Arbitragem e relações com o Poder Judiciário

Resumo: O presente artigo pretende abordar o instituto da arbitragem e demonstrar que este mecanismo se revela uma alternativa viável para a solução de conflitos, que além de contribuir com a desobstrução do Judiciário, tem o condão de, com este, compor uma verdadeira relação de parceria capaz de conferir efetividade e distribuir Justiça às partes.

Palavras chave: arbitragem; poder Judiciário; parceria.

Sumário: 1- Introdução. 2- Arbitragem. 3- O árbitro. 4- Procedimento arbitral. 5 – Sentença arbitral. 6 – Relações com o Poder Judiciário. 7- Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

É cediço que o Poder Judiciário está sobrecarregado, cada vez mais moroso e já não consegue atender aos anseios dos seus jurisdicionados, que clamam pela entrega da prestação jurisdicional de forma efetiva e célere, fazendo-se necessária a utilização de outros instrumentos pacificadores.

A arbitragem é uma técnica de solução de litígios, rápida e eficiente, um instrumento adicional escolhido pelas partes para dirimir conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, que não busca a substituição do processo judicial, mas que se apresenta como ferramenta de grande valia para aliviar o trabalho do Judiciário e possibilitar que os juízes se dediquem as causas que não foram ou não puderam ser submetidas a este instituto.

O intuito deste trabalho é demonstrar a importante parceria que a arbitragem e o Poder Judiciário podem compor em benefício do acesso à Justiça e da pacificação social.

2. ARBITRAGEM   

2.1. Considerações iniciais

A arbitragem é uma das formas de resolução de controvérsias mais antigas do mundo. Foi uma das primeiras formas de dirimir conflitos sem o uso da força e da violência. Tem-se notícia de sua utilização na Babilônia de 3.000 anos a.C., e também na Grécia antiga e em Roma.

Alguns autores acreditam que talvez tenha sido a arbitragem o precedente para criação de órgãos judiciários permanentes e que os árbitros teriam sido os primeiros juízes.

Em 347 a.C., Platão já fazia referência a arbitragem em sua coleção de livros chamada De Legibus, em uma citação sobre os juízes eleitos asseverou: "Que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em que as partes tenham criado e eleito de comum acordo." (Platão, in De Legibus, Livros 6 e 12)[1].

No Direito Brasileiro, nas Ordenações Filipinas e Manuelinas, já havia previsão da arbitragem como via de pacificação. A primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, trazia expressamente em seu artigo 160 a utilização da arbitragem.

O Código Comercial brasileiro de 1850 estabelecia o uso desse instituto e o Código Civil de 1916 também trazia em seu bojo a arbitragem e a convenção de arbitragem, bem como o de 1939 e o de 1973, também dedicaram ao instituto alguns artigos.

Verifica-se que a arbitragem sempre esteve presente até ser efetivamente regulada com o advento da Lei no. 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Não é possível falar de arbitragem, sem falar de acesso à Justiça. Contudo, se faz necessário frisar que o acesso à justiça não deve ser compreendido como acesso ao Judiciário, haja vista que o acesso à justiça não é apenas a possibilidade de o cidadão ter seu direito tutelado pelo Estado, mas que a justiça possa ser cumprida no âmbito em que se inserem as partes, com a garantia da imparcialidade de decisão e da igualdade das partes.

Nesse contexto, é forçoso mencionar as “ondas renovatórias” dos ilustres doutrinadores Mauro Cappelletti e Bryant Garth[2] que afirmaram que a ordem jurídica justa só poderia ser alcançada se fossem satisfeitas as três “ondas renovatórias de universalização do acesso a Justiça”, a saber: 1) assistência judiciária aos pobres; 2) representação dos interesses difusos; 3) um novo enfoque de acesso à justiça, cujo objetivo principal era a utilização de meios alternativos para solução dos conflitos, como instrumentos de ampliação do acesso à justiça. Métodos diferenciados de tratamento do conflito como alternativas ao sistema judicial, em que estão inseridas a conciliação, a mediação e a arbitragem.

A conciliação é uma forma de resolução de conflitos em que um terceiro, o conciliador, de forma imparcial e ativa, conduz as partes a um entendimento, sugerindo propostas de acordo, visando à composição. Contudo, não é o conciliador que encerra a disputa, tendo em vista que a vontade das partes deve prevalecer e somente ela poderá fazer com que o litígio seja solucionado.

