A seletividade penal pela perspectiva do combate aos crimes de colarinho branco

Resumo: Desde o fim do século XIX, até meados da década de 40 do século XX, a construção criminológica europeia baseou-se nas hipóteses propostas pelos positivistas italianos, difundida pela teoria da patologia pessoal criminosa: o degenerado moral, o biologicamente determinado, isto é, o criminoso nato; ideia principalmente disseminada por Lombroso. Noutro contexto acadêmico, ao fim da década de 30, após analisar especificamente os crimes econômicos da alta classe, o sociólogo norte-americano Edwin Sutherland desenvolveu a tese da associação diferencial, expondo as razões condutoras da conduta desviante, porém, não partindo de premissas raciais ou de anormalidades morais e físicas. De sua tese, lançada adiante como livro: White-Collor Criminality (1939); foi possível concluir que a conduta criminosa/delinquente transcende as condições sociais desfavoráveis, não estando associadas a indivíduos menos civilizados ou com anomalias físicas ou mentais, porquanto a conduta desviante, estava maciçamente difundida nas classes econômicas dominantes e políticos daquela sociedade. Embora tanto a criminalidade clássica (roubo, furto, extorsão, latrocínio etc.), quanto a criminalidade de colarinho branco se refiram a crimes contra o patrimônio, e estejam inseridas no contexto de uma sociedade capitalista, a análise acadêmica e as políticas de persecução criminal são bastantes diferentes para cada grupo, ainda hoje. Disso decorre o debate jurídico, porquanto pretende contextualizar, por meio do método científico dedutivo, a partir de pesquisa bibliográfica, que apesar dos avanços no combate à criminalidade de colarinho branco, tais crimes econômicos não ocupam de forma prioritária ou igualitária a distribuição da Justiça Penal, ocasionando a seletividade no sistema de justiça criminal.[1]

Palavras-Chave: Sutherland; Combate aos Crimes de Colarinho Branco; Efeitos Sociais dos Crimes de Colarinho Branco; Seletividade do Sistema Penal.

Abstract: From the late nineteenth century until the mid-1940s, European criminological construction was based on the hypotheses proposed by the Italian positivists, spread by the theory of personal criminal pathology: the moral degenerate, the biologically determined, that is, The born criminal; Idea mainly disseminated by Lombroso. In another academic context, the American sociologist Edwin Sutherland developed the thesis of the differential association, after analyzing specifically the economic crimes of the upper class, exposing the reasons behind the deviant conduct, but not based on racial premises Or of moral and physical abnormalities. From his thesis, later published as a book: White-Collor Criminality (1939); It was possible to conclude that criminal / delinquent conduct transcends unfavorable social conditions, being not associated with less civilized individuals or with physical or mental anomalies, since the deviant conduct was massively diffused in the dominant and political economic classes of that society. Although both classic crime (robbery, robbery, robbery, robbery, etc.) and white collar crime refer to crimes against property and are embedded in the context of a capitalist society, academic analysis and policies of criminal prosecution Are quite different for each group, even today. This is the legal debate, because it seeks to contextualize, through the deductive scientific method, from a bibliographical research, that despite the advances in the fight against white collar crime, such economic crimes do not occupy the distribution of Criminal Justice, Leading to selectivity in the criminal justice system.

Keywords: Sutherland; Combating White Collar Crimes; Social Effects of White Collar Crimes; Selectivity of the Penal System.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais da teoria criminológica positivista e/ou escola positivista italiana. 1.1 Aspectos Históricos da Teoria Criminológica Positivista e/ou Escola Positivista Italiana. 1.2. Aspectos Gerais da Antropologia de Cesare Lombroso. 2. Aspectos gerais da teoria da associação diferencial. 2.1. Aspectos históricos. 2.2. Aspectos gerais da obra: O crime de colarinho branco e seus efeitos na sociedade “White Colar Crime and its Effects on Socity”. 2.3. Teoria da Associação diferencial. 3. Aspectos gerais do combate aos crimes de colarinho. 3.1. Os crimes de colarinho branco em espécie. 3.2. Combate aos crimes de colarinho branco: operação mãos limpas e operação lava jato. 4. A seletividade do sistema penal sob a ótica historicista das teorias criminológicas: Positivista e da Associação diferencial. 4.1. Aspectos gerais da seletividade do sistema penal e da criminologia crítica. 4.2. A seletividade do sistema penal e a teoria positivista. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo insere-se no âmbito do Direito Penal, precisamente na análise criminológica do fato motivador que limita ou dificulta os crimes de colarinho branco e seus agentes ingressarem no sistema penal; propondo a reflexão teórica de que, apesar de serem combatidos, os crimes e os agentes dos crimes de colarinho branco não fariam parte das prioridades persecutórias do sistema penal, uma vez que essas prioridades estariam baseadas na seletividade da distribuição do Justiça Penal aos crimes clássicos, cometidos pelos menos favorecidos, proposta pela exposição historicista de duas teses criminais: a teoria do criminoso atávico ou nato, desenvolvida por Cesare Lombroso e a teoria da associação diferencial, formulada por Edwin Sutherland.

A atualidade do tema reside no clamor social fomentado pela suposta seletividade penal, porquanto a sistema penal exprimiria tratamento e atenção diferenciada, em suas diversas estaturas, quando a persecução penal alcança atores economicamente privilegiados da sociedade (crimes de colarinho branco), ou seja, o combate aos crimes de colarinho branco refutaria a ideia de seletividade penal.

Desde o fim do século XIX, a criminologia e, precisamente, as sociedades pós-revolução industrial (capitalistas) justificaram sua política de controle social, propriamente o direito penal e suas instituições, baseadas nas teorias positivistas, em destaque a teoria defendida por Lombroso, da patologia pessoal criminosa: o criminoso nato; como sendo aquele homem menos civilizado que os demais membros da sociedade em que vive, sendo representado por um enorme anacronismo e dotado do gene da delinquência, ou seja, todo aquele que vivia a margem do ideal de vida capitalista.

