Redução da maioridade penal e o princípio da proteção integral da criança e do adolescente

Resumo: Este estudo se dedica à análise da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro, devido ao medo e insegurança crescentes na sociedade brasileira em consequência do alto índice de atos infracionais cometidos por adolescentes, o que tem levado a população a discutir a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos de idade como forma de pôr fim à criminalidade. Todavia, a referida alteração viola os preceitos constitucionais de proteção da criança e do adolescente, bem como o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diante disso, analisaremos os direitos e deveres das crianças e adolescentes com base no princípio da proteção integral, bem como a responsabilidade dos jovens pela prática dos atos infracionais com a aplicação de medidas socioeducativas previstas pelo ECA, buscando demonstrar a eficiência ou não destas medidas e se sua aplicação alcança os objetivos de reeducação e reinserção do adolescente. Por fim, serão abordados os principais argumentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal.

Palavras-chave: Maioridade Penal. Redução. Estatuto da Criança e Adolescente. Princípio Proteção Integral. Vantagens. Desvantagens.

Abstract: This study is dedicated to the analysis of the criminal majority in the Brazilian legal system, due to the growing fear and insecurity in Brazilian society as a consequence of the high index of infractions committed by adolescents, which has led the population to discuss the reduction of the criminal age of 18 Years to 16 years of age as an end to crime. However, this amendment violates the constitutional precepts of protection of children and adolescents, as well as the provisions of the Statute of the Child and Adolescent (ECA). In view of this, we will analyze the rights and duties of children and adolescents based on the principle of integral protection, as well as the responsibility of young people for the practice of infractions with the application of socio-educational measures envisaged by the ECA, seeking to demonstrate the effectiveness or not of these measures and If its application reaches the goals of reeducation and reinsertion of the adolescent. Finally, the main arguments favorable to and against the reduction of the criminal age will be addressed.

Keywords: Criminal majority. Reduction. Statute of the Child and Adolescent. Principle of Integral Protection. Advantages. Disadvantages.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3.Conclusão

1. Introdução

Atualmente, observa-se que há um aumento da violência mediante a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes, o que vem causando uma sensação de insegurança na sociedade, e, consequentemente, há uma forte pressão popular para que seja dada uma punição adequada para esses jovens.

Por esse motivo, voltou a ser discutido a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, como uma possibilidade de solucionar o problema da criminalidade, uma vez que menores infratores passariam a responder pelos atos praticados.

Contudo, a Constituição Federal (CF), buscando dar proteção aos direitos das crianças e adolescentes, estabeleceu em seu artigo 228 que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis ficando sujeitos à legislação especial.

Assim, visando dar efetividade a estes direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, o Brasil assinou a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990, com a promulgação do Decreto nº 99.710/1990 que prevê em seu artigo 1º que “criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. (BRASIL, 2016).

Logo em seguida, promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o objetivo de trazer maiores garantias aos menores em atendimento ao disposto na Carta Magna.

Para Volpi citado por Diego José Rodrigues da Cunha

O Brasil tentou aperfeiçoar medidas que buscassem dar proteção ao menor, pois este além de estar em formação e não ter plena consciência de seus atos é visto e representado como a parcela da sociedade mais frágil na qual corriqueiramente é vítima de violações de direitos tanto pela família quanto pela sociedade. Tais violações são facilmente vistas nas ruas e noticiários de tevê, vemos hoje crianças e adolescentes sendo vítimas de maus tratos, abuso sexual, adoções irregulares, tráfico internacional, fome, tortura, prisões arbitrárias e exploradas para o trabalho infantil”. (VOLPI, Mário. 2001, p.17 apud CUNHA, 2015)

Assim, devido à relevância do tema em comento advinda das discussões acerca da proteção do direito individual do menor de 18 anos e do direito da coletividade que também tem que ser assegurado pelo Estado, o presente trabalho busca analisar os direitos e deveres das crianças e adolescentes com base no princípio da proteção integral, bem como a responsabilidade dos jovens pela prática dos atos infracionais com a aplicação de medidas socioeducativas previstas pelo ECA, buscando demonstrar a eficiência ou não destas medidas e se sua aplicação alcança os objetivos de reeducação e reinserção do adolescente.

