A Teoria dos Jogos aplicada aos institutos despenalizadores do sistema jurídico brasileiro

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Resumo:  Estudo realizado acerca da aplicação da teoria dos jogos na solução de conflitos, a qual busca fundamentos matemáticos capazes de descrever e prever o comportamento estratégico, devidamente esclarecido pelo dilema do prisioneiro. Tema de grande relevância, analisaremos como se dá a aplicação desta teoria no sistema jurídico brasileiro, partindo de uma análise sobre os institutos despenalizadores do direito comparado, a fim de realizar uma possível confrontação com os métodos adotados por nosso ordenamento jurídico, como a composição civil, a transação penal, a suspensão condicional do processo e a delação premiada. Por fim, esclareceremos em que medida as teorias economicistas dos delitos e das penas guardam relação com os institutos despenalizadores. Este trabalho foi orientado pelo Professor José Cláudio Almada Cabral Marques.


Palavras-chave: Teoria dos jogos. Dilema do prisioneiro. Institutos despenalizadores. Direito Comparado. Teorias economicistas dos delitos e das penas.


Sumário: Introdução; 1. Teoria dos jogos aplicada à solução dos conflitos; 1.1. O dilema do prisioneiro. 2. Institutos despenalizadores do direito comparado. 2.1. Guilty plea; 2.2. Plea bargaining; 2.3. Nolo contendere; 3. Institutos despenalizadores do sistema jurídico brasileiro; 3.1. Composição civil; 3.2. Transação penal; 3.3 Suspensão condicional do processo; 3.4. Delação premiada; 4. Teorias economicistas dos delitos e das penas; Conclusão; Referências


Introdução


A teoria dos jogos é matéria que, em face de suas propriedades matemáticas, possui inúmeras aplicações a questões sociais, políticas e econômicas. Ela confere fundamento matemático aos fenômenos sociais, decorrendo daí o grande interesse em sua utilização, inclusive pelo o próprio Direito.


Teoria que se constitui num modo de modelar problemas que envolvem dois ou mais tomadores de decisões, a teoria dos jogos pode ser aplicada a institutos despenalizadores, onde as escolhas dos jogadores interessados em maximizar os próprios ganhos interferem ou dependem das opções dos outros indivíduos, como se dá, para citar alguns exemplos, na transação penal e na delação premiada, ambos institutos presentes no ordenamento jurídico do nosso país. Far-se-á, igualmente, a devida correlação entre os argumentos que fundamentam as teorias economicistas dos delitos e das penas com tais institutos despenalizadores.


O presente estudo, pois, se propõe a analisar cada um dos institutos despenalizadores do nosso sistema jurídico, tendo por base essa concepção de maximização de resultados, estratégias, melhores escolhas, que envolvem autor do fato e acusador/ofendido, os quais ambos cedem em prol da obtenção de um resultado ótimo, seja para as partes, seja para a sociedade como um todo. E é na tentativa de compreender a fundo a utilização das medidas despenalizadoras que o trabalho em tela realiza uma pesquisa acerca da delação premiada aplicada ao caso concreto, no que se refere à aplicação deste instituto no dia-a-dia da Polícia Federal do estado do Maranhão.


1. A teoria dos jogos aplicada à solução de conflitos


A teoria dos jogos, colocando em termos mais simples, consiste numa técnica pela qual é possível que o agente (ou jogador) constate qual é a melhor escolha a ser tomada quando este se encontra numa dada situação, pela qual a sua escolha deverá ser estratégica, mas tendo sempre em mente a base estratégica do outro agente. José Augusto Carvalho explica de forma simplificada:


“A teoria dos jogos é um método utilizado para representar e compreender as decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para a adoção da melhor escolha nos casos de interação estratégica”. (CARVALHO, 2007, p. 215)


O autor já referido acima continua nos esclarecendo o seguinte: “[…] instala-se um conflito de interesses, o que obriga a que cada participante do jogo escolha a melhor estratégia para si, mas considerando, também, a melhor estratégia para cada um dos demais jogadores” (CARVALHO, 2007, p. 215). Nesse sentido, como afirma Alecsandra Almeida (2006, p. 01), “[…] através dessa teoria os jogadores se posicionam da melhor forma para obter o resultado desejado”. Para não restarem dúvidas:


“O objetivo da teoria dos jogos é entender a lógica na hora da decisão e ajudar a responder se é possível haver colaboração entre os jogadores, em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar e quais estratégias devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores. A teoria dos jogos, por meio da matemática, equaciona os conflitos, onde o foco são as estratégias utilizadas pelos jogadores.”


