O instituto da concessão de serviço público e as novas tendências do direito administrativo

Resumo: Este artigo faz uma análise do instituto da concessão de serviço público através de um viés voltado para as novas tendências do direito administrativo.

Palavras-chave: Concessão. Serviços Públicos. Tendências. Direito Administrativo.

Abstract: This article makes an analysis of the institute of public service concession through a bias towards the new trends of administrative law.

Keywords: Concession. Public services. Tendencies. Administrative law.

Sumário: Introdução; 1 Conceito e Natureza Jurídica; 2 Contexto Histórico e Normativo; 2.1 Contexto Histórico; 2.2 Contexto Normativo; 3 Classificações; 4 Parcerias Público-Privadas; 4.1 Críticas ao Instituto da Parceria Público Privada; 5 As Novas Tendências do Direito Administrativo; 6 Correlação entre o Instituto das Parcerias Público-Privadas e as Tendências do Direito Administrativo; 7 Planejamento e o Direito Administrativo; 8 A Legislação Simbólica e a Encriptação do Poder; 9 A Correlação as Parcerias Público-Privadas com o Instituto das Licitações; 10 A Correlação as Parcerias Público-Privadas com o Instituto da Responsabilidade Civil; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto da concessão de serviço público através de um viés voltado para as novas tendências do direito administrativo.

Para alcançar tal objetivo, iniciaremos o segundo tópico abordando como os autores dos grandes manuais conceituam o instituto da concessão de serviço público e, também, falaremos sobre a sua natureza jurídica.

No terceiro tópico discorreremos a respeito do contexto histórico e contexto normativo do instituto da concessão de serviço público ao longo da história.

No quarto tópico descreveremos as classificações do instituto adotada pelos doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho, Celso Antônio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

No quinto tópico adentraremos no tema parceria público-privada uma das modalidades de concessões de serviços públicos muito utilizada nos dias atuais, que pode ser considerada um instituto que exemplifica uma das novas tendências do direito administrativo, que serão pormenorizadamente tratadas no sexto tópico.

No sétimo tópico faremos uma correlação entre o instituto das parcerias público-privadas e as novas tendências do direito administrativo, enquadrando tal instituto na terceira tendência. Não obstante, podemos dizer também, que ele pode ser um exemplo da segunda tendência, ou seja, a parceria público-privada é uma forma de participação cidadã, na qual as empresas privadas podem atuar em diversos segmentos de prestação de serviço público, juntamente com outros institutos como os consórcios públicos, os conselhos gestores e as audiências públicas.

No oitavo tópico, trataremos do planejamento em detrimento da sua validação pelo direito administrativo, questão muito importante que deveria ser melhor trabalhada no contexto da administração pública brasileira.

No nono tópico abordaremos, resumidamente, dois temas que foram muito trabalhados nas aulas da disciplina tendências do direito administrativo, disciplina esta do curso de mestrado em direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas.

No décimo tópico faremos uma correlação entre as parcerias público-privadas e o instituto da licitação, abordando a questão da não exigência de projeto básico nas licitações que tenham como regime a contratação integrada, presente na legislação que regula o regime diferenciado de contratações – RDC.

No décimo primeiro tópico a correlação se dará entre as parcerias público-privadas e o instituto da responsabilidade civil, no qual abordaremos a questão da responsabilidade objetiva do Estado em face do não usuário de serviço público objeto de concessão.

Ao final, faremos uma conclusão sintetizando o que foi dito ao longo do trabalho, enfatizando os pontos de maior importância.

1. CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA

A corrente unilateralista entende a concessão como um ato unilateral em que o Estado, por seu poder soberano, atribui ao particular a execução de um serviço público. (Otto Mayer e Fritz Fleiner). A configuração de contrato é afastada, uma vez que o serviço público estaria fora do comércio.

Há ainda autores que vislumbram na concessão um ato misto, o qual contemplaria um ato administrativo unilateral e disposições tipicamente contratuais.

Léon Duguit, por sua vez, considera a concessão um ato complexo em que se inserem disposições regulamentares (convenções-lei) e cláusulas de natureza contratual.