Já a mediação é um método de resolução de conflitos em que as partes são auxiliadas por um terceiro treinado para este mister, o mediador, que busca uma composição amigável sobre o conflito existente. É método que consiste na atividade de facilitar a comunicação entre as partes para propiciar que estas próprias possam, produzam a solução do conflito.

O que diferencia os institutos da mediação e da conciliação é que na mediação o mediador cria condições necessárias para que as próprias partes encontrem a solução do conflito, não intervindo no sentido de oferecer proposta de solução; ao passo que na conciliação, o conciliador interfere um pouco mais ao tentar apaziguar as partes, podendo sugerir soluções para o conflito[3].

Assim, enquanto na conciliação há interferência do conciliador que estimula e sugere o acordo, na mediação há apenas o auxílio do mediador, que restabelece o diálogo entre as partes, para que estas solucionem o conflito.

2.2. Conceito e aspectos gerais

A arbitragem é um meio alternativo de solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, em que as partes, de comum acordo, nomeiam um terceiro para solucionar o conflito (art. 1º, da Lei 9.307/96 – Lei de Arbitragem).

Carmona afirma que arbitragem é meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial, é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor[4].

A utilização da arbitragem traz inúmeras vantagens, entre elas: celeridade, especialidade do julgador, autonomia da vontade das partes, confidencialidade, informalidade, segurança, manutenção da relação entre os litigantes, maior número de cumprimento de sentença, grande número de acordos realizados, além de facilitar negociações internacionais e auxiliar no desafogamento do Poder Judiciário.

A escolha pela arbitragem é feita pelas partes, por meio da inserção de cláusula arbitral (ou compromissória) em contrato ou, ainda, em documento separado e posterior, denominado compromisso arbitral.

Cláusula arbitral (ou compromissória): escrita no próprio contrato, em documento anexo ou em aditivo contratual, se caracteriza pelo pacto de levar futuras e eventuais controvérsias decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis à solução arbitral. A sua principal característica é nascer antes da controvérsia entre as partes.

Compromisso arbitral: é o pacto entre as partes que, diante de um conflito já existente, se obrigam a submetê-lo a arbitragem. A sua principal característica é nascer quando já existe um conflito a ser dirimido, permitindo, assim, que a arbitragem, inclusive resolva conflitos não contratuais, desde que decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis. O compromisso pode ser:

“a) Judicial: as partes desistem do procedimento judicial e submetem o conflito à arbitragem, e

b) Extrajudicial: firmado depois do conflito, mas antes da propositura da ação judicial[5].”

     Existem duas espécies de arbitragem: a institucional e a avulsa, também conhecida como “ad hoc”.

Na arbitragem institucional ou administrada, as partes escolhem uma instituição especializada que administrará a arbitragem, com regras e procedimentos de acordo com a Lei de arbitragem, acerca dos prazos, atos processuais, número e forma de nomeação de árbitros, remuneração dos árbitros, custos para a realização da arbitragem e normas para realização de perícias e audiências, entre outras.

Na arbitragem avulsa ou “ad hoc” os procedimentos arbitrais são realizados sem a participação de uma entidade especializada. As partes poderão contratar um árbitro e, com isso, reduzir os custos.

Neste formato são as partes que determinam e estabelecem o procedimento que será seguido e, no caso de lacuna, o árbitro deverá decidir. Cumpre salientar que o risco de nulidade é maior e pode ensejar discussões a respeito do procedimento detalhado na cláusula ou no compromisso arbitral.

2.3. Constitucionalidade da arbitragem

Algumas discussões surgiram a respeito da constitucionalidade da Lei de arbitragem, isso porque nossa Carta Magna traz uma regra explícita em seu art.5º, XXXV, segunda a qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário), mas o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Sentença Estrangeira – SE nº 5.206/Espanha[6], publicada em 12.12.2001, consagrou a sua constitucionalidade, conforme ementa do julgamento abaixo:

“(…) 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte – incluído o do relator – que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória – dada a indeterminação de seu objeto – e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade – aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).”

Nessa medida, tem-se que o inciso XXXV, do art. 5º. da CF, representa um direito à ação e não um dever.

Assim, as partes podem ingressar no Judiciário e, se não quiserem, em razão do princípio da autonomia da vontade, podem optar pela via arbitral para dirimir os litígios decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis[7].