Mas qual seria, então, a importância desta teoria matemática para o Direito Penal? Cumpre, portanto, esclarecer o que dispõe o Equilíbrio de Nash. Josh Nash publicou em 1951 artigo intitulado “Non-Cooperative Games”, pelo qual propunha a obtenção de um equilíbrio, onde a estratégia de cada um dos jogadores deve ser a melhor resposta para a estratégia adotada pelo outro. Assim, os jogadores devem levar em conta o comportamento do outro para então obterem o melhor resultado, o chamado equilíbrio de Nash.


“Um equilíbrio de Nash consiste num equilíbrio no qual cada jogador faz a escolha ótima (aquela que maximiza seu payoff), dada a escolha do outro. Em outras palavras, dizemos que um par de estratégias constitui-se num equilíbrio de Nash se a escolha de A for ótima, dada a escolha de B, e a escolha de B for ótima dada a escolha de A e não houver incentivos para que ambos mudam de estratégia.” (BALBINOTTO, 2006, p. 17).


Para se alcançar o referido equilíbrio, portanto, condições devem ser avaliadas pelos jogadores. As escolhas dos jogadores que visam à maximizar os próprios proveitos irão interferir ou mesmo dependem das opções dos outros jogadores. Assim esclarece Alecsandra Almeida sobre a teoria de John Nash:


“Nash provou a existência de ao menos um ponto de equilíbrio em jogos de estratégias para múltiplos jogadores, mas para que ocorra o equilíbrio é necessário que os jogadores se comportem racionalmente e não se comuniquem antes do jogo para evitar acordos.” (ALMEIDA, 2006, p. 06)


Teoria dos jogos e equilíbrio de Nash podem ser claramente percebidos, em se tratando do nosso ordenamento jurídico, no caso da delação premiada, a ser analisada mais a frente, visto que pressupõe jogadores, estratégias e resultados, onde cada um destes escolherá a alternativa que lhe for mais adequada, buscando o melhor para si tendo em conta as restrições existentes, além de prever o movimento dos demais jogadores para fins de maximizar a obtenção dos resultados desejados. (CARVALHO, 2009, p. 219-221)


1.1 O dilema do prisioneiro


O dilema do prisioneiro é um dos modelos teóricos sobre o qual se estruturou a moderna teoria dos jogos. Trata-se de um jogo simultâneo e não cooperativo. Eis a situação descrita neste dilema: dois delinqüentes cometem um crime e são presos. Não tendo provas suficientes da participação de ambos, a polícia os coloca em salas separadas e faz a cada um deles, isoladamente, uma proposta. Por esta, se o primeiro concordar em confessar o crime e acusar o seu parceiro, poderá se livrar do cárcere e seu cúmplice ficará preso por quatro anos, de maneira que faz essa mesma proposta para o outro indiciado, sem que um saiba da proposta feita ao outro. Caso ambos confessem o crime, os dois ficarão presos por dois anos, pois a confissão não de um não mais terá eficácia de acusar o comparsa; caso nenhum dos dois confesse, ambos ficarão presos por um ano, pois as provas que possuem os policiais só permitem provar um crime de menor potencial ofensivo (CARVALHO, 2009, p. 225).


Por se tratar de um jogo em que não há como saber qual postura adotará o outro jogador e por ser não cooperativo, a melhor solução é se ambos não confessarem, de modo que se atingirá o ponto ótimo. Tal combinação de estratégias, portanto, traduz o já referido “Equilíbrio de Nash”.


