Princípios da teoria do adimplemento substancial

Resumo: A teoria do adimplemento substancial foi elaborada a partir de estudos doutrinários e análises de casos concretos pelos órgãos jurisdicionais. A verificação do mero inadimplemento contratual não justifica a extinção do negócio jurídico sempre que se referir a obrigações de pouca monta e se o devedor tiver pautado sua conduta pela boa-fé. Também se requer que o contrato tenha atingido seu fim maior. Evita a rescisão por motivo ínfimo, dando mais estabilidade às relações contratuais e, portanto, mais garantias à sociedade de um julgamento justo quando a demanda versar sobre este tema. Sua importância reside no fato de que assegura os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, dispostos de maneira vaga no Código Civil de 2002. Na prática a aplicação da teoria se mostra eficaz e disseminada. A metodologia consiste em pesquisa jurisprudencial, doutrinária, em artigos científicos e pela internet.


Palavras-chave: adimplemento substancial. boa-fé objetiva. função social.


Abstract:


The theory of substantial compliance was drawn from doctrinal studies and analysis of concrete cases by the courts. The verification of the mere breach of contract does not justify the termination of the transaction when referring to OBLIGATIONS low level and if the debtor is guided by his conduct in good faith. It also requires that the contract has reached its main goal. Prevents termination for cause negligible, giving more stability to the contractual relations and, therefore, more guarantees to the society of a fair trial when the demand relate to this theme. Its importance lies in the fact that ensures the principles of objective good faith and the social function of contracts, arranged loosely in the Civil Code of 2002. In practice the application of the theory proves to be effective and widespread. The research methodology consists of jurisprudence, doctrinal, scientific articles and the Internet.
Keywords: compliance substantial. objective good faith. social function.


Sumário: introdução; 1 a teoria do adimplemento substancial; 2 os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos; considerações finais; referências.


INTRODUÇÃO


O ramo do direito civil que trata dos negócios jurídicos sofreu profundas modificações com o advento do Código Civil de 2002. Antes imperava uma visão patrimonial e individualista dos contratos, sobretudo em relação ao seu descumprimento. O prejuízo neste caso legitimava por fim ao acordo de vontades, não excluindo eventual pedido de indenização.


Ao trazer vários princípios novos para nortearem a interpretação do direito dos contratos (entre eles os da boa-fé objetiva e função social), o novo Código abriu a possibilidade de que a regra acima não precisasse ser seguida de maneira taxativa. A teoria do adimplemento substancial veda a extinção do negócio jurídico pelo simples fato do descumprimento, se este restringir-se a obrigações de pequena importância dentro do contrato a ser analisado.


Além disto, exige-se que a parte devedora tenha agido até o instante do inadimplemento com boa-fé, passível de ser auferida através do seu comportamento de zelo para com suas obrigações. Com esta teoria se permite que o contrato ainja sua função social: conservando-se, estará atendendo não só aos interesses dos particulares envolvidos, mas também o de toda a coletividade, pois assegura maior estabilidade nas relações sociais.


O presente trabalho consiste na exposição desta teoria à luz da doutrina e da jurisprudência, bem como traz uma breve explicação acerca do significado dos princípios da boa-fé e da função social, e de como se relacionam com a nova teoria. A pesquisa realizada consistiu em consultas a obras doutrinárias, artigos científicos da internet, e à jurisprudência.


1 A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL    


O inadimplemento contratual caracteriza-se pelo total descumprimento ou pelo cumprimento de obrigação diversa daquela que foi acertada. Em ambos os casos, havendo culpa (em sentido amplo) por parte do inadimplente o credor poderá pleitear em juízo a execução do contrato ou sua resolução. Em determinados casos, dada a  natureza da obrigação devida, a única saída é pedir a extinção do contrato. Indenização é cabível, provados o dano emergente ou o lucro cessante.


