Resenha do livro: Modernidade Líquida

Resumo: Este trabalho é uma resenha do clássico livro de ZYGMUNT BAUMAN, filósofo polonês, cuja obra é Modernidade Líquida. Através desta resenha é possível analisar e refletir sobre as mudanças que a sociedade moderna atravessa desde o individualismo até as relações de trabalho, família e comunidade, onde o tempo e o espaço deixam de serem concretos e absolutos para serem líquidos e relativos.


Palavras-chaves: Modernidade, Individualidade, Trabalho, Comunidade, Emancipação.


Abstract: This paper is a review of the classic book by Zygmunt Bauman, Polish philosopher, who the master is Liquid Modernity. Through this review it is possible to analyze and reflect on the changes that modern society from the individual to go through labor relations, family and community, where time and space change from concrete and absolute to be relative and liquid.


Keywords: Modernity, Individuality, Work, Community, Empowerment.


Sumário: 1. Contextualização; 2. Emancipação; 3. Individualidade; 4. Tempo e Espaço; 5. Trabalho; e 6. Comunidade.




1. Contextualização 


Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês nascido em 1925, que iniciou carreira na Universidade de Varsóvia. Publicou mais de quarenta livros, entre os quais Modernidade Líquida, a obra escolhida para este resumo crítico.


Modernidade Líquida foi publicada próximo ao ano 2000, na propalada virada do século, sendo efetivamente lançado em 2001. Naquela época o mundo estava em pânico, pois havia diversas previsões de panes tecnológicos em programas e computadores espalhados pelo mundo, o famoso “bug do milênio”, ou seja, as máquinas e aplicativos computacionais estavam escritos e preparados para executar até 1999, o que exigia muitas adaptações para que não houvesse um caos tecnológico nos diversos setores e segmento da vida moderna.


Antes disso, durante a década de 1990, haviam ocorrido crises econômicas creditadas à globalização crescente, além de guerras como a do Golfo e nos Bálcãs. A Internet disseminava um conceito de universo social, criando tribos sociais que iam desde o consumismo desenfreado até a militância de causas ambientalistas.


O título da obra decorre da modernidade da sociedade que avança em vários sentidos, porém, questionável em suas atitudes e o seu contexto enquanto sociedade. A liquidez, a qual Bauman propõe vem do fato que os líquidos não têm uma forma, ou seja, são fluídos que se moldam conforme o recipiente nos quais estão contidos, diferentemente dos sólidos que são rígidos e precisam sofrer uma tensão de forças para moldar-se a novas formas.


Os fluídos movem-se facilmente, quer dizer: simplesmente “fluem”, “escorrem entre os dedos”, “transbordam”, “vazam”, “preenchem vazios com leveza e fluidez”. Muitas vezes não são facilmente contidos, como por exemplo, em uma hidrelétrica ou num túnel de mêtro, lugar que se pode observar as goteiras, as rachaduras ou uma pequena gota numa fenda mínima. Os líquidos penetram nos lugares, nas pessoas, contornam o todo, vão e vem ao sabor das ondas do mar.


A obra dedica-se a análise dessa liquidez que permeia cinco tópicos básicos: a emancipação, a individualidade, o tempo e espaço, o trabalho e a comunidade.


2. Emancipação


Bauman levanta uma questão sobre o conceito de liberdade, quando questiona se a mesma seria uma benção ou maldição, ou seja, uma benção no sentido que o individuo pode agir conforme os seus pensamentos e desejos, mas na contra-mão fala de uma maldição, já que recai sobre ele a responsabilidade por seus atos e ações.


Na modernidade líquida a hospitalidade dá espaço à crítica, onde passa do estado de agente passivo para o agente ativo, que questiona e reflete sobre as ações e porquês das coisas e a ação do individuo sobre a sociedade e vice-versa. A sociedade sólida, ou mesmo concreta, era impregnada de um certo totalitarismo na medida que é rígida, não tem resiliência e não se adapta as novas formas.


Bauman aborda que “o principal objetivo da teoria crítica era a defesa da autonomia, da liberdade de escolha e da auto-afirmação humanas, do direito de ser e permanecer diferente”.  Em outras palavras, a tal hospitalidade à crítica é onde o individuo vai e vem em liberdade e esta aberto aos questionamentos e reflexões, ele flui pela sociedade, tempo e espaço, pode reclamar ao sentir-se prejudicado, reivindicar direitos, porém é também responsabilizado pelas ações e reações decorrentes de seus atos.


