O abuso da imunidade tributária

Resumo: Almeja-se discutir e delinear os arquétipos da norma de imunidade buscando traçar preceitos introdutórios sobre a configuração de um nítido abuso no exercício de tal direito, por certa parcela dos contribuintes, propondo uma reflexão sobre possíveis soluções.

Palavras-chave: Tributário. Imunidade. Definição. Interpretação. Abusos.

Sumário. 1. A conceituação da norma imunizante. 2. Os limites da interpretação e suas possíveis implicações. 2.1 Imunidade recíproca. 2.2 Imunidade religiosa. 2.3 Imunidade das Entidades. 2.4 Imunidade cultural. 3. Do abuso da imunidade tributária. 3.1 O abuso de direito na doutrina civilista. 3.2 Analogia com a interpretação teleológica da isenção de veículos para deficientes. 3.3 O abuso e seus desdobramentos na esfera tributária. 4. Considerações finais. Referências

I – A CONCEITUAÇÃO DA NORMA IMUNIZANTE

Antes da análise sobre o “Abuso da Imunidade”, mérito propriamente dito do presente artigo, é necessário tecer algumas considerações introdutórias à respeito dos possíveis conceitos e interpretações basilares da presente temática, dando suporte para melhor elucidação da questão posta à debate.

A doutrina majoritária conceitua a norma de imunidade como uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada.

Tal entendimento é baseado pela suposição que a situação no mundo fático não será tributada por força de uma lei proveniente da Constituição Federal, que exclui ou retira do campo de competência do ente a respetiva Hipótese de Incidência da norma tributante, o fato ‘X’ imune.

A lógica é melhor visualizada se olhada pelo viés cronológico, onde no momento (T1) – é fixado a competência tributária de certo ente; e no momento (T2) – surge a norma de imunidade, excluindo certa parcela da atribuição de exigir e cobrar tributos do mesmo.

Forte são as críticas da doutrina contrária sobre a conceituação da norma imunizante. Como exemplo pode-se citar o respeitável posicionamento do Prof. Paulo de Barros Carvalho no entender que a imunidade seria uma regra que colabora no desenho do quadro das competências, não excluindo nem a limitando, mas fixando de forma preventiva pela CF a competência para legislar.

Nessa linha de conceituação, não haveria o que se falar da imunidade como um “limitador da competência tributária”, tendo a norma imunizante um papel fundamental no alinhamento ou realinhamento da abrangência de competência dos entes.

Seguindo tal lógica, não haveria distinção de momentos de incidência da norma de competência da norma de imunidade, agindo consequentemente ambas de forma concomitante. Nesse sentido:

“As imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competências das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferant”e.

Paulo de Barros Carvalho critica a expressão “norma de não incidência constitucionalmente…”, fazendo uma reflexão no sentido de que é justamente por incidir que a mesma propaga seus efeitos jurídicos, qualificando assim pessoas e objetos, não podendo ser conceituada como uma norma de “não incidência”. Pensamento contrário comportaria que não haveria tido fato concreto apto a ocorrência de seus efeitos.

De forma sintética, assim conclui o referido autor sobre a conceituação do tema:

“Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.”

É interessante trazer a visão do prof. Roque Antônio Carrazza, que diferentemente da doutrina majoritária que classifica a norma de imunidade como uma regra de incidência, o mesmo define como uma norma de estrutura, sendo essa responsável pela criação, transformação do ordenamento jurídico, sempre visando o aperfeiçoamento da forma de processamento de suas disposições.

“Oportuno frisar que as imunidades – ao contrário das isenções – não tratam da fenomenologia da incidência, porquanto operam antes do momento. De fato, antecedem o próprio exercício, pelas pessoas políticas, das respectivas competências tributárias, até porque – como vimos – são normas de estrutura que ajudam a delinear as regras-matrizes das exações a que se referem.” (Roque A. Carrazza).

Muitos autores definem a imunidade como uma “norma de isenção constitucionalmente qualificada”.

Rogando a devida vênia, o presente artigo desenvolve a mesma linha de entendimento do Prof. Paulo de Barros, nesse sentido, a leitura de forma simplificada e não atenta ou sem aprofundamento no campo tributário, acaba por confundir conceitos-chave entre a distinção de normas imunizantes e normas de isenção.

Conceituando de forma sucinta, a isenção tributária é uma norma de origem ordinária que inutiliza um dos critérios da RMIT da norma tributante, fazendo com que a obrigação tributária não chegue a ocorrer no mundo concreto.

Explicando em miúdos, a norma de imunidade como já afirmado anteriormente atua de forma concomitante com a norma de competência, sendo tal momento totalmente diferente cronologicamente do momento de atuação da norma de isenção.

Antes de discutir se uma norma incide ou não incide e suas consequências práticas, é necessário se atentar ao campo da abrangência da competência tributária do respectivo ente, para saber se tal a conduta no mundo fático estará abarcada ou não, sendo esse o momento da norma de imunidade, agindo de forma antecedente à discussão da incidência.