Por fim, serão abordados os principais argumentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O presente estudo foi formulado nas ideias e considerações dos autores como: Bitencourt (2016), Gomes; Molina (2007), Greco (2012) e Nucci (2012).

2. Desenvolvimento

Inicialmente, antes de adentrarmos no tema em questão faremos uma breve análise dos direitos e deveres das crianças e adolescentes.

No Brasil Colônia o pai possuía a autoridade máxima perante a família, estando as crianças sob a responsabilidade deste.

Já no século XVIII as crianças e adolescentes foram inseridos no trabalho escravo por serem fortes fisicamente. Porém, com a promulgação da Lei do Ventre Livre estes menores não podiam mais ser escravizados, motivo pelo qual foram postos na rua, o que causou diversos problemas sociais, tais como, doenças e analfabetismo, exigindo tomada de medidas urgentes pela República, a qual se espelhando no movimento internacional da época, promulgou o Decreto nº 50831/1926, conhecido como Código de Menores, sendo este, um ano depois, substituído pelo Decreto nº 17.943-A/1927, que consolidou as questões acerca da assistência e proteção aos menores como forma de minimizar a infância de rua.

Neste Código de Menores (Decreto nº 17.943-A/1927), “a família, independente da situação econômica, tinha o dever de suprir adequadamente as necessidades básicas das crianças e jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado” (AMIN, 2011, p. 5).

Em 1959 foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, reconhecendo o menor como sujeito de direitos e garantindo a eles proteção integral.

Por sua vez, na década de 1979 foi promulgado o novo Código de Menores, Lei nº 6.697/1979, que trouxe à baila uma concepção assistencialista de proteção dos das crianças e adolescentes.

Todavia, somente com a Constituição Federal de 1988 é que houve mudanças significativas em nosso ordenamento jurídico ao trazer em seu artigo 227 a base para a elaboração do ECA, conferindo às crianças e adolescentes a titularidade de direitos fundamentais, além de determinar que o Estado os promova por meio de políticas públicas. Vejamos:

Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 2016)

A fim de consolidar o disposto na Carta Magna foi promulgado o ECA, Lei 8.069/1990 que teve como objetivo a proteção integral das crianças e adolescentes, assegurando em seu artigo 3º a efetivação deste princípio constitucional ao dispor que:

Art.3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. (BRASIL, 2016)

Destarte, é importante trazermos à baila a definição do princípio da proteção integral, o qual entende-se como sendo aquele que busca a garantia dos direitos das pessoas em desenvolvimento e impõe deveres à sociedade de modo a consubstanciar um status especial às crianças e adolescentes.

Nas palavras de Rossato, Lépore e Cunha (2010, p.79)

“Não implica, a proteção integral, em mera proteção a todo custo, mas sim, na consideração de serem a criança e o adolescente sujeitos de direito, devendo as políticas públicas contemplar essa situação, proporcionando o reequilíbrio existente pela condição de serem pessoas em desenvolvimento, o que deverá ser levado em consideração na interpretação do Estatuto”.

Esse novo modelo de proteção integral consolidado pelo ECA estabelece que a “família, sociedade e estado são co-gestores (sic) do sistema de garantias que não se restringe à infância e juventude pobres, (…) mas sim a todas as crianças e adolescentes, (…) lesados em seus direitos fundamentais de pessoa em desenvolvimento” (AMIN, 2011, p.9/10), sendo certo que o artigo 4º, do ECA traz os contorno do princípio da prioridade absoluta ao estabelecer que é dever da família, Estado e sociedade garantir os direitos da criança e adolescente, mantendo-os à salvo de qualquer supressão dos direitos individuais e coletivos.

Nesse diapasão, dentre os deveres da família, podemos destacar que os pais têm o dever de cuidado mediante o sustento, guarda e educação dos filhos menores, zelando para que eles cresçam em um ambiente saudável, conforme preconiza o artigo 22 do ECA. Caso haja o descumprimento de alguns desses deveres poderá os pais perder ou ter suspenso o poder familiar.