Noutro contexto acadêmico, próximo do fim da década de 30, o sociólogo norte-americano Edwin Sutherland propõe sua tese, a teoria da associação diferencial, expondo as razões motivadoras da conduta desviante, porém, não partindo de premissas raciais ou de anormalidades morais e físicas. De sua tese, foi possível concluir que as teorias que justificavam as políticas criminais e sociais da época, estavam alicerçados sob uma perspectiva racista e classista, uma vez que os resultados de suas pesquisas concluíram que: a conduta criminosa/delinquente transcende as condições sociais desfavoráveis e/ou indivíduos menos civilizados ou ainda, indivíduos com anomalias físicas e mentais, porquanto a conduta criminoso/delinquente, estava maciçamente difundida nas classes econômicas dominantes e políticos daquela sociedade.

Nesse diapasão, temos que as consequências dos crimes de “colarinho branco” praticados pela maioria da classe social dominante daquela época, em muitos casos eram extremamente mais graves para organização social do que os delitos clássicos cometidos pelos mais pobres. Contudo, como acontece nos dias atuais, as prioridades persecutórias do sistema penal, apesar do combate aos crimes de colarinho branco, estariam pautadas na seletividade, uma vez que a distribuição do Justiça Penal alcançaria muito mais aos economicamente menos favorecidos, os crimes de massa.

Disso decorre o debate jurídico, porquanto pretende contextualizar, por meio da consulta em fontes bibliográficas, artigos e periódicos consolidados, bem como da análise de textos legais do ordenamento jurídico pátrio, os possíveis motivos pelos quais, mesmo com a repressão, os crimes de colarinho não ocupariam de forma prioritária ou igualitária a distribuição da Justiça Penal, bem como apresentar os possíveis fatores que acarretariam a persecução quase que prioritária, das minorias mais pobres, a seletividade penal. 

Para tanto, utilizar-se-á o método científico dedutivo[2], o qual parte-se de grandes e pequenas premissas, com o fim chegar a conclusão: expor e analisar os aspectos históricos da criminologia positivista (Lombroso) e da teoria da associação diferencial (Sutherland) para então contrapô-las, sob uma perspectiva elucidativa; expor os aspectos gerais dos crimes de colarinho branco em espécie, bem como do combate aos crimes de colarinho branco; contextualizar e debater, de forma sucinta, a ideia de seletividade penal, proposta pela criminologia crítica; para finalmente apresentar a possível resposta a reflexão teórica: o combate aos crimes de colarinho refutaria ou não a ideia de seletividade penal?.

1. ASPECTOS GERAIS DA TEORIA CRIMINOLÓGICA POSITIVISTA E/OU ESCOLA POSITIVISTA ITALIANA

1.1 Aspectos Históricos da Teoria Criminológica Positivista e/ou Escola Positivista Italiana

No século XIX notou-se a falência das ideias iluministas[3] tanto pelo crescente aumento da criminalidade e diversidade de crimes que se criaram, quanto pelas altas taxas de reincidência. Não obstante, apesar dessa derrocada social, foi uma época fértil no desenvolvimento das ciências sociais (Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, estatística etc.), oportunidade em que o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, fez nascer a Escola Positiva.

A primeira obra notória dessa Escola Criminológica, foi publicado no de 1876, pela edição do livro “L’uomo delinquente” escrita pelo médico italiano Cesare Lombroso (1835 – 1909), publicação que deu início a Escola Positiva Italiana. A teoria lombrosiana abalizou um momento de rompimento de paradigmas no Direito Penal e o surgimento da fase científica da Criminologia, porquanto os adeptos da Escola Positiva de Direito Penal rebateram a tese da Escola Clássica da responsabilidade penal lastreada no livre-arbítrio e do abstrato individualismo, opondo-se mais enfaticamente o corpo social contra a ação do delinquente e priorizando os interesses sociais em relação aos indivíduos.

Nesse contexto, o modelo proposto pelos juristas que se aliaram ao movimento positivista respondia às necessidades da burguesia no final do século XIX, porquanto havia se apoiado inicialmente em um Direito Penal Liberal que lhe havia permitido neutralizar a nobreza, limitando, através de um órgão legítimo, seu poder arbitrário (ROMERO, 1999).

Destarte, com a consolidação definitiva da nova burguesia, foi imperioso encontrar outros recursos penais que garantissem a superveniência dessa nova ordem social, haja vista que a burguesia se sentia ameaçada, não mais pela nobreza e seu poder arbitrário, senão pelas classes menos favorecidas que levavam dentro de si o germe da degeneração e o crime, chamados então de "classes perigosas". Face a esta preocupação central das novas classes privilegiadas, as ideias penais e criminológicas dos positivistas, proporcionaram-lhes um instrumento prático e teórico para afugentar o perigo que o menos privilegiados representavam para a estabilidade social.

Consequentemente, o pensamento dessa Escola Criminológica generalizou-se, exultante, a convicção, em um primeiro momento, industrialista e, logo a seguir, capitalistas, do progresso linear do saber humano, através de ciências que se entendiam quase como religiões laicas, capazes de explicar, pressagiar e manipular todos os fenômenos da vida (ELBERT, 2003).

Igualmente, na relevante questão teórica, salientou ELBERT (2003, pg. 54), que:

“O positivismo está estreitamente ligado à busca metódica sustentada no experimental, rechaçando noções religiosas, morais, apriorísticas ou conceitos abstratos, universais ou absolutos. O que não fosse demonstrável materialmente, por via de experimentação reproduzível, não podia ser científico”.