Já a norma isentiva atua no campo da legislação ordinária, em momento posterior à norma imunizante, discutindo definitivamente a incidência ou não da norma tributante. Nesse sentido:

“O preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecedem na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo…” (Paulo de Barros Carvalho)

Para os fins desta pesquisa, pode-se definir a norma de imunidade como uma regra de estrutura proveniente do texto da Constituição Federal que impõe a incompetência dos entes federados para instituir e cobrar tributos sobre certas situações específicas.

A norma de imunidade não é uma cláusula pétrea, essas por sua vez fazem parte do conjunto das normas de conduta, regulando as interrelações jurídicas dos indivíduos e as relações de intersubjetividade desencadeadas, estabelecendo certos regramentos de conduta do comportamento no sentido de um fazer, não fazer ou dar.

A regra imunizante não estabelece um direito ou uma garantia fundamental, vez que não são dirigidas aos agentes como uma norma de conduta, mas sim ao próprio sistema, alinhando ou realinhando a abrangência de incidência da competência tributária.

Dentre as consequências da regra imunizante, pode-se citar a máxima efetividade de certos valores consagrados pelo texto constitucional como cláusulas pétreas, não podendo o intérprete confundir a natureza da norma com suas consequências.

II – OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES

Encontra-se assim previsto no CTN as modalidades que o legislador impôs uma intepretação literal:

“Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

 I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II – outorga de isenção;

III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”

A doutrina majoritária defende que o rol incluído no referido artigo é taxativo, devendo o intérprete analisar literalmente as causas ali versadas e por exclusão, para tal corrente, os casos ali não previstos são passíveis de interpretação extensiva.

Tal entendimento é seguido pelo Professor Roque Antônio Carrazza e também será adotado nesse trabalho para fins de construção do raciocínio lógico-jurídico no sentido de comportar a norma de imunidade interpretação teleológica.

Faz-se um parêntese a respeito das várias modalidades de interpretações possíveis e suas formas de classificação, como por exemplo, quanto ao intérprete podem ser assim divididas:

“Autêntica (feita pelo próprio legislador com as normas de estrutura e meramente interpretativas);

Doutrinária (doutrinadores com interpretações explicativas/descritivas sobre a fenomenologia do direito); e

Jurisprudencial (aplicação do direito por excelência com a resolução do caso concreto, feita pelos juízes e tribunais)”.

Já com relação à natureza, podem-se dividir em:

“Filológica ou Gramatical – leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico e as regras de sintaxe das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro valor. Também chamada de interpretação pura é a forma mais rasa de construção dos significados pelo intérprete, sujeita a vários equívocos e absurdos.

Histórica ou Sociológica – leva em consideração as circunstâncias políticas, sociais, econômicas e culturais presentes em determinado momento temporal da edição da norma. Confere-se importância ímpar à análise das exposições de motivos do projeto de lei, das discussões do parlamento e da sociedade, da evolução histórica do instituto disciplinado na norma. Assim se chega ao que o legislador pretendia dizer ao redigir o texto objeto de interpretação no determinado contexto histórico.

Sistemática – analisa a norma como parte de um sistema na qual está inserida, buscando a harmonia e unicidade que devem caracterizar o ordenamento jurídico, afastando antinomias (contradições). Deixa-se de olhar exclusivamente para o texto do dispositivo interpretado e se passa a analisa-lo em conjunto com todos os demais dispositivos da mesma norma e com todas as demais normas correlatas que integram o ordenamento jurídico, respeitando-se a hierarquia, para elucidar melhor o sentido.

Teleológica – busca conhecer o sentido da norma através do entendimento da finalidade de sua inserção no ordenamento jurídico. A norma vem ao mundo com determinado intento, determinado propósito. O intérprete deve possuir em mente os objetivos que presidiram a elaboração da norma, para atribuir-lhe o sentido que mais se coadune com tais desígnios, de forma a concretizar, no mundo dos fatos, a vontade abstrata da norma.”

Como cada ramo do direito tem escopos distintos, a interpretação teleológica vai variar de acordo com o ramo em que a norma se insere, no presente caso, âmbito tributário.

Dessa forma, através da interpretação teleológica é possível buscar a real intenção do legislador ao criar a norma. As normas de imunidade estão espalhadas pelo corpo da Constituição de forma geral, centralizando o presente estudo nas incluídas no art. 150, VI, da CF, que assim dispõe:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)”

Será abordado de forma específica e detalhada para melhor compreensão a interpretação teleológica das imunidades que estão no ponto central desse trabalho nos tópicos seguintes.

II.I – IMUNIDADE RECÍPROCA

O art. 150, VI, a, da CF, afirma expressamente que é vedado a todos os entes cobrar impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros.

Como afirmado expressamente no texto constitucional, tal imunidade só é referente à impostos, não impedindo que um ente venha cobrar outra espécie tributária (taxa, contribuição…) de outro.