Nesta altura da reflexão sobre a emancipação o autor traz a tona Max Weber que discursava sobre a impossibilidade de atingir a satisfação plena, porque o momento da autocongratulação e realização plena moviam-se rápido demais, para mais e mais adiante, fazendo com que o individuo fosse impulsionado para frente, perseguindo outros objetivos e anseios. 


Para o autor há duas características que fazem a forma de modernidade nova e diferente, uma que relata sobre o declínio da crença do fim do caminho no qual andamos, ou seja, para ele a modernidade é um caminho infindável de oportunidades, desejos, realizações a serem perseguidas continuamente. A segunda crença fala sobre a mudança da desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres modernizantes, ou seja, a tarefa apropriada ao coletivo, simbolizado na figura da sociedade, sofre uma fragmentação para o individuo. A responsabilidade mais uma vez recai sobre o individuo que escolhe que caminho trilhar e o modelo a ser seguido ao invés de seguir normas pré-estabelecidas por governos ou líderes impostos.


O coletivismo foi à primeira opção daqueles que se situavam na ponta da recepção, ou seja, passivos, incapazes de tomar decisão, inertes em suas próprias limitações, que se deixavam levar pela modernidade sólida.


A distancia entre a individualidade como fatalidade e a individualidade como capacidade realista e prática de auto-afirmação está diminuindo. O individuo aprende a expressar-se de maneira adequada com o meio exterior e procura influenciar o meio para alcançar seus objetivos, fazer amigos, trabalhar em uma rede social complexa e emaranhada de agentes ativos e com fluidez.


Há uma distinção entre o cidadão que é um individuo que buscar seu próprio bem, através do bem-estar da cidade e o individuo que tende a ser morno, cético ou mesmo prudente quanto a causa comum, ao bem comum ou mesmo à sociedade justa. O individuo busca a sua auto-realização através de meios que o permitam tal realização, além disso, a individualização chegou para ficar com todas as suas implicações que decorrem de tal fato. 


Outro ponto de debate é sobre distinção entre o individuo de jure e o de facto. Para o primeiro significa não ter ninguém para culpar sobre os seus fracassos e desilusões a não ser a si mesmo, enquanto que o individuo de facto é o que ganha controle sobre seus destinos e toma as decisões que assim deseja. Entretanto, para que seja de facto é necessário que seja um cidadão. O espaço privado está colonizando o espaço público, onde o individuo de facto age e interage com o todo ao seu redor.


Há uma critica da política-vida onde a verdadeira libertação requer atualmente mais, e não menos, da esfera pública e do poder público, onde a autonomia individual carece de medidas públicas, na medida em que flui a sua relação interpessoal e o complexo meio da sociedade autônoma.


3. Individualidade


O autor inicia esse segundo conceito, ou seja, a individualidade com a revisão de conceitos trazidos da modernidade sólida como de Orwell, em sua obra 1984. Nela a liberdade individual era tolhida e controlada por uma força maior simbolizada na figura do grande irmão, que tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. Ele é o controlador e disseminador de regras a serem seguidas por todas as pessoas. Adicionalmente, reforçando este ponto de vista, cita Walpole que escreveu que “o mundo é uma comédia para os que pensam, e uma tragédia para os que sentem”, ou seja, os que raciocinam e refletem sobre o contexto conseguem formular ou até mesmo agir e intervir sobre os demais, enquanto que outros que sentem, movem-se pelo coração, sofrem porque podem ser manipulados, atingidos ou frustrados pelo não alcance de suas metas.


Quanto ao capitalismo pesado segue certa ordem, ou seja, significa monotonia, regularidade, repetição e previsibilidade. Um exemplo é o caso do fordismo que em seu apogeu representou um modelo de industrialização, de regulamentação e de acumulação. As pessoas tinham funções muito bem definidas no processo de fabricação dos carros, algumas apenas apertavam arruelas de parafusos da porta, outras colocavam pneus, outras os bancos e assim por diante, com um alto grau de especialização para que o processo fosse ágil e eficiente. O que permitiu o alto volume de vendas naquela época, mas o individuo não tinha poder de escolha nem mesmo do modelo ou cor do carro, havia somente o Ford T. Os empregados eram contratados apenas para uma função, limitando suas potenciais habilidades e capacidades de desenvolvimento. O modelo do fordismo era um sistema que se auto-reproduzia, orientado pela ordem, gerando uma engenharia social.