     Noutro ponto, cabe destacar as relevantes contribuições de outros teóricos contemporâneos de Lombroso; Enrico Ferri (1856 – 1929) e Rafael Garófalo (1851 – 1934), os quais tiveram fundamental importância para o estudo de vários aspectos do comportamento criminoso, seja antropológico, sociológico e/ou psicológico, contudo, essas duas últimas, não serão objeto de análise do presente artigo.

1.2 Aspectos Gerais da Antropologia de Cesare Lombroso

Cesare Lombroso, médico italiano, ocupou um dos papéis centrais, juntamente com Ferri e Garofalo na Criminologia e na Escola Positiva de Direito Penal, estabelecendo por meio de seus estudos, um relevantíssimo papel para a Criminologia e a Escola Positiva de Direito Penal.

Além da obra “L’uomo delinquente”, Lombroso escreveu outras tantas sobre esse tema, entre elas: “La donna delinquente, la prostituta e la donna normale” (1859), “Genio e degenerazione” (1908) e “Crime: It’s causes and remedies” (1913).

Entretanto, a principal e mais relevante tese desenvolvida e ampliada pelo doutrinador foi a do criminoso atávico (nato), a qual havia sido elaborada pelo naturalista Charles Robert Darwin (1809 – 1882). Para Lombroso, o criminoso atávico (nato) seria aquele homem menos civilizado que os demais membros da sociedade em que vive, sendo representado por uma enorme confusão, ou seja, esses indivíduos reproduzem física e mentalmente características primitivas do homem. Tal dedução, tomou por base o pressuposto de que os comportamentos humanos são biologicamente determinados.

O ponto de partida para suas deduções proveio de pesquisas craniométricas de criminosos, abrangendo fatores anatômicos, fisiológicos e mentais, ou seja, a base da teoria primeiramente, foi o atavismo: o retrocesso atávico ao homem primitivo; posteriormente, amparada pelo desenvolvimento psíquico: comportamento do delinquente semelhante ao da criança; tendo por fim, a analise agressividade explosiva do epilético (ALBERGARIA, 1999).

A principal contribuição de Lombroso para a Criminologia não reside tanto em sua famosa tipologia, "o delinquente atávico (nato)" ou em sua teoria criminológica, senão no método atualizado em suas investigações: “o método empírico”; porquanto sua tese foi formulada com base nos resultados de mais de quatrocentas autópsias de delinquentes e seis mil análises de delinquentes vivos; e o atavismo que, conforme o seu ponto de vista, caracteriza o tipo criminoso (MOLINA; GOMES, 2002).

Além disso, destacou a doutrina, que:

“A ideia de atavismo aparece estreitamente unida a figura do delinquente nato. Segundo Lombroso, criminosos e não-criminosos se distinguem entre si em virtude de uma rica gama de anomalias e estigmas de origem atávica ou degenerativa” (MOLINA; GOMES, 2002, p. 381).

Os estudos antropológicos de Lombroso buscavam, entre outras coisas, estabelecer uma divisão entre o “bom” e o “mau” cidadão, buscando nos “maus” patologias, para justificar a pena como meio de defesa da sociedade. No entanto, seu campo de pesquisa eram as prisões europeias e necrotérios da época e estavam cheios de indivíduos da classe economicamente menos favorecida daquele tempo.

2. ASPECTOS GERAIS DA TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL

2.1 Aspectos Históricos

Desde o fim do século XIX, até meados da década de 40 do século XX, a construção criminológica europeia baseou-se nas hipóteses propostas pelos positivistas italianos, difundida pela teoria da patologia pessoal criminosa: o degenerado moral, o biologicamente determinado, isto é, o criminoso nato; ideia principalmente disseminada por Lombroso.

Não obstante, o momento histórico daquela sociedade: pós-revolução industrial, o início das produções em massa, a grande ascensão do capitalismo e a queda da bolsa de 1929, a enorme crise econômica-social; proporcionam a Edwin Sutherland, o ambiente exato para o desenvolvimento de uma nova tese criminológica: a teoria da associação diferencial.

Noutro contexto acadêmico, ao fim da década de 30, após analisar especificamente os crimes econômicos da alta classe, o sociólogo norte-americano Edwin Sutherland desenvolveu a tese da associação diferencial, expondo as razões condutoras da conduta desviante, porém, não partindo de premissas raciais ou de anormalidades morais e físicas. De sua tese, percebeu-se que as teorias que justificavam as políticas criminais e sociais da época, estavam alicerçados sob uma perspectiva racista e classista, uma vez que suas pesquisas levaram-no a conclusão de que: a conduta criminosa/delinquente transcende as condições sociais desfavoráveis e/ou indivíduos menos civilizados ou ainda, indivíduos com anomalias físicas e mentais, porquanto a conduta criminoso/delinquente, estava maciçamente difundida nas classes econômicas dominantes e políticos daquela sociedade.

Nesse diapasão, Sutherland estabelece não apenas novos princípios que dizem respeito ao processo pelo qual uma determinada pessoa imerge no comportamento criminoso, mas concluiu que os crimes de colarinho branco eram praticados pela maioria da classe social e política dominante da época, e que suas consequências eram muito mais graves para organização social do que os delitos clássicos.

2.2 Aspectos Gerais da Obra: O Crime de Colarinho Branco e seus Efeitos na Sociedade “White Colar Crime and its Effects on Socity

A época, além da quebra teórica do paradigma criminal, a obra de Sutherland trouxe inúmeras contribuições ao estudo da criminologia e do comportamento criminoso, bem como demonstrou a enorme seletividade existente na persecução e no sistema penal como um todo.