A própria Constituição tratou de estender a referida imunidade às fundações e autarquias instituídas e mantidas pelos Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.[1]

Caso a utilização do bem tenha finalidade diversa da essencial, as fundações/autarquias perdem a imunidade no tocante àquele bem, sendo o mesmo passível de tributação.

Os entes públicos não possuem tais restrições no tocante à finalidade essencial, não perdendo jamais a imunidade.

Olhando a jurisprudência do STF, que sempre interpretou a norma de imunidade de forma bastante ampliativa, possui julgados no sentido de conceder a vedação de impostos extensíveis as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos quando tratar-se de prestação obrigatória e exclusiva do Estado[2], nesse sentido pode-se citar o Correios, INFRAERO.

Apesar de existir disposição expressa pela Constituição no sentido de excluir do benefício a imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas aplicáveis para empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário[3], o STF por uma interpretação mais abrangente entende ser cabível o gozo da regra imunitória por tais pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública Indireta.

No julgado estendendo às sociedades de economia mista que atendam os mesmos requisitos da empresa pública, levou-se em conta que se a participação privada for considerada ínfima, a imunidade não restará prejudicada, uma vez que o controle é exercido de forma majoritária pelo Estado[4].

Importante ressaltar que o STF entendia que quando um imóvel pertencente a ente imune (seja ente político ou alguma outra entidade – quando destinado às suas finalidades essenciais) era alugado a pessoa privada, o município não poderia cobrar IPTU, uma vez que o contribuinte de direito era imune.

Porém, revendo sua jurisprudência o Pretório Excelso, recentemente (06/04/2017), mudou de entendimento em sede de Repercussão Geral[5] se posicionando pela possível cobrança de IPTU de empresa privada que ocupe imóvel público, por pessoa imune.

Tal posicionamento pode ter sido estimulado por uma nova tendência de interpretação não tão extensivas no tocante as normas imunizantes.

Essa nova corrente interpretativa pode ter sido respaldada pela parte final do art. 150, §3º da CF, afirmando que a regra imunizante não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A restrição impede que a celebração de tal compromisso entre particulares e entes imunes sirva, tão somente, como mecanismos para se fugir à tributação.

II.II – IMUNIDADE RELIGIOSA

O legislador constituinte originário visando não criar embaraços para liberdade de crença e na tentativa de assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção dos locais de suas liturgias[6], valores protegidos e consagrados como cláusulas pétreas, tratou logo de estabelecer uma norma de imunidade visando realinhar a competência para não obstaculizar o funcionamento das entidades religiosas.

Pela inteligência do preceito constitucional do Estado Laico, a imunidade dos templos de qualquer culto no tocante aos impostos visa a máxima efetividade de direitos e garantias fundamentais, para permanência e perpetuidade dos cultos e suas liturgias religiosas, fazendo com que a incompetência estimule a plena pluralidade de crenças e seu livro exercício.

A interpretação do arquétipo constitucional “templo” é entendida pela maioria da doutrina e pelo próprio STF como todas as atividades inerentes à entidade religiosa, não ficando limitada ao mero conceito estrutural de “prédio” que comportaria apenas os impostos incidentes sobre a propriedade (IPTU e ITR).

Tal interpretação mais abrangente do conceito de templo é amparada no art. 150, §4º da CF, afirmando que a vedação compreende o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais da entidade. Nesse sentido é a jurisprudência do STF:

“Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, da CF deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” O §4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo da alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da CF. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas” (STF, Tribunal Pleno, Re 325.822/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/12/2002, DJ 14.05.2004, p. 33).

Assim, por uma interpretação extensiva, entende-se que mesmo que uma receita seja decorrente de uma atividade particular lucrativas, mas reinvestida na atividade essencial da entidade, está acobertada pela norma imunizante.

II.III – IMUNIDADE DAS ENTIDADES

Essa imunidade compreende as seguintes entidades: partidos políticos e suas fundações, sindicato dos trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos.

A Constituição Federal afirma em seu artigo 1º, inciso V, os fundamentos da República, assim consagrando o pluralismo político.

Nesse caso, a razão da existência da norma imunizante consiste no incentivo da diversidade de partidos políticos e suas fundações, não sendo usado o tributo como uma ferramenta dos poderosos partidos que estão no Poder visando excluir os pequenos da possibilidade de integrar o círculo político por ausência de recursos financeiros.

Com relação aos sindicatos dos trabalhadores, o art. 8º da Magna Carta assegura que é livre a associação profissional ou sindical. O legislador almejou com que a incompetência efetivasse a proteção da parcela menos favorecida financeiramente da relação empregatícia, os trabalhadores, visando garantir um mínimo de patrimônio, renda e serviços para que os mesmos desempenhem suas funções com louvor na luta por melhores condições para sua classe, na capacitação profissional, na fiscalização dos direitos, dentre tantos outros.

