A correlação entre tempo e níveis de exposição ao agente ruído para caracterização da atividade especial

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INTRODUÇÃO


O presente artigo científico visa a analisar o enquadramento da atividade especial nas situações anômalas em que os trabalhadores ficam expostos ao agente ruído por jornadas superiores a 8 horas diárias. Pretende-se alertar os juristas e doutrinadores para esta questão polêmica que vem sendo tratada com descaso e consequentemente vem tolhendo os trabalhadores de conquistarem seu direito garantido constitucionalmente. Neste contexto, abordar-se-á a evolução legislativa da aposentadoria especial e o enquadramento ao agente ruído pelos decretos e demais normas regulamentadoras e os efeitos danosos da exposição, analisando-se as técnicas utilizadas para medição do ruído e aplicação das tabelas da NR15 e NHO-1 do Ministério do Trabalho.


1. DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR E OS EFEITOS DANOSOS DO RUÍDO


A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição que possui o requisito do período contributivo necessário minorado em virtude da exposição a agentes insalubres (físicos, químicos e biológicos) ou à periculosidade, sendo este atingido ao trabalhador completar 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial. Caso o trabalhador não tenha exercido a integralidade de seu labor em serviço considerado insalubre ou periculoso, é possível converter este tempo em comum mediante a utilização de um fator de conversão. No caso do homem, seu tempo comum é multiplicado pelo fator 1.4, enquanto que para a mulher é multiplicado por 1.2.


Ao criar esta espécie de benefício o legislador teve como intuito proteger a saúde daquele trabalhador que teve sua higidez afetada ou ameaçada pela exposição a agentes insalubres ou periculosos. Com isso, houve a preocupação de igualar aquele segurado que exerce atividade potencialmente ensejadora de danos à saúde com os demais trabalhadores, proporcionando-lhe a concessão da aposentadoria em tempo reduzido de trabalho. Tratando-se, pois, de aplicação do princípio constitucional da igualdade.


Como bem salienta Jediael Galvão Miranda (p. 209)[1]:


“A presunção da norma é de que o trabalhador que exerceu atividades em condições especiais teve um maior desgaste físico ou teve sua saúde ou integridade submetidas a riscos mais elevados, sendo merecedor da inatividade voluntária em tempo inferior àquele que exerceu atividades comuns, com o que se estará dando tratamento equânime aos trabalhadores”.


Ela visa, portanto, a equanimidade entre um trabalhador que não ficava exposto a agentes agressores à sua saúde e aquele que não teve sua higidez afetada em razão do labor desenvolvido.


As regras do reconhecimento da especialidade regem-se pela legislação vigente à época da prestação do labor. Assim, o labor desenvolvido em interregno anterior a 05/03/1997 tem sua caracterização de acordo com as atividades profissionais (até 29/04/1995) e agentes previstos nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, sendo que ambos vigem concomitantemente até a edição do Decreto 2.172/97, quando aqueles foram revogados por esse.


Embora nos Decretos supramencionados haja uma relação de agentes que a exposição enseja o enquadramento da especialidade, esta relação não é exaustiva, há especificidades que ensejam a flexibilização de sua análise, podendo ocorrer o enquadramento caso o laudo técnico aponte que há efetivamente o risco de afetar a higidez do segurado embora o agente não esteja previsto.


Neste sentido, a súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos afirmava que é possível a caracterização de uma atividade como especial sempre que a perícia técnica judicial constatar que a função é perigosa, penosa ou insalubre embora esta não esteja prevista nos decretos regulamentadores.


No caso específico do agente físico ruído existe omissão da legislação em relação ao trabalhador que exerce atividades de forma atípica, em jornadas superiores à normal prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (que é de 08 horas), não havendo tratamento equânime em relação a aqueles que exercem longas jornadas, como é o caso do marítimo, do pescador profissional de alto-mar e do maquinista.