A visão do capitalismo de Bauman é mais negativa, porém, cabe ao individuo descobrir e potencializar suas capacidades intelectuais, manuais ou mesmo físicas e aproveitá-las da melhor maneira possível para sua auto-realização, ou seja, com a máxima eficiência possível, de preferência alcançando a eficácia.


Para ele, no mundo capitalista existe o agente consumidor, que utiliza os bens ou serviços disponíveis, e sua frustração maior não é a falta do produto, mas sim a multiplicidade de escolhas disponíveis. E que será necessário abrir mão de várias possibilidades para ficar com apenas uma ou algumas alternativas de produtos e bens. No pensamento filosófico expresso neste capítulo da obra, o autor talvez quisesse dizer que pode haver maior espaço para um tema tão complexo quanto o comportamento do consumidor.


No capitalismo leve e fluido, as autoridades não mais ordenam, mas sim tentam seduzir e tornam-se agradáveis às pessoas que escolhem. Talvez seja pela tal propalada diversidade de opções e escolhas que cada indivíduo possui na modernidade liquida. Além disso, há certo maniqueísmo no capitalismo líquido, como a utilização da imagem de personalidades renomadas para passar credibilidade ou mesmo certa autoridade nos produtos e serviços que estão à disposição para o consumo.  


Em certo trecho do capítulo sobre a individualidade, o autor coloca “as condições de vida em questão levam homens e mulheres a buscar exemplos, e não lideres”, neste ponto poderia haver um debate sobre o ser líder e o ser exemplo. No comportamento do consumidor, um das áreas estudadas é justamente a abordagem sobre o efeito da beleza do corpo e da alma, sobre o consumidor e as suas escolhas de consumo. Sendo que muitas vezes a alma, o comportamento e as ações da pessoa em questão valem muito mais.


Um contra-ponto colocado por Bauman é que procurar exemplos e/ou orientações contínuas pode virar um vício, onde a pessoa torna-se dependente como se fosse uma droga, que quando privado, sofre convulsões e todo vício é autodestrutivo.


O código em que a “política de vida” está inserida, deriva da pragmática de comprar, ou seja, o ter é muito mais que o ser. O individuo procura a auto-afirmação quando passa a ter bens e produtos e para sobressair-se diante das demais pessoas da sociedade. O desejo é ilimitado, quando o individuo alcança um patamar imediatamente almeja outro maior e assim por diante. Cabe ressaltar que o autor poderia ter abordado o fato que há modernidade líquida, como a sólida é pautada por uma sociedade de consumo, um capitalismo perverso, que é estimulado por outras áreas como o marketing, propaganda, biogenética e outras.


Em relação ao corpo do consumidor, há uma distinção que é descrita quanto à saúde e a aptidão, ou seja, a saúde é a condição na qual o individuo é capaz de executar uma determinada função, seja física, como carregar um fardo ou psíquica como realizar a operação financeira de um caixa de supermercado. A aptidão vai além da saúde, no sentido de que estar apto significa ter um corpo flexível, ajustável e resiliente. Diz respeito a quebrar todas as normas e superar todos os padrões estabelecidos.


Na sociedade dos consumidores individualizados, tudo precisa ser feito por conta própria e a ironia reside no fato que ir as compras é um ato que encerra em si próprio a atividade individualizada de comprar. A identidade do ser é aquela em que o individuo tenta solidificar o fluido, ou seja, é marcada quando se compartilha as mesmas coisas, como se fosse uma marca, a busca pelo eterno e o imutável. A identidade é única e individual e somente pode ser consolidada quando se adquire o objeto que todo mundo compra.


O consumidor entra em conflito pela amplitude das escolhas que estão disponíveis ao seu redor, a angustia da tomada de decisão correta frente às diversas alternativas, a responsabilidade do individuo livre pela sua decisão e o risco assumido, fazem o processo do consumo cíclico e interminável.


Mudar de identidade implica em quebrar com os antigos preceitos, trata-se de uma iniciativa privada e individualizada, porém, implica em assumir riscos e romper determinados vínculos e certas obrigações.