2.4. Natureza Jurídica

No que se refere à natureza jurídica da arbitragem, a doutrina não é uníssona e se divide basicamente em duas correntes: a tese contratualista e a tese jurisdicional.

Os contratualistas sustentam que a natureza jurídica da arbitragem é contratual, em razão de possuir caráter privatista desde a sua origem. Os árbitros não são juízes, mas particulares que administram a justiça em decorrência da vontade das partes e não em nome do Estado.

De acordo com essa teoria, a convenção de arbitragem, seja por cláusula arbitral ou por compromisso arbitral, se trata de instrumento contratual no qual as partes escolhem a pessoa que será responsável por solucionar a lide existente, de modo que a sentença arbitral não tem força judicial, representando uma mera obrigação contratual decorrente da convenção de arbitragem. Essa teoria ficou enfraquecida com o advento da lei n° 9.307/96, que conferiu ao laudo arbitral, agora designado sentença arbitral, eficácia de título executivo judicial.

Já os jurisdicionalistas afirmam que a arbitragem pertence ao Direito Público, sendo por essa razão também denominada como Publicista e sustentam que a jurisdição é atividade de fazer valer o direito, seja por meio do juiz estatal ou do árbitro.

De acordo com essa tese, o ponto principal de análise do instituto não deve ser a sua origem, qual seja o contrato, mas sim o seu fim, a sentença arbitral, que constitui o resultado da prestação jurisdicional, mister outorgado pelo Estado ao árbitro.

Corrobora, nesse sentido, o ensinamento de Carreira Alvim ao asseverar que:

"Existem diversos sistemas que possibilitam alcançar a resolução dos litígios, sendo o mais prestigiado deles o sistema jurisdicional, em que o Estado se encarrega de instituir adrede órgãos destinados a essa finalidade (juízos), reservando-se, com exclusividade ou não, o monopólio da distribuição da justiça. É o denominado sistema da justiça pública, que tem no Estado não só o seu organizador, como, sobretudo, o seu fiel garantidor, pela força que põe (e só ele pode pôr) a serviço da atividade jurisdicional. … A verdadeira natureza jurídica da arbitragem, é, entre nós, de cunho jurisdicional, possuindo a sentença arbitral a mesma eficácia que a ordem jurídica reconhece à sentença judicial."[8]

Nesse diapasão, a solução de um conflito com a emissão de um título executivo judicial é exercício da função jurisdicional e a arbitragem possui, por esse motivo, natureza jurisdicional.

3. O ÁRBITRO

Conforme determina o art. 13, caput, da Lei de Arbitragem, o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. Podem ser nomeados mais de um árbitro, mas sempre em número ímpar (art. 13, §1º) e, neste caso, haverá um tribunal de arbitragem (art. 13, §§4º e 5º).

No desempenho de sua função, o árbitro é o juiz de fato e de direito. A sentença proferida pelo árbitro tem a mesma força de uma sentença judicial transitada em julgado, vez que não está sujeita a recurso[9].

O árbitro ao exercer suas atribuições deve agir com imparcialidade, independência (deve se manter distante das partes), competência (deve conhecer e ser experimentado na matéria), diligencia (a solução do conflito deve ser pautada por cuidado e zelo) e discrição (deve ser discreto e não divulgar os conflitos que lhe são submetidos em razão do sigilo).

O descumprimento de qualquer dos deveres impostos ao árbitro, por lei ou convenção de arbitragem obriga-o a responder pelos danos que causar. Para efeito da legislação penal, os árbitros, no desempenho de suas funções, são equiparados aos funcionários públicos[10], podem ser sujeitos de crimes contra a administração pública, tais como corrupção, trafico de influência, entre outros.

O árbitro, assim como o juiz estatal, também poderá ser substituído, caso haja suspeição ou impedimento. É dever do árbitro, antes da aceitação da função, indicar qualquer fato que evidencie dúvida justificada à sua imparcialidade e independência[11].

4. PROCEDIMENTO ARBITRAL

De acordo com o que preceitua o art. 19[12] da Lei de Arbitragem, o procedimento arbitral instaura-se com a aceitação do árbitro. As partes escolhem um árbitro, ou se quiserem, podem eleger um tribunal (quando a decisão será tomada por três árbitros) para decidir o conflito, sendo que o árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença por ele proferida não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

A teor do que determina o art. 21,§ 2º. da Lei da Arbitragem, no procedimento arbitral devem ser respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

No procedimento arbitral, tendo em vista a informalidade e a ausência de atos judiciais, a presença de um advogado não é obrigatória, trata-se de uma faculdade. Nesse sentido o art. 21, § 3º., da Lei de Arbitragem, preceitua que:

“(…) § 3º. As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral”.

