A injúria na Lei Maria da Penha

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“Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A qualquer principiante Acadêmico de Direito que ditadas estas elementares normativas do tipo a primeira coisa que virá à mente será a subsunção das mesmas ao delito de Injúria, previsto no Art. 140 do Código Penal, cuja objetividade jurídica é a proteção da honra alheia. Tamanha a clareza de todos os elementos de sua definição legal que na maioria esmagadora dos casos a perscrutação acerca do elemento subjetivo do tipo, o dolo (animus injuriandi) é levada a efeito tão-somente para um juízo de condenação ou absolvição do agente, jamais para uma verificação de outra e possível mais adequada capitulação do fato (emendatio libelli).


Pois bem. Analisando mais detidamente vasto número de combalidas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, ouvindo atenciosamente a lamentação dessas abatidas vítimas, parece-me que velhas e carcomidas lições doutrinárias merecem a partir da edição da Lei Maria da Penha uma releitura. Não que este salvífico Diploma tenha trazido alguma inovação na estrutura dogmática do crime de Injúria, mas, pela aplicada e hábil definição das múltiplas formas e facetas da violência doméstica e familiar contra a mulher feita por esta Lei de vanguarda.


O atendimento diário às vítimas de violência familiar revela que as injúrias lançadas pelos companheiros agressores não são meros e inofensivos palavrões ou obscenidades ocasionais e inéditos. É fato. Ainda mais quando se sabe que a mulher vítima da violência caseira só procura uma Delegacia Especializada quando completamente depauperada. Mas, ainda bem, as coisas estão mudando.


Em verdade, e a funesta verdade, é que a esposa ou companheira vítima dessa violência doméstica e familiar passa anos, ou melhor, Décadas, sendo diuturnamente chamada de “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Faço questão de não abrir as aspas pra cada tabuísmo, porque, curiosamente, a ordem de pronúncia das falas ofensivas é sempre a mesma, raramente o agressor se confunde, até mesmo para estrategicamente disfarçar o pleonasmo. Aí, o termo “cachorra”, vago e impreciso, parece fantasiosamente ajudar muito a perissologia agressiva. E essa vida desditosa da mulher casada perdura muitas vezes até a viuvez, quando o finado vira um santo, em homenagem a filhos e netos…


O estado de saúde mental, a higidez espiritual, a auto-estima das mulheres vítimas da cotidiana e incessante violência verbalizada é sempre grave e lamentável, sempre resultante numa nulificação psicológica da ofendida. O agressor sabe que o repetido e diário desacato à esposa não resulta na mera ofensa à honra, mas, sim, no controle, no seqüestro da subjetividade de sua cativa e dependente esposa. É o perverso segredo do homem na civilização e cultura patriarcal, ainda dominante. Esta, a esposa, sabe que se não deixar o café pronto as 6 da manhã é porque é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Se atrasar o almoço é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Se a cozinha não estiver limpa pouco tempo depois é “piranha, cachorra, sa fada e vagabunda”. E, à noite, quando o agressor volta embriagado para casa, a esta altura sem motivo ou explicação, a mulher é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”, e se esta se negar a manter conjunção carnal com seu Senhor Feudal naturalmente também levará uma surra, por ser “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Com direito a um telefonema na madrugada para a sogra, para dizer a esta, com ares de novidade, que a filha é uma “piranha, cachorra, safada e vagabunda”.


Imagine esta cena diária se repetindo durante 20, 30, 40 anos. 


Poder-se-ia categoricamente dizer que, neste caso, o único objeto jurídico atingido seria a honra alheia?


A saúde psicológica e a autodeterminação da mulher restam intocadas, intactas, nesta desgraçada moldura ensaiada?


Lê-se no Código Penal:


Lesão corporal


Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.


Destarte, não é somente a integridade corporal o objeto jurídico tutelado pelo disposto no Código Penal no seu Art. 129. Claramente se avista que a saúde também recebe a proteção normativa no tipo, estabelecendo, assim, um dever de abstenção de ofensa à saúde de outrem.


E, com muita didática e cientificidade, a Lei Maria da Penha fez despertar a toda consciência jurídica nacional esse drama próprio das mulheres.


O novel Diploma Especial da Mulher, sensível a este pesadelo doméstico, a este cativeiro psicológico, fez estabelecer expressa diferença do que seja uma mera Injúria, daquilo que mais apropriada e certamente assuma contornos de uma verdadeira e repugnante violência psicológica, a atentar contra a saúde da mulher, seu bem mais precioso.


Confira-se:


 “CAPÍTULO II


DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER


Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (…)


II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (…)


V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.


Assim, se as palavras de baixo calão, os palavrões e xingamentos proferidos pelo agressor, durante toda a vida conjugal, forem assacados com o objetivo de causar dano emocional e diminuição da auto-estima, para prejudicar e perturbar o pleno desenvolvimento da mulher, visando, ainda, degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões desta, incutindo na mulher o constrangimento, a humilhação, a manipulação, o isolamento, o insulto e a ridicularização, em detrimento de sua saúde psicológica e autodeterminação, certamente que não estaremos diante da figura típica e antijurídica da Injúria.