Quanto as entidades educacionais e assistenciais, o legislador almejou conferir norma imunizante pela simples lógica que tais personas são filantrópicas, sem fins lucrativos, porém condicionou o gozo da imunidade ao preenchimento de certos requisitos dispostos em lei.

Nesse sentido é interessante trazer a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho[7]:

“Se as instituições particulares atuassem gratuitamente, a fundo perdido, logo se estiolariam em quantidade e qualidade. A filantropia é cara, e a caridade, pouca.”

A norma de imunidade surge justamente visando a incompetência para trazer a máxima eficácia da persecução dos objetivos pelas atividades essenciais de tais entidades, diminuindo os embaraços.

Tal imunidade passou a ser classificada como uma norma de eficácia limitada, sendo a Lei Complementar responsável pela regulação, nos termos do art. 146, II, da CF. Nesse sentido:

“Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoes, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar” (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 1.802/DF, Rel. Min Sepúlveda Pertence, j. 27.08.1998, DJ 13.02.2004, p. 10).

Tais requisitos estão elencados no art. 14 do CTN, recepcionado com status de Lei Complementar desde a CF/1967, assim dispondo:

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no §1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”

Como muito bem mencionado no artigo colacionado, o descumprimento de qualquer requisito implica a suspensão da norma imunidade.

Importante ressaltar que o intuito unicamente lucrativo não se confunde com atividades econômicas que lhe tragam subsistência, assim, toda entidade que vise crescimento deve se esforçar para conseguir receitas que superem suas despesas, sendo elas empregadas ou reinvestidas com a exploração patrimonial em sua atividade essencial.

Nesse sentido é o entendimento do STF:

“Súmula 724. Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”

Nos tributos tidos por indiretos, com a presença dos contribuintes de direito e de fato, o benefício da imunidade não é extensível ao contribuinte de fato mesmo que esse seja ente imune, uma vez que não faz parte da relação jurídica tributária, inteligência do art. 166 do CTN.[8]

II.IV – IMUNIDADE CULTURAL

O art. 150, VI, d, da CF/88 afirma que é vedado aos entes federados instituir e cobrar impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Através da interpretação teleológica acha-se a intenção do legislador ao criar a mesma, visando a incompetência, maximizando o barateamento do acesso à cultura, o aprimoramento intelectual, livre manifestação do pensamento, acesso de comunicação e liberdade intelectual, artística, científica, todos esses direitos e garantias fundamentais elencados no rol do art. 5º da CF.[9]

No entender do STF, a principal consequência da imunidade em discussão é baratear o acesso à cultura, não sendo relevante para efeito de reconhecimento a qualidade cultural da publicação, interpretando de forma extensiva o conceito para atender a intenção do legislador.

Em julgado recente, 08/03/2017, levando em conta a disposição dos motivos na origem da lei (acesso à cultura, barateamento da instrução técnica-profissional e amplo acesso à informação, o STF sedimentou seu posicionamento entendendo que a incompetência também abarcaria os livros digitais (e-books, kindle, e-reader) em votação unânime, decidindo que os livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura são alcançados pela consequência da regra imunizante realinhando a competência.

O acesso à cultura, barateamento do aperfeiçoamento profissional e amplo acesso à informação, os e-books, ou qualquer meio digital que seja repassar informação nesses termos, estaria abarcado pelos efeitos da norma imunizante, como por exemplo o kindle, o e-reader, pela mesma lógica que o jornal mesmo contendo propaganda não desnatura sua função principal, os meios digitais também não devem ser desnaturados por qualquer outro intuito lhe atrelado, sem perder a função informativa.[10]

III – DO ABUSO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

III.I – A DEFINIÇÃO DO ABUSO DE DIREITO NA DOUTRINA CIVILISTA

Preceitua o Código Civil de 2002 no Título III que dispõe sobre os atos ilícitos, especificamente que:

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Infere-se do texto legal que o abuso de direito é um ato voluntário, comissivo ou omissivo, negligente ou imprudente, que viola direitos e causa prejuízo a terceiros, equiparado a um verdadeiro ato ilícito.

O excesso é caracterizado por um exercício aparentemente regular, mas que desrespeita a finalidade do direito (pacificação social e cumprimento da função social do Estado). No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento os quais contêm seus valores fundamentais.

O fundamento encontra-se em preceitos éticos e morais que o direito não pode desconhecer, nesse sentido Venosa conceitua:

“Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do razoavelmente o direito e a Sociedade permite. O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nessa situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade.”[11]

A abuso de direito não foi incorporado expressamente no âmbito tributário, podendo assim a lei tributária alterar, inclusive, sua definição, nos termos do art. 110 do CTN.

Mesmo na ausência de legislação dando suporte, forte é a doutrina que se forma no sentido favorável a tal aplicação, sendo encabeçada pela Receita Federal do Brasil, no sentido de que o magistrado deve julgar a causa com base na analogia, nos princípios gerais do direito tributário, nos princípios gerais do direito público, na equidade, sendo o abuso de direito um princípio basilar no ordenamento jurídico.