Destarte, ao Magistrado julgar um caso deve levar em consideração os princípios da interpretação extensiva da norma previdenciária, da aplicação subsidiária das normas trabalhistas e, sobretudo, o princípio constitucional da igualdade, bem como deve interpretar qual a intenção implícita do legislador ao redigir a legislação e não somente o que a norma preceitua expressamente. Neste sentido, Wladimir Novaes Martinez (p. 318) preceitua que “é importante não esquecer o papel dos princípios e o da interpretação. A extensibilidade referida é imposta quando os instrumentos básicos são obscuros ou omissos.”[2]


Seguindo o mesmo entendimento Manoel Ribeiro (p. 32) colaciona que:


“em caso de conflito entre o princípio geral de direito constitucional e uma disposição de lei, é curial que é a lei que será afastada no ponto que contraria o princípio. Não exercerá, portanto, na hipótese, o princípio, uma função supletiva da lei. Estará por cima dela. Os princípios gerais de direito assim compreendidos completam o sistema de direitos e garantias individuais expressos na Constituição”.[3]


Dessa forma, como a legislação previdenciária faz diferenciação entre o trabalhador que exerce funções potencialmente prejudiciais a sua saúde e aquele que não as exerce, de modo a igualá-los na medida em que eles se desigualam, também o deve fazer com relação a quem efetivamente exerça funções nocivas à saúde, embora os agentes não estejam previstos nos decretos regulamentadores ou caso esses não prevejam a situação atípica de trabalho do segurado. Destarte, restando comprovado que a atividade era efetivamente lesiva, deve ser considerada especial, o que será aventado posteriormente.


Importa destacar os efeitos nocivos do agente físico ruído à saúde.


O primeiro efeito a ser considerado é a perda auditiva, sendo que primeiramente ocorre a lesão com relação às freqüências mais altas (acima de 4.000 Hz) e, após, as frequências mais baixas também são afetadas. Caso não haja avaliação periódica da audição do indivíduo, este somente percebe esta perda quando ela já está nas freqüências de conversação. Dessa forma, por se tratar de sentido irrecuperável do ser humano, ao percebê-la ela já afeta de forma demasiada sua vida e sua capacidade laboral. Pessoas que perdem a audição de forma parcial podem sofrer, ainda, com um zumbido constante ou intermitente em seu ouvido.


Conforme artigo baseado em estudo realizado pelo Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo da Espanha publicado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), a qual é um órgão ligado ao Ministério do Trabalho[4]: “O risco de perda auditiva varia de pessoa para pessoa e começa a ser significativo quando o trabalhador é submetido continuamente a um nível de exposição diária ao ruído superior a 80 dB(A).


Ademais, cumpre salientar que, embora a lesão auditiva seja a mais conhecida, este não é o único prejuízo da exposição do ser humano em demasia ao ruído, podendo ocasionar, também, problemas cardiovasculares, digestivos e psicológicos.


Conforme refere Bruno Sérgio Portela (p. 34):


“De acordo com a Organização Mundial de Saúde (…) a partir de 55 dB, pode haver a ocorrência de estresse leve, acompanhado de desconforto. O nível de 70 dB é tido como o nível inicial do desgaste do organismo, aumentando o risco de infarto, derrame cerebral, infecções, hipertensão arterial e outras patologias”.[5]


Com relação ao estado psicológico, o ruído altera-o, ocasionando irritabilidade, distúrbio do sono, déficit de atenção e concentração, cansaço crônico e ansiedade, dentre outros efeitos danosos. Pelos poucos estudos relativos a essa área, na maior parte das vezes ao indivíduo procurar auxílio para tratamento de sua patologia psicológica esta não é associada ao ruído, o que impede o correto tratamento e o afastamento de seu estressor, que no caso é o ruído.


O efeito psicológico pode ser considerado mais gravoso do que os demais efeitos, em virtude de sua ação ocorrer em pouco tempo da habitualidade da exposição, o que só ocorre ao longo dos anos com os demais. Além disso, como o estado psicológico de um indivíduo acaba alterando o bom funcionamento de seu organismo, principalmente o que se relaciona à circulação sanguínea e ao coração, a exposição excessiva ao ruído ocasiona diversas modificações em seu estado normal de saúde, podendo modificar, principalmente mudanças na secreção de hormônios, o que influencia em sua pressão arterial e metabolismo, aumentando os riscos de doenças cardiovasculares, como o infarto agudo do miocárdio.[6]


Com relação ao déficit de atenção e concentração provocado pela exposição excessiva ao ruído pode-se destacar que este aumenta sensivelmente o tempo de resposta aos estímulos externos, aumentando o risco de acidentes, inclusive de trabalho.