 Ademais, segundo Lemos (2015), o exame empírico, possibilitou a qualificação das espécies de crimes cometidos pela classe econômica dominante da época, por meio da análise dos registros e práticas de pelo menos 70 grandes empresas, concluindo que todas, praticavam crimes econômicos e só haviam chegado a esse nível de poder econômico à custa da prática reiterada de crimes, bem como que todos os crimes praticados pelos empresários, envoltos por sua influência econômica, seriam considerados como crimes de colarinho branco, exemplo: um homicídio praticado por um empresário em certo conflito envolvendo greve em sua empresa.

Sem embargo, Lemos (2015) ainda discorreu que:

“Segundo os autores da apresentação da versão norte-americana de 1983, o presente livro trouxe três grandes contribuições para o campo criminológico: 1) ajudou a refinar o conceito de crime de colarinho branco a partir das novas descobertas; 2) atraiu a atenção de estudiosos para investigar essa nova área de pesquisa; 3) trouxe um vigoroso debate sobre as causas da criminalidade, elevando o nível de sofisticação das teorias sobre a conduta criminosa. Inegavelmente, foi Sutherland quem tornou popular a expressão “crime de colarinho branco”, e isso por si só já pode ser considerado uma contribuição, na medida em que trouxe ao público (pesquisadores ou não) uma percepção que não poderia ser mais ignorada sobre as práticas perpetradas pelos poderosos” (SUTHERLAND, 2015, p.12).

Igualmente, a tese do criminólogo norte-americano, apontou para uma possível justificação da existência de seletividade penal, quanto a persecução penal nos crimes de colarinho branco, ou seja, a atenção dispensada aos crimes cometidos pelas elites econômicas: a aplicação diferenciada da lei nos casos das empresas; seria diferenciada, uma vez que, prática, promoveria um efeito neutralizador da estigmatização.

Noutro ponto, Lemos (2015), elucidação a etimologia da expressão: colarinho branco; afirmando que não se sabe o por que os delitos cometidos pelos executivos proprietários e/ou políticos foram denominados de colarinho branco, contudo, sabe-se que os operários ou funcionários subalternos utilizavam camisas brancas de golas brancas e os executivos utilizavam camisas com a gola azul para diferencia-los, pode ser que essa seja a explicação mais plausível para a referida denominação.

2.3 Teoria da Associação diferencial

A teoria da associação diferencial formulada por Sutherland, estabeleceu que a conduta criminosa é resultado de seu aprendizado pelas relações e interações sociais e interpessoais, com outras pessoas, sobretudo com as consideradas intimas, as quais eventualmente, cometiam ou tinham a oportunidade de praticar condutas delituosas.

Desse modo, a construção da conduta criminosa estria alicerçada em alguns pilares, princípios que dizem respeito ao processo pelo qual uma determinada pessoa mergulha no comportamento criminoso, vejamos:

“a) o comportamento criminoso é aprendido, o que implica a dedução de que este não é herdado e de que a pessoa não treinada no crime não inventa tal comportamento, da mesma maneira que o indivíduo sem treinamento em Mecânica não cria invenções mecânicas; b) o comportamento em questão é aprendido em interação com outras pessoas, em um processo de comunicação, que é, em muitos aspectos, verbal, o que não exclui a gestual; c) a principal parte da aprendizagem do comportamento criminoso se verifica no interior de grupos pessoais privados, significando, em termos negativos, o papel relativamente desimportante desempenhado pelas agências impessoais de comunicação, do tipo dos filmes e jornais, na gênese do comportamento criminoso; d) a aprendizagem de um comportamento criminoso compreende as técnicas de cometimento do crime, que são ora muito complexas, ora muito simples, bem como a orientação específica de motivos, impulsos, racionalizações e atitudes; e) a orientação específica de motivos e impulsos é aprendida a partir de definições favoráveis ou desfavoráveis aos códigos legais, de feição que, em algumas sociedades, o indivíduo está cercado por pessoas que invariavelmente concebem os códigos legais como normas de observância necessária, ao passo que, em outras, acontece o inverso, o mesmo se encontra cercado por pessoas cujas definições apóiam a violação dos códigos legais, sendo que, na sociedade americana, quase sempre, tais definições se apresentam mescladas, resultando na ocorrência de conflito normativo no respeitante aos códigos legais; f) o fato de a pessoa se tornar delinqüente se deve ao excesso de definições em favor da violação da lei sobre aquelas em oposição à infringência desta, constituindo este o princípio definidor da associação diferencial e referindo-se tanto a associações criminosas quanto a anticriminosas, sem deixar de incluir forças contrárias; g) as associações diferenciais podem variar em freqüência, duração, prioridade e intensidade, o que quer dizer que as associações com o comportamento criminoso e igualmente aquelas com o comportamento anticriminoso sofrem variações nesses aspectos; h) o processo de aprendizagem do comportamento criminoso por associação com padrões criminosos e anticriminosos envolve todos os mecanismos peculiares a qualquer outro processo de aprendizagem, o que implica, no plano negativo, a constatação de que a aprendizagem do comportamento criminoso não está limitada ao processo de imitação, de sorte que a pessoa seduzida, a título de exemplificação, aprende o comportamento criminoso mediante associação, não sendo tal processo ordinariamente caracterizado como imitação; i) o comportamento criminoso, embora constitua uma expressão de necessidades e valores gerais, não é explicada por essas necessidades e valores gerais, uma vez que o comportamento não criminoso é uma expressão das mesmas necessidades e valores – “explained by those general needs and values, since noncriminal behavior is an expression of the same needs and values (FERRO, 2008, p.145-147).