2. Institutos despenalizadores do direito comparado


O ordenamento jurídico norte-americano e o italiano possuem institutos que, ressalvadas as devidas diferenças, em muito inspiraram outros países a instituírem em seus sistemas jurídicos este método de solução de conflitos. São eles o guilty plea e o plea bargaining, característicos do sistema anglo-saxônico e norte-americano, respectivamente, bem como o nolo contendere, nascido no ordenamento italiano.


2.1 Guilty plea


De origem Inglesa, o guilty plea é uma forma de defesa perante o juízo na qual o acusado declara sua culpa, isto é, admite o fato a ele atribuído, após negociação com a outra parte. Em contrapartida, o imputado receberá alguma concessão como a redução da pena e, o mais importante, renunciará ao direito de ser processado por um tribunal do júri. Ocorre, porém, que toda esta negociação ocorre sem que exista ainda o processo, de modo que após a admissão de culpa pelo acusado, imediatamente haverá o julgamento, sem o processo.


A finalidade disto é a reduzir o tempo despendido na solução de um conflito, de forma a proporcionar uma resposta mais rápida para o réu e para a sociedade, deixando para julgamento somente aqueles casos realmente complicados.


2.2 Plea bargaining


De origem americana, de acordo com o plea bargaining, a pena ou a tipificação delituosa são negociadas com o acusado. É comumente chamada de “negociação de declaração de culpa”. Em outros termos, “[…] na plea bargaining, o cidadão que se vê acusado de algum crime tem a oportunidade de negociar, com seu acusador, a sua culpa, a verdade, e por consequência, uma pena […].” (SILVA, 2004, p. 122). Assim é que ocorre uma transação entre acusado e defesa, onde aquele, em troca de alguma benesse, admite sua culpa. Ada Pellegrini (et al, 2005, p. 255) nos esclarece o seguinte:


“No plea bargaining norte-americano há uma ampla possibilidade de transação: sobre os fatos, sobre a qualificação jurídica, sobre as consequencias penais e etc. […] No sistema norte-americano o acordo pode ser feito extraprocessualmente. No nosso sistema tudo tem que ser celebrado “na presença do juiz”.” (art. 89, §1º)


2.3 Nolo contendere


Instituto advindo do sistema jurídico italiano, pelo nolo contendere o acusado não contesta a acusação, mas também não assume a culpa, de modo que não se discute sua responsabilidade. Seria, em tradução quase literal, “não quero litigar”, isto é, o acusado prefere o acordo ao conflito.


“O que bem explica a natureza jurídica da suspensão condicional do processo entre nós, em suma, é o nolo contendere, que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência. A distinção fundamental que existe no direito norte-americano entre o guilty plea e o nolo contendere reside nos efeitos civis da resposta do acusado: daquele (onde o acusado admite culpa) deriva efeito civil (tem que indenizar); deste não decorre semelhante conseqüência (a indenização será discutida).” […] (GRINOVER, et al, 2005, p. 256)


3. Institutos despenalizadores do sistema jurídico brasileiro


Os Juizados Especiais Criminais, previstos no art. 98, I da Constituição, foram criados com a finalidade de obter consensualmente a solução de controvérsias penais em casos de certas infrações, realizado através de procedimento oral, o que torna mais célere e simplificado o processo.  A aplicação da lei 9.099/95 é no sentido da despenalização, que não se confunde com a descriminalização, isto é, não retira o caráter ilícito da infração, mas visa à aplicação de medidas alternativas que buscam evitar a pena privativa de liberdade, especificamente nas infrações de menor potencial ofensivo. Cumpre, nesse sentido, transcrever o que esclarece Ada Pellegrini:


“Convém esclarecer, desde logo, que a lei, no âmbito do Juizado Criminal, ao lado de favorecer a “conciliação”, reservou pouco espaço para a tão difundida “barganha penal”. No que concerne à transação que leva à aplicação imediata da pena, não estamos próximos nem do guilty plea (declarar-se culpado) nem do plea bargaining (que permite amplo acordo entre acusador e autor da infração sobre os fatos, a qualificação jurídica e a pena). O Ministério Público, nos termos do art. 76, continua vinculado ao princípio da legalidade processual (obrigatoriedade, “dever agir”), mas sua “proposta”, presentes os requisitos legais, somente pode versar sobre uma pena alternativa (restritiva ou multa), nunca sobre uma privativa de liberdade. Como se percebe, ele dispõe sobre a sanção penal original, mas não pode deixar de agir dentro dos parâmetros alternativos. A isso dá-se o nome de princípio da discricionariedade regulada ou regrada (ou, ainda, oportunidade regrada). Não é adequada a locução legalidade mitigada.” (GRINOVER, et al, 2005, p. 48)