Além disso, doenças gástricas também podem ser geradas, em virtude da maior excreção de suco biliar, ensejando o aparecimento de gastrite e úlcera nervosa.


2. DA EVOLUÇAO LEGISLATIVA DO ENQUADRAMENTO PELA EXPOSIÇÃO AO RUIDO E A SUBSIDIARIEDADE DA NORMA TRABALHISTA


O enquadramento pelo agente ruído, diferentemente dos demais agentes, sempre exigiu a comprovação de sua exposição, através de laudos técnicos, para permitir o reconhecimento da atividade especial. Tal ocorre devido ao fato de ser imprescindível o conhecimento dos limites de tolerância para definição da atividade prejudicial à saúde. Dessa forma adveio a necessidade de regulamentar estes limites de exposição, sendo que seis (6) decretos foram fundamentais para traçar a trajetória legislativa da exposição ao ruído. Dentre eles: o Decreto nº. 53.831, de 25-03-1964, o Decreto nº. 72.771, de 06-09-1973, o Decreto nº. 83.080, de 24-01-1979, o Decreto nº. 2.172, de 05-03-1997, o Decreto nº. 3.048, de 06-05-1999, e por fim o Decreto n. 4.882, de 18-11-2003.


Primeiramente o Decreto nº 53.831/64 instituiu que a atividade laboral, cuja exposição ao ruído fosse superior a 80dB, deveria ser considerada insalubre. Após, com a vigência dos decretos nº. 72.771/73 e nº 83.080/79, o limite mínimo de exposição foi majorado para 90dB, sendo que tiveram vigência concomitante até o Decreto nº 2.172/97, o qual revogou expressamente as disposições dos decretos anteriores e definiu a necessidade da exposição ao ruído acima de 90dB. O decreto nº 3.048/99, por sua vez, manteve este índice e apenas com o Decreto nº 4.882/2003 que o nível do ruído exigido passou a ser superior a 85dB.


Esta diversidade de normas causou divergências doutrinárias e jurisprudenciais que se estenderam por inúmeros julgados até que o entendimento foi pacificado pelos Tribunais Regionais e admitido pelas instruções normativas do INSS na esfera administrativa, gerando inclusive a conhecida súmula 32 da Turma Nacional de Uinformização, de 04.08.2006, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, que assim dispõe:


“O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 (1.1.6); superior a 90 decibéis, a partir de 5 de março de 1997, na vigência do Decreto n. 2.172/97; superior a 85 decibéis, a partir da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003”.


No entanto, este posicionamento adotado apenas coaduna-se com a interpretação literal dos dispositivos legais, o que se destoa do verdadeiro intuito da norma previdenciária, como visto anteriormente, a qual visa à proteção do trabalhador e a preservação de sua saúde e integridade física. Os Tribunais Regionais, em especial o TRF 4ª região, chegaram a introduzir novo entendimento estendendo a exigibilidade de exposição superior a 85dB desde o decreto nº 2.172/97, de 05.03.1997, ao invés de 90dB, mas infelizmente o STJ manifestou-se recentemente mantendo a orientação da aplicação sucessiva dos níveis de ruído conforme a legislação.


Neste ponto, os juristas utilizaram apenas a técnica jurídica processual e esquecendo-se de aplicar o fim que a lei se dispõe. Basearam-se unicamente nos princípios da aplicação imediata da norma e aplicação das leis no tempo para chegar à conclusão exarada na Súmula 32 e a dos demais julgados que se coadunam a ela. Não levaram em consideração a essência da necessidade da norma, sua natureza jurídica e o objetivo do legislador quando percebeu a necessidade de regulamentar as questões adversas à realização da atividade laboral insalubre e suas conseqüências na esfera previdenciária. Percebe-se que não houve a preocupação em entender a inspiração originária para dar vida e seguimento à matéria no âmbito previdenciário.


