidas na Consolidação das Leis Penais, oficializada no ano de 1932 pelo decreto nº 22.213, que vigorou até o ano de 1940. Marcelo Mazella de Almeida descreve de maneira ilustre em seu artigo que:

“No ano de 1.984 o Brasil passava por grandes mudanças políticas. Dentre essas mudanças, uma que chama a atenção do meio jurídico é a reforma do Código Penal Brasileiro e a edição da Lei de Execuções Penais”.

Com esse novo sistema jurídico, o Estado buscava uma resposta mais adequada à criminalidade que o país enfrentava, a qual buscava um alinhamento mais humanitário e ressocializador, em concordância com os novos rumos do Direito Penal no âmbito internacional.

Com a criação do cumprimento de penas privativas de liberdade de forma progressiva, o Estado permitiu que houvesse diferenciação no trato com os condenados, de modo que aqueles que demonstrassem vontade de recomeçar a vida dignamente fora dos presídios tivessem a oportunidade de reconquistar sua liberdade de modo gradual.

Entretanto, com o transcorrer do tempo, surgiram no Brasil as primeiras facções criminosas e os primeiros sequestros de grande repercussão, que levaram a população a questionar essa nova sistemática, exigindo novamente um endurecimento no trato com os custodiados pelo Estado, indo na contramão do anseio anterior liberalista. A essa altura, o país já vivia um regime democrático, pois a ditadura que oprimiu o cidadão por décadas já havia se retirado do poder.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1.988, viu-se que era o momento ideal para tratar a questão, até mesmo porque a crescente onda de crimes violentos no país começou a assustar todas as esferas da sociedade brasileira. Foi nesse momento, em 1.990, que foi editada a Lei dos Crimes Hediondos, que era a resposta que o Estado dava a essa situação, visando reprimir de forma contundente essas condutas delituosas.

Entretanto, após muitos anos da égide desse sistema, verificou-se que ele por si só não era capaz de reprimir a escalada da violência no país, que continuou a crescer desenfreadamente, ao passo que o fenômeno da reincidência se mostrou como um eficaz combustível para esse avanço da criminalidade.

Como decorrência prática dessa ineficiência, verificou-se que a superlotação do sistema prisional no Brasil persistia e havia se agravado, mesmo que de modo geral, a progressão de regime tivesse a pretensão de esvaziar o cárcere, provendo outros tipos de estabelecimentos prisionais para buscar a recuperação do condenado. Na prática, o que se viu foi que foram construídos pouquíssimos estabelecimentos para essa finalidade, o que impulsionou a ineficiência do sistema.

Desta feita, começaram a se agravar os questionamentos da constitucionalidade sobre a impossibilidade da progressão de regime para os condenados pela Lei de Crimes Hediondos, visto que este agravamento não fazia mais sentido, mesmo porque ele por si só não era capaz de garantir que o condenado tivesse mais chance de se recuperar, devido à insalubridade e degradação do ambiente carcerário, que somente lhe retirava o pouco de humanidade que lhe restara.

Como decorrência desses questionamentos, vimos a mudança da Lei de Crimes Hediondos, no intuito de atender mais essa tendência do meio jurídico brasileiro, que considerou danoso demais para o condenado restringi-lo ao regime integralmente fechado. Entretanto, essa mudança de orientação pouco mostrou em termos de resultados práticos para o combate à criminalidade.”

Diante do exposto, concluímos que os seres humanos dentro dos presídios vivem não uma punição e prevenção de novo crime, mas um verdadeiro inferno, rodeado de tudo o que mais deveriam ser afastados, ou seja, drogas, tráfico, armas, violência, telefones e corrupção. Sem falar no fato de que criminosos primários dividem o espaço com homicidas, estupradores, sequestradores e gente de toda ordem.

Outrossim, devemos lembrar que atuação das facções criminosas que permitem o comando da sociedade de dentro do cárcere, fato que demonstra claramente a precariedade e falência do sistema e das leis.

O ordenamento pátrio se torna cada vez mais desacreditadas pelo povo. A realidade é triste e chegamos a um ponto insustentável, onde o problema é bem mais profundo do que mera análise do cotidiano.

A questão começa quando ainda somos crianças e não há escola, tampouco educação. Não há oportunidades para o pobre, para o negro e outros que vivem à margem da sociedade.

Portanto, concluímos esta parte com o pesar de saber que para que a criminalidade diminua, a questão a ser resolvida é cultural e educacional. Quando o Governo se conscientizar de que os jovens de hoje construirão o futuro do país, naturalmente irão investir mais na educação, não somente a alfabetização, mas sim, a formação integral e sustentável do ser humano.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Anna Flávia Ribeiro Pinheiro

Graduada em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, com experiência na área de penal e processual penal pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul. Pós graduada em Direito Processual Penal pela Instituição de Ensino Damásio Educacional. Mestranda em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco. Atualmente, atua como Assessora Jurídica na Fundação de Apoio ao Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia de MS


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