Consagrou-se na doutrina pátria e internacional a concepção da concessão de serviços públicos como contrato administrativo, regido por normas específicas e que sofre influência do interesse público norteador do ajuste, com incidência de cláusulas exorbitantes.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que não existe uniformidade de pensamento entre os doutrinadores na definição do instituto da concessão. Para fins de sistematização da matéria, pode-se separá-los em três grupos:

“- Os que, seguindo a doutrina italiana, atribuem acepção muito ampla ao vocabulário concessão de modo a abranger qualquer tipo de ato unilateral ou bilateral, pelo qual a Administração outorga direitos ou poderes ao particular; não tem muita aceitação no direito brasileiro que, em matéria de contrato, se influenciou mais pelo direito francês;

– Os que lhe dão acepção menos ampla, distinguindo a concessão translativa (concessão de serviço público e obra pública) da constitutiva (concessão de uso de bem público), e admitindo três tipos de concessão: a de serviço público, a de obra pública e a de uso de bem público;

– Os que lhe dão acepção restrita, só considerando como concessão a delegação de poderes para prestação de serviços públicos, ou seja, a concessão de serviços públicos”

Para Celso Antônio Bandeira de Melo,

“… é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.”

Para Maria Sylvia Zanella de Pietro,

“… é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço.”

Para José dos Santos Carvalho Filho,

“… é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelo usuário.”

2. CONTEXTO HISTÓRICO E NORMATIVO

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO

Há registros de que a primeira delegação de serviço público a um particular ocorreu em 1850, para a exploração de estrada de ferro nos atuais Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro.

Segundo Marçal Justen Filho, as concessões de serviços públicos foram amplamente utilizadas no final do século XIX, início do século XX, período este que em que prevaleceu o Estado Liberal, o qual advogava ideias de Estado Mínimo e abstencionista.

Com o fim do Estado Liberal e a ascensão do Estado Social, no qual o que prevalecia era a política intervencionista do Estado, verificou-se uma queda na utilização do instituto da concessão de serviços públicos, haja vista que o próprio Estado prestava os serviços ditos públicos.

Com a falência do Estado Social, na última década do século XX, a Reforma Administrativa do Estado levou a um desmonte do Estado prestador, produtor, interventor e protecionista, e a um redimensionamento de sua atuação como agente regulador da atividade econômica, constituindo-se a privatização e a desregulação nos dois remédios mais importantes da receita neoliberal.

2.2. CONTEXTO NORMATIVO

As Constituições de 34, 46, 67 e a EC 1/69 previam a edição de lei sobre o regime de prestação de serviço público sob a forma de concessão, porém essa lei nunca foi promulgada.

A Constituição de 1988, seguindo as Constituições anteriores, estabeleceu em seu art. 175 que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos, sendo que a lei disporá sobre: o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; política tarifária; e a obrigação de manter serviço adequado.

Para cumprimento do referido preceito constitucional foi editada a Lei nº 8.987/1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e a Lei nº 9.074/1995 que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.

Diante da diversificação e peculiaridade de cada serviço público foram sendo editadas leis específicas para regular setores específicos, como a Lei nº 9.427/1996 criando a ANEEL e a Lei nº 9.472/1997 sobre Telecomunicações.

Aqui podemos visualizar a visão multifacetada do direito administrativo, conforme Carlos Ari Sundfeld cita em seu livro Direito Administrativo para Céticos, o qual tem uma lei geral que regula a concessão de serviços públicos e depois edita leis regulando a concessão de serviços públicos específicos como energia elétrica e telecomunicações.

Por último foi editada a Lei nº 11.079/2004 que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.

As parcerias público-privadas podem ser enquadradas na segunda tendência do Direito Administrativo que é a participação popular, na qual o particular, que detém poder econômico, se une ao Estado para prestação de serviço público que lhe renda vantagens econômicas, não se interessando por serviços não lucrativos que são suportados única e exclusivamente pelo Estado, que se incumbe de fazer o trabalho sujo ou melhor, prestar o serviço público sujo.

3. CLASSIFICAÇÃO

José dos Santos Carvalho Filho divide as concessões de serviço público em comuns e especiais, sendo que as comuns reguladas pela Lei nº 8.987/95, se subdividem em concessões de serviços públicos simples e concessões de serviços públicos precedidas da execução de obra pública. Já as especiais, reguladas pela Lei nº 11.079/04, se subdividem em concessões patrocinadas e concessões administrativas.

Celso Antônio Bandeira de Melo, apesar de citar a classificação concessão precedida e não precedida de obra pública e concessões administrativas e patrocinadas, faz críticas a ambas classificações.