O árbitro poderá tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, de ofício ou mediante a requisição das partes. Como o árbitro não possui poder coercitivo, quando a convocação para prestar depoimento testemunhal, for ignorada, sem justo motivo, poderá requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha.

Caso a parte desobedeça ao requerimento de depoimento pessoal do árbitro, este ao proferir a sentença, levará em consideração o comportamento da parte faltosa, de modo que, a revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral, conforme prevê o art. 22, § 3º da lei em análise.

Durante o processo arbitral, se houver necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao Poder Judiciário, em razão da ausência do poder de império do árbitro, como estabelece o art. 22, § 4º da lei 9.307/96.

5. SENTENÇA ARBITRAL

A sentença arbitral tem as mesmas características da sentença emitida pelo juiz estatal. Deverá ser escrita e conter os seguintes requisitos indispensáveis a sua validade: o relatório, seus fundamentos, o dispositivo, data e local em que foi proferida e a assinatura do árbitro ou dos árbitros.

 No relatório deverá constar a qualificação das partes e um resumo do litígio. Na fundamentação serão demonstrados os motivos que levaram o julgador àquela decisão, esclarecendo as questões analisadas e no dispositivo os árbitros estabelecerão o preceito, resolvendo as questões que lhes foram submetidas[13].

Quando a arbitragem for realizada em um órgão colegiado, a decisão será tomada pela maioria e, se não houver acordo, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral. Nessa hipótese, poderá o árbitro que divergir da maioria, se quiser, declarar o seu voto em separado e também por escrito. Caso contrário, restará consignado o voto vencido, sem declaração.

No que diz respeito ao conteúdo, a sentença arbitral deverá abranger todo o objeto do litígio, decidir sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas, bem como sobre a verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, conforme o art. 27 da lei da arbitragem brasileira[14].

Na hipótese de composição amigável, o árbitro ou tribunal arbitral declarará extinto o processo por meio da prolação da sentença arbitral, cujos fundamentos serão os termos do acordo ou transação ajustada entre as partes.

O prazo para emissão da sentença, conforme preconizam os arts. 11, III e 23 da Lei da Arbitragem, pode ser estipulado pelas partes na convenção de arbitragem. Quando não for estipulado, o prazo será de 06 meses. Ultrapassado o prazo, o árbitro será notificado para que profira a sentença em 10 dias e caso não seja proferida a decisão, a parte que o notificou poderá pleitear a nulidade da sentença proferida depois do prazo (art. 32, VII) em razão da extinção do compromisso arbitral (art.12, III).

A sentença emitida pelo árbitro é irrecorrível e dispensa a homologação do Poder Judiciário, possuindo, portanto, força executiva, ou seja, é um título executivo judicial (art. 512, VII, do Novo Código de Processo Civil[15]). Faz coisa julgada e se não for devidamente cumprida será executada perante o Judiciário.

Importante ressaltar que a sentença arbitral, por se tratar de procedimento privado e sigiloso, não é publicada. A ciência das partes ocorrerá através de comunicação por qualquer meio idôneo que permita o recebimento de cópia da decisão, com comprovação do recebimento ou poderá ser designada audiência para leitura, intimação e publicação da sentença, momento em que o árbitro entregará pessoalmente uma cópia do julgado.

As partes, ao receberem a notificação ou ciência pessoal acerca da sentença arbitral, terão o prazo de 5 (cinco) dias para solicitar ao árbitro que corrija algum possível erro material, ou que esclareça uma obscuridade, dúvida ou contradição (art. 30 da Lei de Arbitragem). Por sua vez, o árbitro terá o prazo de 10 (dez) dias para aditar a sentença, caso seja necessário, e cientificar as partes.

A única possibilidade de impugnar a decisão arbitral é o ajuizamento de ação anulatória, no prazo de 90 dias, contados da sua prolação, nos termos do art. 33 da Lei Arbitragem. As hipóteses de anulação estão previstas no art. 32 da mencionada norma.

5.1. Sentença arbitral estrangeira

De acordo com o art. 34, parágrafo único da Lei de Arbitragem, considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. Desse modo, a lei brasileira adotou o local onde é proferida a sentença como critério para identificar a nacionalidade da sentença.

