Considerações sobre a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao transporte aéreo internacional de passageiros segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Resumo: A defesa do consumidor foi prevista na Constituição Federal Brasileira de 1988 como direito fundamental do indivíduo e, ao mesmo tempo, como princípio norteador da ordem econômica. A relação de consumo pode ocasionar situações que causem danos ao consumidor, sejam de ordem moral e/ou material, gerando direito à justa reparação. A pesquisa, essencialmente bibliográfica, objetiva contextualizar o princípio da reparação integral dos danos sofridos pelo consumidor ante a jurisprudência dos tribunais pátrios, especialmente no que diz respeito ao transporte aéreo de passageiros. O estudo é iniciado da análise principiológica constitucional do Código de Defesa do Consumidor. Do levantamento feito, constata-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem ser vedada a tarifação das indenizações nas relações de consumo, afastando a aplicação de tratados internacionais que impeçam a real e integral reparação ao consumidor pelos danos sofridos. Entretanto, verificou-se que, recentemente, o STF concluiu que não se aplica o CDC aos conflitos relativos ao transporte internacional de passageiros, de forma que devem ser resolvidos segundo as disposições das convenções internacionais sobre o tema, a exemplo das Convenções de Varsóvia e Montreal, ratificadas pelo Brasil.

Palavras-chave: Direito do Consumidor, Código de Defesa do Consumidor, Convenção de Varsóvia, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça.

Abstract: Consumer protection was foreseen in 1988 Brazilian Federal Constitution as a fundamental right of the individual and, at the same time, as a guiding principle of the economic order. The consumption relationship can cause situations that cause damages to the consumer, be they of a moral and / or material nature, generating right to just reparation. The research, essentially bibliographical, aims to contextualize the principle of the full reparation of the damages suffered by the consumer against the jurisprudence of the native courts, especially about the service of air transporting of passengers. The study initiates from the constitutional principles of the Consumer Defense Code. From the survey made, it is noted that majority doctrine and jurisprudence understand that it is forbidden to pay compensation in consumer relations, avoiding the application of international treaties that prevent the real and full compensation to the consumer for the damages suffered. In the meantime, it has been found that, recently, the  Federal Supreme Court has concluded that the CDC does not apply to disputes relating to international passenger transport, so that they must be resolved in accordance with international conventions ratified by Brazil on the subject, such as the Conventions os Warsaw and Montreal, ratified by Brazil.

Sumário:  1. Introdução. 2. O Código de Defesa do Consumidor como norma de ordem pública e interesse social. 3. Princípio da interpretação mais favorável ao consumidor. 4. Princípio da reparação integral. 4.1. Dano moral e dano material: indenização ressarcitória e indenização compensatória. 5. Art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 6. Indenização por perda de bagagem: aplicação do CDC vs. Convenção de Varsóvia à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores. 7. Conclusão.

1. Introdução

O Código de Defesa do Consumidor buscou concretizar as disposições constitucionais que previram a defesa do consumidor como direito fundamental e princípio da ordem econômica. Para tanto, estabeleceu o referido codex uma série de princípios e mecanismos de defesa, tais como a presunção de vulnerabilidade do consumidor e reparação integral dos danos por ele sofridos em decorrência da relação de consumo.

Visa o presente artigo analisar de forma breve e objetiva os principais pontos tratados pelo CDC quanto à compensação e ao ressarcimento dos danos sofridos pelo consumidor, especialmente no que diz respeito às relações de consumo referentes ao transporte aéreo de passageiros, buscando esclarecer a posição da doutrina e da jurisprudência quanto à reparação dos danos decorrentes da relação de consumo nessas hipóteses.

Nessa linha, o estudo visa abordar e contextualizar a recente tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, que excepcionou a aplicação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil nas relações de consumo que envolvam o transporte aéreo de passageiros, afastando, assim o CDC, e permitindo, portanto, eventual tarifação de indenização prevista nestas normas.

2. O Código de Defesa do Consumidor como norma de ordem pública e interesse social

A Constituição Federal de 1988 consagra no art. 5º, XXXII, título referente aos direitos e garantias fundamentais, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. No mesmo sentido, no art. 170, V, a Carta Magna positiva a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica, o que objetiva a compatibilização da defesa do consumidor com a livre iniciativa.

