A análise econômica do direito: aspectos gerais

Indubitavelmente, a importância da ciência da economia, principalmente no último século, tem sido cada vez mais reconhecida. A economia sempre teve um papel relevante na história da humanidade, mesmo em épocas em que a sociedade tinha hábitos rudimentares. Entretanto, pode-se creditar ao desenvolvimento da sociedade industrial a ampliação dos estudos da economia, bem como a sua inter-relação com outras ciências.

Como não poderia deixar de ser, com o passar dos anos, o Direito também sofreu influências da ciência da economia, tanto no ato de formulação de diplomas legais pelos legisladores, como nas interpretações e decisões do Poder Judiciário.

Entretanto, ressalta-se que o trabalho do jurista envolve a valoração de modelos éticos e de justiça. Dessa forma, o auxílio dado pelos economistas se restringe a descrever as condutas econômicas, permitindo ao operador do direito visualizar os reflexos oriundos de mudanças.

Neste diapasão, principalmente a partir da segunda metade do século passado, desenvolveu-se, inicialmente e com mais força nos Estados Unidos da América, uma nova corrente na teoria jurídica que combina as ciências econômica e jurídica, tendo como objetivo o estudo interdisciplinar do direito. A referida corrente denomina-se Análise Econômica do Direito (AED), ou “law and economics” para os norte-americanos.

Richard Posner, Professor da Faculdade de Direito de Chicago e um dos maiores expoentes da Análise Econômica do Direito, em sua obra “Some Uses and Abuses of Economics in Law”, define a Análise Econômica do Direito como um movimento de pensamento cuja característica essencial é a aplicação da teoria microeconômica neoclássica à análise das principais instituições e do sistema jurídico em seu conjunto.

Embora grande parte da doutrina considere que a Análise Econômica do Direito surgiu por volta de 1960, alguns autores, como PALOMA DURÁN Y LALAGUNA, apontam que a sua origem se deu no século XVIII, com a doutrina econômica de Adam Smith servindo de apoio para o desenvolvimento das teses utilitaristas de Jeremy Bentham[1]. Assim, combinando os estudos econômicos de Smith com os filosóficos de Bentham, surgiu a interpretação jurídica da economia.

Entretanto, a Análise Econômica do Direito apenas se desenvolveu de forma mais robusta a partir da segunda metade do século passado, estudando condutas que não são exclusivas de mercado, através de três obras clássicas: The Economics of Discrimination de G. Becker em 1957; The Problem of Social Cost de Ronald Coase em 1960; e, por fim, Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts de Guido Calabresi em 1961.

Neste ponto faz-se necessário identificar a divisão que se faz da Análise Econômica em “old law and economics” e “new law and economics”. A “old law and economics” preconiza a aplicação da racionalidade e das categorias econômicas ao estudos das normas reguladoras dos mercados explícitos. Já a “new law and economics” proporciona a aplicação da economia às normas reguladoras de uma conduta não mercantil, como as questões relativas à responsabilidade civil, ao direito de família, direito ambiental, direito penal e outros.

Becker, em seu estudo acerca da discriminação, acabou por realizar a análise da posição econômica das minorias, dedicando grande parte a questões relativas ao trabalho e, especialmente, à relação entre negros e brancos. Este trabalho tem uma importância muito grande na medida em que é considerado como um dos primeiros trabalhos de Análise Econômica que não tem como objeto alguma conduta de mercado. Ressalta-se que Becker também escreveu obras sobre o capital humano (Human Capital de 1964), sobre condutas humanas (The Economic Approach to Human Behaviour, de 1976) e sobre a família (A Treatise on Family de 1981).

Os trabalhos de Ronald Coase se concentraram especificamente no custo social como um problema que exige a unificação de critérios jurídicos e econômicos. Um dos grandes méritos das obras de Coase foi tentar interpretar a realidade humana não exclusivamente numa perspectiva econômica. 

De acordo com a argumentação de Coase, o problema central econômico é a maximização da produção, realizando, assim, uma crítica à teoria da intervenção estatal de Pigou. Coase defendia que a regulação estatal direta não proporcionará melhores resultados que os obtidos na situação em que o mesmo problema é resolvido pelo mercado ou pelos próprios agentes. Ressalta-se que a referida teoria se identifica com os postulados do sistema de mercado livre, defendido pelo capitalismo.

Por fim, os ensinamentos de Guido Calabresi, Professor da Universidade de Yale, têm como característica principal o estudo econômico da ciência jurídica. Sua doutrina é considerada a origem de um dos ramos da Análise Econômica, a normativa. Assim, para Calabresi, a Análise Econômica não deve explicar o Direito em si, mas demonstrar como este deve ser, objetivando a reconstrução do sistema legal a partir de questões econômicas.