Não obstante se tratar de também de um instituto despenalizador, a representação nos crimes de lesões corporais culposas ou leves não implica em possibilidade de escolhas pelo autor do fato, isto é, a realização de uma proposta por parte da defesa e uma possível aceitação pelo autor do fato, o que distancia o presente instituto da teoria dos jogos. Por esse motivo, não tomaremos tempo com a discussão deste instituto.


Além dos institutos despenalizadores característicos do Juizados Especiais Criminais, discorremos também sobre a delação premiada.


3.1 Composição civil


A primeira das medidas despenalizadoras é a da composição civil dos danos. Em sede de audiência preliminar, como se depreende da leitura do art. 72 da lei dos JECs, o juiz irá indagar as partes sobre a existência de possível dano civil a ser composto e a possibilidade de conciliação. Assim, autor do fato e vítima terão a oportunidade de realizarem um acordo com vistas ao ressarcimento de eventuais prejuízos gerados em razão da conduta.


Uma vez realizado e homologado tal acordo, em se tratando de ação penal privada ou pública condicionada à representação, importará automaticamente em renúncia ao direito de queixa ou de representação (art. 74, parágrafo único) e, consequentemente, culminará na despenalização da conduta do agente, de modo que caso o autor do fato descumpra com o acordado, a vítima poderá ajuizar uma ação de execução para satisfazer direito seu. Ressalte-se, porém, que não obstante o silêncio da lei, é pacífica na doutrina a possibilidade de que a composição civil seja proposta ainda que se trate de ação penal pública incondicionada nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Porém, nesses casos, “[…] a composição civil do danos não tem qualquer efeito em relação à persecução penal, valendo, contudo, como título executivo no cível” (OLIVEIRA, 2009, p. 679)


Vê-se, portanto, que através da utilização deste instituto, a vítima, de um lado, renuncia à instauração de um processo penal, enquanto que o autor do fato, por seu turno, “[…] ficará ele incentivado a reparar os danos causados para evitar o processo penal” (GRINOVER, et al, p. 145). Logo, a obtenção do resultado “composição civil dos danos” dependerá categoricamente da escolha de posturas advindas das duas partes, isto é, de aceitação (concessões mútuas) do autor do fato e da vítima, as quais porão fim à controvérsia. O autor do fato, todavia, deve analisar se, proposta a composição civil, vale a pena aceitá-la, vez que a homologação do acordo não impedirá o parquet de oferecer a ação penal, de modo que o autor do fato deve analisar que se as provas de sua autoria forem facilmente constatadas pelo parquet, não fará sentido a aceitação da composição civil.


3.2 Transação penal


Tentada a conciliação civil, passa-se, na mesma audiência, à tentativa de transação penal. Disposta no art. 76 da lei 9.099/95, a transação penal consiste em concessões mútuas entre as partes, mas ela será dirigida pelo juiz ou conciliador. Pela leitura do art. 76, percebe-se que a proposta de aplicação da pena somente poderá ser feita quando se tratar de representação ou sendo o caso de crime de ação penal pública incondicionada, logo, não é possível, a priori, no caso de queixa-crime, e não sendo o caso de arquivamento pelo Ministério Público. Destarte, uma vez sendo aceita a proposta pelo autor da infração, será ainda submetida à apreciação do juiz.