Para além da importância que o diploma constitucional deu ao direito do consumidor, é possível observar, já nas primeiras linhas da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, a carga imperativa que a referida normatização possui no ordenamento jurídico pátrio. Isso porque, dispõe o art. 1º do aludido codex que o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitória (grifo nosso).

Dizer que o CDC é de ordem pública e interesse social consiste atribuir-lhe a caráter cogente e imperativo, uma vez que se trata de norma indisponível, inafastável, que não admite renúncia, justamente por proteger valores fundamentais do Estado Democrático Social. A violação desta norma leva à invalidade de contratos e acordos que busquem deliberadamente afastá-la e, por esta razão, permite o reconhecimento de ofício pelo juiz, ao menos em regra.

A imperatividade das normas do CDC visa garantir proteção ao consumidor, que é presumidamente a parte mais fraca da relação jurídica, o vulnerável. Possível fosse afastar facilmente a incidência destas normas, não haveria efetividade na sua aplicação.

Nesse sentido são as lições de Felipe P. Braga Netto apud José Roberto de Castro Neves ao aduzir que no primeiro capítulo desse livro, das disposições gerais, a lei oferece definições, inclusive da sua natureza. O art. 1º informa que ela é de ordem pública e tem interesse social. Com isso, a lei quis informar que seus dispositivos têm característica imperativa, ou seja, não admitem ser afastados pela disposição particular (José Roberto de Castro Neves, “O Direito do Consumidor – de onde viemos e para onde vamos”, in RTDC, vol. 26, abr/jun, 2006, p. 198).

Defendem, ainda, alguns autores, que o CDC seria uma “lei de função social”, tendo em vista a missão de concretizar diretrizes pré-definidas pela pela própria CF/88. Desta forma, não poderia ser o CDC derrogado o ab-rogado por outros diplomas legais, ainda que de mesma hierarquia, se tal situação importasse prejuízo ao consumidor, sob pena de incidir em inconstitucionalidade.

Observa-se, por fim, que a aplicação do CDC não afasta a de outros diplomas que fomentem a defesa do consumidor, devendo ser realizado, na linha da jurisprudência dos Tribunais Superiores, verdadeiro diálogo de fontes.

3. Princípio da interpretação mais favorável ao consumidor

Na defesa do consumidor como parte vulnerável na relação jurídica de consumo, o CDC prevê como uma de suas bases o princípio interpretação mais favorável ao consumidor ao dispor, no art. 47, que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Trata-se de concretização do princípio constitucional da isonomia ou igualdade material, segundo o qual deve ser despendido tratamento igual às pessoas em iguais condições e tratamento desigual às pessoas em situações que exijam tratamento diferenciado, na medida da desigualdade, possibilitando igualdade de oportunidades.

Ressalta-se que, apesar de o CDC mencionar a interpretação mais favorável ao consumidor nos contratos, diferentemente do que ocorre no art. 423 do Código Civil de 2002, que restringe a interpretação mais favorável ao aderente dos contratos de adesão, o princípio em tela tem aplicação consideravelmente mais ampla no CDC. Isso porque, segundo a melhor doutrina:

“Cabe registrar que o art. 47 do CDC traduz princípio aplicável não apenas às cláusulas contratuais, mas às leis em geral. Havendo conflito entre elas, deve-se, em princípio, dar preferência àquela que melhor tutela a parte vulnerável da relação. Trata-se de hipótese frequente, eis que, com o advento do Código Civil de 2002, não são raros os casos de diálogos entre as duas importantes leis”. (NETTO, 2016, p. 82).

A jurisprudência do STJ, de igual forma, segue o entendimento de que interpretação das cláusulas contratuais deve favorecer a extensão dos direitos do consumidor.

4. Princípio da reparação integral

O art. 6º, VI, CDC determina que são direitos básicos do consumidor: (…) VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

A doutrina leciona que, consoante referido princípio, se o consumidor sofre um dano, a reparação que lhe é devida deve ser a mais ampla possível, abrangendo, efetivamente, todos os danos causados. (…) Tal disposição quer significar que os danos devem ser reparados de forma efetiva, isto é, real e integral, de forma a ressarcir ou compensar o consumidor. (NETTO, 2016, p. 72).