As injúrias lançadas anos a fio, contra a esposa, certamente e dentro de critérios penais de consunção e especialidade, se traduzem em meio, num modus operandi, para se atingir ao fundo objetividade jurídica distinta da honra alheia, qual seja, a própria saúde e plenitude psicológica da mulher, enquanto componente de sua integridade psíquica, também protegida pelo Art. 129 do Código Penal. Restando à definição da Injúria doméstica àquela mera e gratuita violência moral apartada e distante do escopo do agente de controlar as ações ou causar prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da vítima, que, nesse caso, raramente levam à lavratura de um Boletim de Ocorrência. A maioria esmagadora dos registros policiais sinaliza que a violência psicológica é, sim, o bem mais atingido das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Este é o alvo do sutil agressor-controlador, que transcende a questão da honorabilidade da mulher.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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A injúria na Lei Maria da Penha

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Pois bem. Analisando mais detidamente vasto número de combalidas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, ouvindo atenciosamente a lamentação dessas abatidas vítimas, parece-me que velhas e carcomidas lições doutrinárias merecem a partir da edição da Lei Maria da Penha uma releitura. Não que este salvífico Diploma tenha trazido alguma inovação na estrutura dogmática do crime de Injúria, mas, pela aplicada e hábil definição das múltiplas formas e facetas da violência doméstica e familiar contra a mulher feita por esta Lei de vanguarda.


O atendimento diário às vítimas de violência familiar revela que as injúrias lançadas pelos companheiros agressores não são meros e inofensivos palavrões ou obscenidades ocasionais e inéditos. É fato. Ainda mais quando se sabe que a mulher vítima da violência caseira só procura uma Delegacia Especializada quando completamente depauperada. Mas, ainda bem, as coisas estão mudando.


Em verdade, e a funesta verdade, é que a esposa ou companheira vítima dessa violência doméstica e familiar passa anos, ou melhor, Décadas, sendo diuturnamente chamada de “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Faço questão de não abrir as aspas pra cada tabuísmo, porque, curiosamente, a ordem de pronúncia das falas ofensivas é sempre a mesma, raramente o agressor se confunde, até mesmo para estrategicamente disfarçar o pleonasmo. Aí, o termo “cachorra”, vago e impreciso, parece fantasiosamente ajudar muito a perissologia agressiva. E essa vida desditosa da mulher casada perdura muitas vezes até a viuvez, quando o finado vira um santo, em homenagem a filhos e netos…


O estado de saúde mental, a higidez espiritual, a auto-estima das mulheres vítimas da cotidiana e incessante violência verbalizada é sempre grave e lamentável, sempre resultante numa nulificação psicológica da ofendida. O agressor sabe que o repetido e diário desacato à esposa não resulta na mera ofensa à honra, mas, sim, no controle, no seqüestro da subjetividade de sua cativa e dependente esposa. É o perverso segredo do homem na civilização e cultura patriarcal, ainda dominante. Esta, a esposa, sabe que se não deixar o café pronto as 6 da manhã é porque é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Se atrasar o almoço é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Se a cozinha não estiver limpa pouco tempo depois é “piranha , cachorra, safada e vagabunda”. E, à noite, quando o agressor volta embriagado para casa, a esta altura sem motivo ou explicação, a mulher é “piranha, cachorra, safada e vagabunda”, e se esta se negar a manter conjunção carnal com seu Senhor Feudal naturalmente também levará uma surra, por ser “piranha, cachorra, safada e vagabunda”. Com direito a um telefonema na madrugada para a sogra, para dizer a esta, com ares de novidade, que a filha é uma “piranha, cachorra, safada e vagabunda”.


Imagine esta cena diária se repetindo durante 20, 30, 40 anos.


Poder-se-ia categoricamente dizer que, neste caso, o único objeto jurídico atingido seria a honra alheia?


A saúde psicológica e a autodeterminação da mulher restam intocadas, intactas, nesta desgraçada moldura ensaiada?


Lê-se no Código Penal:


 “Lesão corporal


Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.


Destarte, não é somente a integridade corporal o objeto jurídico tutelado pelo disposto no Código Penal no seu Art. 129. Claramente se avista que a saúde também recebe a proteção normativa no tipo, estabelecendo, assim, um dever de abstenção de ofensa à saúde de outrem.


E, com muita didática e cientificidade, a Lei Maria da Penha fez despertar a toda consciência jurídica nacional esse drama próprio das mulheres.


O novel Diploma Especial da Mulher, sensível a este pesadelo doméstico, a este cativeiro psicológico, fez estabelecer expressa diferença do que seja uma mera Injúria, daquilo que mais apropriada e certamente assuma contornos de uma verdadeira e repugnante violência psicológica, a atentar contra a saúde da mulher, seu bem mais precioso.


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 “CAPÍTULO II


DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER


Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (…)


II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;  (…)


V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.


Assim, se as palavras de baixo calão, os palavrões e xingamentos proferidos pelo agressor, durante toda a vida conjugal, forem assacados com o objetivo de causar dano emocional e diminuição da auto-estima, para prejudicar e perturbar o pleno desenvolvimento da mulher, visando, ainda, degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões desta, incutindo na mulher o constrangimento, a humilhação, a manipulação, o isolamento, o insulto e a ridicularização, em detrimento de sua saúde psicológica e autodeterminação, certamente que não estaremos diante da figura típica e antijurídica da Injúria.


As injúrias lançadas anos a fio, contra a esposa, certamente e dentro de critérios penais de consunção e especialidade, se traduzem em meio, num modus operandi, para se atingir ao fundo objetividade jurídica distinta da honra alheia, qual seja, a própria saúde e plenitude psicológica da mulher, enquanto componente de sua integridade psíquica, também protegida pelo Art. 129 do Código Penal. Restando à definição da Injúria doméstica àquela mera e gratuita violência moral apartada e distante do escopo do agente de controlar as ações ou causar prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da vítima, que, nesse caso, raramente levam à lavratura de um Boletim de Ocorrência. A maioria esmagadora dos registros policiais sinaliza que a violência psicológica é, sim, o bem mais atingido das mulheres vítima s de violência doméstica e familiar. Este é o alvo do sutil agressor-controlador, que transcende a questão da honorabilidade da mulher.



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