Por sua vez, o Estado tem o dever de garantir a proteção da família, assegurando a aplicação correta dos princípios basilares do ECA, quais sejam, o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, além daqueles deveres enumerados no artigo 227, §3º, da CF.

Já a sociedade tem o dever junto à família de dar efetividade ao cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes previstos na CF e no ECA, impedindo que sejam violados, agindo, portanto, como fiscal social, nos termos do artigo 70, do ECA.

Por outro lado, as crianças e os adolescentes, mesmo sendo pessoas em desenvolvimento com direitos à proteção de sua liberdade, dignidade e outras garantias, são sujeitos de deveres, estando adstrito às normas imposta pelo Estado, e, caso as infrinja, deverão ser responsabilizados pelo ato ilícito praticado.

Ocorre que, a Constituição Federal (artigo 228) e o ECA (artigo 104), dentre as garantias asseguradas às crianças e adolescentes, estabelecem que os menores de 18 anos de idade são penalmente inimputáveis.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. (BRASIL, 2016)

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”. (BRASIL, 2016)

O Código Penal (CP) estatui esta mesma regra em seu artigo 27 ao dispor que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. (BRASIL, 2016)

Sabe-se que imputabilidade penal se estrutura a partir da análise e do entendimento da culpabilidade. A culpabilidade é um dos elementos do crime o qual é composto pela tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

A culpabilidade, por sua vez, também possui três elementos, quais sejam: a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e o potencial conhecimento sobre a ilicitude do fato. Considerando que o objeto do nosso estudo reside no elemento da imputabilidade, iremos nos ater a analisar apenas esse elemento da culpabilidade.

A imputabilidade se caracteriza como sendo a capacidade de entender a ilicitude dos atos praticados e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento, ou seja, é a aptidão de ser culpável. “Em outras palavras, consiste no conjunto de condições de maturidade e sanidade mental, a ponto de permitir ao sujeito a capacidade de compreensão e de autodeterminação” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2012, p. 414).

Contudo, se ao tempo da ação o agente não tiver condições de conhecer o caráter ilícito do ato praticado, ele não poderá se imputável, lhe sendo aplicado uma das medidas excludentes de imputabilidade previstas nos artigos 26, 27 e 28, §1º do CP, quais sejam: doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, menoridade penal e embriaguez completa.

Dentre essas excludentes iremos destacar a menoridade penal, a qual, segundo entendimento doutrinário é decorrente de uma presunção legal absoluta, dada pelo legislador brasileiro com base numa questão de política criminal ao estabelecer nos artigos 228, da CF, 27, do CP e 104, do ECA que os menores de 18 anos de idade não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico, ilícito e culpável.

Para a fixação da inimputabilidade penal, a doutrina adota três critérios, a saber: biológico, psicológico e biopsicológico.

“(a) Critério Biológico (considera apenas o desenvolvimento mental do agente, ignorando a capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da ação ou omissão); (b) Critério Psicológico (ao contrário do anterior, considera se, ao tempo da ação ou omissão, o agente possuía capacidade de entendimento e autodeterminação, pouco importando sua idade ou condição mental); e, (c) Critério Biopsicológico (junção dos anteriores, levando em consideração o desenvolvimento mental do agente, bem como a capacidade de entendimento e autodeterminação do mesmo no momento da conduta)”. (PUREZA, 2015)

O critério adotado pelo ordenamento jurídico pátrio para a maioridade penal foi a critério biológico. Ao adotar esse critério considerou-se apenas o desenvolvimento mental do agente, independente se ele tinha, no momento da prática do ato, discernimento para compreender o caráter ilícito do fato praticado, uma vez que o que se buscou foi fixar um critério objetivo para garantir a segurança jurídica do país.

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de Molina (2007, p. 584)

Ainda que o menor tenha plena consciência do que faz, ainda assim, para efeitos penais, ele é presumido inimputável. Aliás, como já afirmado, trata-se de presunção absoluta, que não admite prova em sentido contrário. Por mais sábio que seja o menor, não pode a acusação querer comprovar que ele entendia o que fazia no momento do fato”.