A jurisprudência e a doutrina, contudo, preconizam uma nova alternativa, que por enquanto, não se acha regulada legalmente. Com a Teoria do Adimplemento Substancial, nem todos os casos de descumprimento contratual poderão levar automaticamente à resolução do negócio jurídico.


Por essa teoria, não se admite a extinção do negócio caso o inadimplemento se refira a parcela de menos importância do conjunto de obrigações do devedor. O descumprimento deve ser insignificante em relação à parte que já foi cumprida. Esta última deve configurar como essencial, servindo para “salvar” o contrato não totalmente adimplido; percebe-se que é crucial o exame cuidadoso do caso concreto.


“AGRAVO REGIMENTAL. VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. BUSCA E APREENSÃO. INDEFERIMENTO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. 1. Tendo o decisum do Tribunal de origem reconhecido o não cabimento da busca e apreensão em razão do adimplemento substancial do contrato, a apreciação da controvérsia importa em reexame do conjunto probatório dos autos, razão por que não pode ser conhecida em sede de recurso especial, ut súmula 07/STJ. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 607.406/RS, Rel. Ministro  FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 09/11/2004, -fé DJ 29/11/2004 p. 346).”


O devedor que procurou agir até o momento do descumprimento com boa-fé poderá argumentar adimplemento substancial; caso tenha cumprido grande parte do contrato, nas formas e prazos que este determina, será injusto ter o seu esforço ignorado por uma falta que se configura exceção à sua regra de bom pagador, conforme se verifica na jurisprudência transcrita do STJ:


“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – BUSCA E APREENSÃO – FALTA DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO – ADIMPLEMENTO SUBSTANCIALO cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. (REsp 272.739/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 01.03.2001, DJ 02.04.2001 p. 299).”


Por outro lado, deve-se analisar também o interesse do credor. Não basta a prova da boa-fé objetiva se, com o inadimplemento, deixou de ser atingida a finalidade principal ou única do negócio (no julgado acima, o relator ressalva: “salvo se demonstrada a perda do interesse na execução”). Deve-se analisar o quão foram atingidos os fins sociais e econômicos do contrato; se este, mesmo tendo sido em grande parte cumprido, acabou resultando inútil para o credor, não caberá aplicar a nova teoria.


“Em casos tais, antes de se recorrer à interpretação literal de dispositivos legais ou contratuais, é preciso aquilatar o contrato em toda sua extensão; o comportamento das partes no decurso do vínculo; os efetivos e reais prejuízos, de parte a parte; a natureza e a finalidade do negócio; o número das prestações pagas etc. Somente desta forma, poder-se-á avaliar se, de fato, houve descumprimento real, e não meramente formal, do contrato. A não ser assim, corre-se o risco de se chancelar, por via oblíqua, interpretações que ofendam ao bom senso e conduzam ao absurdo, o que colide com preceitos de hermenêutica.” (Vianna, 2008).        


2 OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS


O Enunciado nº 361 da IV Jornada de Direito Civil declara que a teoria do adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, preponderando entre eles os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, citando os arts. 421, 422 e 475 do Código Civil de 2002-CC/02.


O art. 421 diz que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Significa que desde a sua gênese, o contrato deverá guardar este princípio, que no antigo Código não era previsto. Antes prevalecia o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, que o concebia como um negócio jurídico que surtia efeitos tão somente entre as partes. Só alcançaria terceiros, portanto, se tal situação estivesse expressa no contrato (ex: estipulação em favor de terceiro).


Modernamente, contudo, os juristas não concebem mais esta idéia que restringe o alcance dos efeitos contratuais, pois se reconheceu que a sociedade (não apenas o indivíduo) goza de prerrogativas fundamentais, que se contrapõem ao secular direito de contratar livremente. Os chamados interesses sociais (preservação do meio ambiente, proteção à infância e à juventude, defesa da dignidade humana, entre outros) devem prevalecer em relação ao interesse meramente individual.


