MERCOSUL: O mecanismo de solução de controvérsias sob a égide do Protocolo de Olivos

O sistema originário de solução de controvérsias do Mercosul se baseava, inicialmente, no Protocolo de Brasília (PB), de 1991, e no Anexo ao Protocolo de Ouro Preto (POP), de 1994.


Desde o julgamento dos três primeiros laudos arbitrais no Mercosul. foram detectadas algumas deficiências presentes no Protocolo de Brasília (PB) e se desponta a necessidade de instituição de uma nova sistemática visando a necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul.


Na DEC. CMC Nº 25/00, adotada durante a XVIII Reunião do Conselho do Mercado Comum (Buenos Aires, 29/V/00), delegou-se ao Grupo Ad Hoc de Aspectos Institucionais (GAHAI), a feitura de uma proposta integral acerca do aperfeiçoamento do Sistema de Solução de Controvérsias do PB. Assim, a temática foi incluída na Agenda de Relançamento do Mercosul que encomendou ao GMC a elaboração de propostas de alteração do sistema de solução de controvérsias.


Consubstanciada na análise do GAHAI acerca do aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias, foi adotada a DEC. CMC Nº 65/00. A partir de então, foram realizados uma série de encontros internacionais para proceder ao debate acerca do projeto de reformas ao sistema de solução de controvérsias no Mercosul.


 Neste cenário, o texto do Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul foi assinado em 18 de fevereiro de 2002, derrogando expressamente o PB.


O PO e está em vigor internacionalmente desde janeiro de 2004. No Brasil o PO foi ratificado pelo Decreto Legislativo 712/03 e promulgado pelo Decreto 4.982/04. O PO objetivou implementar nova sistemática, de forma consistente e sistemática, visando consolidar a segurança jurídica, uma maior juridicidade e a melhoria procedimental do sistema de solução de controvérsias no Mercosul.


O art 4º do PO estabelece que os Estados-Partes, numa controvérsia, procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas. Estas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder o prazo de quinze (15) dias a partir da data em que uma delas comunicou à outra a decisão de iniciar a controvérsia. Os Estados-Partes em uma controvérsia informarão ao Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados das mesmas. Se, mediante as negociações diretas, não se alcançar um acordo, ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá iniciar diretamente o procedimento arbitral.


O PO, inobstante derrogue expressamente o PB, não adota um sistema permanente à solução de controvérsias para o Mercosul, conforme a previsão originária do Tratado de Assunção. o PO mantém a transitoriedade, condicionando essa nova revisão à futura convergência de uma Tarifa Externa Comum para o Mercosul. Ademais, o mecanismo de solução de controvérsias instituído pelo PO não derroga o mecanismo de solução de diferendos existente no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul, estabelecido pelo anexo do POP. A toda evidência, o novo sistema de solução de controvérsias do PO apresenta avanços significativos em relação à sistemática anterior do PB, dentre os quais se destacam:  i) criação de um Tribunal Permanente de Revisão (TPR); ii)  implementação de mecanismos de regulamentação das Medidas compensatórias;  iii) criação de normas procedimentais inspiradas no modelo da OMC, como as que determinam que o objeto da controvérsia seja limitado na reclamação e resposta apresentadas ao Tribunal Ad hoc; iv) intervenção opcional do GMC;  v) possibilidade de eleição de foro; e Possibilidade de Reclamação dos Particulares.


Um dos maiores avanços do PO refere-se a criação do Tribunal Permanente de Revisão (TPR) com três funções significativas: a função de instância recursal, a de órgão de instância única e a consultiva.


A sistemática implementada pelo PO não abandona a figura dos tribunais arbitrais ad hoc; apenas lhes agrega o órgão jurisdicional. Os arbitrais ad hoc serão suprimidos apenas nos casos em que as partes, voluntariamente, decidam se submeter, em única instância, ao TPR.  Exclusivamente nestes casos, o TPR assume a função de órgão de instância única.  Nessas condições, os laudos do TPR serão obrigatórios para os Estados-Partes na controvérsia, a partir do recebimento da respectiva notificação, não estarão sujeitos a recursos de revisão e terão, com relação às partes, força de coisa julgada (PO, art. 23, 2). No que tange à função recursal, o PO estabelece um procedimento de revisão no art. 17, dispondo que qualquer das partes na controvérsia poderá apresentar um recurso de revisão do Laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc ao TPR, em prazo não-superior a quinze (15) dias a partir da sua notificação. Todavia, o recurso estará limitado a questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no Laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc. Vale destacar que os laudos dos Tribunais Ad Hoc emitidos com base nos princípios ex aequo et bono não serão suscetíveis de recurso de revisão. Especificamente à função consultiva, o PO estabelece a possibilidade de o TPR funcionar como uma jurisdição consultiva.