Fazendo um comparativo com o instituto norte americano do plea bargaining, no qual também há concessões mútuas, ressalvas devem ser feitas, pois a transação penal encontra limites no sistema jurídico brasileiro:


“Assim, o Ministério Público não pode deixar de oferecer acusação em troca da confissão de um crime menos grave ou da colaboração do suspeito para a descoberta de co-autores, como ocorre no sistema do plea bargaining dos Estados Unidos da América.” […] (GRINOVER, et al, 2005, p. 68)


Nesse sentido, a transação penal somente poderá ser proposta, seja pelo Ministério Público ou mesmo pelo autor do fato, se atendidas determinadas condições, além do que fica restringida às seguintes opções: opção entre a pena de multa ou a pena restritiva, a fixação do valor da pena de multa, e a espécie, tempo e forma de cumprimento da pena restritiva. Trata-se, pois, da chamada discricionariedade regrada. Não se admite, porém, proposta de transação que trate de aplicação de pena privativa de liberdade, ainda que reduzida, posto que se está ainda em fase administrativa, onde não há nem mesmo acusação, não há ainda processo jurisdicional, e não se sabe se o acusado seria absolvido ou não (GRINOVER, et at, 2005, p. 157-158).


Vale ressaltar a discussão na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de autor do fato e o próprio ofendido transacionarem (ação penal privada). Não obstante o disposto no art. 76 da lei dos JECs, muitos entendem que o ofendido, não tendo êxito na composição civil, teria sim interesse em transacionar a aplicação da pena. Consequência disso seria, tal como leciona Ada Pellegrini (et al, 2005, p. 151), que:


“[…] tanto para a ação pública condicionada como para a ação de iniciativa do ofendido, a homologação do acordo civil acarreta a renúncia tácita ao direito de representação ou queixa. Assim, só na hipótese de não terem os partícipes se conciliado quanto aos danos civis, com a correspondente homologação do acordo, a audiência de conciliação prosseguirá, com a tentativa de transação penal.


No caso de ação de iniciativa pública, ao contrário, a homologação do acordo civil nenhum efeito terá sobre a ação penal.”


Conclui-se, portanto, o seguinte: no momento da proposta feita pelo Ministério Público/ofendido, o autor do fato deve analisar a viabilidade de homologar a transação, vez que se ele estiver seguro de sua inocência poderá optar por responder ao processo a fim de obter sua absolvição. Pode ainda ponderar os pontos positivos e negativos propostos e ainda assim entender que a via judicial é o caminho mais adequado. Se, porém, ele transaciona, mas tem consciência de que são grandes as chances de surgem provas que constatem que fora de fato ele o autor, realizar a transação de nada adiantará, visto que a homologação desta não obsta o Ministério Público de iniciar a ação penal, culminando, assim, em sua condenação. Portanto, o autor do fato deve analisar minuciosamente qual dos caminhos optará por percorrer, de modo a avaliar se valerá ou não a pena aceitar a proposta.


3.3 Suspensão condicional do processo


Prevista no art. 89 da lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo se fundamenta em princípios como o da oportunidade ou discricionariedade regrada, o princípio da autonomia da vontade e o princípio da desnecessidade de prisão. Somente é possível em se tratando de crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, podendo o Ministério Público propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que presentes os requisitos do caput deste artigo. Vale destacar que suspensão condicional do processo e sursis (suspensão condicional da execução da pena, logo, já transcorreu o processo), apesar de serem comumente confundidos, são diferentes.


No momento do oferecimento da denúncia, é feita a proposta de suspensão, que será analisada pelo juiz. Mas todas as condições dispostas no art. 89, §1º, incisos I a IV. Respeitadas tais condições e concretizado o plano proposto, haverá a extinção da punibilidade.


O instituto despenalizador em foco é comumente associado ao instituto italiano do nolo contendere, já esclarecido linhas acima. Difere, porém, do plea bargaining, pois neste, como já referido anteriormente quando da explanação deste instituto, caracteriza-se ampla possibilidade de transação, vez que se transaciona sobre os fatos, qualificação jurídica, sobre as consequências penais, dentre outros, enquanto que a suspensão condicional do processo “[…] tem por objeto imediato exclusivamente o avanço ou não do processo” (GRINOVER, et al, 2005, p. 255). Ademais, no primeiro o acordo pode ser feito extraprocessualmente, enquanto que o segundo somente se dá na presença do juiz. Igualmente diverso do guilty plea, na suspensão condicional do processo o acusado não admite qualquer culpa, como ocorre no instituto norte-americano