O Professor italiano de Yale destaca em seus estudos questões relativas à responsabilidade, numa postura diferente de Becker e Coase, uma vez que considera a Análise Econômica uma das formas de estudar o Direito, mas não a única.

Calabresi, ao assumir a questão da distribuição da riqueza existente como ponto de partida de sua teoria, inova ao manifestar a necessidade de se introduzir em considerações distributivas à análise pura de eficiência. Justifica o referido autor que a eficiência não é o único valor social, devendo ser mitigado quando outros são considerados mais importantes.

Este breve estudo acerca da Análise Econômica do Direito não poderia finalizar sem que fossem destacados os ensinamentos do já mencionado Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, Richard Posner, talvez o maior expoente da Análise Econômica do Direito, atualmente.

Posner defende a adequação das instituições jurídicas à sociedade histórica e, assim, através do pragmatismo dominante na tradição científica norte-americana, confirma  a referência do homo oeconomicus[2] como ponto de partida de qualquer revisão.

Assim como Calabresi deu origem ao ramo normativo da Análise Econômica, Posner foi o responsável pelo ramo denominado positivo. O Professor de Chicago tenta, a partir de uma estrutura analítica, explicar quais efeitos as normas existentes produzem, e se estas correspondem a algum princípio ou critério econômico que os expliquem.

Ressalta-se que as teses de Posner tiveram grande desenvolvimento a partir da crise da década de 70, deixando clara uma mudança de rumos na economia. O Estado de bem estar social passa a ser substituído pelo individualismo de bem-estar, destacando a concepção do homem como maximizador de riquezas.

Dessa forma, os ensinamentos de Posner se baseiam na busca da eficiência. Em princípio, a eficiência é identificada com o critério denominado Ótimo de Pareto, no qual uma decisão é ótima apenas se alguém pode melhorar a sua situação sem piorar a de outro. Entretanto, Posner acaba por adotar uma nova concepção de eficiência, entendida como maximizadora de riquezas de tal maneira que seu valor – a satisfação humana medida pela vontade de pagar do consumidor pelos bens e serviços – seja maximizado.

O referido autor defende também que o Direito recebe influências da racionalização econômica, uma vez que o Direito se desenvolve paralelamente à evolução social.

Assim, observa-se que o desenvolvimento da Análise Econômica do Direito recrudesceu a partir da segunda metade do século passado, principalmente nos Estados Unidos da América. Ressalta-se também que a Europa a tem recebido com várias críticas, principalmente em decorrência das teses de Chicago e, especialmente, das teses da Análise Econômica do Direito do Professor Posner.

A vertente da Análise Econômica do Direito da Universidade de Chicago, por ser extremamente polêmica em decorrência de sua característica liberal, acabou por ser a mais estudada, tornando-se sinônimo da própria Análise Econômica do Direito.

Assim, ressalta-se que muitas das críticas feitas à Análise Econômica do Direito negligenciam as demais vertentes. Logicamente, a utilização das teses de Posner na Europa ou em nosso país, não pode ser feita sem as necessárias adaptações, uma vez que são bastante diferentes as realidades econômicas e sociais dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil. Mas, de forma alguma, essas diferenças devem ser levadas ao ponto de negar a utilidade da Análise Econômica do Direito para o estudo de várias questões jurídicas que podem ter uma resolução mais eficiente e justa, se tratadas sob esse novo enfoque.

 

Notas:

 
[1] Ressalta-se que R. Posner considera que J. Bentham foi pioneiro ao demonstrar que os indivíduos são seres egoístas que tratam de maximizar todos os tipos de interesses.

[2] Neste ponto, faz-se necessário citar as lições de PEDRO MERCADO PACHECO acerca do homo oeconomicus: “O homo oeconomicus é fruto de um processo de redução. Redução expressada na mutação antropológica, que transforma as relações do homem com as coisas em um critério de identificação do indívíduo. Redução das relações sociais à meras relações de intercâmbio no espaço autoregulado do mercado, confundindo o econômico em geral com uma realização histórica determinada, o mercado como protótipo universal do sistema econômico. Redução da ação racional, a eleição de meios para a consecução de fins esquecendo o essencial, a saber, o saber por que os fins e os meios específicos se encontram em uma sociedade e não em outra” (nossa tradução)  PACHECO, Pedro Mercado. El Analises Econômico del Derecho – Una Reconstruccion Teorica.  Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994. 


Informações Sobre o Autor

Bernardo Augusto Teixeira de Aguiar

Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG, Ex-Subprocurador-Geral Federal Substituto, Ex-Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Federal, Ex-Membro do Conselho Consultivo da Escola da AGU, Ex-Coordenador-Geral de Administração das Procuradorias da PFE/INSS, Ex-Chefe da Divisão de Planejamento e Gestão da Procuradoria-Geral Federal, Ex-Chefe do Serviço de Matéria Administrativa da Procuradoria-Regional do INSS da 1a Região


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