Nesse diapasão, Ferro (2008, p.147) esclarece que Sutherland considerou não ser necessário explicar porque as pessoas possuem determinadas associações, em virtude da complexidade dos fatores em causa, ex:

“Um garoto sociável, expansivo e ativo, vivendo em uma área de elevada taxa de delinquência, apresenta grande probabilidade de vir a travar contato com outros garotos do bairro, aprender padrões de comportamento criminoso com eles e, por derradeiro, se tornar, ele próprio, um delinquente; Na outra face da moeda, um garoto emocionalmente perturbado, no mesmo dado bairro, que seja sozinho, introvertido e inativo, pode permanecer mais em casa, deixando de conhecer outros garotos do bairro e de se envolver em comportamento criminoso; Na terceira hipótese levantada pelo doutrinador, o garoto sociável, expansivo e ativo pode virar escoteiro, jamais se engajando em atividades delinquentes. Sua ilação é de que a definição das associações de uma pessoa se dá em um contexto geral de organização social, pois, como especifica, uma criança é geralmente criada em uma família, cujo lugar de residência depende largamente da renda familiar, não se olvidando a existência de relação entre a taxa de delinquência da área e o valor de aluguel das casas, entre outros fatores da organização social que influenciam as associações de alguém”. (FERRO, 2008, 147-148).

Em suma, Sutherland concluiu que, todo comportamento, seja legal ou criminoso, é aprendido em decorrência de associações com outros, dando-se a parte mais importante da aprendizagem no seio de grupos pessoais íntimos, pois, embora o comportamento delinquente, exprima necessidades e valores gerais, não é explicado por tais referenciais, posto que o comportamento conformista, não criminoso, reflete iguais necessidades e valores; sendo que as essências motivacionais do comportamento são, portanto, as mesmas tanto para o delinquente como para o conformista, respeitador da lei, morando a distinção no fato de que a perseguição dos fins, pelo primeiro, se faz com a utilização de meios ilícitos (FERRO, 2008).

Ou seja, nessa conjectura, a associação diferencial insurge, como produto de socialização no qual o criminoso e o conformista são orientados por muitos princípios idênticos, posto que as variáveis da frequência, duração, prioridade e intensidade da associação determinam o que é aprendido. Ao mesmo tempo, se esses princípios são suficientes e pelas associações, criminosas, a pessoa aprende as técnicas de cometimento de delitos, além dos impulsos, atitudes, justificativas e racionalizações que integram o conjunto de pré-condições para o comportamento criminoso, no determinado indivíduo, é desencadeada a predisposição favorável aos estilos de vida delinquentes, pela aprendizagem dessa conjunto de instrumentais, o que em dado momento poderiam estar associados à pobreza, mas em outra à riqueza e em algumas à ambas, pobreza e riqueza.

Desse modo, ao descobrir o desvio criminoso em meio a classe econômica dominante, a visão da delinquência foi forçadamente alterada, isto é, o comportamento criminoso passou a não encontrar justificativa nas teorias de patologia social, no sentido de necessidade econômica e de seus derivados, bem como a causas pessoais, baixo padrão intelectual, anormalidades biológicas e emocionais.

3. ASPECTOS GERAIS DO COMBATE AOS CRIMES DE COLARINHO

3.1 Os Crimes de Colarinho Branco em Espécie

Para Sutherland, o Crime do Colarinho Branco deveria ter cinco elementos: a) ser um crime; b) ser cometido por uma pessoa respeitável; c) esta pessoa deve pertencer a uma camada social alta; d) estar no exercício de seu trabalho e, por fim, e) constituir uma violação da confiança (CALLEGARI, 2006).

Todavia, em relação à realidade social hodierna, esses cinco requisitos configuradores da expressão “Crimes do Colarinho Branco” não se mostram suficientes para configurar a tipicidade penal, já que não raras vezes os crimes que afetam o sistema financeiro são cometidos por pessoas que não estão necessariamente na camada social mais alta, como também não são pessoas de grande respeitabilidade, no sentido lato (FISCHER, 2006).

Nessa perspectiva, o ideário de que apenas os de classes econômicas altas ou pessoas de alta posição social estariam inseridos os criminosos do colarinho branco foi evoluída, passando a não se limitar os sujeitos ativos dos crimes de colarinho branco pelo status social, mas pela natureza, espécie, do crime praticado.

Partindo dessa premissa, bem como contextualizando a essa pátria, nota-se que os crimes de colarinho branco, em suma, passaram a ser especificados ou identificados pela natureza do crime, ou seja, pelas diferentes tipificações de Crimes Econômicos e não pela qualificação do sujeito ativo, o agente do crime, porém, esse fato que iniciou-se a pouco mais de 30 anos, quando o Estado, por meio de uma maior tutela legislativa, buscou frear o avanço da criminalidade econômica, que em espécie são: Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, expresso na Lei n° 7.492/86; Crimes Contra a Ordem Tributária, previsto na Lei n° 8.137/90; Crimes de Lavagem de Dinheiro, expostos na Lei n° 9.613/98, entre outros.

3.2 Combate aos Crimes de Colarinho Branco: Operação Mãos Limpas e Operação Lava Jato

A maior e mais longa operação de combate aos crimes de colarinho está sendo deflagrada no brasil desde março de 2014. Os procuradores do Brasil continuam a perseguição implacável a executivos de construtoras, políticos, empresários e todas as pessoas ligadas a esse escândalo de propinas e corrupção.

A luz da sociedade pós-moderna, que diuturnamente debate sobre a seletividade do sistema carcerário, bem como o sentimento de impunidade dos poderosos, a iniciativa brasileira aparenta ser inovadora, no entanto, uma investigação realizada nos anos 1990, relacionada a pagamentos de subornos entre políticos e empresários na Itália, a chamada Operação Mãos Limpas, influenciou o modelo de combate aos crimes de colarinho branco.