Logo, diante da incerteza do resultado do processo, suspender o seu prosseguimento se revela uma saída viável, pela qual ambas as partes cedem parcelas de prerrogativas suas, parcelas de direito seu. Em troca da extinção de punibilidade, o autor do fato fica obrigado a inúmeras condições, as quais atingem até mesmo sua liberdade de locomoção. Noutra esfera, o Ministério Público abre mão do prosseguimento da persecução penal em troca do cumprimento dessas condições.


Mas tal viabilidade deve ser avaliada pelo acusado, pois deve ponderar se o cumprimento de todas as condições impostas vale a suspensão da pena, ou mesmo se existem reais chances de o processo ser decidido em seu favor, o que igualmente torna desnecessária a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo, pois no caso de não haverem provas suficientes, por exemplo, restará ilesa a presunção de inocência, resultando em sua absolvição. No mesmo sentido dos institutos explicitados anteriormente, o acusado possui diversos caminhos a seguir quando da realização da proposta, tendo de eleger a que entender ser a mais adequada para si.


3.4 Delação premiada


O último dos institutos despenalizadores a ser estudado é a delação premiada. Usada principalmente no combate ao crime organizado, ela consiste numa denúncia/acusação que resulta numa recompensa para aquele que a realizou, buscando, assim, a verdade processual, visto que, em troca da manutenção de sua liberdade ou de diminuição da pena o co-réu fornece informações de fundamental importância para a solução do crime (FONSECA, 2008, p. 248). Assim é que, segundo o conceito de Luiz Flávio Gomes:


“A delação premiada, nesse contexto, faz parte da Justiça colaborativa. Nada mais significa que assumir culpa por um crime (confessar) e delatar outras pessoas. Delação é traição (que não é uma virtude), mas em termos investigatórios ela pode eventualmente ser útil, principalmente em países com alto índice de corrupção, como é o caso do Brasil.”


A justiça colaborativa, nada mais é do que aquela que cuida de premiar o criminoso por haver colaboração anuente com a justiça criminal. Ela é uma espécie que faz parte da Justiça consensuada (gênero).


Além disso, é importante ressalvar que este instituto é restrito a alguns crimes e previstos em leis específicas, dentre elas: art. 159 do Código Penal, sobre crimes de extorsão mediante sequestro (redação dada pela Lei nº 9.269/1996, ao parágrafo 4º do art. 159 do CP); Lei nº 8.072/1990, sobre crimes hediondos (art. 8º, parágrafo único); Lei nº 8.137/1990, sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 16, parágrafo único); Lei nº 9.034/1995, sobre crime organizado (artigo 6º); Lei nº 9.613/1998, sobre lavagem de dinheiro (artigo 1º, parágrafo 5º); Lei nº 9.807/1999, que trata do programa de proteção a vítimas e testemunhas (artigo 14); e Lei nº 10.409/2002, que versa sobre a repressão a tóxicos (artigo 32, parágrafo 2º).


Ademais, muito se questiona a respeito da validade dessas declarações feitas por cúmplices ou co-autores. A respeito disso, Frederico Valdez Pereira (2009, p.177), expõe que:


“[…] A posição mais correta é a que nega a possibilidade de um juízo condenatório fundar-se exclusivamente em declarações de co-imputado beneficiário do instituto premial […] a quase totalidade das obras e posicionamentos doutrinários consultados não admitem que este elemento de prova tenha força de, isoladamente, sustentar decreto de condenação”. (Grifo nosso).


A fim de visualizarmos no caso concreto a aplicação deste instituto, em sede de entrevista, conversamos com O delegado da polícia federal, David Farias de Aragão[1], o qual nos esclareceu alguns pontos. Eis o seu teor.


A: É inegável que a delação premiada viabiliza um crescimento na identificação da autoria de crimes. Contudo, você concorda que  é possível que a delação venha a dar ensejo a incriminações gratuitas ou infundadas?