Cabe aqui esclarecer que a LOPS – lei Orgânica da Previdência Social foi instituída apenas em 26.08.1960 pela Lei nº 3.807, na qual inicialmente trouxe, em seu art. 65, dispositivos acerca da aposentadoria especial. Contudo, somente em 25.03.1964, com o decreto nº 53.831 que a exposição ao agente ruído foi regulamentada e foi fixado o limite de 80dB. Entretanto, esta limitação se deu com base no decreto nº 1.232 de 22.06.1962 e da portaria ministerial nº 262, de 06.08.1962 e no art. 187 da CLT (texto original).


Assim, fica claro que a Previdência utilizou-se de regras trabalhistas para fundamentar suas leis, até porque a CLT data de 01.05.1943, portanto, anterior ao sistema unificado da Previdência Social no país.  O Artigo 180 da CLT garantiu ao trabalhador o direito de evitar a fadiga auditiva. Mais tarde, a Portaria número 607/1965, do Ministério do Trabalho e o Decreto-Lei nº 229/1967 asseguraram outros benefícios relativos ao conforto no ambiente de trabalho. Posteriormente, a Lei nº 6524/1977, alterou o Capítulo V do Título II da CLT e instituiu em todo o país disposições a respeito da segurança e medicina do trabalho. Mais adiante a Portaria nº 3214, de Junho de 1978, aprovou as 39 Normas Regulamentadoras (NRs), responsáveis pelas regras de segurança nas atividades relativas ao trabalho, em nível nacional.


Dessa forma todas as disposições, inclusive a NR15, a qual estipula a tabela de níveis de exposição ao ruído e o tempo mínimo permitido, foram instituídas antes do Decreto nº 2.172/97, conforme a tabela:


8055a 


Foi com base nesta tabela que o legislador modificou o limite para exposição ao ruído. Inicialmente, com o decreto 53.831/64, o índice de 80dB foi aplicado sem apreciação técnica, mas com base apenas numa correlação com as atividades profissionais que eram consideradas especiais. Mas a partir de 1978, com a regulamentação da exposição do ruído pela portaria 3.214/78, o legislador possuía base técnica para apuração dos níveis. Inclusive a fixação do limite de 85dB pelo decreto nº 4.882/03 foi apurado em consonância com a tabela, já que a jornada de trabalho normal consiste em 8 horas diárias, vindo ao encontro dos dados estabelecidos pela norma trabalhista.


Não se pode subestimar os estudos em que a norma trabalhista se baseou para determinar os limites de exposição do ruído. O limite de 85db foi calculado porque se estima que abaixo deste nível o trabalhador não sofreria danos com a exposição ao agente. Assim, se a norma se destina a proteger a saúde do trabalhador, obviamente deve-se buscar este fim.


O que se pretende aqui é dar o devido valor à norma trabalhista, eis que é inconteste o fato que ela subsidia a norma previdenciária. Os legisladores, bem como o Judiciário, insistem em ignorar a importância e a influência que a legislação trabalhista exerce sobre a previdenciária. Não é segredo que as duas matérias estão correlacionadas, principalmente no que tange aos direitos dos trabalhadores. Dessa forma, devemos nos render à técnica trabalhista, a qual precede as manifestações legais no âmbito previdenciário, pois dessa forma a Justiça estaria encaminhando-se para unificar o direito, assim como o decreto nº 4.882/03 o fez, conforme citado.


Assim, a tese de que a exposição ao ruído superior a 85dB enquadraria a atividade como insalubre desde o Decreto nº 2.172/97 parece ser a mais adequada, quando se tem uma jornada de trabalho de 8 horas diárias. Todavia, visto que o STJ tem como superada esta possibilidade, pretende-se que a norma trabalhista seja absorvida pelo entendimento jurisprudencial e doutrinário, a fim de que o enquadramento pelo agente ruído respeite a correlação existente entre o tempo de exposição e o nível em decibéis, para que o trabalhador possa ter sua atividade realmente avaliada e enquadrada para fins de aposentadoria especial, conforme será discutido no item a seguir. 