Em decorrência da aplicação deste princípio, doutrina e jurisprudência brasileiras não costumam acatar a tarifação de indenização, seja por fixação prévia em lei ou em contrato, quando a questão disser respeito a relação de consumo. Ora, se ficar caracterizado o dano ao consumidor, a reparação deve ser integral, salvo se tiver o consumidor contribuído para o dano, a exemplo do que ocorre na situação tratada na Súmula nº 543 do STJ.

4.1. Dano moral e dano material: indenização ressarcitória e indenização compensatória

Em determinadas situações, o ato lesivo afeta diretamente a personalidade do consumidor, ferindo-lhe a dignidade humana. Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o dano moral pode ser conceituado como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela, de forma que, para que esta definição possa ser bem compreendida, cabe um aprofundamento da própria noção de dignidade da pessoa humana (FARIAS, 2016, p. 301).

Segundo Flávio Tartuce, a melhor corrente categórica é aquela que conceitua os danos morais como lesão a direitos da personalidade, sendo essa a visão que prevalece na doutrina brasileira (Tartuce, 2012, p. 453).

Nestas hipóteses, a indenização a ser arbitrada pelo juiz deve possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória a ser arcada pelo lesionador. Nas lições da doutrina, é importante estar que para a reparação do dano moral não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial, o que traz o conceito de lenitivo, derivativo ou sucedâneo. Por isso é que se utiliza a expressão reparação e não ressarcimento para os danos morais (TARTUCE, 2012, P. 453).

Como se vê, apesar de o dano moral caracterizar espécie de dano extrapatrimonial (incide sobre direitos extrapatrimoniais do lesado), a compensação será efetivada por meio de indenização pecuniária (reparação patrimonial).

Busca a indenização pecuniária em razão de dano moral atenuar as consequências do prejuízo sofrido, tendo em vista que restaurar a situação anterior seria impossível, já que não há como “apagar” o dano moral sofrido.

Cabe observar que o quantum fixado como medida compensatória a título de indenização por danos morais deve ser suficiente para que se procure ao menos amenizar, de forma razoável e proporcional, a lesão causada ao ofendido, uma vez que os bens jurídicos imateriais componentes do gênero dignidade da pessoa humana não possuem valor quantificável.

Além disso, deve-se levar em consideração o caráter pedagógico e punitivo da indenização, devendo esta ser suficiente a ilidir novas ocorrências da mesma natureza, uma vez que não raras vezes os fornecedores infringem direitos de seus consumidores, situações estas que acarretam dissabores que ultrapassam o mero aborrecimento.

Partindo-se desta premissa, caso seja irrisório o valor a ser pago pelo fornecedor a título de danos morais, a condenação não alcançará os fins pretendidos, quais sejam a compensação do dano moral causado e a responsabilização da causadora do dano de forma a compeli-la a acautelar-se melhor quanto aos cuidados dispensados a seus consumidores.

Noutro giro, no caso de danos materiais, a indenização poderá ser tanto ressarcitória quanto reparatória, tendo em vista que, nesse casso, é possível o retorno ao estado anterior ao dano – status quo ante (NETTO BRAGA, 2016, p. 214).

Sobre o assunto, importa ressaltar, mais uma vez, que deve ser feita a reparação integral dos danos materiais, caso em que é ainda mais efetiva a aplicação deste princípio. Desta forma, para que ocorra a efetiva reparação dos danos suportados pelo consumidor, prima-se tanto pela reparação dos danos emergentes quanto dos lucros cessantes, ou seja, tudo aquilo que se perdeu, bem como o que razoavelmente deixou de ganhar, matéria regulada pelo art. 402 do Código Civil.

5. Art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4657/1942, traz em seu bojo, também, regras que visam regular a aplicação do direito internacional público e privado no ordenamento pátrio, o que faz especificamente nos arts. 7º a 19. Nesse sentido, dispõe o art. 17 da referida lei:

“Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”

Ao interpretar a norma supradescrita em consonância com o Direito do Consumidor, defende a doutrina civilista que, pelo que consta no art. 1.º da própria Lei 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública e interesse social, devendo prevalecer sobre os tratados internacionais e demais fontes do Direito Internacional Público, pela regra constante do art. 17 da Lei de Introdução. Dessa forma, a autonomia privada manifestada em um tratado internacional encontra limitações nas normas nacionais de ordem pública, caso da Lei Consumerista. Também inspira essa conclusão a ideia de soberania nacional (TARTUCE, 2017, p. 59).