A época, a investigação sobre grandes desvios de dinheiro público por meio do pagamento de suborno por contratos com o Estado acabou desconstruindo o sistema político da Itália, instaurado no período pós-Segunda Guerra, conforme ressaltou Araújo[4]:

“A Mãos Limpas prendeu 2.993 pessoas, investigou mais de 6.000, durou 4 anos, o eixo era a delação, um delatava 5, 5 delatavam 10 e o processo gerava uma multiplicação geométrica de réus, delatados pelos réus anteriores. A operação investigou 872 empresários, 438 parlamentares e 4 Primeiro Ministros, liquidou com os QUATRO MAIORES partidos políticos do País – a Democracia Cristã, o Socialista, o Social Democrata e o Liberal -, deixando livres o partido fascista, Movimento Social Italiano e o Partido República. Provocou vários suicídios, inclusive do presidente da ENI, petroleira estatal que era o centro da economia italiana, Gabriele Caggliari e de um dos maiores empresários da Itália, Raul Gardini. Quase prendem o maior político italiano do pós-guerra, o lendário Giulio Andreotti, nove vezes Primeiro Ministro. (O desastre político e econômico da Operação Mãos Limpas. Disponível em: < https://jornalggn.com.br/noticia/o-desastre-politico-e-economico-da-operacao-maos-limpas-por-motta-araujo>”. Acesso em 27 set. 2016).

Inspirados nesse exemplo, o judiciário brasileiro aproveitou as revelações no âmbito do escândalo da Petrobras para alcançar os agentes da corrupção e dos crimes de colarinho branco, até então intocável à persecução penal. Assim como a Operação Mãos Limpas, a Lava Jato tem empregado institutos de investigação como a delação premiada, para alcançar os corruptores mais poderosos e, consequentemente, além de ingressá-los no sistema penal, pouco a pouco, mudar a cultura da corrupção, impunidade e seletividade penal que está intrínseca no país, vejamos o entendimento dos Procurados:

“No último mês, o Superior Tribunal de Justiça manteve preso por tráfico de drogas um réu com quem foram encontradas 12 cápsulas de cocaína (8,73g) e R$ 82 em notas de pequeno valor. A prisão, no Brasil, em regra, só acontece ao fim do processo. Não era esse o caso, mas a Corte entendeu que a prisão extraordinária, chamada de “preventiva”, aplicava-se a essa situação porque havia indicativos de que o réu praticava delitos de forma reiterada e habitual. São réus como esse que ocupam grande parte das vagas de nosso sistema carcerário. De fato, este é composto em sua maioria por pobres, jovens (75% com menos de 34 anos), negros (67% do total) e de baixa escolaridade (59% analfabetos ou sem ensino fundamental completo). Para a tranquilidade de poucos e o desespero da sociedade, o universo carcerário é bastante estranho aos grandes corruptores e corrompidos, “notáveis cavalheiros” que também causam graves danos à coletividade. Em nossa população carcerária, a quarta maior do mundo, com cerca de 607 mil presos, é difícil encontrar alguém que tenha sido processado da primeira à última instância e esteja preso por corrupção. Causa espanto e traz esperança o fato de que, em operações como a Lava-Jato, grandes empresários e altos agentes políticos, frequentadores dos mais distintos camarotes, não encontram um tratamento privilegiado no processo penal. Nem deveriam encontrar, em razão do risco causado pela reiteração criminosa, da gravidade do dano e da igualdade de todos perante a lei, fatores que justificam a prisão como medida extraordinária. Como no caso dos traficantes contumazes, o risco à sociedade causado pela liberdade dos corruptos e corruptores habituais exige que eles sejam afastados dos meios que permitem a continuidade do crime. Com efeito, se mantidos soltos, continuarão a ter acesso e influência sobre as decisões, as pessoas e os recursos que perpetuarão crimes, dentro de um contexto da prática de corrupção como modelo de negócio e de gestão da coisa pública que se estendeu por mais de uma década. Além disso, a gravidade do tráfico não supera a da corrupção. Os desvios bilionários da corrupção corroem a saúde pela ausência de saneamento básico. Matam pela ausência de hospitais, aparelhos e medicamentos para atendimento. Fortalecem organizações criminosas pela educação e segurança deficientes, propiciando o aumento da violência e da marginalização. Geram um Estado paralelo, que governa para interesses privados. Para além do tráfico, a corrupção mina perigosamente a confiança da população nas instituições e no regime democrático. Não há razão para distinguir o tratamento dado ao traficante e ao criminoso de colarinho branco. No fim do mês passado, um senador da República foi preso em pleno exercício do mandato. Na decisão, bem pontuou o eminente ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello que a lei vale para todos, “não importando sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, governantes ou governados”. O fim dos camarotes jurídicos dos ricos e poderosos, imunes às leis penais, tem causado alguma surpresa, mas é um passo republicano necessário no amadurecimento de nossa democracia”. (Pozzobon, Roberson. Noronha, Júlio. Dallagnol, Deltan[5]. Justiça sem privilégios. Disponível em:<http://oglobo.globo.com/opiniao/justica-sem-privilegios-18226740#ixzz4LTLeQsEz>. Acesso em 27 set. 2016).

Não obstante, alheio as discussões procedimentais do processo punitivo, cuida-se ressaltar os resultados do combate à corrupção realizado pela operação Mãos Limpas:

“Os resultados políticos ao final da Operação foram DESASTROSOS. A destruição do sistema político criado no pós-guerra, a partir da aliança do movimento político de Alcide de Gasperi com o Vaticano, responsável pela extraordinária e rápida recuperação da economia produtiva italiana, que se tornou a 5ª economia do mundo, abriu um VÁCUO de poder que quase leva ao esfacelamento da República, com o Norte (Lega Lombarda) tentando se separar do Sul, o que não conseguiu por pouco. […] Na economia a Mãos Limpas levou a Itália à crise permanente, que dura até hoje, o outrora pujante e criativo meio empresarial italiano entrou em decadência porque grandes empresários foram aniquilados, o caso Gardini que cometeu suicídio é o mais impressionante, a economia ficou medíocre e sem dinamismo, traumatizada por centenas de empresários presos ou falidos, acabou a "Dolce Vita" dos brilhantes anos 60 e 70, da esfuziante prosperidade da “Via Veneto”.” (MOTTA, Araújo. O desastre político e econômico da Operação Mãos Limpas. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/o-desastre-politico-e-economico-da-operacao-maos-limpas-por-motta-araujo>. Acesso em 27 set. 2016).