3. DA NECESSIDADE DA CORRELAÇÃO TEMPO X NÍVEL DE EXPOSIÇÃO AO AGENTE RUÍDO


A grande desvantagem do tecnicismo processual seguido pelos juristas e legisladores é o fato destes ignorarem a relação que o direito faz com as outras áreas, tais como a engenharia aplicada para a segurança do trabalho. Ao se fixar um limite em decibéis para exposição ao ruído, o Magistrado se limita na aplicação literal da norma, quando que na verdade deveria sopesar sua aplicação, valorando os princípios a serem seguidos e o fim que a que se destinam.


Conforme explicado no item anterior, a tendência incontestável da legislação previdenciária em aplicar os preceitos trabalhistas considerou a tabela de diferentes níveis de ruído conforme o tempo de exposição da NR15. A LBPS em nenhum momento delimita como deve ser feita esta análise, mas à medida que aceita algumas determinações da Norma Regulamentadora, abre precedente para o entendimento de que podemos sim utilizar a técnica pericial que levou o legislador trabalhista às conclusões acerca da exposição ao ruído. Não há porque ignorar os fatos. Repisa-se que a Lei de Benefícios, bem como os decretos regulamentadores não especificam a técnica a ser utilizada para averiguar a exposição ao ruído. Neste contexto, várias decisões[7] vêm se manifestando a favor da aplicação da dosimetria como técnica a ser utilizada para medição do ruído. Neste ponto não há contrariedade à lei, eis que é omissa. Não há lei que vete expressamente esta possibilidade e assim sendo é perfeitamente admissível que as técnicas utilizadas para enquadramento da atividade especial se assimilem às utilizadas pela Justiça do Trabalho, uma vez que baseadas em estudo técnico aperfeiçoado por especialistas.


Assim, conforme preleciona brilhantemente Tufi Messias Saliba[8], se durante a jornada de trabalho ocorrer dois ou mais períodos de exposição a ruído de diferentes níveis, devem ser considerados os seus efeitos combinados, no qual deverá ser verificado o tempo de exposição do trabalhador no quadro de limite de tolerância.


A perícia deve ser feita através de um audiodosímetro. Deve-se analisar o posto de trabalho, a função desempenhada, o ciclo das operações, sua freqüência e a estimativa do tempo de cada uma delas.[9] Juntamente com essa análise, devem ser medidos os níveis de ruído instantâneo nas operações ou fontes geradoras de ruído no posto de trabalho em questão. Com base nestes dados, estimam-se a dose e o nível equivalente de ruído esperado.


Depois de realizados todos os procedimentos anteriores, passa-se à dosimetria. A estratégia de avaliação dependerá do tipo de exposição no posto de trabalho analisado, isto é se é fixo ou itinerante, e se os níveis de ruído são variáveis em função das operações. No entanto, ocorrem, na maioria dos casos, exposições a níveis de ruídos variáveis, em situações tais como: trabalhadores itinerantes (mecânicos de manutenção, encarregados, etc); operações em que os níveis de ruído são variáveis (lixadeiras manuais, tratores, empilhadeiras, etc).


Nesses casos o perito deverá medir o nível de ruído instantâneo, determinar o tempo de exposição para cada nível e, em seguida, efetuar o cálculo dos efeitos combinados. Como exemplo, temos um trabalhador que se expõe durante a jornada de trabalho de 8 horas aos seguintes níveis de ruído:


90 dB – 4 horas


95 dB – 2 horas


80 dB – 2 horas


Calculando-se a equação dos efeitos combinados temos:


4/4 + 2/2 = 2


Portanto, embora isoladamente cada tempo de exposição seja compatível com o respectivo nível de ruído, quando combinados, as somas das frações é superior a 1, e a atividade, consequentemente, é insalubre. Do resultado da soma destas frações, podemos obter também o nível equivalente de ruído (Leq), que é igual a 90dB(A), significando que o empregado ficou exposto a um nível de ruído continuo de 90dB(A) durante a sua jornada.