Por fim, ele deixa uma reflexão sobre a individualidade que traz em si uma competitividade mais agressiva, onde o individuo está só e depende somente de si mesmo para fazer suas escolhas, pensamentos e ações ao invés de unificar uma condição humana regida pela cooperação e solidariedade.


4. Tempo e Espaço


No primeiro momento é analisada a comunidade, que nos remete a um passado longínquo, ou melhor, a um resquício de utopia sobre um bem viver em harmonia entre os vizinhos e os demais que nos circundam, seguindo as melhores regras de convívio. Porém, o autor traz a baile um comentário dos psiquiatras sobre o sentimento que um individuo nutre pensando que os outros estão sempre a conspirar contra ele. Com idéias antagônicas do bem-viver e a conspiração, o ideal de comunidade seria uma utopia a ser atingida. Pode-se dizer que comunidade é uma versão compacta do viver junto, porém quase nunca se concretiza.


No que tange a cidade, é um ajuntamento de pessoas estranhas umas as outras, que não tiveram nenhuma afinidade prévia e provavelmente nunca terão. Neste ponto, a obra relata que novamente há uma oportunidade de consumo imediato, sem compromisso com o outro individuo, é como uma espécie de máscara pública que usamos para viver em uma cidade, o que seria a essência da civilidade, que permite o engajamento e a participação pública sem a exposição do verdadeiro “eu”. A cidade como um espaço onde as pessoas podem compartilhar, sem serem pressionadas ou induzidas a retirar a tal máscara.


A idéia que Bauman transpassa mais uma vez, é que, quando o consumidor ou comprador vai às compras, é como uma viagem no espaço e, secundariamente, viagem no tempo. Os espaços seriam lugares que se atribuem significados, sejam eles de consumo, de vivência, ou outro lugar no qual as pessoas lhe atribuam algum valor. Já os espaços vazios são justamente o contrário, onde não há um significado atribuído aos mesmos.


É colocada no texto a passagem “é uma patologia do espaço público que resulta numa patologia da política: o esvaziamento e a decadência da arte do diálogo e da negociação, e a substituição do engajamento e mútuo comprometimento pelas técnicas do desvio e evasão”. Nota-se aqui a antiga recomendação dos pais e avôs para os netinhos: não fale com estranhos, mantenha distância de quem você não conhece, ele podem fazer mal e seqüestrá-lo. Talvez uma analise psicológica mais profunda explicaria a eterna fuga do debate e da negociação entre as pessoas.  


Uma definição simplista do “espaço” seria o que se pode percorrer em certo tempo e que o “tempo” seria o que se precisa para percorrê-lo. Há muita discussão sobre a definição exata do espaço e tempo, haja vista, inúmeros debates entre físicos, matemáticos e ciências “duras” ou mesmo a filosofia, contribuindo com suas reflexões.


A modernidade é delineada em um tempo e este tempo tem uma história associada. O tempo e espaço deveriam ser emancipados de seus grilhões estanques e sólidos, neste mundo fluido, o espaço fica maior com máquinas mais velozes, com invenções e desenvolvimento de tecnologias, e a cada vez cabe mais coisas dentro do tempo, com eventos simultâneos, rápidos, conjugados e assim ampliando também o espaço.


Na modernidade pesada, a riqueza e o poder dependem do tamanho e qualidade do hardware que são lentos e complexos no movimento, em antítese a modernidade leve. Fluem com os sistemas simbolizados no software, com as pessoas dispersas desenvolvendo capital intelectual e interligando as tecnologias, pessoas, objetos, espaços e tempo. Porém, a rapidez do software no tempo desvaloriza a idéia de espaço, aquele espaço físico onde as pessoas se reuniam, trabalhavam e conviviam.


Adicionalmente, poderia ser considerada a criação do espaço virtual que se desenvolveu no início do século XXI depois da publicação de Modernidade Líquida, como os “avatares”, a fazenda virtual do Facebook e assim por diante. A urgência de ir a algum lugar cede ao espaço virtual, no qual podemos ir a qualquer lugar no momento que assim desejar.