A sentença arbitral estrangeira, para ser executada no território nacional, deverá, antes, ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça nos termos do art.105, I, i, da CF[16].

Cumpre salientar que, antes da Emenda Constitucional 45/2004, a competência para homologação da sentença arbitral estrangeira era do Supremo Tribunal Federal, até em razão do art. 35 da Lei de Arbitragem, que agora deve ser lido em conjunto com a redação constitucional.

Também devem ser observados os requisitos constantes nos artigos 37, 38 e 39, da Lei de Arbitragem. Após a homologação, a sentença estrangeira adquire eficácia em todo o território nacional, sendo título executivo.

O mérito da sentença estrangeira não pode ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, pois a homologação restringe a análise dos seus requisitos formais.

6. RELAÇÕES COM O PODER JUDICIÁRIO

A Lei de Arbitragem representou um avanço no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que colocou a jurisdição estatal e a privada, lado a lado, à escolha do jurisdicionado, que pode optar em utilizar o que lhe parecer mais adequado, de acordo com a natureza e as particularidades do litígio a ser dirimido[17].

A arbitragem não surgiu para enfraquecer ou substituir o judiciário, ao contrário, apresenta-se como uma alternativa a mais à disposição das partes, solucionando conflitos de forma célere, segura e eficaz.

Como ensina a professora Fernanda Tartuce, a adoção de técnicas não tradicionais exige uma mudança de visão dos operadores do direito e, reproduzindo as palavras de Kazuo Watanabe, aponta que a “cultura da sentença” instalou-se entre a sociedade, devendo ser substituída pela “cultura da pacificação”[18].

É sabido que a maioria das faculdades de Direito prepara o aluno para o cenário contencioso, baseado na jurisdição estatal convencional, doutrinando-o para a cultura do litígio, mas é preciso mudar.

Nesse sentido é imperioso que haja divulgação desta técnica, que pode ser produzida por meio de incentivo ao estudo da arbitragem nas faculdades de Direito, para ensinar a esses futuros profissionais que o Judiciário não é a única via de solução de conflitos e que os métodos alternativos representam uma importante via de acesso a Justiça de forma ágil e eficaz.

O legislador, sensível a essa necessidade, reconhecendo a importância da arbitragem como instrumento de resolução de conflitos e com o intuito de aperfeiçoar a Lei de Arbitragem, propôs o Projeto de Lei do Senado n°. 406, de 2013, que trata de diversos aspectos relevantes, bem como aborda, o incentivo a inclusão da disciplina da arbitragem como método de resolução de conflitos nas instituições de ensino superior e no conteúdo programático de concursos públicos para ingresso nas carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público, previstos nos artigos 40-A[19] e 40-B[20].

A inserção dos artigos acima referidos merece destaque, posto que, certamente, contribuirá para o avanço e propagação da arbitragem, bem como para mudança de mentalidade dos profissionais do direito e da sociedade, a fim de que o instituto da arbitragem e o Poder Judiciário possam coexistir em perfeita sintonia.

O Poder Judiciário tem grande importância no processo arbitral brasileiro, já que contribui com a arbitragem em vários momentos, agindo de maneira a garantir a efetividade do juízo arbitral, como por exemplo, a execução de medidas no sentido de forçar as partes para o cumprimento de algumas decisões emitidas pelo árbitro, o qual não detém o poder de império.

É o que se verifica no caso das medidas cautelares, antecipação de tutela e execução da própria sentença arbitral. Há vários artigos da Lei de Arbitragem que fazem menção à parceria do árbitro com o juiz estatal, dentre eles estão: instituição forçada da arbitragem quando uma das partes se recusa a cumprir o convencionado na cláusula compromissória (art. 7°); fixação de honorários dos árbitros (art.11, parágrafo único); nomeação de terceiro árbitro (art. 13, § 2°); substituição de árbitro suspeito (art. 20, §§1º. e 2º.); depoimento de testemunhas (art. 22, §2º.); resolução de questão incidental sobre direito indisponível (art.25); hipóteses em que pode ser arguida a nulidade da sentença arbitral (art.33); reconhecimento de sentença arbitral estrangeira no Brasil (art. 35)[21].