A partir dessas premissas, observa-se o quão é necessário que se estabeleça uma metodologia, ou melhor, que se aproveite a técnica já utilizada, pois caso contrário estar-se-ia prejudicando o trabalhador que consideravelmente esteve exposto a condições insalubres. Isso porque se a Lei exige a permanência e habitualidade para caracterização da especialidade, necessário que esta análise do ruído também leve em consideração o tempo integral que o trabalhador exerceu sua atividade laboral.


Outro aspecto interessante e que também o Decreto nº 3.048/99 não atinge, diz respeito à qual tabela deverá ser seguida para determinar o tempo máximo permitido para a exposição ao ruído, de acordo com o incremento em decibéis.


O quadro de tolerância adotado pela NR 15 é de 85 a 115db (A), sendo o incremento igual a 5, ou seja, a cada aumento de 5dB(A) o tempo máximo diário de exposição reduz-se a metade. Atualmente a ACGIH e outros órgãos internacionais utilizam o incremento igual a 3dB(A), isto é, a energia sonora irá duplicar ou reduzir á metade a cada aumento ou decréscimo de 3dB. Esse método é mais utilizado no meio científico para avaliar o comprometimento auditivo em função do nível e duração do ruído[10].


Observe a tabela abaixo instituída pela norma NHO-1 (avaliação da exposição ocupacional ao ruído), estudo realizado pela Fundacentro, órgão ligado ao Ministério do Trabalho:


8055b


Esse critério é mais rigoroso, pois, para o mesmo nível de ruído, o tempo de exposição permitido é bem menor. Assim, por exemplo, para um nível e 91dB, pela tabela da NR 15, o tempo máximo permitido é de 3 horas e 30 minutos enquanto que pela NHO-1 o tempo máximo é de 2 horas.


Nota-se que as Normas de Higiene Ocupacional da Fundacentro (NHO-01) e a NR-15 são ambas de responsabilidade do Ministério doTrabalho e Emprego e, mesmo assim, apresentam divergências sobre a avaliação do ruído ocupacional[11].


Dessa forma, mais aceitável o entendimento de que é possível adotar estas normas de avaliação, porquanto os decretos não determinam como se deve proceder a análise, nem veda expressamente os métodos a serem utilizados, não havendo impedimentos para a utilização desta ou outra tabela. Não há motivos para não aplicar a norma levando em consideração a complexidade da relação entre tempo e níveis de exposição de ruído se somente assim será avaliada a insalubridade do labor do segurado.


Neste ponto deve-se ater para o principio da proteção ao segurado. As relações interpessoais evoluíram e com elas o direito. Não se pode interpretar várias situações da mesma forma, pois cada vez é mais freqüente se deparar com situações anômalas, as quais exigem ser visualizadas sob óticas diferentes. O propósito da Constituição Federal de 1988 vem ao encontro do trabalhador e busca garantir-lhe os seus direitos sociais e fundamentais. Por isso, diferenciou o trabalhador exposto a agentes insalubres, pois percebeu que não poderia tratar igualmente aqueles que se encontrassem em situações diferentes. Cabe ao legislador ordinário seguir esta orientação e aplicar aos casos excepcionais em que trabalhadores ficam expostos a uma carga diária acima de 8 horas, mas que talvez não atinjam o limite de 85dB estabelecido em lei. Há de se ponderar esta situação específica em que o tempo de exposição é o diferencial para o enquadramento da atividade especial pela exposição ao ruído. 


4. A ESPECIALIDADE DA ATIVIDADE DOS TRABALHADORES EXPOSTOS AO AGENTE RUÍDO EM JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA


De acordo com tudo que foi exposto acima, cabe fazer algumas considerações a respeito de algumas atividades atípicas, em que não é possível que o trabalhador exerça seu labor apenas em jornadas normais de trabalho de 08 (oito) horas. Pode-se citar como exemplo desse tipo de labor o do marítimo, o do pescador profissional de alto-mar e do maquinista ferroviário, em que esses profissionais, em virtude do tipo de labor prestado, exercem obrigatoriamente longas jornadas, ficando permanentemente exposto a ruído excessivo prejudicial à saúde.