O TPR emitiu, em dezembro de 2005, seu primeiro laudo acerca de um recurso apresentado pelo Uruguai contra o Laudo Arbitral do Tribunal Arbitral Ad Hoc, de 25 de outubro de 2005, na controvérsia “Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados Procedentes do Uruguai”.


As controvérsias entre os Estados-Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento do TA, do POP, dos protocolos e acordos celebrados no marco do TA, das Decisões do CMC, das Resoluções do GMC e das Diretrizes da CCM serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no PO e seu respectivo Regulamento (DEC. CMC N° 37/03).


 Nos casos de controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do PO e que possam também ser submetidas ao sistema de solução de controvérsias da OMC ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam parte individualmente, os Estados-Partes do Mercosul poderão se submeter a um ou outro foro, à escolha da parte demandante. Sem prejuízo disso, as partes poderão, de comum acordo, definir o foro.  Uma vez iniciado um procedimento de solução de controvérsias no foro escolhido, nenhuma das partes poderá recorrer a mecanismos de solução de controvérsias estabelecidos nos outros foros com relação a um mesmo objeto, ou seja, a eleição é excludente.


 Evidencia-se que a eleição de foro será uma prerrogativa da parte demandante, exceto estipulação em contrário das partes envolvidas na controvérsia. Neste contexto, admite-se que as controvérsias surgidas no âmbito do PO sejam resolvidas por outros sistemas de solução de controvérsias, desde que possuam competência para tanto, como o sistema da OMC ou outros esquemas preferenciais de que os Estados-Partes do Mercosul participem de maneira individual. Mister se faz relevar que, em sendo a eleição de foro excludente, evitar-se-á a duplicidade de procedimentos e também que soluções contraditórias sejam proferidas para um mesmo litígio.


Outra importante inovação trazida pelo PO se consubstancia na previsão das reclamações de particulares, há muito demandadas pelos agentes privados, também legítimos atores no processo integracionista. Os trâmites relativos às reclamações de particulares estão normatizados nos art. 39 a 41 do PO.


As controvérsias surgidas entre os Estados-Partes do Mercosul e terceiros países
serão solucionadas no âmbito da OMC. 


Nos casos envolvendo Bolívia e Chile, os conflitos podem ser resolvidos ao amparo dos regimes de solução de controvérsias previstos nos acordos de livre comércio celebrados com o Mercosul.


Inobstante significativas alterações, o sistema de solução de controvérsias adotado pelo PO continua seguindo o modelo arbitral, apesar das discussões e opiniões que asseveram a necessidade da adoção de um sistema judicial de solução de conflitos consubstanciado em uma ordem jurídica supranacional, assim como ocorreu na União Européia, que assegura uniformidade de interpretação e aplicação.


O sistema de resolução de controvérsias do Mercosul ainda se mantem  edificado sobre os princípios do pragmatismo, realismo e gradualismo e, consequentemente, tem proporcionado uma maior flexibilidade. 


Com efeito, a flexibilidade do sistema de solução de constrovérsias do Mercosul  favorece a solução negociada, fundamental para países que têm de lidar com uma constante instabilidade política e econômica, bem como com os abalos sofridos por influência políticas externas todavia ainda não possibilita a segurança jurídica necessária e desejável para avanços significativos no processo de integração.


 


Referencias bibliograficas

BARRAL, W. O novo sistema de solução de controvérsias do Mercosul. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, v. 31, n. 73, jul./dez. 2001b, p. 53-65

BAPTISTA, L. O. Solução de divergências no Mercosul. In: BASSO, M. (Org.). Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. 2. ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1997

COSTA, L. M. Tribunais supranacionais e aplicação do direito comunitário: aspectos positivos e negativos. In: VENTURA, D. de F. L. (Org.). Direito comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1997.

COUTINHO, K. R. M. Protocolo de Olivos: um novo sistema de solução de controvérsias para o Mercosul. avocato.com.br, Brasília, n. 0010, setembro. 2004. 16 p. Disponível em: <http://www.avocato.com.br/doutrina/ed0010.2004.gui0003.htm>. Acesso em: 2 fev. 2005)

OCTAVIANO MARTINS, Eliane M. A sistemática de solução de controvérsias no âmbito da OMC. Revista de Direito Internacional Econômico. , v.2, n.5, p.61 – 70, 2003.

REYES, J. E. F. Evaluación de los mecanismos de solución de controvérsias e el Mercosur. Revista de Direito Internacional e Mercosul, Buenos Aires, n. 4, p. 159-169, ago. 2000


Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS


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