Assim, mesmo sem disposição expressa, essa pesquisa segue a corrente de possibilidade de aplicação no âmbito das imunidades tributárias caso o contribuinte se utilize de determinado instituto do direito de maneira que, no âmbito do próprio direito, seja desproporcional, excessiva em relação as características daquele mesmo instituto, fazendo com que a imunidade funcione unicamente como um mecanismo para fugir da tributação e visando o enriquecimento.

III. II – ANALOGIA COM A INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA ISENÇÃO DE VEÍCULOS PARA DEFICIENTES

O legislador ordinário estabeleceu isenções no tocante à impostos para pessoas portadoras de necessidades especiais na compra de veículos para facilitar sua locomoção.

Os consumidores portadores de necessidades estarão isentos de IPI, ICMS, IPVA, desde que sua deficiência esteja entre as estabelecidas no rol taxativo e cumprido os requisitos da Instrução Normativa 988 da Receita Federal, Convênio 38 ICMS e Lei nº 8.989/95.

A aquisição do veículo facilita a vida e a locomoção nas atividades diárias para o médico, exames, clínicas de tratamento, evitando o deslocamento manual pelas ruas e calçadas com péssimas qualidades.

Para a utilização da isenção, é necessário o preenchimento de certos requisitos, como por exemplo: i) confirmação da deficiência por laudo técnico especializado do Detran; ii) cadastro como contribuinte especial no site da Receita Federal; iii) concessão da isenção pela Secretaria da Fazenda; iv) escolher o carro, desde que seja 0 km e abaixo do valor de R$70.000,00 (setenta mil reais).

Como se pode inferir, a intenção do legislador é conferir um tratamento isonômico para as pessoas que se encontram em situações distintas, na medida de suas desigualdades.

Tendo em vista que uma pessoa com necessidades especiais, precisa em muitos casos arcar com tratamentos e exames, diminuindo sua capacidade contributiva em relação a outro indivíduo sem tais necessidades, percebe-se que o tratamento de isenção é uma configuração da justiça tributária, capacidade contributiva e isonomia tributária.

Dado interessante que merece uma atenção especial nesse trabalho reside no fato que mesmo portador da isenção, o legislador ordinário teve o cuidado que delimitar um certo patamar de valores para os veículos que serão isentos de impostos.

Tal atenção é digna de aplausos, uma vez que a benesse fiscal não deve ser utilizada como um instrumento para fugir da tributação de forma absoluta. O patamar de até R$70.000,00 (setenta mil reais) é considerado um veículo de porte médio de luxo, sendo suficiente no quesito conforto e espaço em comparação com os veículos mais simples do mercado, atendendo de forma essencial as necessidades dos portadores especiais.

O legislador teve o cuidado de evitar certos excessos e abusos do direito da isenção na compra de veículos considerados de luxo, uma vez que a real intenção não é conceder uma absoluta inexigência de impostos sobre veículos, mas um desconto que atenda aos anseios na medida de suas necessidades locomotoras e conforto básico, fator que um veículo de tal patamar atende perfeitamente.

III.III – O ABUSO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA ESFERA TRIBUTÁRIA

O presente artigo se baseia na crítica de um sistema falho e impreciso terminologicamente que acaba por gerar certo excesso na utilização da imunidade, configurando-se num verdadeiro abuso que faz parcela da população gerar sentimentos negativos sobre o instituto constitucional, requerendo o seu fim imediato.

A razão que alimenta esse sentimento de revolta se baseia nas cotidianas notícias de partidos políticos que apresentam “invejosos” conjuntos patrimoniais de bens; entidades religiosas que apresentam artigos do mais soberbo luxo e conforto (veículos de última geração, helicópteros, jatinhos e até mesmo iates) que o dinheiro pode comprar, registrados em seu nome sob a justificativa que é para o cumprimento de suas funções essenciais; entidades assistenciais que possui registrado em seu domínio verdadeiras “mansões”; sindicatos dos trabalhadores esbanjando vultosas receitas e diretores recebendo altos salários, dentre outros absurdos que não condizem cos preceitos visados pelo legislador constitucional decorrentes da norma imunizante.

Tais abusos são mais facilmente identificáveis nesse momento de crise política, econômica e social que o País vive, onde tal sistema tende a favorecer a desigualdade social, tornando o Brasil um país ainda mais injusto, desigual e marginalizado.

Preceitos esses que a República estipulou como Princípios Fundamentais e Objetivos Fundamentais que os entes federados lutariam para reduzir ou acabar, visando uma sociedade mais digna, livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e estimulando a livre iniciativa, ideais que estimulam a reflexão e demonstram a ineficácia do direito no plano social e jurídico.