Embora realizado de acordo com o método da dosimetria, o índice aferido é inferior ao requerido pelos decretos regulamentadores da atividade especial. No entanto, deve-se atentar que o período laboral deve ser considerado especial em virtude de o ruído efetivamente afetar a higidez do indivíduo, pois, de acordo com os estudos supramencionados, o índice de ruído máximo que o indivíduo pode ficar exposto é variável de forma inversamente proporcional ao tempo de exposição.


Corrobora esse entendimento, a análise técnica realizada pelo Engenheiro Civil Carl F. W. Tröger (CREA/RS 23.636) nos autos do processo judicial nº 5001546-17.2010.404.7110 que tramita perante a 2ª Vara Federal de Pelotas/RS, no qual este afirma que o Autor da ação, ao exercer suas funções de marinheiro de convés e de comandante de embarcação teve sua função exercida em condições insalubres, embora não prevista na legislação previdenciária, devido ao fato de ser prestada de forma anômala, por permanecer inclusive nos períodos de “descanso” (almoço, sono) exposto aos mesmos índices de ruído do que durante sua efetiva atividade laboral.


Cabe destacar que um barco, em virtude de necessitar de energia para navegar e para manter os geradores de energia elétrica funcionando, precisa permanecer ligado durante toda a viagem, em virtude disto, caracteriza-se a função como anômala.


Para melhor elucidação cumpre transcrever trecho do laudo técnico supramencionado:


“O Perito de Vossa excelência se sentiu exageradamente exausto ao final do percurso. Foram 23 horas e 40 minutos de exposição a níveis de ruído que variam alguns decibéis de um local para outro (passadiço, banheiro, refeitório, corredor, cabina). Não encontramos na legislação vigente, considerações sobre a condição anômala de labor analisada.(…)


Acontece que, ao contrário de outras profissões, o local de trabalho do Autor é o mesmo local de fazer refeições e de descanso.


A viagem entre Rio Grande e Porto Alegre demora 23:40h; se seguisse para Taquari, seriam mais de 6 h. e, se o destino final fosse o porto de Estrela, mais outras 5 h. Uma viagem de Rio Grande a estrela demora 35 (trinta e cinco) horas, tempo durante o qual o trabalhador estará sujeito ao nível de ruído sempre superior a 78 dB(A). Os Srs. Legisladores não levaram tais condições em consideração ao elaborarem a lei.”


Diante disso, observa-se na prática o prejuízo que a norma regulamentadora cria ao prever um índice fixo de ruído médio para que a atividade do segurado seja enquadrada como especial, não considerando situações anômalas de trabalho como a mencionada acima.


No caso em comento, o índice médio de ruído aferido pelo expert foi o de 83,1 dB(A), não podendo o labor ser enquadrado como especial em virtude de o Decreto previdenciário vigente atualmente que trata sobre ruído (nº 4.882/2003) prever que o índice médio de ruído da atividade deve ser o de 85 dB.


Entretanto, de acordo com o laudo técnico, o segurado permanecia exposto de 23 horas e 40 minutos a 35 horas de modo permanente a ruído médio no índice de 83,1 dB e, conforme a NHO-01 elaborada pela FUNDACENTRO o tempo máximo que um indivíduo pode permanecer exposto a este índice são 12 horas e 41 minutos para que sua higidez física e psicológica não sejam afetadas, conforme quadro transcrito anteriormente.


Dessa forma, restando comprovado que, nesses casos, também ocorre um potencial prejuízo à saúde do trabalhador e que o preceito base da criação da aposentadoria especial é a proteção desse bem jurídico, entende-se que o legislador não pode utilizar essa idéia ultrapassada de índice fixo de ruído para enquadramento da atividade como especial. Devendo relacionar o índice a que permanecia exposto ao tempo de sua jornada de trabalho, de modo que seja protegido o princípio constitucional da igualdade. E, enquanto não houver essa modificação legislativa, deve o Magistrado utilizar deste método supramencionado para formar sua decisão, valendo-se dos princípios norteadores do Direito e da interpretação para fundamentar seu posicionamento, de modo a dar um tratamento equânime entre todos que permaneceram expostos a um risco potencial à sua saúde ao desenvolver sua atividade laboral.