Em relação aos conceitos – concessão precedida e não precedida de obra pública – diz que padecem de qualidade técnica lastimável, concluindo que é melhor ignorar o conceito de concessão de serviço público não precedido de obra pública, tomando-o como um dispositivo cujo préstimo é o de indicar requisitos de válida formação de uma concessão de serviço público, sendo que em relação à concessão de serviços públicos precedidas de obra pública, devem ser feitos equivalentes reparos, esclarecendo que sob tal designação normativa estão impropriamente compreendidas ora uma concessão de serviço público, ora uma concessão de obra pública, conforme se trate de “delegação” para explorar serviço ou “delegação” para explorar obra, objetos perfeitamente distintos e discerníveis.

Em relação às Parcerias Público Privadas, diz que:

“Assim, percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados, é a realizar um simples contrato de prestação de serviços – e não uma concessão -, segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Ou seja: quer ensejar aos contratantes privados (ou parceiros), nas “concessões” administrativas tanto como nas patrocinadas, vantagens e garantias capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado. Pretendeu atribuir-lhes os benefícios a seguir indicados, e que existem tanto na concessão administrativa quanto na concessão patrocinada, assim como também ofertou aos seus financiadores benefícios surpreendentes.”

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, absorvendo algumas das críticas de Celso Antônio, diz que existem várias modalidades de concessões sujeitas a regime jurídico parcialmente diferenciados:

– Concessões de serviço público;

– Concessão patrocinada;

– Concessão administrativa;

– Concessão de obra pública;

– Concessão de uso de bem público.

4. PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS

A Lei 11.079/2004 trouxe uma nova espécie de concessão de serviço e de obra pública as Parcerias Público-Privadas. O contrato de Parceria Público-Privada é uma modalidade especial de contrato de concessão, pois a lei impõe regras específicas às características gerais trazidas pela legislação anterior, sendo vedada a celebração desse tipo de contrato quando o seu valor seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), quando o período de vigência do contrato seja inferior a 5 (cinco) anos e quando por objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

De acordo com o artigo 2º da referida lei, a Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

A concessão especial patrocinada, a mais utilizada, é uma concessão comum em que há a presença de recurso público obrigatoriamente. Ou seja, o Estado tem que bancar parte do investimento. Assim, tem-se a tarifa do usuário, mais o recurso público. Exemplo: construção de rodovias.

A concessão especial administrativa, modalidade muito criticada pela doutrina, ocorre quando a própria Administração é a usuária do serviço. Exemplo: o parceiro privado constrói um presídio e a Administração é a usuária indireta, pois os presos são usuários diretos.

4.1. CRÍTICAS AO INSTITUTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello:

“A única distinção entre eles (contrato de prestação de serviços e concessão de serviços) é que no primeiro o contratado é remunerado pela Administração por prestar tal serviço, não passando de mero executor material; e no segundo o concessionário se remunera cobrando ele próprio sua retribuição dos usuários. É a modalidade de retribuição o que o faz distintos, já que nesta segunda hipótese o desempenho do serviço é transferido ao concessionário, que o presta em nome próprio, por sua conta, risco e perigos, de sorte que não é um simples executor material dele. (…) Ora, se é a Administração, e não o público, quem remunera o parceiro privado, aqui se vê novamente uma contradição entre o que é aduzido para justificar a instituição das PPPs – a alegada carência de recursos – e a disposição normativa de fazer com que a Administração assuma dispêndios que poderiam ser poupados com o uso da modalidade comum de concessão.”

Carlos Ari Sundfeld aponta para os riscos desta modalidade:

“O quarto risco de um programa de parcerias é o de desvio no uso da concessão administrativa. Essa nova modalidade contratual foi inventada para permitir que o prestador de serviço financie a criação de infraestrutura pública, fazendo investimentos amortizáveis paulatinamente pela Administração (…) É previsível, porém, que o interesse de certos administradores e empresas gere uma luta pelo afrouxamento dos conceitos, por via de interpretação, de modo a usar-se a concessão administrativa nas mesmíssimas situações em que sempre se empregou o contrato administrativo de serviços da Lei de Licitações. Se a manobra vingar, teremos absurdos contratos de vigilância ou limpeza de prédio público, de consultoria econômica, de manutenção de equipamentos, etc., tudo por 10, 20 ou 30 anos, sem que investimento algum justifique essa longa duração.”

5. AS NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Passaremos a abordar agora as novas tendências do direito administrativo que estão sendo exploradas pela doutrina administrativista.