4. A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL SOB A ÓTICA HISTORICISTA DAS TEORIAS CRIMINOLÓGICAS: POSITIVISTA E DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL

4.1 Aspectos Gerais da Seletividade do Sistema Penal e da Criminologia Crítica

A lógica de seletividade penal desenvolvida pela criminologia crítica, que por sua vez tem base no marxismo, é considerada a função real e a engrenagem estrutural no funcionamento do sistema penal, no contexto da sociedade capitalista classista (ANDRADE, 2012).

Nesse contexto, surge a análise das relações de desigualdade capitalistas e da justiça penal burguesa, esclarecida por Baratta, sobre a definição operada pelo sistema penal, com base no binômio da igualdade formal e desigualdade substancial do direito penal:

“O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às chances de serem definidos e controlados como desviantes.” (BARATTA, 2011, p. 164).

A criminalidade do colarinho branco firmou-se numa sociedade capitalista e expandiu-se no compasso do próprio desenvolvimento do capital, tendo como agentes “ilustres” membros desta engrenagem social, segundo Sutherland, pessoas de respeito, de elevado status social.

Embora tais afirmações remetam à reflexão das relações que compõem a sociedade capitalista e de como se situam perante o sistema penal, ou ainda, a determinados ideologias políticas, faz-se necessário definir o conceito criminológico de seletividade penal, bem como os limites dessa discussão, uma vez que o presente artigo atém-se a analisar a seletividade penal pela perspectiva histórica da teoria da associação diferencial, e não pela criminologia crítica.

4.2 A Seletividade do Sistema Penal e a Teoria Positivista

A teoria Positivista de Lombroso, emergiu numa nova organização social, a burguesia, fomentada pela revolução industrial que, consequentemente, também fomentou uma nova classe social, formada pelos negros que recentemente foram libertos da escravatura, bem como pelos trabalhadores, “operários”, das fábricas e empresas da época. Nesse contexto, a “ameaça” a nova ordem social burguesa, partiu da criminalidade, cometida principalmente, por essa nova classe social.

Nesse espeque, em meados do século XIX, surgiu a noção de periculosidade, fruto dos trabalhos desenvolvidos pelos precursores italianos Lombroso, Garófalo e Ferri. Assim sendo, o sistema penal para a Escola Positiva se fundamentou numa concepção determinista da realidade em que o homem estava inserido (BARATTA, 2011); ou seja, a criminalidade passou a ser pautada justamente pelo nível de adequação do comportamento individual com o espírito capitalista, a educação formal, a propriedade de bens materiais.

Portanto, segundo Borges (2016), o positivismo penal influenciou os intelectuais da época a fomentar um discurso criminológico de cunho nitidamente segregador, ao ponto que se considerar um indivíduo perigoso somente pelo fato de ele ter uma ou outra característica física ou mesmo por pertencer a uma classe social de menor poderio.

Foi então que o discurso Positivista, apesar das severas críticas que recebeu nos anos posteriores à sua consolidação, foi incorporado em diversas legislações e/ou nas políticas criminais, todavia de uma forma não explícita, e sim de forma “nebulosa”.

Borges (2016) assentou ainda que, dantes a Criminologia Positivista abordava a ideia de periculosidade, sobretudo com base em análises psicopatológicas da delinquência, no entanto, ao longo do tempo, esse saber foi revistado e incorporado à própria cultura jurídica, especialmente para, científica e juridicamente, dizer: quem deve ou não se punir, ou seja, o “ius puniendi” estatal, parte de um pressuposto discriminatório.

4.3 A Seletividade do Sistema Penal e a Teoria da Associação Diferencial

Segundo a observação de Sutherland, a criminalidade de colarinho branco firmou-se numa sociedade capitalista e expandiu-se no compasso do próprio desenvolvimento do capital, tendo como agentes membros ilustres desta engrenagem social, pessoas de respeito, de elevado status social.

Conforme destacou Lemos (2015), Sutherland utilizou ainda, como base de dados, os acordos extrajudiciais, as decisões administrativas, os processos extintos sem julgamento de mérito, os comunicados internos das empresas, isto é, todo o arcabouço de informações que levavam à existência de práticas criminosas mesmo que não oficialmente declaradas por meio de sentenças definitivas:

“Logo ele percebeu que havia uma longa estratégia de poder que excluía o colarinho branco da etiqueta penal. A começar pela forma com que são elaboradas as leis, passando pela atuação parcimoniosa das atividades policiais, até chegar à análise diferenciada do poder judiciário. Os dados não podiam levar a outra conclusão senão a de que o sistema como um todo funcionava para tratar de forma completamente distinta o criminoso das altas cifras. O crime da “high-society” não era objeto de censura social e oficial, ainda que sua atuação fosse formalmente criminosa e afetasse de forma bem relevante a organização econômica e ética do país”. (SUTHERLAND, 2015, p.16).

Logo, a descoberta do criminólogo norte-americano fez cair por terra um dos capítulos do ideário capitalista do estilo “que vença o melhor”, contudo, evidenciou a seletividade do sistema persecutório penal da época, uma vez que devido as características dos sujeitos dessa criminalidade, seus desvios tornavam-se nulos, pois, devido ao seus status, seriam os representantes do próprio sistema penal.

Sob essa perspectiva, a doutrina descortinou a função desenvolvida pelo cárcere, numa dinâmica de mercado, de uma sociedade capitalista, em que os criminosos do colarinho branco “não podem” fazer parte, tendo em vista serem eles os produtores do capital, os dirigentes das fábricas e nesse contexto, não haveria justificativa para o seu encarceramento e criminalização (BARATTA, 2011).