DFA: Existem diversas medidas investigativas que podem ser determinadas pela autoridade policial durante a apuração de um delito. Com a evolução da criminalidade, técnicas tradicionais como a realização oitivas, diligências no local do crime e apreensão de objetos se mostraram insuficientes para a descoberta dos responsáveis pela prática delitiva e as circunstâncias de sua ocorrência. Os agentes criminosos passaram atuar em grupos com divisões de funções e hierarquia, caracterizando verdadeiras organizações criminosas.


Para que o Estado possa combater efetivamente essa realidade, foram introduzidas em nossa legislação durante a década 90 técnicas já consagradas em outros países como a interceptação de sinais e a delação premiada. Essa última técnica tem grande valia, por exemplo, na identificação daqueles que ocupam posição hierárquica superior nas organizações criminosas.


Podemos citar, a título de ilustração, o caso do tráfico de drogas. Em regra, o chefe da quadrilha não se aproxima do entorpecente, determinando que outras pessoas transportem, tenham em depósito e vendam a droga. Caso uma dessas pessoas venha a ser flagradas nessas situações, o chefe da quadrilha poderia passar ileso. 


No entanto, com o instituto da delação premiada, o direito de não se auto-incriminar, representado pelo brocardo latino “nemo tenetur se detegere”, é amenizado e o agente criminoso pode ser beneficiado assumindo sua participação e colaborando com a investigação ou o processo penal.


É importante ressaltar que a colaboração do investigado deve ser efetiva e voluntária para que ele obtenha os benefícios legais. Por outro lado, as informações repassadas devem ser avaliadas no contexto da apuração. A ciência investigativa é complexa e dinâmica, de sorte que não deve se prender a apenas uma técnica, mas buscar, na medida do possível, a verdade real. Respeitadas essas premissas, evita-se que uma informação isolada obtida com a delação premiada possa dar ensejo a incriminações gratuitas ou infundadas.


A/C: Você encara a delação premiada como sendo uma forma de aplicação da teoria dos jogos, pela qual os agentes seguem uma determinada estratégia tendo sempre como base a estratégia do outro?


DFA: Como se trata de um benefício legal, o agente criminoso leva em consideração a posição dos demais co-autores quando decide aceitá-lo. É mais comum que pessoas que tenham menor participação no fato investigado venham a assentir com a proposta de delação.


A/C: A delação feita na polícia, caso seja retratada em juízo, não terá valia alguma?


DFA: O inquérito policial é um procedimento pré-processual de caráter inquisitivo que tem por finalidade a busca de elementos de autoria e materialidade para fundamentar futura ação penal. O STF tem firme entendimento no sentido de que a condenação baseada única e exclusivamente nas provas colhidas no inquérito policial é viciada, pois tais elementos não são colhidos sob o crivo do contraditório.


Todavia, as decisões judiciais são proferidas de acordo com o livre convencimento motivado do juiz. Assim, uma delação premiada realizada na fase judicial, pode ser um dos motivos utilizados pelo juiz para formar sua convicção, desde haja também algum elemento de prova colhido na fase judicial que corrobore sua interpretação dos fatos.


A validade da delação na fase judicial retratada na fase judicial, portanto, tem validade, mas relativa, assim como as demais provas colhidas no inquérito policial.


Ante o exposto, percebe-se que a delação premiada é instrumento de extrema importância para a solução e combate a inúmeros crimes, pois proporciona um lapso temporal consideravelmente menor para desvendá-los, sendo, assim, campo de concretização direto da teoria dos jogos.