Como primeira tendência temos a ressignificação do princípio da legalidade, a qual deixa de ser uma simples adequação ao sentido literal da lei, para se traduzir na ideia da adequação da conjugação da Lei com o Direito.

O princípio da legalidade passa a ser chamado de princípio da juridicidade, o qual temos como exemplo a Lei n° 8.429/92, na medida em que o descumprimento dos princípios de direito administrativo, passam a ser classificados como improbidade, podendo culminar na responsabilização do agente público.

Renato Alessi estabelece a diferenciação entre interesse público primário e secundário, sendo que no primeiro aloca-se a vontade popular e no segundo o viés patrimonial, que atualmente norteia a conduta do profissional que assessora juridicamente os agentes públicos.

Como segunda tendência, podemos citar a participação cidadã na qual a relação entre administrado e administração pública deixa de ser vertical para se tornar horizontal, surgindo uma democratização da gestão do interesse público.

A última tendência que abordaremos é a da gestão em rede que é um desdobramento da dimensão econômica que a abertura à participação popular produz.

A gestão gerencial estatal evolui para um modelo de gestão em rede alinhado à ideia do estado mínimo, pois a economia global requer uma maior conexão entre a administração e os setores econômicos.

6. CORRELAÇÃO ENTRE O INSTITUTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E AS TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

As parcerias público-privadas podem ser enquadradas na terceira tendência do Direito Administrativo que é a gestão em rede. Esta tendência é um desdobramento da dimensão econômica que a abertura à participação popular produz, fazendo com que a gestão gerencial evolua para um modelo de gestão em rede alinhado à ideia de estado mínimo.

O particular, que detém poder econômico, se une ao Estado para prestação de serviço público que lhe renda vantagens econômicas, não se interessando por serviços não lucrativos que são suportados única e exclusivamente pelo Estado, que se incumbe de fazer o trabalho “sujo” ou melhor, prestar o serviço público “sujo”.

O modelo gerencial de gestão do interesse público, foi introduzido na Administração Pública pela EC 19/98 responsável pela reforma administrativa.

A referida emenda constitucional, apresenta uma perspectiva neoliberal de gestão de interesse público, na qual ocorre as privatizações, que objetivam reduzir o tamanho do Estado, para torná-lo mais eficiente.

7. O PLANEJAMENTO NO CONTEXTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Um dos grandes problemas que afeta a função administrativa é a falta de planejamento, ou, caso esse exista, a falta de validação pelo direito administrativo.

A falta de planejamento faz com que as ações públicas não sejam contínuas, o que é prioridade ou projeto de governo de uma administração, deixa de ser prioridade para a próxima e o trabalho e recurso púbico investidos são perdidos.

Quando o planejamento existe, ele não é efetivo, pois não é validado pelo direito administrativo, haja vista que os Tribunais de Contas fazem o controle através de um viés contábil e financeiro.

No caso das concessões de serviços públicos, o controle operacional, voltado para avaliar a efetividade da prestação dos serviços, deve ser feito pelas agências reguladoras, porém, muitas vezes, a falta de instrumentos jurídicos para cobrar tal efetividade, a chamada validação pelo direito administrativo, faz com que o planejado não seja cumprido e nada aconteça com o administrador público responsável por tal ato.

8. A LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA E A ENCRIPTAÇÃO DO PODER

A legislação simbólica como o próprio nome já diz, ocorre quando um instrumento normativo é criado para atender a uma determinada demanda social, regulando as relações que dali se originam, mas que por questões diversas pode não produzir efeitos efetivos.

Para Marcelo Neves, para a legislação ter o rótulo de simbólica, ela tem que ser “inefetiva”, nunca produzindo efeitos materiais.

Segundo ele, são três as características fundamentais da legislação simbólica:

“- Atividade legiferante como forma de demonstrar supremacia do grupo no poder;

– Leis que trazem aparente resposta aos anseios sociais;

– Legislações que adiam a solução de problemas.”

Já para a Professora Marinella Machado de Araújo, a legislação somente será simbólica se depois de alguns anos não alcançar os objetivos almejados quando da sua elaboração.

Verificando se a legislação que regula o instituto das parcerias público-privas é simbólica, podemos concluir que não, tendo em vista o grande número de parcerias instituídas nos diversos entes federativos do Brasil.