6. Indenização por perda de bagagem: aplicação do CDC vs. Convenção de Varsóvia à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores

Após toda o necessário contexto, impõe-se analisar a aplicação (ou não) do CDC às situações em que ocorre o extravio de bagagem pelas companhias aéreas de transporte de passageiros.

É fato que a perda da bagagem gera dano material, disso não há dúvidas. Ademais, na maioria dos casos, o cliente sofre, sem dúvidas, lesão a sua honra, integridade psíquica, bem-estar íntimo, dentre outros bens jurídicos personalíssimos de caráter imaterial, caracterizadores do dano moral.

Portanto, nada mais justo que seja o consumidor devidamente compensado e/ou ressarcido pelos danos de natureza moral e material sofridos em decorrência da atuação do fornecedor, o que deve se dar na extensão em que os bens jurídicos foram atingidos, em atenção ao princípio da reparação integral.

Consoante já aduzido, o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC), dispõe que as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Sobre a Convenção de Varsóvia, Braga Netto ensina:

“A Convenção de Varsóvia foi editada em 12 de outubro de 1929. Ela foi incorporada à ordem jurídica brasileira por intermédio do Decreto n. 20.704, de 24/11/1931. A Convenção de Varsóvia fixou tarifas para a indenização nas mais variadas situações. Por exemplo, morte, ferimento ou qualquer outra lesão ocorrida a bordo, ou nas operações de embarque ou desembarque (art. 17); perda, destruição ou avaria de carga ou bagagem, ocorridas durante o transporte (art. 18); atrasos no transporte de coisas ou pessoas (art. 19). Havia, como dissemos a chamada indenização tarifada, isto é, a indenização era previamente delimitada a certas tarifas. Além disso, a empresa de transporte poderia se eximir da indenização, desde que provasse que havia observado todas as medidas necessárias para evitar o dano (arts. 20 e 21). O sistema, assim, como se percebe, operava guiado pela culpa presumida”. (BRAGA NETTO, 2016, p. 227).

Desta forma, em que pese o fato de a Convenção de Varsóvia e seus complementares (especialmente Convenção de Montreal e/ou Código Brasileiro de Aeronáutica) limitarem o pagamento da indenização por quilo de bagagem, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendiam que a indenização por dano moral não deve ser limitada, aplicando-se para os casos o Código de Defesa do Consumidor com fulcro na Constituição Federal. Decidiu o STF:

“STF – "Indenização – Dano moral – Extravio de mala em viagem aérea – Convenção de Varsóvia – Observação mitigada – Constituição Federal – Supremacia. O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimentos e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República – incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." (RE nº 172.720/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio). (Grifo e negrito nosso).

“STJ – RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO AMPLA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. PAGAMENTO DE BOLSA DE ESTUDOS. DANO INCERTO E EVENTUAL. APROVAÇÃO INCERTA. EXCLUSÃO DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ACOLHIDO PARCIALMENTE. MAIORIA. I Nos casos de extravio de bagagem ocorrido durante o transporte aéreo, há relação de consumo entre as partes, devendo a reparação, assim, ser integral, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, e não mais limitada pela legislação especial. II – Por se tratar de dano incerto e eventual, fica excluída da indenização por danos materiais a parcela correspondente ao valor da bolsa que o recorrido teria se tivesse sido aprovado no exame para freqüentar o curso de mestrado”. (REsp 300190/RJ; Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA; Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 24/04/2001; Data da Publicação/Fonte: DJ 18.03.2002 p. 256 – RT vol. 803 p. 177). (Grifo e negrito nosso).