Importante ressaltarmos que a imputabilidade não se confunde com a responsabilidade, sendo esta última “o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações”. (BITENCOURT, 2016, p. 475). Isso implica dizer que a pessoa deverá arcar com todas as consequências jurídicas do ato praticado.

Assim, o menor de 18 anos de idade será penalmente inimputável. Todavia, isso não significa que ele não possa responder pelos atos ilícitos praticados. Apenas não poderá ser a ele aplicadas as penas elencadas no Código Penal, uma vez que o ECA determina que o adolescente poderá responder individualmente pelo ato infracional praticado, sendo-lhe aplicado uma das medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do referido diploma legal.

As medidas socioeducativas consistem nas medidas jurídicas aplicadas aos menores que praticarem atos infracionais definidos no artigo 103, do ECA como sendo “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 2016). Elas possuem caráter não só punitivo, mas principalmente educativo e pedagógico, uma vez que visa a reintegração familiar e social do jovem.

As medidas socioeducativas que podem ser aplicadas ao menor infrator são: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional.

Assim, quando da prática de algum ato infracional pelo menor, o juiz deverá aplicar uma dessas medidas socioeducativas observando aquela que for mais adequada à reintegração e recuperação do adolescente, haja vista a situação peculiar do adolescente que é considerando como pessoa em desenvolvimento.

Contudo, o que se verifica, na prática, é que as medidas socioeducativas correspondem às penas punitivas previstas no Código Penal, como por exemplo, a internação em estabelecimento educacional se equivale à pena privativa de liberdade em regime fechado prevista no Código Penal, sendo a primeira somente cabível quando o ato infracional for cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa.

Por esse motivo, surgiram várias críticas acerca da eficiência dessas medidas, que por seu caráter pedagógico acaba por gerar uma sensação de impunidade perante à sociedade.

Nesse sentido, explica Greco (2012, p. 388)

O argumento de que ao inimputável por imaturidade natural que pratica um ato infracional será aplicada uma medida socioeducativa, nos termos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), não tem o condão de convencer a sociedade, que cada dia pugna pela redução da maioridade penal para os 16 anos”.

Afirmam, também, que o ECA “é leniente demais com a delinquência juvenil, não atingindo uma das finalidades que é a intimidação dos jovens que cogitam de praticar atos infracionais”. (LEIRIA, 2011)

Por outro lado, vê-se que as medidas socioeducativas são instrumento eficazes para garantir a ressocialização dos jovens que comentem ato infracional. O problema, na verdade, reside na falta de aplicação dessas medidas em sua integralidade, visto que falta atuação do poder público na adoção de políticas públicas que possibilitem o cumprimento integral das normas previstas no ECA.

Luiz Fernando de Andrade (2013) defende que

O que se pode inferir é que o Estatuto da Criança e do Adolescente tem vários princípios adotados e uma forma regular de reintegrar o adolescente infrator na sociedade. O que se deve questionar é a capacidade do Estado cumprir o disposto na legislação, implementando políticas públicas destinadas à criança e ao adolescente. O Estado não consegue manter os dizeres constitucionais e assegurar ao menor uma educação de qualidade, acesso à cultura, uma estrutura familiar, alimentação dentre outras garantias”.

Outrossim, sabe-se que os presídios brasileiros estão superlotados, não conseguindo sequer atender a demanda existente atualmente, além do fato de que a colocação de adolescente de 16 anos de idade em celas ocupadas por bandidos poderá gerar um efeito contrário ao que que se pretende a Carta Magna e o ECA, pois ao invés de ressocializar o menor estará transformando-os em pessoas piores, haja vista que os presídios são considerados como “escolas do crime”.

Gomes e Molina (2007, p. 583) entendem que “se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia de criminosos adultos), teria como consequência inevitável a sua mais rápida integração nas bandas criminosas organizadas”.

Complementa Bitencourt (2016, p.480) que com a redução da menoridade penal, “explodiremos” a capacidade das penitenciárias (já superlotadas) e somente teremos bandidos mais jovens e delinquindo por mais tempo; esses menores farão o aperfeiçoamento na delinquência no interior das prisões (verdadeiras fábricas de criminosos)”.