Sem adentrar no mérito da (i)licitude na obtenção desses bens ou no ingressos de tais receitas financeiras, o que se discute no presente trabalho é o conjunto formado pelo patrimônio, renda e serviços que representam signos presuntivos de capacidade de riqueza diferenciada em relação às demais da mesma espécie, não mais devendo comportar a interpretação absoluta da imunidade, uma vez que na aquisição de certos bens materiais se põe a prova a questão da necessariedade da obtenção dos mesmos para o cumprimento de suas funções essenciais, necessitando da regulação de um patamar de valores para certas aquisições não se tornarem abusivas, restando a partir daí a incidência de tributação.

Um exemplo para fins didáticos da proposta desse artigo seria o seguinte caso, uma entidade religiosa necessita de um veículo para transportar os seus membros durante eventos, compra de mantimentos para mesma, transporte para outros anexos de sua propriedade, etc.

Percebe-se que no caso apresentado, a mesma necessita de um veículo que atenda tais fins para que continue exercendo sua atividade com louvor. No mercado de veículos, existe várias marcas, com diversos modelos e motores, diversas capacidades de carga.

No modelo atual, pela interpretação do STF quanto a extensão da imunidade, a entidade poderia adquirir tanto modelo(s) básico(s) ou intermediário(s) que atenda os fins de transporte e/ou cargas, quanto poderia adquirir um Rolls Royce Ghost Serie II motor V.12 Biturbo 6.6, veículo importado inglês, com valor a partir de R$2,9 milhões (valor com tributos inclusos) no mercado brasileiro sem nenhuma tributação, sob a justificativa de cumprir suas finalidade essenciais.

A presente discussão almeja refletir o conceito de necessidade de certas aquisições sob a justificativa de cumprimento de suas funções essenciais. Não se discute se o bem será ou não revertido essencialmente para sua função essencial, uma vez que tal fator é um requisito objetivo para permanência do gozo.

O que se discute é a o patamar de certos bens adquiridos para cumprir sua finalidade essencial sob o escudo da imunidade, configurando-se um nítido excesso pela conduta abusiva no manejo da consequência da incompetência.

Os mais românticos diriam que tais “problemas” não seriam culpa do direito, mas sim da sociologia do direito, filosofia do direito, uma vez que o direito é uma ciência do Dever-Ser, ficando para outro plano a eficácia do direito.

O direito como um regramento de condutas que visam a pacificação social deve distinguir e estabelecer certos parâmetros de valores para entidades que precisam do auxílio do Estado na consecução de seus objetivos das demais que já conseguem se auto sustentarem.

A imunidade nessa nova perspectiva deve ser vista analogicamente como no modelo do Simples-Nacional, visando um regramento mais favorável e beneficiador para as entidades, assim como para as micro empresas e as de pequeno porte, estimulando as pequenas a se tornarem grandes e atingirem certo patamar diferenciador em relação as demais por questões de capacidade contributiva, isonomia e justiça tributária, sendo totalmente passíveis de tributação.

A norma de imunidade como já definida no tópico sobre a conceituação, não é uma cláusula pétrea, não cria barreiras ou obstáculos no sentido de impedir a atividade legislativa de alinhar ou realinhar a competência tributária, vez que são normas de estrutura que visam o melhoramento do próprio sistema.

Não podendo assim o intérprete confundir a natureza da norma imunizante com os efeitos jurídicos dela decorrentes, trazendo a máxima efetividade de certos valores consagrados pelo texto constitucional como cláusulas pétreas.

A linha tênue que separa o exercício legal do direito do abuso se esvairia, uma vez que seria excluído tal interpretação do alcance da incompetência tributária, tornando o preceito muito mais condizente com os reais interesses do legislador originário constituinte, deixando o ordenamento muito mais harmônico.

Essa pesquisa não almeja excluir as imunidades tributárias, mas sim, aprimorá-las, extraindo a máxima efetividade de seus efeitos jurídicos, a real intenção do legislador adaptada e atualizada para o contexto histórico então vigente.

Com a devida vênia, a doutrina majoritária e a própria jurisprudência do STF interpretam a norma imunitória de forma ampla, geral e irrestrita, não atentando para o plano prático de seus efeitos jurídicos, configurando verdadeiros abusos por parte dos contribuintes que se apoiam no escudo da incompetência visando outros interesses que não os meramente essenciais da entidade.

Sob o viés do legislador, a norma imunizante confere eficácia e efetividade de certos valores constitucionais fundamentais, consagrando pela decorrência de seus efeitos a existência de um conjunto mínimo existencial para permanência das referidas entidades.

Os excessos causados pela “má intepretação” ou absoluta extensão do preceito não condizem com sua natureza, nem foram almejados pelo constituinte, sendo obra interpretativa ardilosa para se evitar unicamente a tributação, escorando-se na personificação da entidade para o gozo de “privilégios fiscais” abusivos.