O poder líquido está em quem pode se liquefazer, ou seja, quem é livre para tomar decisões, ocupa mais espaço e livre para movimentar-se quase de modo imperceptível. A administração no capitalismo leve consiste em manter a mão-de-obra afastada do espaço ou mesmo forçá-la a sair, onde a era do software não mais prende e permite a liberdade de movimento, volátil e inconstante, por sua dinâmica de desenvolvimento em qualquer espaço e tempo ao redor do mundo.


A vida instantânea parece uma viagem infinita com múltiplas possibilidades a serem realizadas numa fração de tempo e na miniaturização dos componentes para caberem mais em menos. Costuma-se dizer que o dia deveria ter mais que 24 horas para fazer tudo que seria “necessário”. Atualmente as pessoas já ecoam que será preciso mais de uma vida para realizar e obter o que desejam.


O amanhã é tão efêmero e irreal, que é utilizado inclusive para passar credibilidade e esperança para as pessoas, numa realização que talvez nunca se concretize. O homem foi sustentado por dois pilares, entre o passado e o futuro construindo uma ponte entre a durabilidade e transitoriedade, mas viver numa modernidade líquida implica em assumir responsabilidades e viver o momento, o instantâneo em seu tempo e espaço únicos.


5. Trabalho


O capítulo sobre trabalho começa a idéia que para dominar o futuro é preciso ter os pés bem plantados no presente, porque o indivíduo que tem o poder sobre o presente pode expandir-se no futuro e até mesmo declinar do passado. Vale lembrar que, os grandes impérios da antiguidade como o romano, por exemplo, declinou décadas mais tarde e não se perpetuou no poder, apesar da hegemonia gloriosa do passado que um dia foi o presente.


A questão proposta pelo autor é a do progresso que se sustenta na autoconfiança em si mesmo e no desenvolvimento. O estágio da modernidade líquida no qual o progresso está inserido não é mais considerada uma medida temporária ou transitória que conduz a realização duradoura do bem-estar e viver, mas sim um desafio e uma necessidade perpétua e, quiçá, infindável de permanecer vivo e bem.


Como o tempo é escasso e instantâneo, o progresso precisa ser consumido e usufruído com rapidez, que o momento exige, antes mesmo que o outro progresso se faça perceber. Numa vida guiada pelo preceito da flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo, tal preposição colocada por Bauman merece um contra-ponto, se o que há são planos de curto prazo, então qual seria a razão de dedicar-se anos a fio aos estudos, por exemplo, sem um objetivo maior que é ser doutor em medicina neurológica, ou mesmo as empresas fazerem planos estratégicos considerados de longo prazo, que estão em torno de cinco a dez anos, se não houvesse tempos além do curto prazo. A simplificação pura do tempo instantâneo e fugaz, talvez não devesse simplesmente expandir em quaisquer direções.


A relação do trabalho onde o individuo tem se movimentado do estado sólido, com planejamentos de longo prazo, como trabalhar por anos a fio numa mesma empresa, até sua aposentadoria, cede lugar ao movimento curto, no qual o trabalhador articula e planeja algo em torno de dois movimentos futuros e deixa o sistema fluir.


O termo “remendar” proposto pelo autor talvez seja mais apropriado nessa nova relação de trabalho, na qual o plano a longo prazo é substituído pelo curto prazo e é necessário fazer ajustes na engrenagem com a máquina em movimento. 


A ascensão do trabalho ocorreu quando o individuo descobriu que o trabalho era uma fonte de riqueza, assim a razão tinha que buscar, utilizar e explorar essa fonte de modo mais eficiente. No capitalismo pesado, a relação entre o trabalho e a empresa, ou melhor, o capital que deveria ser atado, de tal forma que caminhasse junto e o sistema, não propiciasse a emancipação do individuo. Ele ficaria atrelado e subjugado aos desejos e ordens de outrem e o tempo seria considerado de longo prazo.


No capitalismo leve há a nova mentalidade que prega o curto prazo e os interesses do individuo não atrelados necessariamente do capital. A flexibilidade de ir e vir, o espaço virtual, a mobilidade de transitar por outras esferas apregoa que a vida no trabalho está sujeita a incertezas, o qual gera uma força individualizadora. Há uma fragilidade que permeia as relações no trabalho, um desengajamento unilateral. Entretanto, poderia ser acrescentado o aspecto bilateral, onde as partes envolvidas perseguem seus próprios objetivos e interesse independente, ou seja, o individuo e a empresa são entes independentes.