Entende-se hoje em dia que interessa à toda coletividade a conservação dos contratos, sempre que for possível, a fim de evitar insegurança nas relações travadas entre pessoas físicas e/ou jurídicas. No caso do adimplemento substancial do contrato a manutenção do acordo se mostra logicamente mais proveitosa para as partes do que a sua extinção, tendo em vista o tempo e os recursos que gastaram para cumprirem continuamente o pacto; contribui-se, assim, para a estabilidade das relações sociais travadas através deste negócio jurídico. Pode-se concluir que a aplicação da teoria do adimplemento substancial concretiza o princípio da função social dos contratos.


Já o princípio da boa-fé objetiva se configura em requisito para a alegação desta teoria, e está consagrado no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. Este princípio é cláusula aberta de todo negócio jurídico: impõe um dever de conduta, mas não especifica quais as atitudes exigidas. Isto fica a critério do juiz. Conforme Sílvio de Salvo Venosa, “Na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico.” (2006, pg. 374).


A boa-fé se infere através do comportamento dos contratantes durante a execução do contrato. Significa agir de acordo com um padrão de conduta aceitado socialmente como ético, no âmbito do cumprimento contratual; é a constatação (objetivamente falando) de que a parte inadimplente vinha se comportando como merecedora de confiança por parte do credor. Logo, seu desejo não é o de por fim ao contrato, se não provavelmente o inadimplemento seria de parte considerável das obrigações contratuais.


O art. 475 do CC/02 dispõe que, em qualquer caso, a parte que se sentir lesada pelo inadimplemento poderá pleitear indenização por perdas e danos. A doutrina se manifesta favorável, não excluindo esta hipótese, mesmo que haja a aplicação da teoria do adimplemento substancial.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Através do exposto no presente trabalho percebe-se a importância da jurisprudência e da doutrina para a efetiva aplicação dos princípios que estão dispostos na lei de maneira tão vaga. A teoria do adimplemento substancial possibilita a concretização do princípio da função social dos contratos, na medida em que permite a sua conservação. Se o inadimplemento não é significativo, nem a finalidade da avença desapareceu na prática, a medida mais benéfica vai de encontro à antiga regra que dizia: se não for cumprido, será extinto.


Pelo senso de justiça comum esta teoria é plenamente aceita, tendo em vista que prestigia o comportamento daquele que vinha se mantendo de acordo com a boa-fé objetiva, mas que, por algum motivo, deixou de cumprir deveres de menor vulto. Geralmente o “bom pagador” atrasa o cumprimento das obrigações por questões alheias a mero descuido ou dolo. Cabe ao juiz analisar inclusive o cenário econômico que se impunha no momento do inadimplemento, para não prejudicar a parte que sempre demonstrou a intenção clara de quitar sua dívida. Conclui-se que a teoria deve ser aplicada sempre que a extinção do contrato causar na prática mais danos do que a permanência da sua execução.


 


Referências bibliográficas:

ANGER, Anne Joyce (Org.). Código Civil. In: Vade mecum universitário de direito. 5. ed. São Paulo: Rideel, 2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: 4ª Turma. REsp 272.739/MG, Relator: Ruy Rosado de Aguiar.  Data do julgamento: 01.03.2001. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON>. Acesso em: 23 out. 2009

_______. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: 4ª Turma. AgRg no Ag 607.406/RS, Relator: Fernando Gonçalves. Data do julgamento: 09.11.2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON>. Acesso em: 23 out. 2009

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 2.

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Adimplemento substancial . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1897, 10 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11703>. Acesso em: 22 out. 2009.

REZENDE, Fernando Augusto Chacha de. Teoria do adimplemento substancial e boa-fé objetiva – necessária exegese conjunta dos institutos. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 22 out. 2009.


Informações Sobre o Autor

Aniêgela Sampaio Clarindo

Advogada. Pós graduada latu sensu em direito das famílias pela Universidade Regional do Cariri – URCA


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