Benefício de prestação continuada (LOAS): críticas ao requisito etário

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Resumo: O presente artigo científico possui como finalidade a elucidação da diminuição da idade do idoso previsto na Lei Orgânica da Assistência Social com base na decisão da Juíza do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Comarca de Criciúma. Referido estudo possui o objetivo de questionar a constitucionalidade do critério etário presente na Lei Orgânica da Assistência Social. Vislumbra-se também a possível infringência ao ordenamento jurídico caso a PEC 287 seja votada e sancionada, a qual estabelecerá como faixa etário para a concessão do benefício para idoso a partir de 70 anos.[1]

Palavra-chave: idoso. LOAS. Benefício de prestação continuada.

Abstract: This scientific article aims to elucidate the reduction of the age of the elderly provided for in the Organic Law of Social Assistance based on the decision of the Judge of the Court of Justice of Santa Catarina, Region of Criciúma. This study aims to question the constitutionality of the age criterion present in the Organic Law of Social Assistance. There is also a possible violation of the legal system if PEC 287 is voted and sanctioned, which will establish as age range for the granting of the benefit to the elderly from 70 years.

Keyword: elderly. LOAS. Benefit of continued provision.

Introdução

Devido ao maior desenvolvimento socioeconômico das pessoas e maior acesso a uma alimentação adequada e atividades físicas que com o passar do tempo proporcionaram maior longevidade e qualidade de vida, as pessoas começaram a ter uma alta sobrevida.

Contudo, essa não é a realidade para a maioria da população brasileira, isto porque o Brasil é um país de dimensões continentais, e sendo assim há regiões em que se encontra em diversas etapas de desenvolvimento socioeconômico.

O presente artigo possui o objetivo de demonstrar a necessidade de nivelar os critérios etários ao patamar mais baixo, para que seja atingida a igualdade e o acesso da população nacional ao sistema de benefícios previdenciários.

A metodologia utilizada para a realização do presente artigo foi o método indutivo, o qual teve como fonte basilar a decisão monocrática de uma Juíza de 1º instância, ademais houve o estudo de bibliografias literárias e pesquisas em sites confiáveis.

Considerações históricas

No cenário mundial, a assistência social teve origem com os atos de caridade das Igrejas, não havendo qualquer incentivo por parte do Estado.

O Estado apenas passou a voltar seus olhos para tal instituto em 1601 publicando a “Act of Relief of the Poor”, ou, popularmente conhecida como Lei dos Pobres, a qual admitiu que era obrigação do Estado amparar os mais necessitados da sociedade.[2]

Já no Brasil, a assistência pública teve origem a partir da outorga da Constituição Federal de 1824, através dos chamados “socorros públicos”, os quais consistiam na assistência em casos de calamidade públicas, epidemias, e outras situações de perigo que afetavam a população da época.

A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a atribuir à União a competência para legislar sobre os assuntos relacionados à assistência social. Porém foi com a publicação da Constituição de 1937 que houve uma maior defesa dos direitos ao idoso, vida e invalidez, bem como a formação do Conselho Nacional da Seguridade Social.

Em 1974, foi promulgada a Lei nº 6.179, cuja fortaleceu o significado da assistência social amparando o idoso incapacitado para o trabalho e sem condições de prover o seu sustento:

“Art 1º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural,(…)”

Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, solidificou a presença da seguridade social, dividida em: saúde, previdência e assistência social.

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

Por fim, em 1993, foi devidamente regularizada a assistência social com o advento da Lei nº 8.742, recebendo o título de Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Referida teve como ultima modificação dada pela Lei 12.435, publicada no dia 06 de julho de 2011, incluindo a previsão do Benefício de Prestação Continuada, no valor de 1 (um) salário-mínimo, que, popularmente, recebeu como nome as siglas da Lei.

Requisitos objetivos do benefício de prestação continuada

A assistência social possui como pressupostos objetivos, previstos no artigo 203 da Constituição Federal de 1988, a proteção à família, à maternidade, à infância, à velhice, promoção da integração ao mercado de trabalho, dentre outros, sendo que, no inciso V, estipula objetivamente os requisitos para a concessão do beneficio de prestação continuada, vejamos:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…)

V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família conforme dispuser a lei.”

Para Marisa Ferreira dos Santos, a assistência social é “o instituto que melhor atende o preceito de redução das desigualdades sociais e regionais, porque se destina a combater a pobreza, a criar as condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.”[3]

Como se pode observar em nenhum momento a Constituição Federal previu o critério etário para a concessão do benefício assistencial ao idoso e ao portador de deficiência. No entanto, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, precisou de uma norma regulamentadora para tratar do assunto, a qual foi publicada em 07 de dezembro de 1993.