No mesmo sentido o STJ :

“STJ – PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VOO. COMPENSAÇAO POR DANOS MORAIS E INDENIZAÇAO POR DANOS MATERIAIS. HARMONIA ENTRE O ACÓRDAO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. ALTERAÇAO DO VALOR FIXADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. VOTO: A decisão agravada foi assim fundamentada: – Da Súmula 83/STJ: O TJ/RJ, ao decidir que os conflitos decorrentes de transporte aéreo internacional devem ser solucionados de acordo com CDC, alinhou-se ao entendimento do STJ quanto à matéria. Nesse sentido: AgRg no Ag 1.343.941/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), DJ: 25/11/2010. (…)

De início, o TJ/RJ, ao decidir que conflitos decorrentes de transporte aéreo devem ser solucionados com a observância do CDC, alinhou-se ao entendimento do STJ quanto à matéria. Nesse sentido: AgRg no Ag 1343941/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJ de 25/11/2010 e AgRg noAg 1157672/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 26/05/2010. (…)” (AgRG no Agravo de Instrumento 1.365.430/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi. J. 12.04.2011, DJe 19.04.2011).(grifo nosso)

De igual forma entende a doutrina. Vejamos o que leciona Flávio Tartuce sobre tema:

“(…) é de se apontar questão envolvendo anterior Convenção de Varsóvia e a atual Convenção de Montreal, tratados internacionais dos quais nosso país é signatário e que consagram limitações de indenização em casos de atraso de voo, perda de voo e extravio de bagagem, no caso de viagens internacionais. As normas internacionais entram em claro conflito com o Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 6.º, VI e VII, consagra o princípio da reparação integral de danos, pelo qual tem direito o consumidor ao ressarcimento integral pelos prejuízos materiais e morais causados pelo fornecimento de produtos, prestação de serviços ou má informação a eles relacionados, devendo ser facilitada a tutela dos seus direitos. Tal princípio veda qualquer tipo de tarifação, sendo a Lei 8.078/1990 norma de ordem pública e interesse social, conforme consta do seu art. 1.º, Por isso, o referido tratado não pode prevalecer, conforme conclusão do superior Tribunal de Justiça.”

Nesse contexto, embora exista a limitação da indenização por danos ocorridos durante o transporte aéreo determinada pela legislação internacional e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, tal limitação não seria imposta no caso, haja vista as disposições do Código de Defesa do Consumidor, as quais se apresentam contrárias à efetivação de limitação do valor indenizatório.

Pesa, ainda, que o referido diploma de proteção ao consumidor deverá prevalecer por ser posterior à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica, o que acarreta o seu poder revogador de diplomas anteriores, em caso de conflito de normas.

A relação jurídica existente entre passageiro e companhia aérea é, sem dúvidas, de consumo, consoante leciona a doutrina:

“É inegável que temos, entre passageiro e companhia aérea, uma relação de consumo. A prestação do serviço, por parte da companhia aérea, faz surgir, para o passageiro, a possibilidade de invocar o Código de Defesa do Consumidor, o qual, além de responsabilizar o fornecedor independentemente de culpa (art. 14), não traz limites legais para a indenização, nem admite que tais limites sejam contratualmente estabelecidos (arts. 25 e 51, I). O CDC, além do mais, prestigia o princípio da reparação integral (art. 6º, VI)”. (BRAGA NETTO, 2016, p. 227).

O Código de Defesa do Consumidor prescreve, em seu art. 2º, ser consumidor: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Sendo assim, inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do referido Código, visto que este corpo de normas pretende aplicar-se a todas as relações desenvolvidas no mercado brasileiro que envolvam um consumidor e um fornecedor.

Aplica-se à hipótese o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estipula a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços pelos danos causados por defeitos relativos à prestação de serviços, conforme se pode verificar:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Evidente o entendimento dos Tribunais Brasileiros no sentido de que não haveria limitação para a indenização, sendo cabível, portanto, a reparação integral dos danos e a consequente aplicação do CDC.

Ocorre que, em recente decisão, proferida no ARE 766.618 e RE 636.331, com repercussão geral reconhecida, o plenário do STF firmou entendimento no sentido de que não se aplica o CDC aos conflitos relativos à relação de consumo em transporte internacional de passageiros, de forma que devem ser resolvidos segundo as disposições das convenções internacionais sobre o tema, a exemplo das Convenções de Varsóvia e Montreal, ratificadas pelo Brasil. Vejamos:

“Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 210 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, deu provimento ao recurso extraordinário, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor", vencido o Ministro Marco Aurélio. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, por suceder o Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 25.5.2017.” (STF, RE 636331, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 25/5/2017).