CONCLUSÃO


Ao final desta análise acerca dos efeitos danosos do ruído, sua evolução legislativa e aplicação excepcional, percebe-se que a matéria é cercada de peculiaridades que passam despercebidas pelos operadores do direito que, muito embora encarem essas situações diariamente, não perceberam sua importância e complexidade e principalmente não mensuraram quantos trabalhadores são prejudicados diariamente.


Com este estudo passou-se a entender a importância da dosimetria para avaliação do agente ruído e como as situações reais vivenciadas pelo trabalhador no exercício de sua atividade laboral poderão levar a conclusões diferentes acerca da exposição à insalubridade. É necessária a conscientização no sentido de que se a Lei exige a permanência e habitualidade para caracterização da especialidade, necessário que esta análise do ruído também leve em consideração o tempo integral que o trabalhador exerceu sua atividade laboral. Igualmente, se os decretos não delimitam como se deve proceder a análise, nem vedam expressamente os métodos a serem utilizados, entende-se que não há óbice para a utilização da regra que for mais benéfica ao trabalhador, em consonância aos princípios que norteiam a Seguridade Social.


 


Notas:

[1] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social: Direito Previdenciário, Infortunística, Assistência Social e Saúde. Rio de Janeiro, Campus Jurídico, 2007.

[2] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 4. Ed. São Paulo: LTR, 2001.

[3] RIBEIRO, Manoel. Invalidez dos Atos Administrativos. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1963.

[4] FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO – Fundacentro. Disponível em: http://sstmpe.fundacentro.gov.br/Anexo/Ruido.pdf. Acesso em: 12 abr. 2011.

[5] PORTELA, Bruno Sérgio. Análise da exposição ocupacional ao ruído em motoristas de ônibus urbanos: avaliações objetivas e subjetivas. Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.pgmec.ufpr.br/dissertacoes/dissertacao_103_bruno_sergio_portela.pdf.>  Acesso em: 11 de maio de 2011. 

[6] Maschke, C. apud PORTELA, Bruno Sérgio. Op. cit.

[7] DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL, PARA FINS DE CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 9.032/95. EXIGÊNCIA DE HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA DA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE OU À INTEGRIDADE FÍSICA DO SEGURADO. POSSIBILIDADE. 1. A legislação previdenciária originariamente não estabelecia a habitualidade e a permanência como exigência para enquadramento de tempo de serviço como especial. No entanto, autorizava o Poder Executivo a regulamentar a matéria, listando as atividades profissionais e agentes nocivos, permitindo também estabelecer, por decreto, condições mínimas para esse enquadramento, como, por exemplo, jornada mínima e condições de permanência e habitualidade. (…)Tratando-se de exposição a ruído em níveis diferentes, deve-se considerar a média aritmética ponderada, uma vez que esse cálculo leva em consideração os diversos níveis de ruído e o tempo de efetiva exposição a cada nível ao longo da jornada de trabalho, o que permite aferir se o nível diário supera o limite de tolerância. 5. Pedido de uniformização não provido. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL Processo: 2006.72.95.020432-5. UF: SC Data da Decisão: 22/08/2008Orgão Julgador: TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO.

[8] In manual prático de avaliação e controle do ruído.  3ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 37/50.

[9] SALIBA, Tuffi Messias e CORREA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e Periculosidade – Aspectos Técnicos e Práticos. 8. ed. São Paulo: LTr, 2007.p. 45 

[10] SALIBA, Tuffi  Messias. Manual prático de avaliação e controle do ruído.  3ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 38.

[11] PORTELA, Bruno Sergio. Análise da exposição ocupacional ao ruído em motoristas de ônibus urbanos: avaliações objetivas e subjetivas. Op. Cit.


Informações Sobre os Autores

Elsa Fernanda Reimbrecht

Advogada especialista em direito previdenciário pela Esmafe/RS

Gabriele de Souza Domingues

Advogada pós-graduanda em direito e processo do trabalho pela Faculdade Anhanguera-Uniderp


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