Em relação à encriptação do poder, tema objeto de estudo dos autores Gabriel Méndez Hincapie e Ricardo Sanín Restrepo, no artigo “A Constituição Encriptada”, podemos vislumbrar relação com o instituto da concessões quando a execução de determinado serviço público é concedido aos particulares, ficando na mão de poucas empresas sendo prestados com ineficiência, causando transtornos para a população e o Estado  através das agências reguladoras, fiscalizam a execução, porém essa fiscalização remete-se a um simulacro, haja vista o excesso de problemas na execução dos serviços.

9. CORRELAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS COM O INSTITUTO DA LICITAÇÃO

A contratação de uma parceria público-privada, conforme já dito anteriormente, envolve a concessão da prestação de serviços públicos, em muitos casos, com o fornecimento e instalação de equipamentos e mão-de-obra bem como execução de obra pública. Nesse tipo de contratação, o particular não tem uma solução já previamente definida pela Administração. Ele apenas conhece a necessidade que deverá ser satisfeita.

Isso ocorre porque, a Lei nº 11.079/2004 possibilita a realização de procedimento licitatório sem a elaboração de projeto básico, nos rígidos termos fixados no Art. 6º da Lei nº 8.666/1993, justamente para atribuir ao parceiro privado a possibilidade de escolher o melhor caminho para a satisfação da necessidade.

Percebe-se, por conta disto, que o risco envolvido na contratação de uma parceria público-privada é grande, vez que além da necessidade envolver uma obrigação complexa, será o particular o responsável por encontrar a melhor solução para satisfazê-la e não a Administração, como ocorre nas contratações realizadas por meio da Lei nº 8.666/1993. Ademais, cumprirá ao Poder Público remunerar o particular por isto.

“LICITAÇÃO. Barueri. Concorrência nº 23/10. Parceria público-privada para concessão dos serviços de tratamento e disposição de resíduos sólidos. Impugnação por duas interessadas. Liminar concedida em primeiro grau para suspensão do certame. Ilegalidades afastadas pelo Tribunal de Contas em procedimento de exame prévio do edital, em atenção a impugnações de igual natureza às deste processo. 1. Esclarecimentos. A Comissão de Licitação respondeu as impugnações apresentadas pelas impetrantes. Irrelevância do eventual extravasamento do prazo em um dia, ante a postergação da data da abertura das propostas e a ciência da resposta dada. 2. Projeto básico. A parceria público-privada, modalidade escolhida pela administração, permite que os estudos de viabilidade técnica e econômica sejam feitos pela empresa interessada, às suas expensas. Hipótese em que o projeto básico não é feito pela administração, não se falando em licitação para a elaboração de projeto feito por terceiro. 3. Tecnologia escolhida. O edital delineia a pretensão da administração: um sistema de disposição que reduza a quantidade de resíduos a ser disposta em aterro sanitário e permita o aproveitamento energético envolvido, com apoio na LF nº 12.305/10, que dá preferência ao aproveitamento e à reciclagem e reduz as hipóteses de simples disposição do lixo em aterros. O edital estabelece a pretensão, sem estabelecer a técnica; nada impede que as impetrantes apresentem outra proposta que satisfaça à administração. 4. Qualificação econômico-financeira. As exigências de qualificação econômico-financeira estão dentro do que exige a lei e dos limites aceitos pelo Tribunal de Contas. 5. Subjetividade do julgamento. A questão foi bem analisada pelo Tribunal de Contas. O edital estabelece os critérios a ser utilizados na análise das propostas, com a indicação dos itens a avaliar e da pontuação a ser atribuída a cada um. Inexistência de abuso ou subjetividade excessiva. Agravo provido para revogar a liminar.” (TJ-SP – AI: 1804817520118260000 SP 0180481-75.2011.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 22/08/2011, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 22/08/2011)

10. CORRELAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS COM O INSTITUTO DA RESPONSALIDADE CIVIL

O artigo 37 § 6º da Constituição Federal em vigor, coloca a responsabilidade objetiva sobre empresas privadas prestadoras de serviço público, seja concessionária, permissionária, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Em 16/11/2005, o Supremo Tribunal Federal, decidiu em sede de Recurso Extraordinário nº 262651/SP, no sentido de que as Concessionárias e Permissionárias de serviço público seriam responsabilizadas de forma objetiva pelos danos causados aos usuários da prestação aquele serviço. Não obstante, se algum terceiro não-usuário daquele serviço público sofresse qualquer dano na qual o nexo causal levasse a alguma daquelas empresas privadas prestadoras de serviço público, tal responsabilidade seria subjetiva.