A intenção do legislador em não prejudicar o culto/liturgia, não significa uma total abstinência do poder de tributar de forma absoluta, ampla e irrestrita em todas as hipóteses, mas sim a de garantir que certos patamares para o cumprimento de suas funções essenciais estejam imunes, garantindo um mínimo de patrimônio, renda e serviços para consecução de seus objetivos, não podendo o mesmo interferir nesse jaez.

Não se pode esquecer que o legislador constituinte ao criar os impostos estabeleceu que o mesmo incidisse sobre manifestações de riqueza, bases econômicas para quantificar, confirmar e infirmar o critério material da RMIT.

Assim, preservar-se-ia o mínimo de conjunto patrimonial para consecução de seus objetivos institucionais. Nas manifestações de riqueza de valores vultosos, é mais que necessário haver tributação, é condição isonômica diferencial entre as demais da mesma espécie, por uma questão de demonstração de capacidade contributiva digna e suficientemente condizente com suas capacidades financeiras.

Esse estudo, visa uma discussão embrionária de uma possível proposta de Emenda Constitucional dispondo sobre uma regulamentação, por lei complementar, que limite o poder de tributar nos termos do art. 146, II, da CF, estabelecendo patamares de valores e faixas de imunidades pelo Poder Legislativo, tornando muito mais eficaz e eficiente os preceitos constitucionais consagrados.

Caso uma entidade religiosa, assistencial ou política, que não visam unicamente o lucro, se tornarem além de autossustentáveis e autossuficientes, crescerem ao ponto de virarem verdadeiras “potências” com invejável poder econômico e conjunto patrimonial de bens, seria razoável refletir que possuam capacidade contributiva suficiente para suportar o ônus tributário.

Como se sabe imposto não é uma punição pela inteligência do art. 3º do CTN, visando custear as atividades essenciais do Estado na consecução do cumprimento do seu dever social.

Sendo estipulado na própria Constituição Federal em seu art. 1º, IV, que a República Federativa do Brasil terá como Fundamento a “livre iniciativa”, a imunidade serve para estimular que as entidades desenvolvam atividades econômicas para se sustentarem sozinhas, devendo toda instituição que vise crescimento se esforçar para conseguir receitas que superem suas despesas para chegarem num patamar de não mais necessitarem, podendo adquirir bens acima dos patamares imunes devido sua esplêndida capacidade contributiva, arcando com a devida tributação.

A discussão sobre uma possível Emenda Constitucional deve ser pautada visando a estipulação dos patamares da imunidade para o patrimônio, as rendas e os serviços considerados essenciais, evitando os excessos e abusos por parte desse direito utilizado de forma indevida, causado pela tamanha extensão da interpretação da norma de imunidade.

Como já se afirmou, os valores consagrados como cláusulas pétreas, esses jamais poderão ser reduzidos, persistindo no texto constitucional, não sendo esse o caso das normas de imunidade, que trazem maior efetividade e eficácia a tais disposições, sendo passíveis de alteração para melhor materializá-las no plano prático.

Apenas para reforçar o pensamento, a interpretação ampla e irrestrita da norma imunizante leva à dolosa conduta do abuso de direito, não fazendo parte da abrangência da interpretação teleológica visada pelo legislador ordinário constitucional.

Mesmo para os que consideram a imunidade uma cláusula pétrea, não se estaria reduzindo, uma vez que tal interpretação nunca fez parte da intenção da norma imunizante, sendo uma alteração para trazer a máxima efetividade do preceito constitucional, interpretando-a conforme os valores fundamentais assegurados pela Constituição.

A imunidade não pode ser utilizada como um artifício ardiloso com intuito de evitar a tributação na forma de um escudo protetor contra qualquer abuso ou excesso por parte do contribuinte, utilizando as instituições e entidades como muralhas para seus interesses escusos.

O contexto histórico, social e político que o País vive com a perda de credibilidade das instituições, a corrupção em massa, os desvios de finalidade, pregam por uma nova evolução do direito para atentar contra tais fatos que corroboram para corrosão dos princípios basilares.

O direito como um ordenamento dinâmico e atento as evoluções sociais, precisa jurisdicizar os novos valores em prol de uma sociedade livre, justa e solidária, evitando verdadeiros abusos por parte das entidades imunes.

Nessa discussão inicial sobre uma possível proposta de Emenda à Constituição, o intuito da norma imunizantes seria o de garantir um mínimo de conjunto patrimonial e de receitas para consecução de seus objetivos essenciais.

A essencialidade do objetivo deve ser analisada sobre o viés da necessidade e ainda assim visando o a instrumentalização do meio adequado para operacionalização de seus objetivos.

Nessa nova visão, as instituições e entidades serão incentivadas a crescer, progredirem com seus próprios passos e conforme esse processo de evolução, chegar a patamares que não precisarão mais do suporte do Estado, virando autossuficientes, sendo capazes de perseguirem seus objetivos de forma independente e disporem sobre a compra de bens acima dos valores imunes como bem entender com a devida tributação ressaltando suas qualidades de elevada capacidade contributiva, isonomia em relação às demais e justiça tributária.