Por outro lado, a arbitragem também merece destaque na medida em que se apresenta como uma ferramenta eficiente capaz de auxiliar no desafogamento do Poder Judiciário. É uma via de mão dupla, de fato, uma valiosa parceria em prol do acesso à justiça e da pacificação social.

7. CONCLUSÃO

A arbitragem se revela um importante mecanismo de solução de conflitos à disposição dos jurisdicionados, uma alternativa adicional, que com a mudança de mentalidade dos operadores do direito e da própria sociedade, se mostra hábil na desobstrução do Judiciário e, ao lado deste, em uma relação de parceria, pode caminhar de mãos dadas pela estrada do acesso à Justiça rumo a tão almejada pacificação social.

 

Referências
ALVIM, José Eduardo Carreira. Comentários à Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23/9/1996). Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004.
BERNARDES, Camila Fernandes Santos. Aplicação da arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/htm>. Acesso em maio de 2014.
BRASIL. Lei n°. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: maio de 2014.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado n°. 406, de 2013. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp.htm>. Acesso em junho de 2014.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à lei 9.307/96. 3ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2009.
MARDEGAN, Maria Beatriz Espirito Santo. Arbitragem: Um meio de acesso à ordem jurídica justa. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos>. Acesso em junho de 2014.
TASP – Tribunal Arbitral de São Paulo. Arbitragem no Brasil. Disponível em: <http://www.arbitragem.com.br/index.php>. Acesso em maio de 2014.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Cíveis. São Paulo: Método, 2008.
TORRE, Riccardo Giuliano Figueira. Controle Judicial do Processo Arbitral? Revista de Arbitragem e Mediação, ano 10. vol. 38. Jul.-set/2013. p.283.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio, Manual de Arbitragem – 4ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
WATANABE, Kazuo. Modalidade de mediação. Disponível em:<http://cjf.jus.br/revista/seriecadernos/vol22/artigo04.pdf>. Acesso em junho de 2014.
 
Notas
[1]TASP – Tribunal Arbitral de São Paulo. Arbitragem no Brasil. Disponível em: <http://www.arbitragem.com.br/index.php>. Acesso em maio de 2014.

[2]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.

[3]WATANABE, Kazuo. Modalidade de mediação. p.48. Disponível em:<http://cjf.jus.br/revista/seriecadernos/vol22/artigo04.pdf>. Acesso em junho de 2014.

[4] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à lei 9.307/96. 3ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2009. p.31.

[5] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio, Manual de Arbitragem – 4ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 88.

[6]SE 5206, AgRg, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJ 30.04.2004, pp-00029, Ement Vol.02149-06, pp-00958. Disponível no site www.stf.jus.br.

[7] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio, Manual de Arbitragem – 4ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 65.

[8] ALVIM, José Eduardo Carreira. Comentários à Lei de Arbitragem ( Lei nº 9.307, de 23/9/1996). Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004.p.28-31.

[9] Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

[10] Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.

[11] Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

[12] Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.

[13] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à lei 9.307/96. 3ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2009. p. 24.

[14] Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.

[15] Art. 512. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
II – a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
IV – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;
V – o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;
VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII – a sentença arbitral;
VIII – a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX – a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;
X – o acórdão proferido pelo tribunal marítimo quando do julgamento de acidentes e fatos da navegação;
§ 1º Nos casos dos incisos VI a IX, o devedor será citado no juízo cível para o cumprimento da sentença ou para a liquidação no prazo de quinze dias.
§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

[16] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
 I – processar e julgar, originariamente: (…)
 i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; (…)

[17] MARDEGAN, Maria Beatriz Espirito Santo. Arbitragem: Um meio de acesso à ordem jurídica justa. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em junho de 2014.

[18] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Cíveis. São Paulo: Método, 2008, p.117.

[19] Art. 40-A. O Ministério da Educação – MEC deverá incentivar as instituições de ensino superior a incluírem em seus currículos a disciplina da arbitragem como método de resolução de conflitos.

[20] Art. 40-B. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP deverão incentivar a inclusão, nos conteúdos programáticos de concursos públicos para o ingresso nas carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público, respectivamente, de matérias relacionadas à arbitragem como método de resolução de conflitos.

[21] TORRE, Riccardo Giuliano Figueira. Controle Judicial do Processo Arbitral? Revista de Arbitragem e Mediação, ano 10. vol. 38. Jul.-set/2013. p.283.


Informações Sobre o Autor

Norma Jeane Fontenelle Marques

Advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e Mestre em Direito pela FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo


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