Tal entendimento é uma afronta ao Princípio Constitucional da Isonomia, na qual não se deve fazer qualquer distinção entre usuários e não usuários do serviço público, visto que qualquer um deles pode sofrer danos em virtude da atuação do Estado.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, modificou o entendimento jurisprudencial da matéria, pacificando que a responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviço público, no que se refere aos danos causados a terceiros, será de natureza objetiva, mesmo que o dano tenha prejudicado terceiro não usuário daquele serviço público oferecido.

“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO.

I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.

III – Recurso extraordinário desprovido.”

A mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal é perfeitamente adequada ao princípio da isonomia, garantido constitucionalmente, na qual não restringe o alcance da norma constitucional, visto que ao artigo 37 § 6º da Constituição Federal, coloca que as pessoas jurídicas de direito privado responderão objetivamente em relação aos danos causados a terceiros, não poderia o intérprete limitar a expressão constitucional do artigo 37 § 6º, as pessoas que estivessem na qualidade de terceiros usuários do serviço público oferecido.

CONCLUSÃO

Quando iniciamos o presente artigo, tínhamos como objetivo analisar o instituto da concessão de serviço públicos através de um viés voltado para as novas tendências do direito administrativo.

Após trabalharmos os conceitos, natureza jurídica, contexto histórico, contexto normativo e classificações do instituto da concessão dos serviços públicos, demos especial atenção a um instituto que é uma das formas de concessões, qual seja, a parceria público-privada, que apesar disso, apresenta vida própria e grande importância na transformação da gestão pública no Brasil, em especial no que se refere a busca da otimização dos recursos públicos e busca da parceria com a inciativa privada para maior efetividade da prestação dos serviços públicos.

As chamadas tendências do direito administrativo podem ser vistas como características que estão sendo desenvolvidas dentro do direito para otimizar a gestão pública.

A participação cidadã fez com que surgisse a democratização do interesse público, oriunda da mudança na relação Estado/Cidadão, passando de vertical para horizontal.

Já a gestão em rede, como já dito, fez surgir uma maior conexão entre a administração pública e os setores econômicos, sendo que as parcerias público-privadas são um dos instrumentos de concretização dessa conexão.

 Outros dois pontos importantes foram analisados, quais sejam, a questão do planejamento e sua validação pelo direito administrativo e a encriptação de poder.

Em relação à validação do planejamento pelo direito administrativo, instrumentos jurídicos devem ser criados para vincular as tomadas de decisões às diretrizes pré-estabelecidas, pois somente assim os administradores públicos poderão ser responsabilizados por descumprimento do que foi previamente planejado.

Já em relação à encriptação do poder, os administradores públicos e os legisladores devem atuar em conjunto para que tal movimento não prejudique o cidadão, quando necessitar utilizar determinado serviço público.

Foram feitas correlações entre as parcerias público-privadas e temas recentes dos institutos da licitação e da responsabilidade civil.

Para finalizar, o presente estudo foi de grande importância para o desenvolvimento de uma discussão sobre um instituto antigo que é o da concessão de serviços públicos, porém analisado sob um viés voltado para questões novas que estão sendo desenvolvidas atualmente no âmbito do direito administrativo.

 

Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental a boa administração pública. 2ª Ed. 2009. p. 64-80.
HINCAPÍE, Gabriel Méndez y RESTREPO, Ricardo Sanín. LA CONSTITUCIÓN ENCRIPTADA: Nuevas formas de emancipación del poder global. Revista de Derecho Humanos y Estudios Sociales. Ano IV No. 8 Julio-Diciembre 2012, p. 97-120. Disponível em <http://www.uaslp.mx/Spanish/Academicas/FD/REDHES/Documents/N%C3%BAmero%208/Redhes8-05.pdf>. Acesso em 04 de Novembro 2014.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5 ed. São Paulo: Saraiva.
MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 1990.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo, 2010.
Sundfeld, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
NEVES, Marcelo, A Constitucionalização Simbólica, apud LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 15ª edição, 2011, ed. Saraiva.

Informações Sobre o Autor

Clayton Alexandre Ferreira

Agente de Polícia Federal. Bacharel em Direito e Administração de Empresas pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Público pelo IEC PUC Minas


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