“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deu provimento ao recurso extraordinário, para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido, em razão da prescrição (CPC, art. 269, IV). Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, por suceder o Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Em seguida o Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 25.5.2017”. (STF, ARE 766.618, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 25/5/2017).

Segundo a tese firmada nos julgados por força do artigo 178 da Constituição Federal, as normas e tratados internacionais limitadoras da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.

Cabe destacar os votos divergentes – vencidos – dos Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. O Min. Celso de Mello assentou que tratando-se de relações de consumo, em que os passageiros figuram inquestionavelmente como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo, tenho para mim que aplicado à espécie é o CDC. Tratando-se de relações de consumo, as disposições do CDC têm precedência, segundo penso, sobre as normas da convenção de Varsóvia, dos protocolos de Haia e da Guatemala, e também agora da convenção de Montreal, e também, no plano do transporte aéreo doméstico, sobre as regras estabelecidas e positivadas no código brasileiro de aeronáutica.

Já o Min. Marco Aurélio argumentou que os tratados estão no mesmo patamar da legislação ordinária e que, no caso, tratava-se de relação de consumo, regida pelo CDC, que é norma posterior às convenções em discussão. Ressaltou, ainda, que se fosse um voo interno, a indenização por dano moral estaria assegurada ao consumidor.

Muitos doutrinadores criticam o posicionamento do STF. Nesse sentido, Flávio Tartuce aduz:

“Com o devido respeito, penso que as decisões representam enorme retrocesso, em clara lesão ao artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo a qual as fontes do Direito Internacional não podem prevalecer sobre normas de ordem pública, caso do CDC, como está previsto no seu artigo 1º.

Não se olvide, ademais, que as convenções são desfavoráveis aos consumidores, pois "tabelam" a indenização, afastando a reparação integral dos danos, prevista no artigo 6º, inciso VI, da Lei 8.078/1990.

Sem falar no prazo prescricional nelas previsto – de 2 anos – menor do que o prazo de 5 anos que consta do artigo 27 do Código do Consumidor”.

7. CONCLUSÃO

Extrai-se do estudo que a defesa do consumidor, tutelada por normas de ordem pública e interesse social, traz forte carga principiológica na busca da efetivação dos direitos constitucional que concretiza.

Nesse contexto, as normas consumeristas pátrias primam pela reparação integral dos danos causados ao consumidor, o que afasta a incidência de outras normas tais que impeçam o efetivo exercício deste direito.

Nesse sentido, a jurisprudência e a doutrina, primando pela aplicação do princípio da reparação integral dos danos, entendem ser vedada a tarifação das indenizações, afastando a aplicação de tratados internacionais que impeçam a real e integral reparação ao consumidor pelos danos sofridos.

Verificou-se que doutrina e jurisprudência majoritárias entendem ser vedada a tarifação das indenizações, afastando a aplicação de tratados internacionais que impeçam a real e integral reparação ao consumidor pelos danos sofridos.

Entretanto, constatou-se que em recente decisão, o STF concluiu que não se aplica o CDC aos conflitos relativos à relação de consumo em transporte internacional de passageiros, de forma que devem ser resolvidos segundo as disposições das convenções internacionais sobre o tema, a exemplo das Convenções de Varsóvia e Montreal, ratificadas pelo Brasil.

Importa ressaltar, por fim, que o posicionamento do STF deve ficar restrito ao transporte internacional de passageiros, mantendo-se, quanto ao transporte interno, a jurisprudência já assentada no âmbito do STJ e defendida pela doutrina consumerista, conforme exaustivamente tratado neste estudo.

 

Referências
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GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Coleção Leis Especiais Para Concursos. 6ª Edição, Salvador: JusPODIVM, 2012.
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral, Volume 1. 13ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2017.
TARTUCE, Flávio. Disponível em <http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2017/05/extravio-de-bagagem-tratados-prevalecem.html>. Acesso em 29/5/2017.


Informações Sobre o Autor

Natalie del Carmen Rodrigues de Carvalho Maranhão

Analista Processual no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia desde março de 2015. Assistente de Promotoria no Ministério Público do Estado de Rondônia de 2010 a 2012. Aprovada para o Cargo de Promotora de Justiça Substituta no Ministério Público do Estado do Amazonas. Formada em Direito pelo ILES/ULBRA de Porto Velho/RO em 2009. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera/MS


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