A Lei nº 8.742/93 trouxe, em seu artigo 20, o requisito etário para as pessoas idosas, sendo que somente será concedido o benefício assistencial à pessoa com mais de 65 anos hipossuficiente economicamente, vejamos:

“Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.”

Vale ressalta-se que, atualmente, com a promulgação do Decreto nº 8.805/2016, também é requisito obrigatório, para a concessão do benefício de prestação continuada, a inscrição da pessoa idosa e do portador de deficiência no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO).[4]

Inconstitucionalidade do requisito etário da Lei n. 8.742 de 1993

O requisito etário presente na Lei 8742, publicada em 1993, atualmente apresenta incongruência com o sistema jurídico.

Ocorre que em 2003, foi promulgada o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, cujo pressuposto para a caracterização de uma pessoa na qualidade de “idoso” é a idade acima de 60 (sessenta) anos, vejamos:

“Art. 1º: É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”

Sendo o Estatuto do idoso uma norma jurídica específica e posterior à Lei 8.742/93, esse prevaleceria no ordenamento jurídico, desse modo o Beneficio de Prestação Continuada seria concedido também para aquele idoso que não consegue prover a sua subsistência e possuem 60 (sessenta) anos, descartando, assim, o critério etário da Lei Orgânica da Assistência Social.

Esse entendimento foi aplicado, em um caso concreto, pela primeira vez na decisão da Juíza Adriana Regina Barni Ritter, da 2ª Vara do Juizado Especial Federal de Criciúma, a qual bem observou em sua decisão:

"Não tendo a Constituição Federal limitado a idade do idoso para fins de amparo social, a lei não poderia fazê-lo, porque isso implica (…) total afronta ao princípio da igualdade", afirmou a juíza. Para a magistrada, se o Estatuto do Idoso estabelece que as pessoas a partir de 60 são consideradas idosas e devem ter proteção integral, a idade mínima para receber o benefício deveria ser a mesma. A expressão "conforme dispuser a lei"", que está no texto constitucional, também não autoriza o limite de 65 anos. "Do contrário, poder-se-ia admitir (…) que o legislador instituísse qualquer idade mínima, como (…) 70, 75, 80 anos, o que, certamente, não foi a intenção do constituinte".[5]

Tal decisão, até então única no cenário jurídico, serviu de base para outros juristas prolatarem sua decisão com o mesmo posicionamento, como foi o caso da sentença da Juíza de Direito da 2º Vara Cível da Comarca de Atibaia Roberta Cristina Morão.

Referida Magistrada baseou seu julgamento também no posicionamento publicado na Revista Espaço da Previdência, vejamos:

“Sobre o assunto temos recente publicação da Revista Espaço da Previdência por Rômulo Saraiva que: “Se o Estatuto do Idoso define que idoso é aquele que tem mais de 60 anos, por que o benefício de prestação continuada (BPC) só começa para idoso com mais de 65 anos? Quando a lei do amparo social foi criada em 1993, sequer existia o Estatuto do Idoso, esse gerado somente 10 anos depois. Embora uma lei seja mais velha que a outra, não faz muito sentido elas coexistirem hoje, cada uma dizendo uma coisa”. [6]

Por tudo que foi exposto, há uma nítida antinomia das duas leis que dispõe de modo diferente um mesmo conceito. Destaca-se que, para o filosofo Hans Kelsen, haverá antinomia quando “uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela[7].

O doutrinador Marcelo Novelino conceitua a antinomia jurídica como:

“As constituições democráticas contemporâneas se caracterizam por consagrar grande diversidade de valores plurais, não raro, conflitantes entre si, tornando frequente o surgimento de antinomias. As antinomias jurídicas consistem no conflito entre as normas pertencentes ao mesmo ordenamento e dotadas do mesmo âmbito de validade temporal, espacial, pessoal e material.”[8]

Esse conflito aparente de normas é facilmente solucionado pelos critérios cronológicos e de especialidade, uma vez que deverá prevalecer no ordenamento jurídico a norma que for publicada posteriormente e, que de forma mais específica, regular o tema.