Para este jurista a solução para o problema da criminalidade praticada por menores de 18 anos não estaria na redução da menoridade penal e sim na criação de estabelecimentos diferenciados para esses adolescentes e no aumento do prazo de internação.

“(…) faz-se necessário que as sanções penais sejam executadas em estabelecimentos especiais, onde o tratamento ressocializador, efetivamente individualizado, fique sob a responsabilidade de técnicos especializados. (…) Nessas circunstâncias, isto é, com a existência real de um objetivo ressocializador mínimo, tornado programático, obrigatório, permanente e efetivo, mostra-se razoável a alteração do ECA, ampliando o prazo de internação do menor (entre 16 e 18 anos) para até cinco anos, na criminalidade clássica, e para até sete ou oito anos na hipótese dos denominados crimes hediondos e assemelhados”. (BITENCOURT, 2016, p. 480/481)

Por fim, alguns autores defendem a redução da maioridade penal sob a alegação de que o adolescente acima de 16 anos de idade possui maior maturidade para entender a ilicitude do ato praticado, visto que no mundo de hoje os jovens possuem maior acesso às informações o que os torna mais inteligentes e conscientes dos atos praticados.

Assim, Nucci (2012, p. 297) afirma que

“(…) não mais é crível que menores com 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida”.

Porém, tal argumento não é suficiente para promover a redução da maioridade penal, tendo em vista que isso representaria um retrocesso na política criminal, além do fato de que a inimputabilidade penal se trata de uma presunção absoluta com a adoção do critério biológico, conforme anteriormente mencionado.

Ademais, a colocação desses adolescentes nas penitenciárias brasileiras, como já dito acima, iria contribuir para a formação de delinquentes cada vez mais jovens.

Soma-se a isso, o fato de que o ECA já traz a responsabilização para esses menores infratores, levando-se em consideração a situação peculiar em que se encontram como pessoas em desenvolvimento, faltando apenas que seja dada a efetiva aplicabilidade aos direitos e garantias assegurados neste diploma legal.

Outrossim, o problema da criminalidade do país vai muito além da idade do infrator. Ela se encontra embasada na falta e/ou ineficiência das políticas públicas adotadas pelo Estado, que ao invés de investir em educação de qualidade, saúde, habitação, programas socioculturais e reestruturação familiar, com o objetivo de retirar os jovens da marginalidade e dar-lhes condições de exercer os seus direitos constitucionais, deixa a cargo da sociedade lidar com o problema da violência.

3. Conclusão

Diante dos breves comentários esboçados neste trabalho, percebemos que há um clamor da sociedade para ter reduzida a maioridade penal em face do aumento da criminalidade juvenil, bem como do sentimento de impunidade desses jovens infratores.

Contudo, a redução da maioridade penal se mostra como um retrocesso às conquistas humanitárias em prol das crianças e dos adolescentes, além de violar o princípio constitucional de proteção integral consagrado nos artigos 227, 228 da Constituição Federal e no artigo 3º, do ECA.

Nota-se, ainda, que inimputabilidade penal é uma excludente de culpabilidade, se restringindo aos casos previstos em lei, sendo a idade de 18 anos uma presunção legal absoluta, insusceptível de alteração, motivo pelo qual os adolescentes que praticarem os atos ilícitos estarão sujeitos às medidas socioeducativas previstas no ECA.

Por sua vez, vê-se que as medidas socioeducativas são instrumentos aptos e eficientes para prevenir, reeducar e ressocializar os jovens infratores. Entretanto, essas medidas não são corretamente efetivadas pelo Estado, ficando os menores a mercê da violência institucional.

Ademais, para que as crianças e os adolescentes sejam protegidos, dando eficácia ao princípio constitucional da proteção integral, necessário se faz que as políticas públicas do Estado sejam colocadas em prática, assumindo este a sua responsabilidade perante à sociedade, a fim de fornecer meios de conduzir a criminalidade juvenil a um ponto de vista educativo e reformador, garantindo, ainda, os direitos individuais destes jovens.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Clarissa Rocha Guidi

Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduação lato sensu Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes


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