Os antigos funcionários cedem lugar aos colaboradores que tem menor laço com a empresa, na medida em que a relação de comprometimento no longo prazo se exígua. Os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes e assim para evitar uma frustração futura tendem a desconfiar de qualquer lealdade em relação ao local de trabalho ou projetos futuros.


A procrastinação é o ato de adiar uma ação, neste sentido ela tem uma tendência a romper qualquer limite de tempo e a estender-se indefinidamente.  A satisfação por sua vez fica relegada ao adiamento como uma provação simples e pura, uma problemática que sinaliza certo desarranjo social e/ou inadequação pessoal.


No fundo o trabalho na modernidade leve, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento a longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desemprego estrutural ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o termo que rege os novos tempos. Assim a satisfação instantânea é perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade perdida. Não obstante, a satisfação instantânea é a única maneira de sufocar o sentimento de insegurança, recolocada aqui, não a única, mas sim uma das formas para dominar o sentimento de insegurança, haja vista, que existem outros subterfúgios a serem aplicados no campo da psicologia com esse intuito.


6. Comunidade


A comunidade ideal seria um mundo que oferece tudo que se precisa para levar uma vida significativa e compensatória. É importante para o individuo participar do meio e interagir com ele, mesmo que haja a dicotomia entre liberdade do individuo e as mínimas regras estabelecidas.


Patriotismo versus nacionalismo, no qual o primeiro, em geral, é caracterizado pelo positivismo e o segundo pela carga negativa, ou seja, o nacionalismo é um certo sentimento de ódio e revolta, no qual os outros países estrangeiros estão conspirando algo ruim contra ele. O país acha que está sendo sub-valorizado e sub-respeitado e o patriotismo é visto como o lado leve que enaltece o país, ressalta as suas boas qualidades, sendo um movimento do “eu enquanto país”. O nacionalismo parece como ente que tranca e amordaça enquanto que o patriotismo parece ser mais libertador, leve, tolerante e hospitaleiro.


Além disso, a comunidade de semelhança é utilizada com certo espírito de “nós”, que seria com o intuito de se  disseminar a responsabilidade das ações e conseqüências, não fui eu, mas sim nós, portanto o outro também é responsabilizado. Essa imagem de comunidade como uma ilha de prosperidade e tranqüilidade caseira, num mar revolto e traiçoeiro, cativa à imaginação das pessoas.


Quando a globalização parece tem vigor maior para a disseminação da competitividade entre os povos, a luta pela sobrevivência busca novos mercados, explora a mão-de-obra mais barata e estimula a força da inimizade, mais do que promove a coexistência pacífica das comunidades. As populações sedentárias da modernidade sólida resistem às populações nômades mais propensas a modernidade líquida, atitude que motiva novas regras e deslocamentos de poder criando um conflito de pensamento e contrariedade.


Na paisagem da modernidade líquida a figura do “cloakroom”, ou comunidade de carnaval, é indispensável. O termo “cloakroom” capta bem um de seus traços característicos, no qual o espectador deixa suas roupas e regras utilizadas na rua e veste-se de acordo com a ocasião do espetáculo e assume novas regras durante o tempo daquela apresentação. Entretanto, a comunidade de carnaval dissipa as energias de impulsos de sociabilidade ao invés de condensar e assim contribui para a perpetuação da solidão.


O individuo conquista uma liberdade de ação e pensamento, na busca continua de realização e auto-afirmação, quebrando vínculos com o meio, como exemplo, o trabalho no capital pesado, onde havia uma relação mais sedentária entre as pessoas e o capital.


O tempo atua também numa comunidade de semelhança no capitalismo leve, com a inserção do individuo emergindo conflitos do “eu” e do “nós” que há na liberdade, porém, que também exige a responsabilidade associada à ação.


Esta obra deve ser revista ao longo do tempo, a afim de que novas reflexões e progressos sejam revisados a luz do entendimento da modernidade líquida.


 


Referência bibliográfica:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 258p.

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Informações Sobre os Autores

Ana Fátima de Brito

Mestranda em Administração de Empresas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
Formação acadêmica: formada em Ciências Contábeis (UFMG), com pós-graduações em Auditoria (UFMG) e Administração industrial (USP), trabalha como auditora em uma instituição financeira.

Claudia Simone Vieira


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