Igualmente, a partir da análise do crime de colarinho branco, por Sutherland, pode-se contextualizar a reflexão de que tanto o cárcere, quanto a persecução penal seriam o ponto culminante de um processo de seleção que inicia muito antes da ingerência do sistema penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, a criminologia se pauta muito mais no estudo do controle social e não propriamente no que levam os sujeitos a cometerem crimes, contudo, a análise historicista das teses: do Criminoso Nato e da Associação Diferencial, demonstrou-nos que a seletividade penal, persiste em abalizar a política criminal e social nas sociedades ocidentais, desde o século XIX. Apesar do esforça da criminologia crítica em explicitar tal segregação, os sistemas de controle penal, ainda são pautados no ideário Positivista do criminoso nato, do gene criminoso, nitidamente demonstrado, quando o Estado ocupa-se em combater os crimes de “colarinho branco”.

Nesse enredo, a gênese formadora da Teoria da Associação Diferencial constatou que, apesar dos crimes de colarinho branco causarem mais consequências na organização social e ao Estado, do que à somatória de todos os crimes patrimoniais ordinários (roubos, furtos, extorsões, estelionatos) cometidos no mesmo ano, a impunidade confirmava as premissas teóricas desenvolvidas sobre a existência da seletividade na persecução e no sistema penal como um todo, posto que ativos dos delitos eram membros das classes dominantes (LEMOS, 2015).

Noutro ponto, as conclusões de Sutherland não conduzem ao ideário da esquerda punitiva, pois, “atrair atenção para os crimes da elite não poderiam servir de suporte a uma tentativa de incremento punitivo contra as classes poderosas” (LEMOS, 2015, p.22).

Em contrapartida, apesar do aumento, ainda que discreto, das punições dos empresários e políticos, a efetiva punição dos crimes de “colarinho branco” tem como finalidade legitimar uma suposta isonomia do sistema, uma vez que ao considerar o sistema punitivo como um reflexo da estrutura de poder que recai sobre determinada sociedade, fica claro que a premissa da punição igualitária é mera retórica para continuar alimentando o Estado de Polícia com sua dieta tradicional.

Diante disso, o Estado tem fomentado ao longo dos anos, tanto pela instrumentalização legislativa, quanto investigatória dos órgãos de componentes do sistema penal, o fim do tratamento privilegiado no processo penal aos criminosos de colarinho branco. Todavia, conforme expõe a doutrina:

“A experiência neoliberal tem demonstrado quotidianamente que, ainda quando o Estado cria tipos penais de colarinho branco e fortalece seus mecanismos de fiscalização, o sistema penal permanece recaindo de forma drasticamente preferencial sobre a classe pobre, politicamente mais fraca” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. 2003, p.488).

Por fim, salienta-se que é preciso muita atenção para não cair na cilada de acreditar que o aumento do combate e da punição aos crimes de colarinho branco, por si só, seria capaz de produzir uma sociedade mais justa e igualitária, porquanto, conforme demonstrou-se, o combate a alta criminalidade não equaliza as forças do sistema penal, mas pode manter ou até mesmo agravar a seletividade.

Por derradeiro, destaca-se a frase de Foucault (1987, p.239), que demonstra o porquê os crimes de colarinho não ocupariam de forma prioritária a distribuição da Justiça penal: “Ora, essa delinquência própria à riqueza é tolerada pelas leis, e, quando lhe acontece cair em seus domínios, ela está segura da indulgência dos tribunais e da descrição da imprensa”.

Nesse enredo, entende-se pela comprovação da hipótese, presume-se que os objetivos gerais e específicos foram alcançados, porquanto utilizou-se a metodologia dedutiva, que consistiu na análise historicista de teorias criminológicas, contraposto pela análise do combate aos crimes de colarinho branco em espécie (premissas primárias), para chegar a ponderação de que, apesar de ser investigado e punido, existiria seletividade na distribuição da política criminal.

Finalmente, ressalta-se que o presente estudo não esgotou a discussão, no entanto, estimula novas pesquisas e debates sobre a possível ocorrência seletividade penal pela perspectiva do combate aos crimes de colarinho branco.

 

Referências
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ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da des(ilusão). 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 488.
 
Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Rafael de Deus Garcia Professor Mestre do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal do Unidesc. Mestre e Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UNB). Professor Substituto da Universidade Federal de Lavras. Advogado Criminalista (OAB/DF).

[2] O método dedutivo é um método científico que considera que a conclusão está implícita nas premissas. Assim, parte-se de duas preposições (premissa maior e premissa menor), para retirar uma terceira, nelas implicadas, denominada conclusão. (MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia, 2009, p. 6).

[3] Os pensadores deste movimento que apoiavam estes ideais, tinham em mente que o pensamento racional/a razão deveria ser usado como uma substituição das crenças religiosas e do misticismo, pois, segundo eles, eram a razão pela qual o homem não evoluía. O homem deveria ser o centro e era a partir dele próprio que procurava as respostas para que certas questões que, até este período, era usada a fé como forma de justificação. (O iluminismo. Disponível em: <http://oiluminismo.weebly.com/os-ideais-iluministas.html>. Acesso em: 22 set. 2016).

[4] Motta Araújo. Jornalista do Site http://jornalggn.com.br.

[5] Roberson Pozzobon, Júlio Noronha e Deltan Dallagnol são Procuradores da República e integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.


Informações Sobre o Autor

Thiago Soares Garcia

Graduado em Direito e Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste (UNIDESC). Secretário da Comissão da Advocacia Jovem (CAJ) da Subseção de Luziânia/GO (OAB/GO) – Gestão 2016-2018. Advogado Militante (OAB/DF e OAB/GO)


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