Diante das razões expostas, a imunidade tornaria o ente incompetente para tributar no tocante a impostos:

“I) A propriedade, os bens e os serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado;

II) Desde que não beneficie atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a obtenção de lucros (que se diferencia da atividade econômica desenvolvida em proveito do reinvestimento na própria entidade);

III)  Não devendo ter como efeito colateral a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica ilícita;

IV) Desde que atendidos os patamares econômicos para estipulação da faixa de imunidade no atendimento das necessidades de suas finalidades essenciais dispostas em Lei Complementar.”

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou realizar uma análise prática no plano da eficácia do direito quanto as consequências trazidas pela interpretação ampla, geral e irrestrita das imunidades tributárias de forma absoluta, acabando por gerar condutas abusivas originárias de uma interpretação excessiva da busca pela real intenção do legislador originário constituinte.

A abusividade encontra-se configurada nas condutas ardilosas que se escoram na personificação da própria entidade para o gozo de “privilégios fiscais”, se utilizando indevidamente da norma imunizante como um verdadeiro escudo para evitar a tributação visando interesses escusos que os meramente declarados como necessários para o cumprimento das finalidades essenciais da mesma.

Como procurou se demonstrar, tal raciocínio não encontra guarida em nosso ordenamento, configurando-se nítido abuso de direito. Tendo em vista a posição aqui adotada no sentido de possuir a norma imunizante (norma de estrutura) natureza distinta da consagrada como cláusula pétrea (norma de conduta), é perfeitamente possível sua alteração visando o estabelecimento de patamares econômicos ou faixas de imunidade para certos conjuntos patrimoniais.

Mesmo para os que consideram a imunidade uma cláusula pétrea, não se estaria reduzindo, uma vez que tal interpretação nunca fez parte da intenção da norma imunizante, sendo uma alteração para trazer a máxima efetividade do preceito constitucional, interpretando-a conforme os valores fundamentais assegurados pela Constituição.

Diante de todo o exposto, conclui-se esse estudo embrionário para formação crítica de uma nova proposta de Emenda Constitucional, visando o aperfeiçoamento da norma imunizante, com a estipulação de patamares/faixas econômicos imunes regulados por Lei Complementar, signos presuntivos de riqueza condizentes com a capacidade contributiva das referidas instituições, tornando muito mais eficaz e eficiente os efeitos jurídicos dela decorrentes, consagrando ainda mais os valores almejados pelo legislador adequando e atualizando-os ao novo contexto histórico social vigente.

 

Referências
Alexandre, Ricardo, Direito Tributário esquematizado, 9ª ed., rev., atual., e ampl., Rio de janeiro, Forense, São Paulo, MÉTODO, 2015.
Alexandrino, Marcelo, Direito Tributário na Constituição e no STF – 17ª ed., rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, MÉTODO, 2014.
Carrazza, Roque Antônio, ICMs, 17ª Ed, ver. Ampl., São Paulo, Malheiros, 2015.
Carvalho, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 25ª Ed. – São Paulo, Saraiva, 2013.
Coêlho, Sacha Calmon Navarro, O controle de constitucionalidade das leis e o poder de tributar na CF/1988, 4º edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Foresen, 2016
FERREIRA, Walace. Abuso de direito – teoria e realidade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3825, 21 dez. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26208>. Acesso em: 21 maio 2017.
JC Online, Carro mais barato para portadores de deficiência é benefício ainda pouco conhecido, acessado em 21/05/2017, disponível em: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/veiculos/noticia/2016/07/10/carro-mais-barato-para-portadores-de-deficiencia-e-beneficio-ainda-pouco-conhecido-243610.php>
 
Notas
[1] Art. 150, §2º da CF.

[2] RE 407.099/RS, AC 1.550-2.

[3] Art. 150, §3º da CF – tal raciocínio é amparado pela lógica que a imunidade tributária recíproca não pode servir como mecanismo de concorrência desleal dos entes estatais com as pessoas jurídicas de direito privado. A imunidade nesse caso, só é extensível para as atividades de competência obrigatória e exclusiva do Estado, daí não haver conflito de normas.

[4] RE 253.472/SP.

[5] RE 594.015 e RE 601.720.

[6] Art. 5º, VI, da CF.

[7] Coêlho, Sacha Calmon Navarro, O controle de constitucionalidade das leis e o poder de tributar na CF/1988, 4º edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Foresen, 2016.

[8] STF, 2ª Turma, RE 202.987/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30/06/2009, Dje 25/09/2009, p. 1.021.

[9] Art 5º, IV, IX e XIV, da CF.

[10] RE 330.817 e RE 595.676.

[11] VENOSA, 2003, p. 603 e 604.


Informações Sobre o Autor

Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Pós-Graduado em Direito Público pela FACESF. Pós-Graduando em Direito Tributário pelo IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.


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