4 Teorias economicistas dos delitos e das penas


As teorias economicistas dos delitos e das penas visa a demonstrar as causas do crime e o melhor meio, leia-se o meio mais barato, de se combater as condutas criminosas. Nessa perspectiva, o agente deve agir estrategicamente, de modo a eleger o melhor caminho a ser percorrido, tendo em vista os benefícios e os malefícios que decorrerão de sua conduta. Assim explica Cláudio Guimarães:


“O comportamento delinqüente se assemelha, portanto, a qualquer outro comportamento racionalmente desencadeado no qual o indivíduo, ante uma escolha qualquer, avalia os diferentes custos e benefícios possíveis e previsíveis de sua conduta e atua consciente de suas prováveis conseqüências. Na medida em que os ganhos superem os custos, a conduta será praticada.” (GUIMARÃES, 2009, p. 06)


O referido estudioso, porém, destaca importante constatação acerca destas teorias:


“Em assim sendo, necessário que se achem valores equivalentes em moeda corrente para todos os custos e benefícios oriundos da prática delitiva, principalmente, para a quantidade de pena privativa de liberdade imposta. O desiderato maior de toda essa formulação teórica nada mais é do que concluir: o sistema penal deve, preferencialmente, aplicar penas pecuniárias para aqueles que possam arcar com tal conseqüência e penas privativas de liberdade para os delinqüentes que não dispõem de tais recursos. […].” (BLOCK; HEINEKE, 1975, p. 314). (GUIMARÃES, 2009, p. 08)


Vê-se, pois, que as teorias economicistas do direito penal refletem aqueles institutos despenalizadores estudados neste trabalho linhas acima, uma vez que como o que interessa é a redução de custos, acaba-se por desincentivar a imposição de penas privativas de liberdade, e incentivando as penas de multa. Esclarecendo:


“A pena de multa chega a ser considerada como um fator que anula os custos sociais carreados pelo delito, haja vista que ao lado de seu baixo custo de imposição e arrecadação, funciona como um compensador para a vitima ou para o resto da sociedade dos prejuízos causados pelo crime, de forma direta se transfere renda do sancionado para aqueles que sofreram tais prejuízos.


[…]


Quer-se fazer crer, portanto, que a pena privativa de liberdade deve ser aplicada de forma bastante comedida em razão dos altos custos financeiros que a mesma acarreta para a sociedade. A construção, equipamento e manutenção das instalações penitenciárias, além da perda econômica que se supõe manter milhares de pessoas inativas e alheias ao processo produtivo, posto que alijadas de suas profissões habituais desautorizam o indicativo de política criminal alicerçado na aplicação da pena de prisão.” (GUIMARÃES, 2009, p. 11).


Tendo consciência de que não há como zerar a criminalidade, o Estado opta por conviver com ele, mas suportando-o o mínimo possível. Impondo a aplicação de penas pecuniárias, os custos serão consideravelmente mais baixos do que se utilizada a pena de prisão. Trata-se, portanto, de uma forma, ainda que por motivos econômicos, de despenalizar, mas que igualmente faz com que o agente avalie os benefícios e malefícios daquela conduta. O Estado, pois, abre mão do jus puniendi da pena privativa de liberdade, ao passo que economiza no combate à conduta delituosa, enquanto que o agente, em contrapartida, garante a sua liberdade, mas deverá dar sua contraprestação através da penalidade pecuniária.


Conclusão


Viu-se que a questão aqui colocada em foco que a teoria dos jogos é importante aliada dos operadores do Direito. O Estado muitas vezes não elege as melhores estratégias, fato este que refletem diretamente nas situações de conflito da sociedade. A busca, portanto, da melhor estratégia, tendo em mente a estratégia do outro, é sempre o melhor caminho para se obter a maximização dos resultados, e é nessa perspectiva que deve se embasar o direito.


Os institutos despenalizadores representam, nesse sentido, um exemplo da busca por meios alternativos de solução de conflitos, onde se percebe que a muitas vezes o caminho para a pacificação social se encontra em meios diversos daqueles comuns ao direito penal, que são as penas privativas de liberdade. Comumente, a imposição de condições ao autor do fato e a aplicação de penalidades pecuniárias revela o mesmo caráter inibitório das medidas penalizadoras, ao passo que igualmente se revelam, em verdade, num “processo de resultados”. E a composição civil, a transação penal, a suspensão condicional do processo, a delação premiada e até mesmo as teorias economicistas das penas refletem, nesse sentido, esta concepção.


 


Referências bibliográficas:

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Informações Sobre os Autores

Cláudia Priscyla Reis

Estudante de Direito

Aline Lima Oliveira

Estudante de Direito


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