O critério cronológico para a solução do possível conflito aparente entre duas normas jurídicas encontra base jurídica no artigo 2º, paragrafo 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, vejamos:

“§ 1º :A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Já o critério da especialidade está previsto no paragrafo 2º do dispositivo supracitado, vejamos:

“§ 2º: A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Destarte, no cenário jurídico brasileiro, a lei nº 8.742/93 torna-se revogada parcialmente no que tange ao dispor sobre a idade considerável para ser um idoso, posto que a Lei 10.741/2003 foi introduzida no cenário jurídico posteriormente e trata de forma peculiar do tema idoso.

Vale ressaltar que o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105) também se encontra em consonância com o Estatuto do idoso, uma vez que estabelece a prioridade de tramitação de processos para a parte que possui idade superior a 60 (sessenta anos), vejamos:

“Art. 1.048.  Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:

I – em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6o, inciso XIV, da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988;”

Cumpre aqui frisar, que caso seja votada e publicada a PEC 287, conhecida como Reforma Previdenciária, irá alterada significantemente o cenário do critério etário, aumentando a idade, para a concessão do Benefício de Prestação Continuada para idoso hipossuficiente, de 65 anos para 70 anos, sendo que tal aumento ocorrerá de forma gradual, vejamos:

“Art. 19. A idade estabelecida antes da promulgação desta Emenda para acesso ao benefício previsto no inciso V do caput do art. 203 da Constituição terá incremento gradual de um ano a cada dois anos, até alcançar a idade de setenta anos.”[9]

Caso vislumbra-se a hipótese da PEC 287 entrar no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional há que se defender ainda aplicação do critério etário previsto no Estatuto do Idoso. Isto porque ele trata especificamente do assunto no que tange a pessoas idosas e caracteriza essas como pessoas maiores de 60 (sessenta) anos.

Conclusão

A Constituição Federal da República do Brasil garante a proteção ao idoso que não consegue prover a sua própria subsistência sem fazer qualquer distinção de idade, a qual ficou a cargo de edição de lei para regulamentar a definição do que seria uma pessoa idosa.

Tal foi realizado pela Lei Orgânica da Assistência Social em 1993, definindo idoso como pessoa maior de 65 anos de idade. Contudo dez anos mais tarde foi publicado o Estatuto do idoso, em forma da Lei nº 10.741, cuja definição de idoso é a pessoa acima de 60 anos.

Estando as duas leis em vigor no atual cenário jurídico causa certa insegurança jurídica, isto porque as duas estão corretamente válidas e eficazes a ser aplicadas no caso concreto.

Tendo em vista tamanha antinomia, o que pode causar algumas injustiças aplicando dois pesos e duas medidas para a mesma situação jurídica, conclui-se que deve empregar os critérios cronológicos e especialidade utilizados para a resolução de conflitos aparentes de normas.

Pela aplicação desses dois caracteres, depreende-se finalmente pela aplicação do critério etário previsto no Estatuto do Idoso. Ademais, no Brasil, devido a sua extensa área territorial, há diversas realidades sociais, e por isso, para haver certa equidade no ordenamento jurídico deve ser aplicado o critério etário menor, o qual prevê como idade a ser caracterizado como pessoa idosa aos 60 anos de idade.

Desse modo, a pessoa com idade entre 60 anos e 65 anos também faz jus a concessão do direito ao benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, desde que também preencha o requisito de hipossuficiência do idoso, bem como de sua família.

 

Referências
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PORTAL JUSBRASIL – Criciúma – pessoa de 62 anos terá benefício assistencial de idoso. Disponível em: <https://jf-sc.jusbrasil.com.br/noticias/3109503/criciuma-pessoa-de-62-anos-tera-beneficio-assistencial-de-idoso> .  Acesso 01/08/2017 às 21:17
PORTAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Disponível em:<http://www.previdencia.gov.br/servicos-ao-cidadao/todos-os-servicos/beneficio-assistencial-bpc-loas/>. Acesso dia 04/07/2017 às 15:50hs
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 12.ed.rev.ampl. e atual.- Salvador: Editora Juspodivm, 2017.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado; coord. Pedro Lenza – 6.ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.
 
Notas
[1] Trabalho orientado pelo Prof.  Carlos Alberto Vieira de Gouveia

[2] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado; coord. Pedro Lenza – 6.ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.p.37.

[3] Santos, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado® / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p .139

[6] Processo 4004161-84.2013.8.26.0048

[7] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 228 e 229

[8] NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 12.ed.rev.ampl. e atual.- Salvador: Editora Juspodivm, 2017.p. 123


Informações Sobre o Autor

Ana Laura do Valle Flores de Oliveira

Advogada graduada na Faculdade de Direito de Franca 2011. Pós graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Damásio de Jesus


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